No Encontro Mundial de
Movimentos Populares, Francisco apresenta-se como um irmão entre irmãos e irmãs.
Com extraordinária sensibilidade humana, identifica-se com o Encontro. Em seu
discurso, chama o Encontro de “nosso”. Como isso é bonito e significativo na
sociedade “classista” em que vivemos! “Este Encontro nosso - diz o Papa - responde
a um anseio muito concreto, algo que qualquer pai, qualquer mãe quer para os
seus filhos; um anseio que deveria estar ao alcance de todos, mas que hoje
vemos com tristeza cada vez mais longe da maioria: terra, teto e trabalho”.
Com
muita clareza, Francisco afirma: “não se entende que o amor pelos pobres está
no centro do Evangelho. Terra, teto e trabalho - isso pelo qual vocês lutam -
são direitos sagrados. Reivindicar isso não é nada raro, é a doutrina social da
Igreja”.
Terra,
teto e trabalho foram escolhidos pelos próprios Movimentos Populares como tema
do Encontro e o Papa, em seu discurso, detém-se sobre cada um deles.
Neste 3º artigo sobre o Encontro Mundial de Movimentos
Populares destaco o segundo ponto marcante do Discurso do Papa Francisco: terra
é um direito sagrado.
Ante de tudo, Francisco lembra que, “no início da
criação, Deus criou o homem, guardião de sua obra, encarregando-o de cultivá-la
e protegê-la”. Com muito carinho, ele afirma: “vejo que aqui há dezenas de
camponeses e camponesas, e quero felicitá-los por cuidar da terra, por cultivá-la
e por fazer isso em comunidade”.
O Papa manifesta, pois, sua preocupação, dizendo:
“preocupa-me a erradicação de tantos irmãos camponeses que sofrem o
desenraizamento, e não por guerras e desastres naturais”. E profeticamente
denuncia: “a apropriação de terras, o desmatamento, a apropriação da água, os
agrotóxicos inadequados são alguns dos males que arrancam o homem de sua terra
natal. Essa dolorosa separação, não é só física, mas também existencial e
espiritual, porque há uma relação com a terra que está pondo a comunidade rural
e seu modo de vida peculiar em notória decadência e até em risco de extinção”.
Ah,
se os governantes entendessem a mensagem do nosso irmão Francisco! Infelizmente,
a ganância pelo deus dinheiro obceca os latifundiários, que se consideram donos
absolutos da terra, muitas vezes com a conivência criminosa do Poder Público.
Francisco continua denunciando: “a outra dimensão do
processo já global é a fome. Quando a especulação financeira condiciona o preço
dos alimentos, tratando-os como qualquer mercadoria, milhões de pessoas sofrem
e morrem de fome. Por outro lado, descartam-se toneladas de alimentos. Isso é
um verdadeiro escândalo. A fome é criminosa, a alimentação é um direito inalienável”.
A respeito da Reforma Agrária, o papa afirma: “eu sei que
alguns de vocês reivindicam uma Reforma Agrária para solucionar alguns desses
problemas, e deixe-me dizer-lhes que, em certos países - e cito aqui o Compêndio
da Doutrina Social da Igreja - ‘a Reforma Agrária é, além de uma necessidade
política, uma obrigação moral’ (CDSI, 300)”.
E justamente por ser a Reforma Agrária uma necessidade política
e uma obrigação moral, no Brasil e em muitos outros países, os Movimentos
Populares do campo - com o apoio e a solidariedade dos Movimentos Populares da
cidade - lutam e constroem a Reforma Agrária Popular. Ela “consiste na
democratização da terra, prioriza a produção de alimentos saudáveis, através da
agroecologia, procura desenvolver sistemas de agroindústrias no campo e sob o
controle dos camponeses. Isso possibilita agregar valor aos produtos, gerando
mais renda e novos postos de trabalho, sobretudo à juventude. Ainda, busca
garantir condições e direitos básicos, como saúde, educação, acesso a tecnologias,
cultura e lazer a toda a população do campo” (http://oglobo.globo.com/opiniao/reforma-agraria-popular-urgente-11565408).
Ora, lutar e construir
a Reforma Agrária Popular - democratizando o acesso à terra, à água e aos bens
da natureza - significa também alcançar a Soberania Alimentar, que é “o direito
de cada nação a manter e desenvolver os seus alimentos, tendo em conta a
diversidade cultural e produtiva” (Via Campesina).
Enfim,
o Papa Francisco conclui suas palavras sobre o direito sagrado à terra com um
caloroso apelo aos Movimentos Populares: “por favor, continuem com a luta pela
dignidade da família rural, pela água, pela vida e para que todos possam se beneficiar dos frutos da terra”.
Leiam
também os artigos “O significado do Encontro Mundial de Movimentos Populares” e
“Discurso de Francisco aos Movimentos Populares - Os pobres querem ser
protagonistas”.
Marcos
Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
E-mail:
mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 10
de dezembro de 2014
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