No Brasil - como em muitos outros países - vivemos numa democracia formal, que - na realidade - é uma “elitecracia”. A elite capitalista neoliberal, com seus meios de comunicação, manipula a seu bel-prazer a consciência do povo. Os detentores do poder econômico - que são os opressores do povo - com sua esperteza demoníaca, conseguem a façanha de serem “hospedados agradavelmente” na consciência dos oprimidos. É a ditadura do “deus dinheiro” e de seus adoradores, na qual o cidadão - dominado ideologicamente - torna-se um joguete de seus meios de comunicação.
“Os donos da ‘elitecracia’ querem sempre garantir a sua impunidade. Daí a existência do foro privilegiado (por prerrogativa de função) para mais de 20 mil autoridades no Brasil. Isso é resquício dos tempos aristocráticos, que previam privilégios para os monarcas e para os ‘nobres’ (ou seja, para as castas)”. (https://professorlfg.jusbrasil.com.br/noticias/402371523/poderosos-estao-sendo-investigados-ha-mais-de-10-anos-no-stf-fim-do-foro-privilegiado-por-que-nao-pensar-num-brasil-diferente).
“Os filhos deste mundo são mais expertos que os filhos da luz” (Lc 16,8). Um Brasil diferente é possível! Por que não pensar nisso?!
O presidente eleito, Jair Bolsonaro - que é fruto da façanha da “elitecracia” brasileira - apresenta-se como um homem “honesto”, que “foi eleito por Deus”, que “tem Deus no coração”; que coloca o “Brasil acima de tudo” e “Deus acima de todos”; que chama o seu superministro Sérgio Moro de “soldado que está indo à guerra, sem medo de morrer”.
O importante não é falar o nome de Deus a todo momento para agradar a sensibilidade religiosa do povo e, ao mesmo tempo, enganá-lo. O importante é saber qual é a representação que Jair Bolsonaro tem de Deus. Com certeza, o Deus dele não é o Deus de Jesus de Nazaré, que é Amor e que não pede a ninguém de “ir à guerra”. Jesus - que é o Emanuel, o Deus conosco, que caminha conosco - diz “Felizes os que promovem a Paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). Pela lei dos opostos, podemos dizer: “Infelizes os que vão à guerra, porque serão chamados filhos do demônio”.
Bolsonaro afirma que a luta por um Brasil novo e a busca de parcerias nas relações internacionais devem acontecer sem “viés ideológico”. Essa afirmação já é com viés ideológico. O ser humano é um ser histórico, situado (num lugar) e datado (num tempo). Portanto, tudo o que o ser humano pensa, diz e faz é com viés ideológico (é ideológico). No comportamento humano não existe neutralidade. Ora, o problema não é pensar e agir com viés ideológico (sendo ideológico), mas é saber se a nossa ideologia promove a libertação e a vida ou produz a opressão e a morte.
Para sermos humanos, éticos e, sobretudo, cristãos (radicalmente humanos) - devemos combater e lutar contra toda corrupção. Precisamos lembrar, porém, que existem dois tipos de corrupção: a pessoal e a estrutural. A primeira é o comportamento corrupto de pessoas (governantes, políticos e outras); a segunda, que é muito mais grave e cria as condições favoráveis à prática da corrupção pessoal, é a corrupção sistêmica, institucionalizada e legalizada, que é considerada natural e normal (até em nome de Deus).
Combater somente o comportamento corrupto das pessoas, sem combater a corrupção estrutural, ou seja, sem lutar para mudar as estruturas injustas, é uma atitude hipócrita, que serve para legitimar e fortalecer o “sistema econômico iníquo” (Documento de Aparecida, 385) dominante.
Um exemplo dessa corrupção estrutural é a desigualdade gritante que existe no Brasil. “Quase 30% da renda do Brasil está nas mãos de apenas 1% dos habitantes do país, a maior concentração do tipo no mundo. É o que indica a Pesquisa Desigualdade Mundial 2018, coordenada, entre outros, pelo economista francês Thomas Piketty. O grupo, composto por centenas de estudiosos, disponibilizou banco de dados que permite comparar a evolução da desigualdade de renda no mundo nos últimos anos” (https://www.pragmatismopolitico.com.br/2018/06/brasil-pais-mais-desigual-do-mundo.html).
Jesus adverte: “Ai de vocês, os ricos, porque já têm a sua consolação! Ai de vocês, que agora têm fartura, porque vão passar fome! Ai de vocês, que agora riem, porque vão ficar aflitos e irão chorar! Ai de vocês, se todos os elogiam, porque era assim que os antepassados deles tratavam os falsos profetas!” (Lc 6,24-26).
No 2ª Encontro Mundial dos Movimentos Populares, o Papa Francisco - com toda clareza - afirma: “Os seres humanos e a natureza não devem estar a serviço do dinheiro. Digamos não a uma economia de exclusão e desigualdade, na qual o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia mata. Esta economia exclui. Esta economia destrói a Mãe Terra”.
Continua Francisco: “A casa comum de todos nós está sendo saqueada, devastada, arrasada impunemente. A covardia em defendê-la é um pecado grave. Vemos com crescente decepção sucederem-se uma após outras Conferências Internacionais, sem qualquer resultado importante. Peço-vos em nome de Deus que defendais a Mãe Terra”.
Conclui dizendo: “Queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos.... E nem sequer o suporta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco”.
Por fim, o Papa confia plenamente nos Movimentos Populares (que na “elitecracia” do Brasil muitas vezes são criminalizados) para mudar o sistema: “Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas mãos de vocês, na capacidade de vocês se organizarem e promoverem alternativas criativas na busca diária dos ‘3 T’ (trabalho, teto, terra), e também na participação de vocês como protagonistas nos grandes processos de mudança nacionais, regionais e mundiais. Não se acanhem!”. (Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15).
É essa corrupção estrutural, que - juntamente com a corrupção pessoal - precisamos combater. É esse “sistema econômico iníquo” que precisamos mudar.
Tudo indica, porém, que o novo Governo irá combater somente o comportamento corrupto de alguns políticos da oposição, sobretudo dos Governos anteriores, para “parecer” (não “ser”) honesto, mas estará total e covardemente a serviço (como mero fantoche) do sistema capitalista neoliberal - estruturalmente corrupto - para fortalece-lo, usando para isso - todas as vezes que for necessário e com a conivência hipócrita de líderes religiosos - o nome de Deus: uma verdadeira blasfêmia.
Acorda povo! “De olho aberto para não virar escravo”! (CPT). “Justiça e Paz se abraçarão” (Sl 85). Unidos e organizados, vamos à luta! “A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos”! (Mt 9,37).
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 07 de novembro de 2018
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