O Sistema Prisional do Brasil é uma das mais vergonhosas calamidades
públicas do país. A desumanidade chega ao fundo do poço. Salvo raríssimas
exceções, as cadeias são depósitos de “lixo humano” (leia: pobres).
Mesmo que a realidade de outros Estados seja muito
parecida, cito como exemplo ilustrativo o caso de Goiás. No Estado de Goiás, a
situação da Colônia Agroindustrial do Regime Semiaberto, que integra o Complexo
Prisional de Aparecida de Goiânia, na região metropolitana da capital, é tão
grave que não dá para acreditar.
A unidade prisional, nas condições em que tem
funcionado, viola a dignidade humana e os direitos assegurados aos presos pela
Constituição Federal, sobretudo em relação às condições sanitárias, de higiene,
de saúde e de alimentação.
Enil Henrique de Souza Filho, presidente da Ordem
dos Advogados do Brasil - Seção de Goiás (OAB-GO), no dia 14 de maio passado,
protocolou, na Justiça Federal, ação civil pública com pedido de liminar para interdição
total da Colônia Agroindustrial do Regime Semiaberto, situada em Aparecida de
Goiânia, em razão de absoluta inadequação do local para acolhimento de presos
daquele regime.
Assinam também a ação civil pública Rodrigo Lustosa
Victor, presidente da Comissão de Segurança Pública e Política Criminal, Jorge
Paulo Carneiro, coordenador do Grupo de Trabalho sobre o Sistema Prisional, e
Mônica Araújo de Moura, presidente da Comissão de Direitos Humanos. Rodrigo
Lustosa, que coordenou a última inspeção realizada pela OAB-GO na unidade
prisional, se disse estarrecido com o que presenciou no local. "É
inenarrável. Situação completamente incompatível com o que estabelece a Lei de
Execuções Penais".
"Nós tentamos - diz o presidente da OAB-GO -
contemporizar, dar tempo para que fossem feitas as adequações necessárias.
Prova disso é que esta é a terceira inspeção que fazemos. Como, até agora, nada
foi feito para que a situação fosse alterada, percebemos que não poderíamos
mais protelar. A dignidade humana tem de ser defendida e esse é um dos nossos
papéis" (Patrícia Papini -
Assessoria de Comunicação Integrada da OAB-GO, em: http://www.oabgo.org.br/oab/noticias/acao-civil-publica/14-05-2015-oab-go-pede-liminar-para-interdicao-do-semiaberto/). Que irresponsabilidade do Poder Público!
Segundo reportagem de O Popular, a OAB-GO denuncia
que a superlotação na Colônia Agroindustrial do Regime Semiaberto chega a 500%.
“Até 60 presos são colocados em celas com capacidade para 9, num ambiente que
aumenta o desespero e a tensão. Detentos com doenças infectocontagiosas são
misturados com os demais e não recebem atendimento médico”. É uma realidade chocante!
É uma situação terrível! É uma barbárie intolerável! Não dá para entender como,
em pleno século XXI, possa haver tanta desumanidade!
O prédio do Semiaberto “tem capacidade para
acomodar 366 presos, considerando todos os pavilhões e blocos, mas, de acordo
com a OAB-GO, menos de um terço do total está utilizado, desde o último
incêndio provocado durante motim de presos (outubro de 2014)”. Conforme diz
Jorimar Bastos, presidente da Associação dos Servidores do Sistema Prisional do
Estado de Goiás (Aspego), “o Governo do Estado prometeu reformar a unidade,
para restaurar as perdas, o que não ocorreu” (O Popular. Semiaberto: OAB quer
interdição de unidade, 14/05/15, p. 4).
A quase totalidade dos
presos é pobre e, entre os pobres, a maioria é negra. A discriminação racial
ainda existe. Os maiores criminosos da sociedade capitalista neoliberal na qual
vivemos são ricos e não vão para a cadeia. Nessa sociedade, a cadeia - mesmo
que se diga o contrário - só existe para os pobres. Os ricos são sempre pessoas
honradas, “pessoas de bem”. Quando um rico é preso (o que acontece muito
raramente), colocam-no em cela especial e logo encontram uma justificativa
legal para livrá-lo da cadeia ou conceder-lhe a “prisão domiciliar” com todas
as mordomias. Alguém já viu pobre em “prisão domiciliar”? Onde é que todos são
iguais perante a lei? Que sociedade hipócrita!
No dia 29 de maio do
corrente ano, a Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Goiânia fez mais uma
denúncia à ouvidoria do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e à
Secretaria de Direitos Humanos da presidência da República a respeito da
superlotação no Centro de Triagem, no Complexo Prisional de Aparecida de
Goiânia. Segundo a denúncia, que foi confirmada por agentes prisionais, “havia
- no dia 28 de maio passado - 550 presos amontoados na unidade, que tem 212
vagas”. Certamente não havia nenhum rico entre eles! Os ricos devem ser todos
“santos”!
A Superintendência
Executiva da Administração Penitenciária (Seap) da Secretaria de Estado da
Segurança Pública e Administração Penitenciária (SSPAP), em nota pública,
tentou se justificar, informando que “sempre tem se colocado obediente às
decisões da Justiça e trabalhando para dar solução aos problemas, que são
comuns ao Sistema Penitenciário Brasileiro”.
Há anos, as promessas são muitas, mas as mudanças
não acontecem. Na prática - embora em teoria se diga sempre o contrário - o
desinteresse do Poder Público é total. Os pobres - mais ainda se forem negros -
não contam. São sobras, são descartáveis, são lixo, que não serve nem para ser
reciclado.
Se os governantes e parlamentares (senadores,
deputados federais e estaduais) fossem obrigados - mesmo só por alguns anos - a
morar e trabalhar nos presídios do Brasil (como, aliás, muitos mereceriam),
será que não encontrariam logo uma solução para a situação desumana e
humilhante em que se encontram esses presídios?
O Governo de Goiás - em vez de lavar as mãos diante
da situação degradante dos nossos irmãos e irmãs presos, tentando, pela
terceira vez, terceirizar (leia: privatizar) a gestão do Complexo Prisional de
Aparecida de Goiânia - deveria assumir sua responsabilidade e tomar com
urgência as providências necessárias. Chega de conversa fiada! Queremos fatos!
Mudança do Sistema Prisional Brasileiro, já!
Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP)
e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de
Filosofia da UFG
Goiânia, 03 de junho de 2015
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