sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Opção pelos Pobres: único caminho para seguir Jesus de Nazaré

 


Confesso que fiquei surpreso com o título do artigo do meu irmão dominicano Frei Betto, a quem admiro muito: “E correto ainda falar de Opção pelos Pobres”? A pergunta coloca em dúvida a Opção pelos Pobres e - com isso - acaba reforçando, mesmo que involuntariamente, o modelo de Igreja conservadora que, com razão, o próprio Frei Betto critica.

As CEBs (e não “o Movimento das CEBs” - como diz Frei Betto) foram e continuam sendo uma experiência concreta e atual do “novo e antigo jeito” - o “jeito evangélico” - de ser Igreja (e - enquanto ideal - de toda a Igreja ser). 

Infelizmente - nisso concordo com Frei Betto - as CEBs, juntamente com as Pastorais Populares, foram atropeladas “por 34 anos de pontificados conservadores de João Paulo II (26 anos) e Bento XVI (8 anos). A ‘volta à grande tradição’ (J.B. Libânio), incentivada por aqueles pontífices, penetrou Seminários e trouxe de fora para dentro do Brasil diversos Movimentos marcados por uma espiritualidade intimista, carismática, clericalista, desprovida de caráter social e de compromisso com a Opção pelos Pobres”. 

É justamente por isso que precisamos reafirmar com toda força a Opção pelos Pobres. Ela não é uma questão semântica; não é uma questão de linguagem “correta” ou “incorreta”; não é também uma questão de Opção “preferencial”, ou seja, de uma alternativa entre duas ou mais alternativas possíveis (aliás, a palavra “preferencial” não se encontra nos Documentos de Medellín - 1968, mas foi colocada posteriormente para agradar aqueles que - sobretudo bispos - não entendiam o sentido da Opção pelos Pobres). 

Fazendo suas as palavras do profeta Isaias, Jesus diz: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para anunciar a Boa Notícia aos Pobres” (Lc. 4,18). Ele não diz: para anunciar “preferencialmente” a Boa Notícia aos Pobres. 

A Opção pelos Pobres é uma Opção de vida, uma Opção que tem lado. É a Opção do Evangelho; é a Opção “desde a manjedoura” de Jesus de Nazaré: o caminho que Ele fez e que não exclui ninguém.  “Eu vim para que todos e todas tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Todos e todas são chamados/as a se converter, mudar de vida, praticar a partilha e a entrar nesse caminho, como fez Zaqueu, o homem rico do Evangelho. Mas, cuidado! Jesus diz também: “É mais fácil um camelo passar pelo vão de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus” (Mt 19,24).

Em poucas palavras, a Opção pelos Pobres é o único caminho para seguir Jesus de Nazaré: “Caminho, Verdade e Vida” (Jo 14,6).

Fazer a Opção pelos Pobres não significa, pois, exaltar ou idolatrar a pobreza que - enquanto falta (grave ou gravíssima) de condições de vida digna, é um mal, uma violência institucionalizada, um pecado social (sócio-econômico-político-ecológico-cultural e religioso) ou pecado estrutural: o Anti-Reino de Deus. 

Fazer a Opção pelos Pobres (trabalhadores/as sem terra, sem teto e sem trabalho, trabalhadores/as explorados/as, marginalizados/as, oprimidos/as, abandonados/as e descartados/as de nossa sociedade capitalista ultra neoliberal, injusta e perversa) significa ficar do lado deles e delas, ser companheiros/as e irmãos/ãs de caminhada, para que eles e elas tenham voz e vez e se tornem o sujeito principal de sua própria libertação.

A “pobreza - virtude” não é a “pobreza - falta de condições de vida digna”, mas é a vida humana vivida com simplicidade, na partilha, no amor e na solidariedade

Dou graças a Deus por ter-me dado a possibilidade de mergulhar no trabalho de base nas CEBs e nos Movimentos Populares não só nos anos em que esse trabalho “estava na moda”, mas durante toda a minha vida - nos tempos favoráveis e desfavoráveis - e posso afirmar: não é verdade - como parece insinuar o meu irmão Frei Betto - que nesse trabalho de base não se fazia ou não se faz uma análise estrutural e conjuntural crítica da realidade. Houve e há limitações naturais, faltas de recursos materiais e humanos e outras falhas, mas - mesmo com tudo isso - o eixo ou a espinha dorsal da práxis (prática e teoria dialeticamente unidas) de libertação foi sempre (e continua sendo) a leitura - análise e interpretação - dos sinais dos tempos à luz da razão (ou, nas CEBs, à luz da razão, iluminada pela fé), a partir da Opção pelos Pobres, desde os Pobres, na ótica dos Pobres. O método usado foi e continua sendo “ver, julgar e agir” (analisar, interpretar e libertar).

A Teologia da Libertação (as palavras “da Libertação” servem de lembrete, porque toda Teologia verdadeira é da Libertação) brota da Práxis da Libertação e a fortalece. O mergulho permanente nesse trabalho - em tempos favoráveis e, sobretudo, em tempos desfavoráveis - foi a minha verdadeira Universidade de Vida. 

Os assessores de Encontros de Base - Intereclesiais e outros (já disse isso na avaliação do último Intereclesial em Londrina) não devem ser “assessores de helicóptero” (que aparecem e, logo depois de sua assessoria, somem), mas pessoas que participam integralmente do Encontro numa atitude de escuta para apreender com a experiência e a sabedoria do povo e que - dentro desse contexto de participação - contribuem com sua assessoria, conforme a especialidade de cada um.

Aqueles e aquelas (bispos, padres, religiosos/as e outras pessoas) que pensam que acabaram com a Igreja da Caminhada - a Igreja das CEBs e das Pastorais Populares - estão muito enganados. Ela está viva mais do que nunca, está nas catacumbas. O Espírito Santo a sustenta e um dia ela irá irromper novamente - ou já está irrompendo - com toda força do Espírito. Ninguém resiste à ação do Espírito Santo (as palavras “de Base” são também um lembrete, porque toda Comunidade - para ser cristã - tem que ser “de Base”, territorial ou ambiental, ou seja, uma Comunidade inserida e encarnada na realidade desde os Pobres. 

A nossa missão como Igreja é combater o Anti-Reino e fazer acontecer o Reino de Deus na história do ser humano e do mundo: a Irmã-Mãe Terra, nossa Casa Comum. “Num país de injustiças, se a Igreja não é perseguida, é porque é conivente com a injustiça” (Santo Oscar Romero).

Enfim, na diversidade dos carismas (dons) e dos ministérios (serviços) lutemos para sermos, cada vez mais, a Igreja de Jesus de Nazaré.

(Veja o artigo do Frei Betto, em: https://domtotal.com/artigo/9064/2020/10/e-correto-ainda-falar-de-opcao-pelos-pobres/).


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Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 06 de outubro de 2020


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A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos