Escrevi diversos artigos sobre a Ocupação
“Sonho Real” do Parque Oeste Industrial, em Goiânia, que podem
ser acessados na internet.
16 de fevereiro de 2005 tornou-se o símbolo
da maior barbárie humana de toda a história de Goiânia: um
verdadeiro massacre praticado com requintes de crueldade. Fazer a
memória dos principais fatos dessa barbárie renova a nossa
esperança num “outro mundo possível”.
Retomo alguns dados do artigo de fevereiro
de 2015 “Parque Oeste Industrial: 10 anos de impunidade” e faço
algumas reflexões
À época, apesar de o governador Marconi
Perillo ter prometido publicamente que não iria mandar retirar as
famílias da Ocupação “Sonho Real” e que estava decidida a
desapropriação da área, de 6 a 15 de fevereiro de 2005, de 0 às
6h, a Polícia Militar do Estado de Goiás começou a ação de
reintegração de posse, realizando a cinicamente chamada "Operação
Inquietação", que foram dez dias de tortura física e
psicológica coletiva. Cercou a área com viaturas, impediu a entrada
e a saída de pessoas e cortou o fornecimento de energia elétrica.
Com as sirenes ligadas, com o barulho de disparos de armas de fogo,
com a explosão de bombas de efeito moral, gás de pimenta e
lacrimogêneo, a Polícia Militar promoveu o terror entre os
Moradores da Ocupação e provocou traumas psicológicos nas
crianças.
Após a “Operação Inquietação”, no
dia 16 de fevereiro de 2005, a Polícia Militar do Estado de Goiás
realizou uma verdadeira Operação Militar de Guerra, também
cinicamente chamada "Operação Triunfo". Em uma hora e
quarenta e cinco minutos, cerca de 14 mil pessoas foram despejadas de
suas moradias de maneira violenta, truculenta e sem nenhum respeito
pela dignidade da pessoa humana. A Operação Militar produziu duas
vítimas fatais (Pedro e Vagner), 16 feridos à bala, tornando-se um
desses paraplégico (Marcelo Henrique) e 800 pessoas detidas
(suspeita-se com razão que o número dos mortos e feridos seja bem
maior). Que maldade! Que iniquidade!
Se na nossa sociedade houvesse um mínimo
de justiça, os responsáveis por essa barbárie - o governador e
seus colaboradores diretos - deveriam estar na cadeia.
Como já disse outras vezes, nessas
Operações Militares criminosas, ilegais, inconstitucionais e
imorais todos os Direitos Humanos fundamentais foram gravemente
violados: o Direito à Vida, o Direito à Moradia, o Direito ao
Trabalho, o Direito à Saúde, o Direito à Alimentação e à Água,
os Direitos da Criança e do Adolescente, os Direitos da Mulher, os
Direitos dos Idosos e os Direitos das Pessoas com Necessidades
Especiais.
Depois do despejo forçado e violento, e
depois de passar uma noite acampadas na Catedral de Goiânia - onde
aconteceu também o velório de Vagner e Pedro num clima de muita
indignação e sofrimento - cerca de mil famílias (aproximadamente
2.500 pessoas), que não tinham para onde ir, ficaram alojadas nos
Ginásios de Esportes dos Bairros Novo Horizonte e Capuava (por mais
de três meses) e, em seguida, no Acampamento do Grajaú (por mais de
três anos) como verdadeiros refugiados de guerra. Nesse período,
diversas pessoas - sobretudo crianças e idosos - morreram em
consequência das condições subumanas de vida, vítimas do descaso
do Poder Público do Estado de Goiás e da Prefeitura de Goiânia.
No dia 16 do mês corrente, a barbárie do
Parque Oeste Industrial completou 11 anos de impunidade. Que vergonha
para Goiás! À época, o principal responsável por essa barbárie
foi o governador Marconi Perillo, o mesmo que hoje - de maneira
cínica, arrogante, demagógica e ditatorial - quer impor as assim
chamadas “Organizações Sociais” (OSs) na gestão da Saúde e da
Educação Públicas, mesmo que a grande maioria dos agentes da
saúde, dos educadores, dos estudantes, dos Movimentos Populares
urbanos e rurais, dos Sindicatos e da sociedade civil organizada seja
contra.
Atualmente, em Goiás, defender a Educação
Pública de qualidade é crime e caso de polícia. No início da
noite do dia 15 deste mês (depois de um ato público na parte da
manhã e depois que a Secretaria da Educação tinha sido desocupada
no início da tarde) 40 pessoas ocuparam novamente a Secretaria para
protestar contra as OSs. O governador Marconi Perillo mandou a tropa
de choque da Polícia Militar para - com o apoio do Batalhão de
Operações Especiais (Bope) e do Grupo de Radiopatrulha Aérea
(Graer) - desocuparem o prédio da Secretaria. A Polícia levou 18
manifestantes maiores de idade e 13 menores para a Delegacia de
Repressão às Ações Criminosas (Draco). Durante a Operação
representantes da OAB-GO foram impedidos de entrar no prédio.
Em seguida, os 13 menores foram levados
para a Delegacia de Polícia de Apuração de Atos Infracionais
(Depai) e liberados no mesmo dia; os 18 maiores de idade foram
levados para a Delegacia de Investigações Criminais (Deic) e
liberados dois dia depois. Que absurdo! Que atraso!
Por fim, lembre-se o governador Marconi
Perillo - o principal responsável da barbárie do Parque Oeste
Industrial - que poderá escapar da “justiça” humana, mas não
escapará da justiça divina, que nunca prescreve. Aguarde!
Ainda a respeito do Parque Oeste
Industrial, renovo o pedido (já feito anteriormente), que é, ao
mesmo tempo, uma advertência: não adquiram apartamentos nos
empreendimentos imobiliários, localizados no terreno onde existia a
Ocupação “Sonho Real”. Ninguém pode ser feliz num apartamento
construído em cima de um terreno ensopado de sangue inocente dos
pobres, por causa da ganância dos ricos e para fins de especulação
imobiliária. É um terreno que só voltará a ser abençoado por
Deus se for desapropriado por interesse social e utilizado para a
realização de obras (como hospital, escola, moradia, área de
lazer) em benefício dos trabalhadores.
“Vivemos - diz o Papa Francisco - em
cidades que constroem torres, centros comerciais, fazem negócios
imobiliários... mas abandonam uma parte de si nas margens, nas
periferias. Como dói escutar que as Ocupações pobres são
marginalizadas ou, pior, quer-se erradicá-las! São cruéis as
imagens dos despejos forçados, dos tratores derrubando barracos,
imagens tão parecidas às da guerra. E isso se vê hoje” (Discurso
de Francisco aos Movimentos Populares, Roma, outubro de 2014).
Meditemos!
O “Sonho Real” está vivo! Ele
continua! É o Sonho da sociedade do bem viver! É o Sonho de Jesus
de Nazaré! É o Sonho do Reino de Deus na história!
Leia na internet o artigo “16 de
fevereiro de 2005: uma data que não pode ser esquecida” (fevereiro
de 2014).
Fr.
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
E-mail:
mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia,
17 de fevereiro de 2016
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