quinta-feira, 27 de maio de 2010

Quem executou Walter e Jeferson?


Com a palavra o novo Secretário de Segurança Pública do Estado de Goiás, Sérgio Augusto Inácio de Oliveira, que - por ter integrado a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB-GO - espero seja sensível à causa dos Direitos Humanos e, sobretudo, à causa do primeiro de todos os Direitos Humanos, que é o Direito à vida.
A sociedade, senhor Secretário, exige o quanto antes uma resposta clara e objetiva à pergunta: quem executou os moradores de rua Walter e Jeferson?  Espero que o senhor faça uma investigação séria e honesta a respeito do caso e que os responsáveis desta covarde e criminosa execução - civis ou policiais - sejam processados, julgados e punidos.
            Relembremos o caso: Por volta das 3,30h do dia 20 de maio deste ano "o morador de rua Walter de Santana Alves Feitosa, de 32 anos, foi morto com dois tiros no tórax, quando dormia em um corredor de acesso a barracões de um imóvel na Avenida Goiás Norte, no Setor Norte Ferroviário, onde estava acostumado a dormir". Walter passava o dia na Praça do Trabalhador e era "usuário de drogas, com passagens na Polícia por pequenos furtos". Infelizmente, na nossa sociedade hipócrita, quem pratica grandes furtos (desvio de verbas públicas, superfaturamentos, etc.), normalmente não tem passagem na Polícia…
            "A mesma rotina (de Walter) era seguida pelo adolescente Jeferson Ferreira Barbosa, de 16 anos, executado com dois tiros (…), na Avenida Leste-Oeste, esquina com a Avenida República do Líbano, no Setor Marechal Rondon", pouco depois da 3,30h do mesmo dia.
Os dois assassinatos "ocorreram em locais próximos e as vítimas possuíam perfis parecidos, o que leva a Polícia Civil a acreditar que o executor foi o mesmo" (O Popular, Cidades, 21 de maio de 2010, p. 4).
Que maldosa covardia! Quanta violência por causa do envolvimento com o mundo das drogas e - o que é pior - quanta violência policial! A vida humana - parece - não tem nenhum valor. Em que sociedade nós estamos! Em pleno século XXI, a nossa sociedade é ainda uma sociedade estruturalmente injusta e assassina. Chega de tanta barbárie! Chega de tantas mortes! Vamos defender a vida. Não importa se a pessoa humana é culpada ou inocente.
Uma Agente de Pastoral, que - com sensibilidade humana e com muito respeito  - trabalha com os moradores de rua, conhecia há tempo Walter e Jeferson, e tinha com eles um diálogo fraterno. Um dia, prevendo sua própria morte, com um olhar sofrido e triste, Walter e Jeferson falaram para à Agente de Pastoral: "Tia, a senhora não vai nos ver mais, porque vamos morrer". Que drama! A Agente de Pastoral ficou em estado de choque e profundamente indignada com a notícia da bárbara execução dos dois moradores de rua, que se tornaram seus irmãos e amigos.
E por falar em violência policial, há poucos dias um jovem Pré-Noviço dos Frades Dominicanos (que mora, com outros oito jovens, na nossa Comunidade religiosa do Convento São Judas Tadeu, no Setor Coimbra), quando voltava do curso de espanhol e se encontrava no ponto de ônibus com outras pessoas, foi abordado pela Polícia Militar de maneira arrogante, desrespeitosa e humilhante. Com que direito a Polícia Militar faz isso? Será que não está na hora de mudar totalmente o tipo de formação que os policiais recebem?  Será que não precisamos acabar, de uma vez por todas, com esta mentalidade cultural retrógrada e nazista? Quantos casos de violência policial - muitas vezes com mortes - que todos nós conhecemos e que poderíamos contar!
Lembrem-se, os responsáveis de tanta violência e maldade, das palavras de Jesus: "Todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores dos meus irmãos, foi a mim que o fizeram!" (Mt 25, 40). 


Lembrem-se, também, da parábola do homem rico e do pobre Lázaro (Cf. Lc 16, 19-31). O pobre Lázaro - no nosso caso - se chama Walter, se chama Jeferson. Tenho certeza na fé que - apesar de tanta covardia e maldade - os nossos irmãos, os moradores de rua Walter e Jeferson, completaram sua Páscoa e, libertos de todo sofrimento, se encontram agora na plenitude do Reino de Deus, na plenitude da vida, na plenitude da felicidade. Deus é justo.
E nós, "o homem rico", somos também de alguma forma - direta ou indiretamente, por ação ou por omissão - responsáveis por tamanha barbárie. Só nos resta um caminho: a conversão e a mudança de vida. Nada, porém, nos levará a essa conversão e mudança de vida, se não formos capazes de abrir o coração para a Palavra de Deus, o que nos leva a voltar-nos para os pobres (Cf. Bíblia Sagrada. Edição Pastoral. Nota de rodapé). "A parábola (do homem rico e do pobre Lázaro) é exigência de profunda transformação social, para criar uma sociedade onde haja partilha de bens entre todos" (Ib.). É esta a nossa missão de cristãos(ãs), é a mesma missão de Jesus de Nazaré.   


Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 27 de maio de 2010

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