Dia
6 de maio de 2013. Já é noite. Acabo de chegar de uma visita de algumas horas ao
Acampamento Pedro Nascimento e Residencial JK I e II, na Região Noroeste de
Goiânia. Ao todo, entre os que ocuparam os lotes vazios (366 famílias, vivendo
no Acampamento) e os que adquiriram os lotes enganados (300 famílias, mas só 70
vivendo no Residencial), moram na região cerca de 450 famílias, numa situação
subumana.
Irmãs e irmãos do Acampamento e do Residencial, a
minha visita foi a de um irmão solidário, que quer, de coração, partilhar o
sofrimento e a dor de vocês, pais e mães de famílias, crianças e jovens,
adultos e idosos, vítimas de nossa sociedade hipócrita e de nosso “sistema econômico
iníquo” (Documento de Aparecida - DA, 385).
Nessa visita, estavam presentes também a grande
lutadora Eronilde da Silva Nascimento, uma verdadeira heroína, e seu
companheiro Luís Milhome.
Fiquei feliz, irmãs e irmãos, porque - mesmo numa
situação tão calamitosa, da qual os nossos governantes deveriam se envergonhar
- encontrei tanta alegria, tanta bondade, tanta humanidade, tanta garra e tanto
heroísmo que me edificaram.
Obrigado! Foi muito bom estar com vocês. Conversamos,
convivemos, caminhamos juntos e tomamos dois cafezinhos muito gostosos, o
primeiro, na barraca da dona Cotia e o segundo, na barraca da dona Meire, duas
grandes companheiras de caminhada. Entre um cafezinho e outro, passamos também
na barraca da Wánia, que, juntamente com dona Meire, andou conosco no
Acampamento e anima a todos/as com seu sorriso.
A coragem e a vontade de lutar de vocês me fortalecem
e me ajudam a ser mais humano. Na luta de vocês por moradia, que é um direito
de toda pessoa humana, contem sempre com a minha solidariedade e com o meu
apoio.
Fazendo a experiência da profunda sensibilidade humana
de vocês, lembrei-me das palavras do teólogo Pe. José Comblin, de saudosa
memória, que, em 1982, dizia: “O humano deveras humano não se deve procurar
entre os opressores, mesmo inconscientes, mas nas vítimas da opressão (...). O
humano mais puro se acha entre os homens e as mulheres que lutam
desesperadamente para salvar o sentido do humano que a sociedade e a
‘civilização’ fazem de tudo para destruir”.
Dizia ainda Pe. Comblin: “Os verdadeiros heróis são os
milhares e milhões de homens e mulheres anônimos que devem todo dia aceitar o
desafio de uma luta sobre-humana contra forças imensas, que jamais escolheram
pessoalmente e que lhes impõem um jugo acima de suas forças. Os verdadeiros
heróis são os oprimidos da vida cotidiana, que conseguem salvar o essencial do
humano” (José Comblin, Humanidade e Libertação dos Oprimidos. Revista
“Concilium”, 175, 1982).
Vocês, irmãs e irmãos, são verdadeiras heroínas e
verdadeiros heróis. Continuem firmes na luta que Deus está com vocês.
Confesso que - por ser entranhadamente solidário com
vocês - voltei da visita ao Acampamento Pedro Nascimento e Residencial JK I e
II profundamente indignado. Quero, nestas poucas linhas, denunciar publicamente
o descaso e a omissão da Prefeitura de Goiânia. Mesmo que a solução definitiva
do problema demore - como é compreensível - algum tempo, o Poder Público
Municipal tem o dever de oferecer a vocês, em caráter de urgência, as condições
mínimas necessárias para que possam viver dignamente.
Diante de uma situação de calamidade pública, uma
multidão de gente acampada num lugar totalmente abandonado, o socorro tem que
ser imediato. Em caso contrário, caracteriza-se a omissão de socorro, que é
crime, e os responsáveis devem ser processados, julgados e condenados.
Num caso como esse, não importa a legalidade. O que
importa é salvar vidas. A vida está acima da lei.
No Acampamento e no Residencial, a água está
contaminada e amarela. As crianças estão em péssimas condições. Encontrei uma
família com nove crianças pequenas. Outra família com cinco crianças pequenas.
As crianças, em idade escolar, não tem escola. As pessoas estão doentes. Não
tem transporte coletivo. Não tem nada.
Enquanto não se encontra uma solução definitiva para
essas famílias, será que é tão difícil para a Prefeitura manter no lugar água
potável, cestas básicas, equipe de saúde da família e outros serviços
essenciais? Ou será que a lei só existe para defender os interesses dos grandes,
dos poderosos, dos gananciosos e dos corruptos? Chega de tanta falta de
humanidade! É só uma questão de vontade política.
Por uma estranha coincidência, indo para o Acampamento
Pedro Nascimento e Residencial JK I e II, na traseira do carro que se encontrava
na minha frente, estava escrito: “Tenha um ideal e que ele seja você mesmo.
Esqueça os outros”. Essa frase revela muito bem a ideologia individualista e
egoísta de nossa sociedade capitalista neoliberal. Nessa sociedade, não tem
lugar para os pobres, que são descartados como lixo e morrem a míngua. A nossa
sociedade é uma sociedade assassina, que mata silenciosamente os pobres.
Não podemos ficar calados e nos omitir. Precisamos
denunciar essas “situações de pecado” ou “estruturas de pecado”, que são
“estruturas de morte” (DA, 92, 95, 112). Um outro mundo é possível! Nós
acreditamos nele e estamos comprometidos com ele.
(Leia o Artigo: Acampamento
Pedro Nascimento, Residencial JK I e II, em:
Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano,
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral
(Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 08 de maio de 2013
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