sábado, 3 de junho de 2017

Dom Fernando, pastor-profeta: um “Pai da Pátria Grande”

Fiquei feliz - embora surpreso - com a boa notícia do dia 23 de maio último, a respeito de Dom Fernando Gomes dos Santos: “A PUC Goiás e a Universidade Internacional da Flórida participam de projeto do Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM) que vai recontar a trajetória de religiosos que tiveram impacto na sociedade. Em Goiás, o escolhido é Dom Fernando Gomes, arcebispo da Arquidiocese de Goiânia de 1957 a 1985. Os pesquisadores Janira Sodré Miranda e Antônio César Caldas Pinheiro conduzirão o trabalho, que comporá o volume especial ‘Trajetórias pastorais - Histórias dos Pais da Pátria Grande’. O lançamento está previsto para setembro de 2018, data dos 50 anos da 2ª Conferência dos Bispos Latino-americanos na cidade de Medellín, Colômbia” (O Popular, 25/05/17, p. 6).
Dom Fernando é realmente um “Pai da Pátria Grande”! Sua história precisa ser redescoberta e recontada, com toda fidelidade e amor à verdade. “A verdade vos libertará!” (Jo 8, 32). É uma história paradigmática para a Igreja pós-conciliar em Goiás, no Brasil e na América Latina.
No dia 1º de junho do corrente ano completam 32 anos da Páscoa definitiva de Dom Fernando. Aproveito a data para retomar - por ser sempre atual - o que escrevi há 7 anos.
Por ter tido a felicidade - dizia à época - de ser amigo e colaborador direto de Dom Fernando Gomes dos Santos como Coordenador da Pastoral e Vigário Geral da Arquidiocese de Goiânia (também Vice-Presidente da Sociedade Goiana de Cultura, Mantenedora da UCG), não posso deixar passar o ano do seu centenário de nascimento sem dar publicamente o meu testemunho.
Por ocasião de sua morte, ou, melhor dizendo, do dia em que "completou sua Páscoa", falei que Dom Fernando foi "um Pastor-Profeta dos nossos tempos", "fiel à Palavra de Deus e fiel aos apelos da realidade" (cf. Revista da Arquidiocese. Goiânia, ano 28, n. 6/7, junho/julho 1985, p. 393 e 426-427).
Dom Fernando tinha uma personalidade forte, mas um coração muito grande. Era uma figura de extraordinária profundidade humana; sabia compreender, com amor de pai e ternura de mãe, as fraquezas do ser humano; ele foi sempre um irmão solidário de todos/as, especialmente dos mais pobres.
No depoimento, que ele deu à Revista Eclesiástica Brasileira (REB), poucos meses antes de sua Páscoa definitiva, depois de falar da ação pastoral do Secretariado da Pastoral Arquidiocesana (SPAR), diz que ela "se complementa naturalmente no gabinete do arcebispo, sempre aberto a ouvir a todos, a qualquer hora. Nesses encontros - em sua maior parte com pessoas pobres, marginalizadas e oprimidas - tem acontecido que, além das palavras de estímulo, recebam, alguma vez, o sacramento da Penitência, sem que ninguém saiba ou perceba. Transforma-se, assim, em lugar privilegiado de reconciliação e de perdão" (REB, março de 1985).
Quando, por causa de sua tomada de posição clara, destemida e firme em defesa do povo, o acusavam de ser contra o Governo, Dom Fernando dizia: “eu sou a favor do povo; quando o Governo estiver a favor do povo, eu estarei com ele, quando estiver contra o povo, eu estarei contra ele".
Dom Fernando nunca foi um homem bajulador e oportunista, como é bastante comum acontecer, mesmo em ambientes de igreja. Por ser sempre um homem reto, coerente e franco, ele não conseguia entender e não tolerava, de forma alguma, a traição, que na realidade é um comportamento covarde e mesquinho. Percebendo que uma pessoa, em quem ele tinha confiado, o traia, sofria calado, mas perdia completamente a confiança. Quando, porém, confiava em alguém, sua confiança era total e irrestrita.
Como tive a graça de conviver com Dom Fernando e ser, pela afinidade que tínhamos, pessoa da sua confiança, quando alguém o procurava para tratar de um assunto que podia ser resolvido no Secretariado da Pastoral Arquidiocesana (SPAR), o ouvi diversas vezes dizer: "isso é com Frei Marcos". Dom Fernando - sobretudo depois do Concílio Vaticano II - era um homem que acreditava na "Igreja dos Pobres" e vivia a comunhão e participação, numa Igreja toda ela ministerial. Por isso, partilhava com os Padres, as Religiosas e os Agentes pastorais leigos/as a responsabilidade do pastoreio.
Embora tenha consciência que não é mérito meu, mas dom de Deus, honra-me muito o reconhecimento de Dom Fernando a respeito do SPAR, no depoimento já citado: "O SPAR tem sido o grande centro de convergência e de irradiação de tudo o que se passa na Arquidiocese no campo pastoral. Dotado de sede própria, que integra o conjunto Catedral-Cúria Metropolitana-SPAR, no centro da cidade, constitui o ponto mais dinâmico da Arquidiocese. Hoje o SPAR conta com o coordenador da Pastoral, Frei Marcos Sassatelli, que é também vigário geral, e com uma extraordinária equipe de sacerdotes, religiosas e leigos competentes, de rara dedicação e eficiência. No SPAR, funcionam oito Comissões que dinamizam as atividades fundamentais, referentes às prioridades do Plano Pastoral, elaborado em Assembleia Arquidiocesana e constantemente estudado nas reuniões e encontros. O SPAR produz, também, grande número de boletins e impressos, que são divulgados nas paróquias da Arquidiocese, principalmente nas comunidades da periferia, e que são encomendados por outras Igrejas particulares do Brasil afora. Grande é também o número de cursos ministrados nas comunidades da capital e do interior" (REB, ib.).
Como todo ser humano, Dom Fernando tinha também suas limitações e seus defeitos, mas era um homem de uma só palavra, um homem íntegro, um homem "sem violência e sem medo". Com inabalável fidelidade, amava muito a Mãe Igreja, mesmo, às vezes, sofrendo profunda e silenciosamente por causa das incompreensões de irmãos da própria Igreja.
No seu Testamento, Dom Fernando confessa: "Não obstante as minhas deficiências, fraquezas e falhas, sempre me consagrei com tudo o que sou e com tudo o de que dispus, à Santa Igreja e ao sagrado ministério" (O Testamento de Dom Fernando. Revista da Arquidiocese. Goiânia, ano 28, n. 6/7, junho/julho 1985, p. 356).
Dom Fernando, como "pastor-profeta dos nossos tempos" e como "defensor e advogado do Povo" (capa da REB de março de 1985), era também implacável na denúncia e na luta contra as injustiças sociais. Era respeitado e temido pelos poderosos, sobretudo nos tempos difíceis da ditadura civil e militar. Só para citar um exemplo, foi a coragem de Dom Fernando que impediu a expulsão de Dom Pedro Casaldáliga do Brasil.
Dom Fernando, como homem "fiel à Palavra de Deus e fiel aos apelos da realidade", viveu intensamente os ensinamentos do Concílio Vaticano II.
"Como Cristo, por sua Encarnação ligou-se às condições sociais e culturais dos seres humanos com quem conviveu; assim também deve a Igreja inserir-se nas sociedades, para que a todas possa oferecer o mistério da salvação e a vida trazida por Deus” (Concílio Vaticano II. A atividade missionária da Igreja - AG, 10).
"Para desempenhar sua missão, a Igreja, a todo momento, tem o dever de perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho, de tal modo que possa responder, de maneira adaptada a cada geração, às interrogações eternas sobre os significados da vida presente e futura e de suas relações mútuas. É necessário, por conseguinte, conhecer e entender o mundo no qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações e sua índole frequentemente dramática" (Concílio Vaticano II, A Igreja no mundo de hoje - GS, 4).
À época (e retomo agora) terminava o meu testemunho dizendo: Que a memória do legado do primeiro arcebispo da Arquidiocese de Goiânia, Dom Fernando Gomes dos Santos, no centenário do seu nascimento e nos 25 anos de sua Páscoa definitiva (hoje, já são 32 anos), sirva-nos de estímulo para que sejamos, sempre mais, uma Igreja evangélica, uma Igreja pobre e uma Igreja comprometida com a Boa Notícia do Reino de Deus no mundo de hoje (Cf.Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 23/12/10, p. 17. Veja também:
http://freimarcos.blogspot.com.br/2010/12/dom-fernando-pastor-profeta.html). 




 Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 01 de junho de 2017

sábado, 27 de maio de 2017

Carta aberta aos irmãos e irmãs da Paróquia São Judas Tadeu e a quem possa interessar


Dirijo-me a vocês como irmão, religioso dominicano e padre. Sem nenhuma intenção de polemizar e com todo respeito, em consciência sinto-me no dever de fazer algumas considerações e reflexões.
A área na qual se localiza a Igreja S. Judas Tadeu é conhecida, historicamente, como Praça S. Judas Tadeu (Setor Coimbra - Goiânia - GO) e não como Estacionamento S. Judas Tadeu. A história deve ser respeitada (mesmo que a propriedade do terreno seja de uma Entidade particular).
Confesso a vocês, irmãos e irmãs, que me doeu muito quando vi que os bancos tinham sido tirados da Praça, para que - conforme disseram algumas pessoas - os jovens não sentassem nos bancos para namorar ou usar drogas e, sobretudo, para que os Moradores de Rua não comessem nos bancos - sujando a Praça - ou não dormissem debaixo deles.
Fica a pergunta: Jesus de Nazaré - se morasse hoje no Setor Coimbra - teria agido dessa forma? Pensemos!
Confesso também a vocês que me doeu mais ainda quando tomei conhecimento que - por decisão (dizem) da Assembleia paroquial - tinha sido lançada a “Campanha do estacionamento e do fechamento da Praça”.
Fica novamente a pergunta: Jesus de Nazaré teria agido dessa forma? Com toda fraternidade para com o meu irmão Frei Bruno (atualmente, Coordenador da nossa Província dominicana do Brasil Frei Bartolomeu de Las Casas), será que se pode dizer: “Você colabora, a Comunidade agradece e Deus abençoa!”? Pessoalmente, não acredito que, neste caso, “Deus abençoe”! Continuemos pensando!
Na Paróquia São Judas Tadeu - confiada aos cuidados pastorais dos Frades Dominicanos e fundada por Frei Nazareno Confaloni, artista plástico e pintor reconhecido nacional e internacionalmente - trabalhei três anos e meio, de novembro/69 a maio/73 (depois de vir da Itália e morar dois anos em São Paulo), colaborando com Frei Celso Pereira de Almeida, pároco da Paróquia.
À época, eu - jovem padre - e algumas outras pessoas, fundamos o Movimento de Jovens “Mundo Novo”, que teve uma atuação marcante em Goiânia e em algumas outras cidades, sobretudo no meio estudantil.  
Após essa primeira experiência pastoral - por opção pelos pobres e vocação missionária - trabalhei sempre em Comunidades e Paróquias da periferia de Goiânia (quase a vida toda) e de Belo Horizonte (5 anos). Além disso, em Goiânia, assumi serviços pastorais em nível de Arquidiocese e fui professor de teologia (UCG, IFITEG e Seminário Santa Cruz) e, sobretudo, de Filosofia (UFG).
Atualmente - com Irmãs Dominicanas, Irmãs de São José e muitos outros irmãos e irmãs - trabalho na Paróquia Nossa Senhora da Terra (5 Comunidades) na Região Noroeste de Goiânia e participo de Pastorais Sociais e Movimentos Populares.
Sou membro do Convento S. Judas Tadeu (o Convento, além da Paróquia homônima, tem também outras atividades missionárias) e, no momento, a minha presença na Paróquia São Judas Tadeu se dá somente nas Missas com a Oração da Manhã (Laudes) das 7h - de terça à sexta-feira - e nas Missas de encerramento de algumas festas da Família Dominicana.
Mesmo assim, como irmão e baseado na minha longa experiência pastoral no meio do povo, faço alguns questionamentos e dou algumas sugestões a respeito da “Campanha do estacionamento e fechamento da Praça”.

  1.  Com esta Campanha, irmãos e irmãs, vocês não estão indo na contramão do Evangelho de Jesus de Nazaré e das orientações do Papa Francisco, que nos pede para construir pontes que unem e não muros (ou grades) que separam?
  2. Por que - no lugar de fechar toda a Praça - vocês não reduzem a área já fechada ao mínimo necessário e aumentam a área verde com estacionamento?
  3.  Por que - nesta área verde com estacionamento - vocês não fazem calçadas com bancos (em forma de quadrados ou círculos), para que a Praça se torne um lugar de encontro e de convívio com as pessoas, principalmente com os nossos irmãos e irmãs Moradores de Rua, vítimas de estruturas sociais injustas e de “um sistema econômico iniquo”?
  4. Por que - respeitando a estrutura arquitetônica da Igreja - vocês não criam (como fez o Papa Francisco) um espaço com chuveiros e lavanderia para que os Moradores de Rua possam tomar banho e lavar suas roupas, colaborando assim na recuperação de sua autoestima?
  5.  Por que, na dimensão social do Dízimo, vocês não reservam mensalmente uma quantia de dinheiro para que uma Equipe multidisciplinar de voluntários e voluntárias da Paróquia possa realizar - depois de bem preparada - um trabalho de Pastoral da População de Rua, promocional e libertador, em comunhão com a Pastoral Nacional da População de Rua da CNBB e em “colaboração real, permanente e comprometida” (Papa Francisco) com o Movimento Nacional da População de Rua e com o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, de Goiás?
  6.  Por que vocês constroem na Igreja “puxados” que desrespeitam e agridem sua estrutura arquitetônica original, justamente no ano em que comemoramos o centenário de nascimento do idealizador da Igreja, Frei Nazareno Confaloni?
  7.  Enfim, por que - para valorizar a história da Paróquia - vocês não recuperam, no seu estilo original, a Igrejinha da antiga Comunidade S. Judas Tadeu (anterior à vinda dos Frades Dominicanos), como lugar de Oração e Contemplação?
Lembrem-se, irmãos e irmãs, das palavras de Jesus, no juízo final: “Tudo o que vocês fizeram (ou não fizeram) a um desses meus irmãos mais pequeninos, é a mim que o fizeram (ou não o fizeram)” (Mt 25, 40 e 45).
Termino, convidando todos e todas vocês a meditar comigo dois textos do Papa Francisco, que recentemente comemorou seus 80 anos de idade tomando o café da manhã com Moradores de Rua.
“Hoje vivemos em imensas cidades que se mostram modernas, orgulhosas e até vaidosas. Cidades que oferecem inúmeros prazeres e bem-estar para uma minoria..., mas nega-se o teto a milhares de vizinhos e irmãos nossos, inclusive crianças, e eles são chamados, elegantemente, de ‘pessoas em situação de rua’. È curioso como no mundo das injustiças abundam os eufemismos. Não se dizem as palavras com toda a clareza, e busca-se a realidade no eufemismo. Uma pessoa segregada, uma pessoa apartada, uma pessoa que está sofrendo a miséria, a fome, é uma ‘pessoa em situação de rua’: palavra elegante, não? (...). Em geral, por trás de um eufemismo há um crime”. (Discurso do Papa Francisco. 1º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Roma, 28/10/14).  
“Soube que são muitos na Igreja aqueles que se sentem mais próximos dos Movimentos Populares. Muito me alegro por isso! Ver a Igreja com as portas abertas a todos vocês, que se envolve, acompanha e consegue sistematizar em cada Diocese, em cada Comissão ‘Justiça e Paz’, uma colaboração real, permanente e comprometida com os Movimentos Populares. Convido-vos a todos, bispos, sacerdotes e leigos, juntamente com as organizações sociais das periferias urbanas e rurais, a aprofundar este encontro” (Discurso do Papa Francisco. 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15).
Como irmão de vocês, espero que um dia - parafraseando as palavras do Evangelho - não sejamos obrigados a dizer: “Não há lugar para eles (os Moradores de Rua - que são as Marias grávidas e os Josés de hoje) na Praça São Judas Tadeu!” (Lc 2, 7). Fraternalmente, Frei Marcos.




Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 24 de maio de 2017

sábado, 20 de maio de 2017

O vale tudo do Governo e a luta dos trabalhadores

“No esforço de superação do grave momento atual, são necessárias Reformas, que se legitimam quando obedecem à lógica do diálogo com toda a sociedade, com vistas ao bem comum” (CNBB. O grave momento nacional, 03/05/17)
Infelizmente, não é isso o que acontece hoje no Brasil, no Governo ilegítimo do golpista Michel Temer com as Reformas (Antirreformas) da Previdência e Trabalhista e com a Lei da Terceirização. As Reformas são impostas ditatorialmente, de cima para baixo, sem ouvir a voz dos trabalhadores e das trabalhadoras.
É o império do mal, é um crime contra a vida do povo (um crime de lesa-humanidade). Michel Temer não passa de um fantoche, manipulado pelos detentores do poder financeiro internacional e a serviço de seus interesses.
Para impor as Reformas, “vale tudo”. Basta um exemplo. “A equipe econômica (do Governo) decidiu perdoar os juros da dívida da contribuição social do empregador rural. A informação é publicada por O Estado de S. Paulo, 15-05-17. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, bateu o martelo nesse ponto reivindicado pela bancada ruralista do Congresso. O Governo vai editar uma medida provisória para tratar do passivo do Funrural, o equivalente à contribuição para a Previdência do setor, cujo passivo pode superar R$ 10 bilhões. Michel Temer se reúne com a bancada hoje e deve anunciar a medida como moeda de troca para o apoio à Reforma da Previdência” (http://www.ihu.unisinos.br/567640-por-reforma-governo-faz-agrado-aos-ruralistas). O descaramento é total e a sem-vergonhice não tem limites!
No dia 4 do mês corrente, as Centrais Sindicais - na Nota “Continuar e ampliar a mobilização contra a retirada de direitos” - “avaliaram a Greve Geral do dia 28 de abril como a maior mobilização da classe trabalhadora brasileira”. E afirmam: “Os trabalhadores demonstraram sua disposição em combater o desmonte da Previdência social, dos Direitos trabalhistas e das Organizações Sindicais de trabalhadores”.
Continuam dizendo: “A forte paralisação teve adesão nas fábricas, escolas, órgãos públicos, bancos, transportes urbanos, portos e outros setores da economia e teve o apoio de entidades da sociedade civil como a CNBB, a OAB, o Ministério Público do Trabalho, Associações de magistrados e advogados trabalhistas, além do enorme apoio e simpatia da população, desde as grandes capitais até as pequenas cidades do interior”.
As Centrais Sindicais, reafirmando sua disposição de luta em defesa dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, definiram um calendário para dar continuidade e ampliar as mobilizações.
“De 8 a 12 de maio:
  • Comitiva permanente de dirigentes sindicais no Congresso Nacional para pressionar os deputados e senadores e também atividades em suas bases eleitorais para que votem contra a retirada de direitos;
  • Atividades nas bases sindicais e nas ruas para continuar e aprofundar o debate com os trabalhadores e a população sobre os efeitos negativos para a toda sociedade e para o desenvolvimento econômico e social brasileiro.
De 15 a 19 de maio:
  • Ocupa Brasília: conclamamos toda a sociedade brasileira, as diversas categorias de trabalhadores do campo e da cidade, os Movimentos sociais (populares) e de cultura a ocuparem Brasília para reiterar que a população brasileira é frontalmente contra a aprovação da Reforma da Previdência, da Reforma Trabalhista e de toda e qualquer retirada de direitos;
  •  Marcha para Brasília: em conjunto com as Organizações sindicais e sociais (populares) de todo o país, realizar uma grande manifestação em Brasília contra a retirada de direitos”.
A Nota termina dizendo: “Se isso ainda não bastar, as Centrais Sindicais assumem o compromisso de organizar um movimento ainda mais forte do que foi o 28 de abril. Por fim, as Centrais Sindicais reunidas convocam todos os Sindicatos de trabalhadores do Brasil para mobilizarem suas categorias para esse calendário de lutas” (CGTB - Central Geral dos Trabalhadores do Brasil, CSB - Central dos Sindicatos Brasileiros, CSP Conlutas - Central Sindical e Popular, CTB - Central dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Brasil, CUT - Central Única dos Trabalhares, Força Sindical, Intersindical - Central da Classe Trabalhadora, NCST - Nova Central Sindical de Trabalhadores, UGT - União Geral dos Trabalhadores).
No dia 7 último, as Centrais Sindicais convocaram a “Marcha para Brasília” contra as Reformas para o próximo dia 24, como uma preparação para a segunda greve geral do ano no País. Parabéns às Centrais Sindicais pela unidade na luta! Aliadas aos Movimentos Populares e outras Organizações da sociedade civil - como Comunidades Eclesiais de Base, Igrejas, Pastorais Sociais e outras - elas são uma força invencível.
A causa é justa e Deus está do lado dos que lutam pela justiça! Fora Temer! Diretas já! Nenhum Direito a Menos!




Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 17 de maio de 2017

sexta-feira, 12 de maio de 2017

A Igreja católica no Brasil de hoje


A Constituição Pastoral sobre a Igreja do Concílio Ecumênico Vaticano II tem como título “A Igreja no mundo de hoje” e não “A Igreja e o mundo de hoje”. A historia da Igreja - como também de toda e qualquer instituição, religiosa ou não - não é uma historia paralela ou oposta à história do mundo, mas parte integrante dela.
O Concílio afirma: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens e mulheres de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco em seu coração (A Igreja no mundo de hoje, 1).
E ainda: “Para desempenhar sua missão (ser ‘Igreja em saída’) a Igreja, a todo momento (reparem: a todo momento!), tem o dever de perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho, de tal modo que possa responder, de maneira adaptada a cada geração, às interrogações eternas sobre os significados da vida presente e futura e de suas relações mútuas. É necessário, por conseguinte, conhecer e entender o mundo no qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações e sua índole frequentemente dramática" (Ib. 4). O método sugerido é “ver-julgar-agir” (“analisar-interpretar-libertar”).
A situação do Brasil hoje é uma situação de desigualdade social cada vez maior, de injustiça institucionalizada, de práticas políticas descaradamente interesseiras (do “toma-lá-dá-cá, do “vale-tudo”).
Para ilustrar essa situação iníqua, basta lembrar a barganha do governo ilegítimo Michel Temer a respeito das Reformas (Antirreformas). “Planalto parte para ‘vale-tudo’ (manchete). Na batalha da Reforma da Previdência “Michel Temer se prepara para a votação no plenário e sabe que terá que acenar a deputados com emendas e cargos (os chamados ‘agrados’ à base aliada) para chegar aos 308 votos necessários” (O Popular, 07/05/17, p. 4). É uma prática política nojenta!
Nesta realidade, que clama a Deus por justiça, qual é a posição ou quais são as posições da Igreja? Perscrutando - como nos ensina o Concílio - os sinais dos tempos e interpretando-os à luz do Evangelho, percebemos claramente (é uma leitura crítica da realidade e não um julgamento das consciências individuais, que só Deus pode fazer) que, no Brasil, temos hoje três posições da Igreja, representando três maneiras de ser Igreja.
A primeira posição é a de uma Igreja profética, que anuncia o projeto de vida de Jesus de Nazaré (o Reino de Deus) e denuncia sem medo - se necessário, até com o martírio - tudo o que é contrário a esse projeto. A segunda posição é a de uma Igreja - cega, surda e muda - que fica em cima do muro (na realidade, com o seu silêncio, fica do lado do poder dominante, ou seja, do “status quo”) e que lava as mãos (como Pilatos). A terceira posição é a de uma Igreja claramente aliada dos ricos e poderosos (traindo - como Judas - Jesus de Nazaré nos pobres); Qual das três posições torna presente hoje a prática de Jesus de Nazaré? Sem dúvida nenhuma, é a primeira.
Diante das Reformas (Antirreformas) Trabalhista e da Previdência e da Lei da Terceirização, que são uma iniquidade diabólica - planejada em favor dos ricos e contra os trabalhadores - a CNBB, diversas dioceses, cerca de cem bispos e outras lideranças da Igreja se posicionaram de forma profética - oralmente ou com Notas públicas - contra as Reformas, convidando o povo a se unir e a lutar por seus direitos e dando todo apoio à greve geral do dia 28 de abril último.
Infelizmente, porém, muitas dioceses, bispos e outras lideranças ficaram calados. É um pecado de omissão e um verdadeiro crime! Pior ainda foi a atitude repugnante - desumana e antievangélica - de certos lideres da Igreja, que - mesmo sendo bispos ou cardeais - não entenderam nada do que significa ser cristãos. Como exemplo desse comportamento vergonhoso, cito somente um fato, que é muito ilustrativo.
Conforme reportagem de Mauro Lopes, “no começo da tarde (do dia 26 de abril último), o cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odilo Pedro Scherer, rompeu o silêncio e falou. Um vexame que envergonhou a Igreja. Escalado para a entrevista coletiva da primeira tarde da Assembleia Geral da CNBB, pouco depois das 15h, o cardeal foi encarregado de falar sobre os temas sociais do país. Ao apresentar a agenda da Assembleia, ele ignorou a greve geral. Questionado por um jornalista, dom Odilo deu razão a todos os que o acusam de aderir ao regime do golpe. Disse secamente que ‘o povo tem direito de se manifestar’, disse que espera que a Reforma da Previdência seja boa (?) e arrematou: ‘dizer que somos a favor ou contra é muito simplista’”. Foi realmente um vexame que envergonhou a Igreja! Como nos faz falta - em São Paulo e no Brasil - o grande profeta Dom Paulo Evaristo!
O autor da reportagem afirma: “É significativo o silêncio dos cardeais de São Paulo (dom Odilo Pedro Scherer) e do Rio (dom Orani Tempesta), que tornam suas Arquidioceses bastiões do conservadorismo católico no país, em oposição ao Papa Francisco”(acrescento eu: oposição diplomática e silenciosa, que é a mais hipócrita de todas as oposições)(http://www.ihu.unisinos.br/567032-cnbb-e-mais-de-60-bispos-convocam-populacao-para-a-greve-geral).
Mesmo fervendo de indignação profética diante desse tipo de comportamento vergonhoso (possível em nossa condição humana neste mundo) não perdemos a esperança. Sabemos que a Igreja - embora de origem divina - é uma instituição humana e, como tal é santa e pecadora ao mesmo tempo. E, quando dizemos que a Igreja é pecadora, não falamos somente dos pecados pessoais dos cristãos e cristãs (todos e todas - enquanto seres em construção - somos limitados e pecadores), mas sobretudo do pecado estrutural da Igreja (a injustiça institucionalizada, muitas vezes em nome de Deus) e dos que o sustentam e fortalecem com sua prática.
Em pleno século XXI temos ainda bispos, padres, religiosos/as e outras pessoas que - por incrível que pareça - sonham com uma “Igreja imperial” (basiliké), com uma “Igreja feudal” ou com uma “Igreja capitalista”.  
Por falar em Igreja capitalista, lembro-me de um fato, em si de pouca relevância, mas muito significativo. A imagem de Nossa Senhora da Terra (da Paróquia homônima, do Jardim Curitiba III - Goiânia - GO), cuja história remonta à luta pela terra no Pará, é vestida de trabalhadora rural (de mulher pobre) e o menino Jesus, de filho de trabalhador rural (de menino pobre). Já vi bispos, padres, seminaristas e outras pessoas que, diante da imagem, torceram disfarçadamente o nariz com um sorriso irônico contido de desaprovação. Por felicidade, porém, encontrei também o meu irmão dominicano frei Henri, advogado e defensor dos trabalhadores rurais no Pará (atualmente na França, cuidando da saúde) que, depois de ver a imagem, com o rosto iluminado sorriu e vibrou de alegria.
Quando a imagem de Nossa Senhora é vestida de mulher rica, a maioria das pessoas acha bonito. Com isso não estão dizendo que o ideal de vida é o da mulher rica? Maria não foi uma mulher pobre? Jesus não nasceu numa manjedoura? À luz do Evangelho, essas pessoas não precisam rever totalmente sua escala de valores?
Os cristãos e cristãs que acreditamos no projeto de Jesus de Nazaré (o Reino de Deus ou, em outras palavras, a “sociedade do bem-viver”, a “terra sem males”) renovemos a nossa esperança. Que o Espírito Santo - o Amor de Deus - nos torne verdadeiros profetas e profetisas de Jesus de Nazaré no Brasil e no mundo de hoje! E que os Profetas Dom Helder, Dom Paulo, Dom Tomás e muitos outros - sobretudo os profetas e profetisas de nossas Comunidades de Base e de nossos Movimentos Populares - que já partiram, mas que de outra forma continuam a caminhar conosco, intercedam por nós!





Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 10 de maio de 2017

sábado, 6 de maio de 2017

Ocupar Brasília


Na noite do dia 19 de abril último, o Governo ilegítimo do golpista Michel Temer - com manobras oportunistas e inescrupulosas da base aliada - aprovou na Câmara Federal, em 2ª votação (na 1ª, do dia anterior, tinha sido rejeitada), a urgência da Reforma Trabalhista, apesar dos cartazes que foram erguidos no plenário com os dizeres “Cunha de novo não” e “Método Cunha não”.
Dizer que a Reforma Trabalhista “moderniza” as relações de trabalho, porque com ela irá prevalecer o “acordado” (no diálogo entre empregados e empregadores) sobre o “legislado” (na CLT e na Constituição, que garantem os direitos dos trabalhadores/as), é uma grande armadilha. Mal comparando, é a mesma coisa que dizer: daqui para frente, o que irá prevalecer no galinheiro, não será mais a segurança de sua estrutura física, mas o “acordado” entre as galinhas e a raposa.
As Reformas (na realidade, Antirreformas) da Previdência e Trabalhista e a Lei da Terceirização - cínica e descaradamente mentirosas - são uma conspiração política diabólica desse Governo ilegítimo e seus aliados contra os direitos dos trabalhadores/as e a favor dos privilégios dos poderosos (os donos do dinheiro).
Nunca esse Governo falou em taxar as grandes fortunas e os lucros exorbitantes dos banqueiros para resolver a chamada crise. Só os trabalhadores devem pagar a conta de uma crise - se é que existe - que não foram eles que criaram. É o deus dinheiro, com seus iníquos adoradores, que governa o Brasil e o mundo. Tudo (sobretudo a vida dos trabalhadores/as e dos pobres em geral) deve ser sacrificado no altar desse deus.
O documento das Centrais Sindicais “A greve de 28 de abril continua”, divulgado no dia 1º de Maio (Dia do Trabalhador/a) - afirma: “O dia 28 de abril de 2017 entrará para a história do povo brasileiro como o dia em que a maioria esmagadora dos trabalhadores disse NÃO à PEC 287, que destrói o direito à aposentadoria, NÃO ao PL 6787, que rasga a CLT e NÃO à Lei 4302, que permite a terceirização de todas as atividades de uma empresa!”.
Continua o documento: “Sob a palavra de ordem ‘em 28 de abril vamos parar o Brasil’ todas as Centrais Sindicais e suas bases se mobilizaram, de norte a sul do país, impulsionando uma imensa paralisação das atividades e grandes manifestações de protesto. Trabalhadores dos transportes urbanos, das fábricas, comércio, da construção civil, prestadores de serviços, escolas, órgãos públicos, bancos, portos e outros setores da economia cruzaram os braços. E este ato contou com o apoio dos Movimentos Sociais (Populares), como a UNE, de Entidades da sociedade civil como a CNBB, a OAB, o Ministério Público do Trabalho, Associações de magistrados e advogados trabalhistas, com o apoio dos nossos companheiros do Movimento Sindical Internacional, e contou também com uma enorme simpatia popular”.
As Centrais Sindicais declaram: “Com nossa capacidade de organização, demos um recado contundente ao Governo Temer (ilegítimo) e ao Congresso Nacional: exigimos que as propostas nefastas que tramitam em Brasília sejam retiradas. Não aceitamos perder nossos direitos previdenciários e trabalhistas”.
E ainda: “Nos atos de todas as Centrais Sindicais pelo país neste 1º de Maio de 2017, Dia do Trabalhador, reafirmamos nosso compromisso de unidade para derrotar as propostas de Reforma da Previdência, da Reforma Trabalhista e da Lei que permite a terceirização ilimitada”.
Com a força de sua unidade e com a certeza de vitória, as Centrais Sindicais decidem: “O próximo passo é Ocupar Brasília para pressionar o Governo e o Congresso a reverem seus planos de ataques aos sagrados direitos (reparem: sagrados direitos!) da classe trabalhadora”.
Concluem reafirmando: “Sobre essa base, as Centrais Sindicais estão abertas, como sempre estiveram, ao diálogo. Se isso não for suficiente assumimos, neste 1º de Maio, o compromisso de organizar uma reação ainda mais forte”.
Terminam o documento com as palavras de ordem: VIVA A LUTA DA CLASSE TRABALHADORA! VIVA O 1º DE MAIO! ABAIXO AS PROPOSTAS DE REFORMAS TRABALHISTA E DA PREVIDÊNCIA! NENHUM DIREITO A MENOS!”.
Assinam os presidentes das Centrais Sindicais:
Antônio Neto, da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB)
Adilson Araújo, da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB)
Vagner Freitas, da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Paulo Pereira da Silva, Paulinho, da Força Sindical
José Calixto Ramos, da Nova Central (NCST)
Ricardo Patah, da União Geral dos Trabalhadores (UGT)
Parabéns às Centrais Sindicais pela unidade na luta! Trabalhador unido, jamais será vencido! Estamos com vocês!
Em tempo: A Comissão que analisa a Reforma da Previdência na Câmara Federal aprovou - nesta quarta-feira, dia 3 de maio - o texto do relator Arthur Maia (PPS-BA). Foram 23 votos a favor e 14 contrários. Para ser aprovado, o texto precisava de 19 votos.
É mais uma safadeza! Realmente, a maioria dos nossos deputados federais é um bando de oportunistas desonestos e totalmente insensível aos apelos dos trabalhadores/as. Não desanimemos! Deus está do nosso lado! A vitória final será nossa!





Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 03 de maio de 2017

sábado, 29 de abril de 2017

Dom Tomás, sua luta continua!


No dia 2 de maio fazemos a memória, ou seja, tornamos presente a Páscoa - plena e definitiva - de Dom Tomás Balduino. O nosso irmão Tomás - frade dominicano e bispo emérito de Goiás - há três anos “completou sua Páscoa”: passagem da morte - e tudo o que a morte significa - para a vida, vida nova em Cristo, vida segundo o Espírito de Deus. O grito que mais ouvimos na Páscoa do nosso irmão e que hoje - como “profetas da vida” - repetimos, é: Tomás vive entre nós!
Dom Tomás - homem profundamente humano e evangélico - doou sua vida a serviço dos Pobres, da Justiça e dos Direitos Humanos. Entre as muitas causas que ele defendeu, destaco três: a de uma Igreja Renovada e Libertadora, a da Reforma Agrária Popular e a dos Povos Indígenas.
A respeito da primeira causa, Tomás - à luz do Concílio Ecumênico Vaticano II e de Medellín - sonhou com uma Igreja renovada, libertadora e realmente evangélica; com uma Igreja Povo de Deus e toda ministerial; com uma Igreja Comunhão; com uma Igreja pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres; com um jeito novo e, ao mesmo tempo, antigo de ser Igreja; com uma Igreja de Comunidades de Base (como as primeiras Comunidades Cristãs); com uma Igreja na qual “a Comunidade de Base é a célula inicial da estrutura eclesial” (Medellín, XV,10) e “a Paróquia é um conjunto pastoral unificador das Comunidades de Base” (Ib. 13).
È este o retrato da Igreja que o Concílio e Medellín (que encarna o Concílio na América Latina e Caribe) sonharam. É este o retrato da Igreja que Tomás sonhou. Não é este também o retrato da Igreja que Jesus de Nazaré - que foi “morador de rua”, antes de nascer e nasceu como “sem-teto” - sonhou e quis?   
A respeito da segunda causa - a Reforma Agrária Popular - Tomás sempre foi solidário e deu total apoio aos trabalhadores e trabalhadoras que lutavam pelo direito à terra - terra de trabalho e terra de moradia - e pelo direito a uma agricultura familiar e comunitária agroecológica.
“A atuação de Tomás, ao lado dos pobres, no espírito da opção pelos pobres, marcou profundamente a Diocese de Goiás e seu povo. Lavradores se reuniam no Centro de Treinamento onde Dom Tomás morava, para definir suas formas de organização e suas estratégias de luta. Esta atuação provocou a ira do Governo militar e dos latifundiários que perseguiram e assassinaram algumas lideranças dos trabalhadores. Em julho de 1976, Dom Tomás foi ao sepultamento do Padre Rodolfo Lunkenbein e do índio Simão Bororo, assassinados pelos jagunços, na aldeia de Merure, Mato Grosso. Em sua agenda estava programada uma outra atividade. Soube depois, por um jornalista, que durante esta atividade programada, estava sendo preparada uma emboscada para eliminá-lo” (CPT Nacional. Nota de falecimento - Dom Tomás Balduino, fundador da CPT, fez a sua Páscoa, 03/05/14).
A respeito da terceira causa - a dos Povos Indígenas - Tomás sempre lutou pela demarcação das terras dos Povos Indígenas, pela valorização de sua cultura, de suas tradições e do seu jeito comunitário de viver, que é a sociedade do “bem-viver” e “bem-conviver”, sinal concreto do Reino de Deus.
Neste breve testemunho sobre a missão e a vida do nosso irmão Tomás, não podia deixar de lembrar que ele “foi personagem fundamental no processo de criação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em 1972, e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 1975.  Nas duas Instituições Dom Tomás sempre teve atuação destacada, tendo sido presidente do CIMI, de 1980 a 1984 e presidente da CPT de 1999 a 2005. A Assembleia Geral da CPT, em 2005, o nomeou Conselheiro Permanente” (CPT Nacional, Ib.).
Em sua memória, Tomás, queremos - com indignação profética - denunciar o massacre de Colniza, manifestar o nosso mais veemente repúdio e prestar a nossa total solidariedade às famílias enlutadas. 9 homens (Sebastião Ferreira de Souza, Izaul Brito dos Santos, Ezequias Santos de Oliveira, Edson Alves Antunes, Valmir Rangeu do Nascimento, Samuel Antônio da Cunha, Francisco Chaves da Silva, Fabio Rodrigues dos Santos, e Aldo Aparecido Carlini), trabalhadores rurais e pais de família, foram assassinados na quarta-feira, dia 19 deste mês, na Gleba Taquaruçu do Norte, localizada no município de Colniza, região noroeste de Mato Grosso.
Trata-se, mais uma vez, de uma barbárie - praticada pelos poderosos do agronegócio em nome da ganância e do deus dinheiro - que não pode ficar impune!
Também em sua memória, Tomás, as Entidades: Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil, Comissão Pastoral da Terra CPT - Regional Goiás, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, Conferência dos Religiosos do Brasil - CRB/Goiânia e Fraternidade da Anunciação programaram a 3ª Semana Dom Tomás Balduino, que acontecerá nos dias 4 e 5 de maio próximo, em Goiânia - GO.
Segundo as Entidades, a Semana contará com dois momentos principais. “Na quinta-feira, dia 4, no espaço do Centro Cultural Cara Vídeo, à rua 83, n° 361 (Setor Sul), às 19 horas, haverá uma Celebração em que a  figura, a história, as causas e a ousadia de Dom Tomás serão trazidas à memória com o objetivo de alimentar as lutas do dia hoje. Na sexta-feira, dia 5, às 19 horas, no Salão Nobre da Faculdade de Direito da UFG, na Praça Universitária (Setor Universitário), será realizado um grande ato em que a realidade do momento presente será debatida, à luz do legado de Dom Tomás. Quem vai provocar para uma reflexão sobre a atual conjuntura, será uma das maiores lideranças do MST, João Pedro Stédile”.
Neste ato “será dado o informe sobre uma Grande Marcha a Brasília dos Sem-Terra e dos demais movimentos camponeses, nos próximos meses, exigindo respeito aos direitos adquiridos e denunciando os violentos ataques perpetrados pela bancada ruralista, sustentáculo do ilegítimo Governo Temer, contra os direitos de indígenas, quilombolas e demais comunidades camponesas”
Participe! Sua presença faz a diferença!
Dom Tomás, sua luta continua! 







Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 26 de abril de 2017

segunda-feira, 24 de abril de 2017

V Seminário Povos de Rua Equidade Social: Garantia de Direitos e Políticas Públicas



Precisamos “ouvir a rua”, “garantir a voz da rua ao invés de discursos”
(Relatório da 3ª Reunião de preparação do V Seminário, 2 de fevereiro/17)

De 26 a 28 de abril deste ano acontecerá em Goiânia o V Seminário “Povos de Rua. Equidade Social: Garantia de Direitos e Políticas Públicas”. Dia 26 e 27, na Praça do Trabalhador, com atividades que iniciam às 13h e terminam às 18h aproximadamente; dia 28, no Auditório Jaime Câmara (Câmara Municipal de Goiânia), com atividades que iniciam às 7:30h e terminam às 17h aproximadamente.
O Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) - que, em conjunto com a Defensoria Pública do Estado de Goiás, coordena a preparação e realização do Seminário - “é fruto da crescente indignação, violência e negação de direitos a que este público está submetido no Brasil. Seu (in)surgimento ocorreu no início dos anos 2000 como resposta a diversos episódios de violência, chacinas, torturas, promovidas contra a População Moradora de Rua”.
O MNPR-GO “é resultado de articulações, organização, sensibilização e mobilização das pessoas moradoras de rua, que tiveram e/ou têm uma trajetória de rua, em parceria com o Ministério Público de Goiás, Coordenação de Promoção de Equidade em Saúde do Estado de Goiás, Coletivo Liberdade, Centro de Referência em Direitos Humanos Padre Burnier, trabalhadoras e trabalhadores de várias instituições públicas e da sociedade civil organizada que atuam direta ou indiretamente com essa população. As articulações tiveram início no final do ano de 2012, após uma série de assassinatos de pessoas moradoras de rua na Região Metropolitana de Goiânia”.
A partir de 2014 - fortalecido pela Defensoria Pública do Estado de Goiás - o MNPR-GO, “que luta pela concretização dos direitos sociais na vida das pessoas moradoras de rua, percebeu a necessidade de criar estratégias diferenciadas e articulações que priorizassem a organização e participação social como instrumentos de promoção da cidadania dessa população”, construindo coletivamente “alternativas às iniquidades sociais a que está submetida”.
Os objetivos do V Seminário são:
  1. “Discutir questões essências concernentes à parcela da população que faz das ruas seu espaço principal de sobrevivência e trazer estratégias para combater as injustiças sociais praticadas contra estas pessoas, pauperizadas e estigmatizadas, buscando coletivamente alternativas, ações e formas de atuação junto à sociedade - goianiense e goiana - e à gestão pública, para garantia de seus direitos”.
  2. Sensibilizar a sociedade - goianiense e goiana - e o Poder Público para a responsabilidade de todas e todos na construção de perspectivas para a população moradora de rua.
  3. Potencializar e qualificar a atenção (social, educacional, profissional, de saúde, cultural, esportiva, etc.) à população moradora de rua, por meio da aproximação, escuta, diálogo, problematização e articulação entre atores sociais, comunitários e agentes do poder público que trabalham com essas populações” (Folder: V Seminário Povos de Rua).
Faço agora algumas reflexões sobre o tema do V Seminário. Equidade social é “um conjunto de práticas que pretende derrubar todas as barreiras sociais, culturais, econômicas e políticas que impliquem em exclusão ou desigualdade” (https://conceitos.com/equidade-social/).
Garantia de Direitos é “a articulação e a integração de instituições e instâncias do Poder Público na aplicação de mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos da criança e do adolescente, nos níveis federal, estadual, distrital e municipal, efetivando as normativas do Estatuto da Criança e Adolescente” (ECA, 1990) (http://educacaointegral.org.br/glossario/sistema-de-garantia-de-direitos/).
"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (Emenda Constitucional Nº 65, Art. 227, 2010).
Políticas públicas são “conjuntos de programas, ações e atividades desenvolvidas pelo Estado diretamente ou indiretamente, com a participação de entes públicos ou privados, que visam assegurar determinado direito de cidadania, de forma difusa ou para determinado seguimento social, cultural, étnico ou econômico. As políticas públicas correspondem a direitos assegurados constitucionalmente ou que se afirmam graças ao reconhecimento por parte da sociedade e/ou pelos poderes públicos enquanto novos direitos das pessoas, comunidades, coisas ou outros bens materiais ou imateriais”   
Ao menos nas palavras, o ideal é muito bonito. Pergunto: na sociedade capitalista em que vivemos - estruturalmente desigual, desumana, injusta e antiética - é possível viver esse ideal de Equidade Social, Garantia de Direitos e Políticas Públicas? Como sabemos, a história é dialética (ou seja, contraditória). E é nas contradições históricas que abrimos caminhos para a mudança de estruturas e outro Brasil possível.
Contudo, vale o alerta: “A misericórdia (leiam: a assistência e promoção social, as obras e programas sociais) sempre será necessária, mas não deve contribuir para criar círculos viciosos que sejam funcionais para um sistema econômico iníquo. Requer-se que as obras de misericórdia sejam acompanhadas pela busca da verdadeira justiça social” (Documento de Aparecida - DA, 385). Vamos à luta!
O Papa Francisco lembra-nos que “os pobres não estão esperando de braços cruzados a ajuda de ONGs, planos assistenciais ou soluções que nunca chegam ou, se chegam, chegam de maneira que vão em uma direção ou de anestesiar ou de domesticar. Isso é meio perigoso”. E ainda - dirigindo-se aos Movimentos Populares - afirma: “Vocês sentem que os pobres já não esperam e querem ser protagonistas, se organizam, estudam, trabalham, reivindicam e, sobretudo, praticam essa solidariedade tão especial que existe entre os que sofrem, entre os pobres, e que a nossa civilização parece ter esquecido ou, ao menos, tem muita vontade de esquecer”.  
De fato - continua Francisco - “a solidariedade é muito mais que alguns atos de generosidade esporádicos. É pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade de vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. Também é lutar contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, de terra, de moradia, a negação dos direitos sociais e trabalhistas”.
“A solidariedade, entendida em seu sentido mais profundo, é um modo de fazer história e é isso que os Movimentos Populares fazem”. O Papa faz um apelo: “Queremos que se ouça a sua voz, que em geral se escuta pouco. Talvez porque incomoda, talvez porque o seu grito incomoda, talvez porque se tem medo da mudança que vocês reivindicam, mas sem ir às periferias, as boas propostas e projetos, que frequentemente ouvimos nas conferências internacionais, ficam no reino da ideia, é mero projeto”.
Francisco desmascara a hipocrisia da sociedade: “Hoje vivemos em imensas cidades que se mostram modernas, orgulhosas e até vaidosas. Cidades que oferecem inúmeros prazeres e bem-estar para uma minoria feliz... mas nega-se o teto a milhares de vizinhos e irmãos nossos, inclusive crianças, e eles são chamados, elegantemente, de ‘pessoas em situação de rua’”.
E acrescenta: “È curioso como no mundo das injustiças abundam os eufemismos. Não se dizem as palavras com toda a clareza, e busca-se a realidade no eufemismo. Uma pessoa segregada, uma pessoa apartada, uma pessoa que está sofrendo a miséria, a fome, é uma pessoa em situação de rua: palavra elegante, não? (...) Em geral, por trás de um eufemismo há um crime”.
O Papa denuncia também a crueldade - que é fruto da ganância pelo deus dinheiro - das grandes cidades: “Vivemos em cidades que constroem torres, centros comerciais, fazem negócios imobiliários... mas abandonam uma parte de si nas margens, nas periferias. Como dói escutar que as Ocupações pobres são marginalizadas ou, pior, quer-se erradicá-las! São cruéis as imagens dos despejos forçados, dos tratores derrubando barracos, imagens tão parecidas às da guerra. E isso se vê hoje”. (Discurso do Papa Francisco. 1º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Roma, 27-29/10/14). Meditemos as palavras do nosso irmão Francisco!
Participemos do Seminário Povos de Rua e - dia 28 - também da Greve Geral Nacional contra as Reformas (ou melhor, Antirreformas) da Previdência, Trabalhista e a Lei da Terceirização: uma maldade diabólica que clama diante de Deus.




Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 19 de abril de 2017

A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos