quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Discurso de Francisco aos Movimentos Populares - Os pobres querem ser protagonistas -



          Neste 2º artigo sobre o Encontro Mundial de Movimentos Populares destaco o primeiro ponto marcante do Discurso do Papa Francisco: os pobres querem ser protagonistas.
            Com muita clareza e objetividade, Francisco afirma: “os pobres não se contentam com promessas ilusórias, desculpas e pretextos”. São palavras que tocam numa questão-chave. A respeito dos pobres, o que mais existe são promessas ilusórias, desculpas e pretextos. Na sociedade capitalista os pobres não contam. É como se não existissem. São sobras descartáveis.
Diz ainda Francisco: “os pobres também não estão esperando de braços cruzados a ajuda de ONGs, planos assistenciais ou soluções que nunca chegam ou, se chegam, chegam de maneira que vão em uma direção ou de anestesiar ou de domesticar. Isso é meio perigoso”. Quantas vezes as obras sociais tratam os pobres como meros objetos de assistência ou ação caritativa! Quantas vezes elas servem para anestesiar ou domesticar os pobres! As palavras do nosso irmão Francisco nos questionam a todos e a todas.
Reduzir - como fazem muitas Igrejas (comunidades, paróquias dioceses) - a Pastoral Social ou as Pastorais Sociais a obras assistenciais é fugir do verdadeiro problema, que são as causas estruturais da pobreza. Fazer Pastoral Social ou Pastorais Sociais significa, sobretudo, ser solidários e solidárias com os Movimentos Populares e participar de suas lutas, que abrem caminhos para um novo modelo de sociedade, mais justo, mais igualitário e mais de acordo com o projeto de Jesus de Nazaré. Pensemos!
Dirigindo-se diretamente aos participantes do Encontro Mundial de Movimentos Populares, o Papa diz ainda: “vocês sentem que os pobres já não esperam e querem ser protagonistas, se organizam, estudam, trabalham, reivindicam e, sobretudo, praticam essa solidariedade tão especial que existe entre os que sofrem, entre os pobres, e que a nossa civilização parece ter esquecido ou, ao menos, tem muita vontade de esquecer”. Os pobres querem ser sujeitos e protagonistas de sua própria história e da história de toda a humanidade.
O papa nos explica, pois, em que consiste a verdadeira solidariedade. Ela “é muito mais que alguns atos de generosidade esporádicos. É pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade de vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. Também é lutar contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, de terra, de moradia, a negação dos direitos sociais e trabalhistas”. Será que nós - mesmo cristãos e cristãs - estamos lutando contra as causas estruturais da pobreza?
O papa, com extraordinário realismo, continua dizendo: “solidariedade é enfrentar os destrutivos efeitos do Império do dinheiro: os deslocamentos forçados, as migrações dolorosas, o tráfico de pessoas, a droga, a guerra, a violência e todas essas realidades que muitos de vocês sofrem e que todos somos chamados a transformar”.
Francisco conclui: “a solidariedade, entendida em seu sentido mais profundo, é um modo de fazer história e é isso que os Movimentos Populares fazem”. Notemos como o papa confia nos Movimentos Populares (que não são Movimentos Eclesiais) e como os valoriza!
Ora, se os Movimentos Populares praticam a solidariedade no seu sentido mais profundo, como um modo de fazer história - que é o oposto do modo de fazer história capitalista - por que será que muitas de nossas Igrejas (comunidades, paróquias, dioceses) são tão indiferentes e, muitas vezes, até resistentes em relação aos Movimentos Populares e à participação em suas lutas? A solidariedade não é o amor que acontece? E o mandamento do amor não é a mensagem central do Evangelho?
Sempre dirigindo-se aos participantes do Encontro, o papa de coração aberto reconhece: “vocês não trabalham com ideias, trabalham com realidades, como as que mencionei e muitas outras que me contaram. Vocês têm os pés no barro e as mãos na carne. Têm cheiro de bairro, de povo, de luta!”.
Francisco faz, pois, um veemente apelo: “queremos que se ouça a sua voz, que em geral se escuta pouco. Talvez porque incomoda, talvez porque o seu grito incomoda, talvez porque se tem medo da mudança que vocês reivindicam, mas sem ir às periferias, as boas propostas e projetos, que frequentemente ouvimos nas conferências internacionais, ficam no reino da ideia, é mero projeto”.
Enfim, Francisco, como um verdadeiro profeta atento aos desafios do mundo de hoje, de maneira contundente afirma: “não é possível abordar o escândalo da pobreza promovendo estratégias de contenção que unicamente tranquilizem e convertam os pobres em seres domesticados e inofensivos”. Num profundo desabafo, denuncia: “como é triste ver quando, por trás de supostas obras altruístas, se reduz o outro à passividade, se nega ele ou, pior, se escondem negócios e ambições pessoais: Jesus lhes chamaria de hipócritas”.
E anuncia: “ao contrário, como é lindo quando vemos em movimento os Povos, sobretudo os seus membros mais pobres e os jovens. Então, sim, se sente o vento da promessa que aviva a esperança de um mundo melhor. Que esse vento se transforme em vendaval de esperança. Esse é o meu desejo”. Que seja também esse o nosso desejo!
Nunca um Papa falou com tanta empatia dos Movimentos Populares e de suas lutas sociais e ambientais. Trata-se de uma verdadeira revolução na Igreja, uma revolução evangélica! Sigamos o seu exemplo!
Leiam também o artigo “O significado do Encontro Mundial de Movimentos Populares”, em:




Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                                                                                                   Goiânia, 03 de dezembro de 2014

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