domingo, 4 de abril de 2010

Carta aberta ao ministro Paulo Vannucchi

Senhor Ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República:
Como o senhor sabe, no dia 16 de fevereiro deste ano completou 5 anos do despejo dos Moradores da Ocupação "Sonho Real" no Parque Oeste Industrial, na Região Sudoeste de Goiânia, Goiás. Pelas proporções e pelo requinte de desumanidade, trata-se da maior barbárie praticada em toda a história de Goiânia, e uma das maiores do Brasil e do mundo.
Relembremos os principais fatos:
De 6 a 15 de fevereiro de 2005, de 0 às 6h, a Polícia Militar do Estado de Goiás começou a ação de reintegração de posse, realizando a chamada "Operação Inquietação", que foram dez dias de tortura física e psicológica coletiva. Cercou a área com viaturas, impediu a entrada e a saída de pessoas e cortou o fornecimento de energia elétrica. Com as sirenes ligadas, com o barulho de disparos de armas de fogo, com a explosão de bombas de efeito moral, gás de pimenta e lacrimogêneo, a Polícia Militar promoveu o terror entre os Moradores da Ocupação.
No dia 16 de fevereiro de 2005, a Polícia Militar do Estado de Goiás realizou  uma verdadeira Operação Militar de Guerra, cinicamente chamada "Operação Triunfo". Numa hora e quarenta e cinco minutos, cerca de 14.000 pessoas foram despejadas de suas moradias de maneira violenta, truculenta e sem nenhum respeito pela dignidade da pessoa humana. A Operação Militar produziu 2 vítimas fatais (Pedro e Vagner), 16 feridos à bala, tornando-se um desses paraplégico (Marcelo Henrique) e 800 pessoas detidas (suspeita-se com razão que o número dos mortos e feridos seja bem maior). Esses crimes continuam até hoje impunes.
            Segundo Dalvina Mendes da Silva, seu filho, Vagner da Silva Moreira, de 21 anos, foi morto quando já estava fora da Ocupação. “Ele estava na fila indiana, aqui fora. Aí, os policiais chamaram todos para dentro. Estavam batendo em um outro rapaz. Meu filho olhou. Aí bateram nele. Ele caiu e atiraram”, conta, com a voz embargada pelo choro, a mãe de Vagner. Eronildes da Silva Nascimento, viúva de Pedro Nascimento, afirma que quando estava saindo do Parque Oeste com o marido, a polícia chegava atirando e jogando bombas. Com o tumulto, eles se separaram. “Me contaram que a polícia atirou nas costas dele. Dois tiros. Não deixaram ninguém socorrê-lo. Depois, algemaram o corpo dele e deixaram ele jogado no chão para servir de exemplo" (Agência de Notícias IBRACE - www.ibracego.org.br).
Nesta Operação Militar todos os Direitos Humanos fundamentais foram gravemente violados: o Direito à Vida, o Direito à Moradia, o Direito ao Trabalho, o Direito à Saúde, o Direito à Alimentação e à Água, os Direitos da Criança e do Adolescente, os Direitos da Mulher, os Direitos dos Idosos e os Direitos das Pessoas com necessidades especiais.
A liminar de reintegração de posse da Juíza Substituta Dra. Grace Corrêa Pereira, além de ser irresponsável, é - a meu ver - inconstitucional, por considerar a propriedade privada como um direito absoluto, ao qual tudo deve ser sacrificado, inclusive a vida. A Constituição Federal diz de maneira muito clara: "a propriedade atenderá a sua função social" (Art. 5, XXIII). A área da Ocupação "Sonho Real" - loteamento de 1957 - nunca cumpriu a função social e podia ser desapropriada "por interesse social" (Art. 5, XXIV).
Mesmo, porém, que a liminar fosse considerada constitucional, com certeza a maneira bárbara como o Estado - pressionado pelo setor imobiliário e submisso a seus interesses - cumpriu a liminar (as Operações "Inquietação" e "Triunfo") é não só injusta e antiética, mas também ilegal e inconstitucional. Os então responsáveis dessas Operações Criminosas - que são o Governador do Estado de Goiás Marconi Perillo, o Secretário de Segurança Pública Jônathas Silva e o Comandante da Polícia Militar Coronel Marciano Basílio de Queiroz (com a conivência do Judiciário e a omissão do Poder Municipal) - devem ser processados e julgados. É uma questão de Justiça. Aliás, se em nossa sociedade tivéssimos um mínimo de Justiça, o ex-Governador Marconi Perillo não só deveria ser processado e julgado, mas também cassado e impedido de se candidatar novamente.
Depois do despejo forçado e violento, e depois de passar uma noite acampadas na Catedral de Goiânia (onde aconteceu também o velório de Vagner e Pedro num clima de muita indignação e sofrimento), cerca de mil famílias (aproximadamente 2.500 pessoas), que não tinham para onde ir, ficaram alojadas nos Ginásios de Esportes dos Bairros Novo Horizonte e Capuava (por mais de três meses) e, em seguida, no Acampamento do Grajaú (por mais de três anos) como verdadeiros refugiados de guerra. Nesse período, diversas pessoas - sobretudo crianças e idosos - morreram em consequência das condições subumanas de vida, vítimas do descaso do  Poder Público do Estado de Goiás e da Prefeitura de Goiânia.
Por se tratar - no caso do Parque Oeste Industrial - de "grave violação de Direitos Humanos", e para que tamanha barbárie não caia no esquecimento e nunca mais se repita, pedimos, conforme reza a Constituição Federal, a federalização dos crimes ocorridos e a indenização das vítimas (Art. 109, V-A, § 5). Os crimes contra os Direitos Humanos nunca prescrevem. O Estado de Goiás, que foi quem praticou os crimes, não tem - pela lógica - as condições éticas e legais para processar e julgar ninguém.
Queremos também recorrer à Conte Internacional dos Direitos Humanos da OEA e realizar um Tribunal Popular para julgar e condenar, no banco dos réus, o Poder Público, Estadual e Municipal.
Queremos ainda fazer uma Campanha para que ninguém compre lotes na área - até hoje sem nenhuma função social - da ex-Ocupação "Sonho Real", e para que a área, com base na Constituição Federal, seja declarada de "utilidade pública" e desapropriada (Art. 5, XXIV). Como já foi dito em 2009 num Ato Público, trata-se de uma área impregnada de sangue inocente; uma área que, no sentimento religioso do Povo, é "amaldiçoada" por Deus e só será "libertada" da maldição divina se for utilizada para o bem comum, e em benefício dos Pobres e Excluídos da sociedade.
Para encaminhar e realizar estas propostas, pedimos a colaboração de pessoas voluntárias, profissionalmente preparadas (sobretudo na área jurídica) e que sejam sensíveis à causa dos Direitos Humanos e da Ética,
Senhor Ministro, conhecendo a sua história, e o seu compromisso com a defesa dos Direitos Humanos e da Ética, contamos com o seu empenho para que esses crimes não fiquem impunes e não caiam no esquecimento. 

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br   
Goiânia, 04 de abril de 2010


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