Dirijo-me a vocês como irmão, religioso dominicano e padre. Sem nenhuma intenção de polemizar e com todo respeito, em consciência sinto-me no dever de fazer algumas considerações e reflexões.
A área na qual se localiza a Igreja S. Judas Tadeu é conhecida, historicamente, como Praça S. Judas Tadeu (Setor Coimbra - Goiânia - GO) e não como Estacionamento S. Judas Tadeu. A história deve ser respeitada (mesmo que a propriedade do terreno seja de uma Entidade particular).
Confesso a vocês, irmãos e irmãs, que me doeu muito quando vi que os bancos tinham sido tirados da Praça, para que - conforme disseram algumas pessoas - os jovens não sentassem nos bancos para namorar ou usar drogas e, sobretudo, para que os Moradores de Rua não comessem nos bancos - sujando a Praça - ou não dormissem debaixo deles.
Fica a pergunta: Jesus de Nazaré - se morasse hoje no Setor Coimbra - teria agido dessa forma? Pensemos!
Confesso também a vocês que me doeu mais ainda quando tomei conhecimento que - por decisão (dizem) da Assembleia paroquial - tinha sido lançada a “Campanha do estacionamento e do fechamento da Praça”.
Fica novamente a pergunta: Jesus de Nazaré teria agido dessa forma? Com toda fraternidade para com o meu irmão Frei Bruno (atualmente, Coordenador da nossa Província dominicana do Brasil Frei Bartolomeu de Las Casas), será que se pode dizer: “Você colabora, a Comunidade agradece e Deus abençoa!”? Pessoalmente, não acredito que, neste caso, “Deus abençoe”! Continuemos pensando!
Na Paróquia São Judas Tadeu - confiada aos cuidados pastorais dos Frades Dominicanos e fundada por Frei Nazareno Confaloni, artista plástico e pintor reconhecido nacional e internacionalmente - trabalhei três anos e meio, de novembro/69 a maio/73 (depois de vir da Itália e morar dois anos em São Paulo), colaborando com Frei Celso Pereira de Almeida, pároco da Paróquia.
À época, eu - jovem padre - e algumas outras pessoas, fundamos o Movimento de Jovens “Mundo Novo”, que teve uma atuação marcante em Goiânia e em algumas outras cidades, sobretudo no meio estudantil.
Após essa primeira experiência pastoral - por opção pelos pobres e vocação missionária - trabalhei sempre em Comunidades e Paróquias da periferia de Goiânia (quase a vida toda) e de Belo Horizonte (5 anos). Além disso, em Goiânia, assumi serviços pastorais em nível de Arquidiocese e fui professor de teologia (UCG, IFITEG e Seminário Santa Cruz) e, sobretudo, de Filosofia (UFG).
Atualmente - com Irmãs Dominicanas, Irmãs de São José e muitos outros irmãos e irmãs - trabalho na Paróquia Nossa Senhora da Terra (5 Comunidades) na Região Noroeste de Goiânia e participo de Pastorais Sociais e Movimentos Populares.
Sou membro do Convento S. Judas Tadeu (o Convento, além da Paróquia homônima, tem também outras atividades missionárias) e, no momento, a minha presença na Paróquia São Judas Tadeu se dá somente nas Missas com a Oração da Manhã (Laudes) das 7h - de terça à sexta-feira - e nas Missas de encerramento de algumas festas da Família Dominicana.
Mesmo assim, como irmão e baseado na minha longa experiência pastoral no meio do povo, faço alguns questionamentos e dou algumas sugestões a respeito da “Campanha do estacionamento e fechamento da Praça”.
- Com esta Campanha, irmãos e irmãs, vocês não estão indo na contramão do Evangelho de Jesus de Nazaré e das orientações do Papa Francisco, que nos pede para construir pontes que unem e não muros (ou grades) que separam?
- Por que - no lugar de fechar toda a Praça - vocês não reduzem a área já fechada ao mínimo necessário e aumentam a área verde com estacionamento?
- Por que - nesta área verde com estacionamento - vocês não fazem calçadas com bancos (em forma de quadrados ou círculos), para que a Praça se torne um lugar de encontro e de convívio com as pessoas, principalmente com os nossos irmãos e irmãs Moradores de Rua, vítimas de estruturas sociais injustas e de “um sistema econômico iniquo”?
- Por que - respeitando a estrutura arquitetônica da Igreja - vocês não criam (como fez o Papa Francisco) um espaço com chuveiros e lavanderia para que os Moradores de Rua possam tomar banho e lavar suas roupas, colaborando assim na recuperação de sua autoestima?
- Por que, na dimensão social do Dízimo, vocês não reservam mensalmente uma quantia de dinheiro para que uma Equipe multidisciplinar de voluntários e voluntárias da Paróquia possa realizar - depois de bem preparada - um trabalho de Pastoral da População de Rua, promocional e libertador, em comunhão com a Pastoral Nacional da População de Rua da CNBB e em “colaboração real, permanente e comprometida” (Papa Francisco) com o Movimento Nacional da População de Rua e com o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, de Goiás?
- Por que vocês constroem na Igreja “puxados” que desrespeitam e agridem sua estrutura arquitetônica original, justamente no ano em que comemoramos o centenário de nascimento do idealizador da Igreja, Frei Nazareno Confaloni?
- Enfim, por que - para valorizar a história da Paróquia - vocês não recuperam, no seu estilo original, a Igrejinha da antiga Comunidade S. Judas Tadeu (anterior à vinda dos Frades Dominicanos), como lugar de Oração e Contemplação?
Lembrem-se, irmãos e irmãs, das palavras de Jesus, no juízo final: “Tudo o que vocês fizeram (ou não fizeram) a um desses meus irmãos mais pequeninos, é a mim que o fizeram (ou não o fizeram)” (Mt 25, 40 e 45).
Termino, convidando todos e todas vocês a meditar comigo dois textos do Papa Francisco, que recentemente comemorou seus 80 anos de idade tomando o café da manhã com Moradores de Rua.
“Hoje vivemos em imensas cidades que se mostram modernas, orgulhosas e até vaidosas. Cidades que oferecem inúmeros prazeres e bem-estar para uma minoria..., mas nega-se o teto a milhares de vizinhos e irmãos nossos, inclusive crianças, e eles são chamados, elegantemente, de ‘pessoas em situação de rua’. È curioso como no mundo das injustiças abundam os eufemismos. Não se dizem as palavras com toda a clareza, e busca-se a realidade no eufemismo. Uma pessoa segregada, uma pessoa apartada, uma pessoa que está sofrendo a miséria, a fome, é uma ‘pessoa em situação de rua’: palavra elegante, não? (...). Em geral, por trás de um eufemismo há um crime”. (Discurso do Papa Francisco. 1º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Roma, 28/10/14).
“Soube que são muitos na Igreja aqueles que se sentem mais próximos dos Movimentos Populares. Muito me alegro por isso! Ver a Igreja com as portas abertas a todos vocês, que se envolve, acompanha e consegue sistematizar em cada Diocese, em cada Comissão ‘Justiça e Paz’, uma colaboração real, permanente e comprometida com os Movimentos Populares. Convido-vos a todos, bispos, sacerdotes e leigos, juntamente com as organizações sociais das periferias urbanas e rurais, a aprofundar este encontro” (Discurso do Papa Francisco. 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15).
Como irmão de vocês, espero que um dia - parafraseando as palavras do Evangelho - não sejamos obrigados a dizer: “Não há lugar para eles (os Moradores de Rua - que são as Marias grávidas e os Josés de hoje) na Praça São Judas Tadeu!” (Lc 2, 7). Fraternalmente, Frei Marcos.
Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 24 de maio de 2017
Caríssimo Frei Marcos, corajosas indagações. Que mundo cruel estes.... tão próximos do Altíssimo e ao mesmo tempo tão distantes de Deus.
ResponderExcluirQue o Deus Misericordioso continue o abençoando, Paz de Cristo!
Paulo