Neste 2º artigo sobre o
Encontro Mundial de Movimentos Populares destaco o primeiro ponto marcante do Discurso
do Papa Francisco: os pobres querem ser protagonistas.
Com muita clareza e objetividade, Francisco afirma: “os pobres
não se contentam com promessas ilusórias, desculpas e pretextos”. São palavras
que tocam numa questão-chave. A respeito dos pobres, o que mais existe são
promessas ilusórias, desculpas e pretextos. Na sociedade capitalista os pobres
não contam. É como se não existissem. São sobras descartáveis.
Diz
ainda Francisco: “os pobres também não estão esperando de braços cruzados a
ajuda de ONGs, planos assistenciais ou soluções que nunca chegam ou, se chegam,
chegam de maneira que vão em uma direção ou de anestesiar ou de domesticar.
Isso é meio perigoso”. Quantas vezes as obras sociais tratam os pobres como
meros objetos de assistência ou ação caritativa! Quantas vezes elas servem para
anestesiar ou domesticar os pobres! As palavras do nosso irmão Francisco nos
questionam a todos e a todas.
Reduzir
- como fazem muitas Igrejas (comunidades, paróquias dioceses) - a Pastoral
Social ou as Pastorais Sociais a obras assistenciais é fugir do verdadeiro problema,
que são as causas estruturais da pobreza. Fazer Pastoral Social ou Pastorais
Sociais significa, sobretudo, ser solidários e solidárias com os Movimentos
Populares e participar de suas lutas, que abrem caminhos para um novo modelo de
sociedade, mais justo, mais igualitário e mais de acordo com o projeto de Jesus
de Nazaré. Pensemos!
Dirigindo-se
diretamente aos participantes do Encontro Mundial de Movimentos Populares, o
Papa diz ainda: “vocês sentem que os pobres já não esperam e querem ser
protagonistas, se organizam, estudam, trabalham, reivindicam e, sobretudo,
praticam essa solidariedade tão especial que existe entre os que sofrem, entre
os pobres, e que a nossa civilização parece ter esquecido ou, ao menos, tem
muita vontade de esquecer”. Os pobres querem ser sujeitos e protagonistas de
sua própria história e da história de toda a humanidade.
O
papa nos explica, pois, em que consiste a verdadeira solidariedade. Ela “é
muito mais que alguns atos de generosidade esporádicos. É pensar e agir em
termos de comunidade, de prioridade de vida de todos sobre a apropriação dos
bens por parte de alguns. Também é lutar contra as causas estruturais da
pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, de terra, de moradia, a negação
dos direitos sociais e trabalhistas”. Será que nós - mesmo cristãos e cristãs -
estamos lutando contra as causas estruturais da pobreza?
O
papa, com extraordinário realismo, continua dizendo: “solidariedade é enfrentar
os destrutivos efeitos do Império do dinheiro: os deslocamentos forçados, as
migrações dolorosas, o tráfico de pessoas, a droga, a guerra, a violência e
todas essas realidades que muitos de vocês sofrem e que todos somos chamados a
transformar”.
Francisco
conclui: “a solidariedade, entendida em seu sentido mais profundo, é um modo de
fazer história e é isso que os Movimentos Populares fazem”. Notemos como o papa
confia nos Movimentos Populares (que não são Movimentos Eclesiais) e como os
valoriza!
Ora,
se os Movimentos Populares praticam a solidariedade no seu sentido mais
profundo, como um modo de fazer história - que é o oposto do modo de fazer
história capitalista - por que será que muitas de nossas Igrejas (comunidades,
paróquias, dioceses) são tão indiferentes e, muitas vezes, até resistentes em
relação aos Movimentos Populares e à participação em suas lutas? A
solidariedade não é o amor que acontece? E o mandamento do amor não é a
mensagem central do Evangelho?
Sempre
dirigindo-se aos participantes do Encontro, o papa de coração aberto reconhece:
“vocês não trabalham com ideias, trabalham com realidades, como as que
mencionei e muitas outras que me contaram. Vocês têm os pés no barro e as mãos
na carne. Têm cheiro de bairro, de povo, de luta!”.
Francisco
faz, pois, um veemente apelo: “queremos que se ouça a sua voz, que em geral se
escuta pouco. Talvez porque incomoda, talvez porque o seu grito incomoda,
talvez porque se tem medo da mudança que vocês reivindicam, mas sem ir às
periferias, as boas propostas e projetos, que frequentemente ouvimos nas
conferências internacionais, ficam no reino da ideia, é mero projeto”.
Enfim,
Francisco, como um verdadeiro profeta atento aos desafios do mundo de hoje, de
maneira contundente afirma: “não é possível abordar o escândalo da pobreza
promovendo estratégias de contenção que unicamente tranquilizem e convertam os
pobres em seres domesticados e inofensivos”. Num profundo desabafo, denuncia:
“como é triste ver quando, por trás de supostas obras altruístas, se reduz o
outro à passividade, se nega ele ou, pior, se escondem negócios e ambições
pessoais: Jesus lhes chamaria de hipócritas”.
E anuncia:
“ao contrário, como é lindo quando vemos em movimento os Povos, sobretudo os seus
membros mais pobres e os jovens. Então, sim, se sente o vento da promessa que
aviva a esperança de um mundo melhor. Que esse vento se transforme em vendaval
de esperança. Esse é o meu desejo”. Que seja também esse o nosso desejo!
Nunca
um Papa falou com tanta empatia dos Movimentos Populares e de suas lutas
sociais e ambientais. Trata-se de uma verdadeira revolução na Igreja, uma
revolução evangélica! Sigamos o seu exemplo!
Leiam
também o artigo “O significado do Encontro Mundial de Movimentos Populares”,
em:
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/537940-o-significado-do-encontro-mundial-de-movimentos-populares
Marcos
Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
E-mail:
mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 03
de dezembro de 2014
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