O
depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV) do coronel reformado do
Exército, Paulo Malhães, 76, no dia 25 de março, revela a perversidade, a
monstruosidade e o sadismo dos torturadores nos calabouços da ditadura civil-militar
(1964-1985).
Um
dos calabouços mais diabólicos era a Casa da Morte de Petrópolis, o maior
centro clandestino de tortura e desaparecimento de presos políticos do País, mantido,
nos anos 70, pelo Centro de Informações do Exército (CIE).
O
depoimento de Paulo Malhães - que atuava na “Casa da Morte” - chocou os
integrantes da CNV e tornou-se paradigmático para entendermos os horrores da ditadura
civil-militar. É de arrepiar!
O
coronel (levado em cadeira de rodas e usando camisa cinza, terno bege e óculos
escuros) admitiu, com a maior frieza - como se fosse a coisa mais natural e
normal do mundo - que torturou, matou e ocultou cadáveres de presos políticos,
que ele chama de “terroristas”.
As
respostas de Paulo Malhães às perguntas do ex-ministro José Carlos Dias são
reveladoras. “Quantas pessoas o senhor matou?” “Tantas quanto foram
necessárias”. “Arrepende-se de alguma morte?” “Não”. “Quantos torturou?”
Difícil de dizer, mas foram muitos”.
O
coronel, sem demonstrar nenhum incômodo e sentindo-se plenamente à vontade,
defendeu a tortura como método de investigação e explicou como mutilava os
cadáveres, para evitar que fossem identificados. Paulo Malhães afirmou: “A
tortura é um meio. Se o senhor quer saber a verdade, tem que me apertar”.
Acrescentou, ainda, que aprovava o método da tortura para presos comuns.
Questionado
sobre as mutilações de cadáveres, o coronel afirmou que a prática era uma
“necessidade” e que os corpos não eram enterrados “para não deixarem rastros”.
“Naquela época - disse Paulo Malhães - não existia DNA. Quando você vai se
desfazer de um corpo, quais partes podem determinar quem é a pessoa? Arcada
dentária e digitais. Quebrava os dentes. (Cortava) as mãos daqui para cima
(apontando as próprias falanges)”.
O
ex-ministro José Carlos Dias ficou estarrecido diante do depoimento do coronel
e comentou: “mesmo com tantos anos de advocacia, me choquei com a descrição da
mutilação de arcadas dentárias e digitais” (cf. Folha de S. Paulo, 26/03/14, p.
A10).
No
dia 23 de março (dois dias antes), em outro depoimento, dessa vez à Comissão
Estadual da Verdade (CEV) do Rio de Janeiro, Paulo Malhães disse que a busca
pelos restos mortais de militantes de esquerda, desaparecidos na Guerrilha do
Araguaia, é inútil. Ele contou que, na segunda metade da década de 70, foi
encarregado de chefiar uma missão (que missão!) na região da Guerrilha, no sul
do Pará - chamada “Operação Limpeza” - cujo objetivo era desaparecer para
sempre com os corpos dos guerrilheiros. Irônica e orgulhosamente, afirmou: “podem
escavar o Brasil todo, mas não vão achar ninguém, porque nós desaparecemos com
todo mundo” (cf. O Popular, 25/03/14, p. 13). Que absurdo! Que nojo! Como pode
um ser humano ser tão insensível e tão cruel!
Embora
reconhecendo (a não ser em casos de psicopatas comprovados) a responsabilidade
pessoal, humana e ética, dos torturadores - verdadeiros monstros - precisamos lembrar
também que os torturadores e as torturas não nascem casualmente, mas são
produtos de um "sistema econômico iníquo” (Documento de Aparecida - DA,
385) e se desenvolvem dentro da lógica desse sistema. Os grandes
empresários, urbanos e rurais, que - em conluio com políticos - apoiaram e
sustentaram o Golpe civil-militar de 64, construíram fortunas astronômicas. A
economia do País e o dinheiro público foram colocados em função dos interesses
financeiros das grandes empresas nacionais, ligadas às empresas multinacionais.
Tratava-se (e, ainda, trata-se) de um verdadeiro roubo legalizado e
institucionalizado.
Para
alcançar o objetivo proposto e manter o sistema dominante, tudo era permitido,
inclusive a tortura contra aqueles que se opunham à ditadura civil-militar e defendiam
um outro projeto político, mais justo e mais igualitário. Esses eram chamados de
“terroristas”, mas, na realidade, os verdadeiros “terrotistas” eram os
ditadores e os torturadores.
“Hoje
- diz o papa Francisco - devemos dizer ‘não a uma economia da exclusão e da
desigualdade social’. Essa economia mata” (A Alegria do Evangelho - EG, 53).
Em
todo o Brasil, no dia 1º de abril, serão realizadas Manifestações Públicas, em
repúdio aos 50 anos do Golpe civil-militar, contra o totalitarismo da ditadura
e sua continuidade na violência policial nos dias de hoje. Em Goiânia, a concentração
para a Manifestação Pública será às 9 horas, em frente à Assembleia Legislativa
do Estado de Goiás (Alameda dos Buritis, 231 - Setor Oeste). Participemos!
Unamo-nos
também à Anistia Internacional, que - sempre no dia 1º de abril - lançará no Brasil
uma Campanha pela punição dos agentes que torturaram e mataram militantes de
esquerda durante a ditadura civil-militar.
Voltarei
a falar dessa Campanha em outro escrito.
Leia
também o artigo “Tortura: o requinte da crueldade humana”, em:
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