No último fim de semana de setembro, por três
dias, os índios Krahô fizeram uma homenagem ritual de despedida a Dom Tomás
Balduino - considerado por eles e elas, parente e amigo inesquecível - como
finalização do luto e em agradecimento pelo seu compromisso evangélico na
defesa dos pobres e, de maneira especial, dos povos indígenas.
Segundo o depoimento dos que participaram -
foi uma homenagem muito bonita, emocionante, profundamente humana e impregnada
de uma mística extraordinária.
Os índios Krahô - hoje em torno de 3.200
pessoas - são um povo, que faz parte da grande nação Timbira, vivendo em 28
aldeias nos municípios de Goiatins e Itacajá, no Tocantins.
Na homenagem ritual foi anunciado solenemente:
“Dom Tomás está aqui. Eu vi. Uma pessoa quando morre fica entre nós, ele não
foi embora. Ele está aqui. Ele está olhando por nós. São poucos os que ajudam
os povos indígenas. Tem que continuar o trabalho, a luta de D. Tomás”.
Estiveram presentes na homenagem - recebidos e
recebidas com carinho pelas lideranças da comunidade - representantes dos povos
indígenas Xerente e Apinajé, diversas pessoas (da CPT, do CIMI e outras) comprometidas
com as causas populares e, sobretudo, com a causa indígena, parentes, amigos e
amigas de Dom Tomás, dois frades dominicanos (Ordem Religiosa à qual Dom Tomás
pertencia), representando a Província Frei Bartolomeu de Las Casas, do Brasil e
o bispo da Diocese de Goiás, sucessor de Dom Tomás, Dom Eugênio.
Por ocasião do falecimento de Dom Tomás,
Gercília, uma grande liderança do povo, exigiu: “eu só participo do ritual na Igreja
de Goiás, se depois puder fazer o ritual dele, em minha aldeia, conforme a nossa
cultura”. Ela considerava Dom Tomás como tio, que, para o povo Krahô, tem - na
vida da comunidade - uma relevância tão importante quanto a do pai.
Nos três dias celebrativos houve - sem nunca
perder a esperança que um outro mundo é possível - inúmeros depoimentos, marcados
por profunda indignação pelos preconceitos, pelas omissões e pelas violências praticadas
contra os povos indígenas e contra a Mãe Terra.
“Foi muito forte ver
as mulheres indígenas Krahô, Xerente e Apinajé falar para D. Eugênio do sofrimento
dos povos indígenas, do impacto dos grandes projetos e
do agronegócio, como a soja, eucalipto, arroz, barragens,
estradas, hidrovia e ferrovia, assim como também, da precariedade no
atendimento à saúde pública. E falaram como Dom Tomás sempre defendeu
os povos indígenas, os ribeirinhos, os quilombolas, os camponeses e os
pobres das cidades” (Sara Sánchez Sánchez. CIMI, GO-TO, 01/10/14).
Em diálogo com Gercília, numa
homenagem permeada de gestos simbólicos (troca de presentes e outros) e ouvindo
a cantoria ritual no centro do pátio da aldeia, foi selado o compromisso com
Dom Eugênio e todos os presentes, de dar continuidade - seguindo as pegadas de
Dom Tomás - ao trabalho em defesa da vida, da natureza e dos povos indígenas,
na busca incansável da Terra Sem Males (cf. também: Egon Heck. Dom Tomás no
ritual dos índios Krahô. CIMI, GO-TO, 01/10/14).
Quanta sabedoria, quanta
mística, quanta espiritualidade e quanta profundidade humana encontramos na
cultura indígena! Temos muito a aprender com os nossos irmãos e irmãs índios e
índias!
Precisamos redescobrir o
conceito milenar do “Bem Viver” ou “Viver bem”. “A expressão ‘Viver Bem’,
própria dos povos indígenas da Bolívia, significa, em primeiro lugar ‘viver bem
entre nós’. Trata-se de uma convivência comunitária intercultural e sem
assimetrias de poder (...). É um modo de viver sendo e sentindo-se parte da
comunidade, com sua proteção e em harmonia com a natureza (...),
diferenciando-se do ‘viver melhor’ ocidental, que é individualista e que se faz
geralmente à custa dos outros e, além disso, em contraponto à natureza” (Isabel
Rauber, em: http://isabelrauber.blogspot.com, 22/08/2010).
Que a nossa vida seja
permeada de uma verdadeira mística e de uma verdadeira espiritualidade! É o que nossos irmãos e irmãs índios e índias
nos ensinam.
Marcos
Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
E-mail:
mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 08 de outubro de 2014
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