O Jornal O
Popular do dia 20 de abril/10, o Jornal O Globo e outros Jornais de circulação
nacional e regional publicaram a matéria "Só os anjos não têm sexo"
do jornalista Arnaldo Jabor. Trata-se de um texto que deixa qualquer pessoa de
bom senso profundamente indignada. As afirmações do jornalista são uma
verdadeira enxurrada de besteiras e desrespeitam a dignidade de qualquer ser
humano, seja ele santo ou pecador. São afirmações cínicas, levianas e
superficiais que enxovalham tudo. Revelam uma personalidade psicologicamente
desequilibrada e intelectualmente desonesta. Como um louco, Arnaldo Jabor atira
em todas as direções, sem provar e/ou documentar nada. A autossuficiência e a
arrogância do jornalista são tamanhas que suas afirmações se desqualificam por
si mesmas. Graças a Deus, os leitores não são imbecis.
Em
primeiro lugar, Arnaldo Jabor fala da pedofilia como se fosse um problema só da
Igreja Católica. A pedofilia - todos nós sabemos - é um problema da humanidade
e, como a Igreja Católica faz parte da humanidade, é também um problema da
Igreja Católica.
Em segundo
lugar, o jornalista fala da pedofilia na Igreja Católica como se fosse uma
obsessão, como se fosse um clima ou um ar que se respira diariamente em todas
as casas de padres e religiosos/as, envolvendo fatalmente a todos/as num
ambiente lúgubre e demoníaco.
Diz
Arnaldo Jabor: "Pedofilia e homossexualismo pairam no ar de qualquer
internato religioso". "No velho colégio de padres onde estudei, a
entrada dos alunos já era um desfile de velada pedofilia". "No
colégio, tudo era sexo dissimulado". E ainda (pasmem!): "A própria
escolha da vida religiosa já é uma negação alucinada da sexualidade - se a
força máxima da vida é esmagada, a
Igreja vira uma máquina de perversões" (O Popular, Caderno Magazine, p.
3). Toda a matéria do Jornal é um elenco interminável de afirmações absurdas,
que nem merecem ser tomadas em consideração.
A Igreja
Católica é uma Instituição religiosa que tem como ideal compreender e viver a
vida humana numa dimensão de fé cristã. "A fé esclarece todas as coisas
com luz nova. Manifesta o plano divino sobre a vocação integral do ser humano.
E por isso orienta a mente para soluções plenamente humanas" (Concílio
Vaticano II, A Igreja no mundo de hoje - GS, 11). "O mistério do ser
humano só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado. (…)
Cristo manifesta plenamente o ser humano ao próprio ser humano e lhe descobre a
sua altíssima vocação" (Ib., 22).
A Igreja
Católica, mesmo sendo uma Instituição religiosa, é uma Instituição humana, isto
é, histórica, situada e datada, com as limitações, erros e acertos inerentes a
cada situação e a cada tempo. Em outras palavras, é uma Instituição de seres
humanos e todo ser humano é um "vir-a-ser", um ser em construção.
Onde existe o ser humano, existem também crimes e pecados, seja pessoais, seja
estruturais ou institucionais. Esta é a condição do ser humano no mundo. A
Igreja não foge a isso.
Por
exemplo, se é verdade que a Igreja, em seus colégios e internatos, usou no
passado métodos de formação e pedagogias que hoje consideramos superadas, é
verdade também que estes métodos de formação e pedagogias eram então comuns.
Hoje, com
a valiosa contribuição de pessoas ligadas à Igreja Católica, como o grande
filósofo da educação Paulo Freire e outros inúmeros cientistas, filósofos e
teólogos, surgiram novos métodos de formação e novas pedagogias numa linha
libertadora e humanizadora. As ciências humanas - como todas as ciências -
evoluem sempre.
Não quero
aqui justificar erros e aberrações que a Igreja Católica ou pessoas da Igreja
Católica cometeram ou cometem. A História da Igreja Católica - como toda a
história humana - é um processo dialético, feito de contradições e
ambiguidades, e é nestas contradições e ambiguidades que a Igreja Católica
procura ser sempre mais fiel ao projeto de Jesus Cristo, que é um projeto
radicalmente humano e que, à luz da fé, chamamos de Reino de Deus.
Quantos
exemplos de radicalismo humano temos, hoje também, na Igreja Católica. Basta
lembrar o testemunho de vida de Dom Oscar Romero, de Pe. Josimo, da irmã
Dorothy, da madre Teresa de Calcutá, de Dom Helder Câmara e de tantos
outros/as. E ainda: quantas pessoas que, depois de conversar e conviver com
padres e religiosos/as, voltam para suas casas edificadas e dando testemunho do
equilíbrio, da serenidade, da paz, da sensibilidade e da profundidade humana
que encontraram nos padres e religiosos/as. Quantos padres e religiosos/as
sentem-se realizados como seres humanos e transmitem sua realização numa
vivência alegre e feliz. Será que isso não conta nada para Arnaldo Jabor?
Qualquer
humanista, à luz do pensamento filosófico (racional) e/ou teológico, sabe que a
sexualidade é uma dimensão e, ao mesmo tempo, um valor que marca a totalidade
da vida e da existência humana. Todas as opções, atitudes e atos do ser humano
são "sexuados"
A
sexualidade (que não se reduz à genitalidade, mas a inclui) é constitutiva do
ser humano, que existe como homem (vir) e mulher (mulier). Para o ser humano
(homo), o significado "humano" de ser homem (macho, vir) e mulher
(fêmea, mulier) está precisamente e essencialmente na relação entre pessoas; em
outras palavras, está na reciprocidade do encontro entre seres humanos.
Torna-se homem e mulher na reciprocidade, isto é, no face a face do homem e da
mulher. Um ser humano é verdadeiramente homem (vir) - em sentido humano -
diante da mulher (mulier), e a mulher é verdadeiramente mulher (mulier) - em
sentido humano - diante do homem (vir). A sexualidade é o fato de o ser humano
(homo) ser dois (vir e mulier) e se manifestar na reciprocidade (na relação, no
encontro intersubjetivo). Ora, reciprocidade se dá unicamente onde se dá
alteridade, ou seja, onde dois seres humanos existem plenamente. Quando o ser
humano (homo) se torna relação (ser-para-um-outro), ele revela-se a si mesmo
como homem (vir) ou mulher (mulier) no face a face. É, pois, neste face a face
que se reconhece como ser humano (vir ou mulier) e é reconhecido como tal. Não
é, portanto, a sexualidade que nos faz inventar o amor, mas é o amor que nos
revela a natureza da sexualidade. Neste contexto do encontro interpessoal
manifestam-se todas as possibilidades de linguagem e de reconhecimento do outro
como outro, isto é, todas as possibilidades "humanas" das componentes
do homem e da mulher, como as diferenças fisiológicas, o erotismo, as
caracterizações psicológicas, as elaborações culturais, etc.
À
sexualidade pertence a fecundidade. Ela é predisposta pela estrutura biológica
e fisiológica do homem e da mulher, e se reveste de uma dimensão interpessoal
na vivência do reconhecimento mútuo como homem e como mulher, e na instauração
de um novo diálogo com um novo ser. A estrutura homem-mulher é, podemos dizer,
a estrutura que mais profundamente manifesta (exprime), no ser humano, sua
natureza interpessoal e é o caminho normal para realizá-la (Cf. Gevaert, J. Il
problema dell'uomo. Introduzione all'Antropologia Filosofica. Elle Di Ci, Torino, 1981, p. 88-89)
Portanto,
ninguém renuncia à sexualidade humana ou ninguém "esmaga" a
sexualidade humana (como afirma Arnaldo Jabor).. Quando o diácono, antes de sua
ordenação presbiteral (de Padre), assume - livre e conscientemente - o
compromisso do celibato ou quando o religioso/a faz o voto de castidade renuncia
ao exercício da sexualidade em sua expressão genital, ao casamento (que a
Igreja considera um sacramento, um caminho de santidade) e a uma família
biológica por um amor maior ou, podemos dizer, por excesso de amor (não por
falta de amor ), dedicando-se, de maneira radical e integral à causa do Reino
de Deus. "Amem-se uns aos outros,
assim como eu amei vocês. Não existe amor maior do que dar a vida pelos
amigos" (Jo 15, 12-13).
A vida de
qualquer ser humano (homem ou mulher)
neste mundo é cheia de renúncias, mas toda renúncia só tem sentido se for por
amor ou por excesso de amor. Só à luz da fé podemos compreender plenamente o
sentido da opção de vida dos padres e dos religiosos/as. Todos, porém, que
amamos a vida humana e lutamos por ela, podemos valorizar e, sobretudo,
respeitar esta opção de vida. É isso que gostaríamos de pedir ao jornalista
Arnaldo Jabor. "Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em
abundancia" (Jo 10,10).
Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia
Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na
Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão
Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 05
de maio de 2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário