sexta-feira, 2 de julho de 2010

Mais de sete horas de tortura: uma verdadeira barbárie


            É realmente repugnante ler na imprensa do dia 26 de junho deste ano que o jovem trabalhador M., ajudante de pedreiro, foi barbaramente torturado, mais de sete horas, por policiais militares do Batalhão da PM em Trindade. Ele - por ter as características físicas parecidas com o retrato falado do acusado - foi confundido com o homem que, há poucos dias, estuprou duas irmãs e matou a mais velha. Posteriormente o jovem trabalhador foi levado à Delegacia da Mulher e não foi reconhecido pela vítima do estupro. Mas, mesmo que se tratasse do estuprador e assassino, não se justificaria o crime que os policiais militares cometeram. É um crime que clama a Deus por justiça. 
            Segundo o depoimento da própria mãe, dado no dia 29 de junho à TV Brasil Central, o jovem trabalhador está totalmente traumatizado, com medo de sair de casa e sem conseguir dormir. Que barbárie! Em que mundo estamos!
            Precisamos reafirmar com veemência o direito de todo ser humano à integridade física e condenar o castigo corporal ou a pena cruel e degradante. "Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante" (Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. V, 1948)
Constitui crime de tortura: "1- constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; 2- submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo" (Lei N° 9.455, Art. 1°, 7 de abril de 1997).
            O crime de tortura, além de ser um crime contra a Lei, é também e sobretudo um crime contra a Ética. É um crime que viola todos os Direitos Humanos e é  tão bárbaro que deixa qualquer pessoa, com um mínimo de sensibilidade humana, totalmente indignada. Não podemos mais aceitar tanta violência policial. Precisamos dizer:  Basta!
            Há poucos dias, no Artigo "Quem executou Walter e Jeferson?", publicado no Diário da Manhã do dia 31 de maio deste ano, cobrei do novo Secretário de Segurança Pública do Estado de Goiás, Sérgio Augusto Inácio de Oliveira, uma investigação séria e honesta sobre a execução dos dois jovens, moradores de rua, Walter e Jeferson. Até agora, por aquilo que me consta, não foi dada nenhuma satisfação à sociedade sobre o andamento ou o resultado da investigação. Os cidadãos, senhor Secretário, merecem mais respeito do Poder Público.
            Peço também que este caso do jovem trabalhador - torturado e espancado por mais de sete horas de maneira degradante e humilhante - seja investigado o mais rapidamente possível e os culpados sejam punidos. É um caso que nos envergonha a todos. Faço ainda um apelo aos Advogados, que lutam pelos Direitos Humanos, como os da RENAP (Rede Nacional de Advogados Populares) ou da ABRAPO (Associação Brasileira dos Advogados do Povo) para que se coloquem, voluntária e gratuitamente, à disposição do jovem trabalhador - barbaramente torturado, humilhado e desrespeitado em seus direitos fundamentais - para abrir um processo contra os responsáveis do crime, exigindo do Estado de Goiás uma reparação e uma indenização pelos danos físicos e morais sofridos. É o mínimo que pode ser feito. Trata-se de uma questão de justiça.  
            Além de investigar os casos, que são sempre mais frequentes, de violência policial, torna-se cada vez mais urgente uma "outra formação" para os policiais militares. Precisamos atingir o mal pela raiz. Os policiais militares necessitam de uma formação humana integral e libertadora, baseada na Ética e no respeito aos Direitos Humanos.
O educador Paulo Freire afirma: “Uma das tarefas mais importantes da prática educativo crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou com a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto” (Pedagogia da autonomia, São Paulo, Paz e Terra, 1997, p.46).
Como diz, porém, Valter Machado Fonseca: "Para se falar de Paulo Freire é preciso alguns requisitos fundamentais. É preciso amar a vida, acreditar nas utopias, na transformação, numa sociedade mais justa e igualitária. Do mesmo modo, é preciso ter dentro de si a esperança, a ousadia, a coragem de enfrentar as adversidades do dia a dia e as repentinas; é preciso, igualmente, acreditar na integridade, na beleza, e no poder de transformação dentro do ser humano, principalmente daqueles a quem a vida fecha as portas, dos 'demitidos da vida', dos 'esfarrapados do mundo'.
Portanto, não estão autorizados a falar sobre ele os opressores, aqueles que matam, que ceifam a vida de milhões de pessoas. Não estão autorizados os que reprimem, os sensores, os escravocratas, os ditadores, os fascistas. Não estão autorizados os que passam pela vida, simplesmente por passar, aqueles que esperam, acomodados, as coisas caírem do céu. Do mesmo modo, não estão autorizados todos os que, de uma forma ou de outra, são incapazes de amar. Para falar de Freire, antes de tudo, é preciso desarmar o coração para deixar falar a voz da emoção,  a voz da esperança e deixar a porta aberta para receber a utopia" (Paulo Freire e a Educação Libertadora: destaquein.sacrahome.net/, julho de 2010). 


Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 2 de julho de 2010

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