quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Torneiras fechadas e torneiras abertas


O ministro da Fazenda Guido Mantega afirmou que o novo governo terá "torneiras fechadas" e repetiu várias vezes que é necessário "frear gastos públicos". Acrescentou que "todos os ministérios terão de dar a sua contribuição". Declarou também que negociar um salário mínimo superior aos R$ 540 previstos no projeto de Orçamento-2011, é "uma ameaça à consolidação fiscal". Disse ainda "ser fundamental que não sejam aprovados projetos em tramitação no Congresso, como a PEC 300, que eleva salários na área de segurança". Além de "cortar despesas de custeio e aumentar a poupança pública", o ministro "se comprometeu a economizar o suficiente para reduzir a dívida pública de 41% para 30% do PIB em 2014" (Folha de S. Paulo, 25/11/10, p. A6).
Como se pode perceber pela fala do ministro, está claro que - embora mudando algumas pessoas - a política econômica continua a mesma. Ela está voltada para os interesses do grande capital. "Mudança, mas sem virada de mesa. Executivos do mercado de capitais viram na indicação da equipe econômica da presidenta eleita, Dilma Rousseff, um esforço de renovação, porém, conservando o status quo longamente testado e aprovado" (Ib., p. A8).
O povo empobrecido, oprimido e excluído continuará recebendo do poder público "esmolinhas" para que não se revolte e para que continue alimentando o "populismo" dos nossos governantes, tão necessário para fins político eleitoreiros.
As torneiras, senhor ministro, deveriam estar fechadas para o desvio de verbas, para o superfaturamento nas licitações públicas, para os mensalões, para a barganha política na distribuição de cargos, para a prática da corrupção e para todos os gastos desnecessários, como, por exemplo, a compra do Aerodilma.
Quem leu a notícia "governo negocia a compra de novo avião presidencial" e tem um mínimo de senso de justiça deve ter ficado profundamente indignado. É um acinte que subestima a inteligência do nosso povo. Não dá para entender como um governo que pretende ser "dos trabalhadores" (mas que, de fato, traiu "os trabalhadores") se preocupe tanto com posturas ostensivas e luxuosas. Parece que os nossos governantes estão se lambuzando com o poder às custas do povo sofrido. Lembrem-se que não é o cargo que dá valor e dignidade a pessoa humana, mas é a pessoa humana que dá valor e dignidade ao cargo.
O Aerodilma "custa até cinco vezes os US$ 56,7 milhões (…) pagos em 2005 pelo Aerolula, um Eirbus-A319 em versão executiva". Que vergonha! As próprias autoridades estão escondendo a cara. "Justificar tal despesa seria complicado, como foi em 2005, e seria fonte certa de desgaste para Dilma (…) Assim, juntou-se a fome com a vontade de comer, e a nova compra está sendo camuflada por uma necessidade real" (Folha de S. Paulo, 29/11/10, p. A12). Vejam só a preocupação do nosso governo. É realmente ridículo. É realmente assustador ver tanta irresponsabilidade.  
As torneiras, senhor ministro, deveriam estar abertas para implementar políticas públicas que criem condições permanentes de vida digna para o nosso povo (isso não se faz com "esmolinhas"); que defendam e promovam os direitos humanos; que implantem um sistema de educação pública de qualidade, um sistema de saúde com atendimento respeitoso e competente, um verdadeiro sistema de segurança (sem violência policial), um  transporte coletivo eficiente; enfim, políticas públicas voltadas para a geração de empregos com salário justo para todos, principalmente para os jovens, tirando-os do mundo da violência e das drogas (não com salário mínimo de R$ 540, que é uma afronta aos trabalhadores/as). Isso sim, significa "virar a mesa" e pôr em prática uma política econômica diferente, uma política econômica humana e a serviço do bem comum.
Infelizmente, no sistema capitalista neoliberal, as relações econômicas, internacionais e nacionais, são estruturalmente criminosas e assassinas. Matam os pobres paulatinamente. Basta lembrar que, em 2009, o governo gastou 36% do orçamento da União (380 bilhões de reais) para pagar os juros da dívida pública, enquanto gastou 4,8% para a saúde e 2,8% para a educação. Trata-se de uma verdadeira sangria, que torna os ricos sempre mais ricos à custa dos pobres sempre mais pobres.
Por que o governo, dito "popular" e "dos trabalhadores" (não "dos capitalistas") não promove uma auditoria a respeito da dívida pública, interna e externa, como seus membros sempre defenderam antes de chegar ao poder? A própria Constituição Federal de 1988, a respeito da dívida externa, diz que o governo devia fazer a auditoria, no prazo de um ano, a partir da data de sua promulgação. Não o fez. Por que?
 Se o governo promovesse a auditoria da dívida pública, descobriria quem fez a dívida, como o dinheiro foi usado, quem se beneficiou (não foi certamente o povo)  e, talvez, descobriria que, na realidade, a dívida já foi paga muitas vezes e que o credor é o próprio povo. Isso poderia justificar, legal e moralmente, o cancelamento e o não pagamento da dívida pública e o PIB poderia ser usado integralmente para implementar políticas públicas em benefício do povo.
Mas, mesmo admitindo a hipótese que, depois da auditoria, sobrasse algumas dívidas (o que é muito improvável), o governo teria a obrigação moral de pagar a dívida só depois de resolver os problemas sociais básicos do nosso povo e depois que todos tivessem uma vida humana digna. Isso justificaria a moratória.
Graças a Deus, ainda tem muita gente que acredita num "outro mundo possível" e num "outro Brasil possível". E é por isso que continua lutando para que o "sonho" se torne realidade. "Vem, Senhor, não tardes mais, és o anseio das nações! Vem curar os nossos 'ais' e expulsar as opressões! (Canto litúrgico do Advento). 






      
                                    Diário da Manhã , Opinião Pública, Goiânia, 02/12/10, p. 10


 
Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

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