terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Trindade: um Santuário faraônico

 

Acabara de terminar o 1º Santuário Novo - hoje Basílica - do Divino Pai Eterno, em Trindade - GO, quando a Igreja Católica, imbuída do desejo de triunfalismo, grandeza, poder e luxo - que nada tem a ver com o Evangelho de Jesus de Nazaré - começou a pensar na construção de um 2º Santuário Novo: um Santuário faraônico, uma clara amostra daquilo que a Igreja não deve ser.

“Ambiciosa, a obra foi idealizada para abrigar 100 mil pessoas, 20 vezes mais o número de fiéis do que comporta o atual Santuário. Lançada em 2010, foi orçada inicialmente em R$ 100 milhões, mas em uma das últimas entrevistas que concedeu, o então reitor, padre Robson de Oliveira, mencionou um custo de R$ 1,4 bilhão. Ocupando uma área de 146 mil m2, a construção começou em 2012. Um longo tempo foi dedicado às etapas de terraplenagem, fundações e estruturas subterrâneas” (O Popular, 11 e 12/12/21, p.14).

O 2º Santuário Novo terá uma cúpula “com 94 metros de altura, o que equivale a um prédio de 30 andares; e o campanário, com 100 metros de altura, que vai abrigar o maior sino do mundo’, já batizado de Vox Patris (Voz do Pai), com 54 toneladas e 4 metros de altura e com imagens fundidas que representam a devoção ao Divino Pai Eterno, e outros 72 sinos menores. O valor do Vox Patris foi estimado em R$ 17 milhões”. Os sinos foram “encomendados à empresa polonesa Metalodlew SA, referência no assunto” (Ib.). Que absurdo!

Enquanto isso, Jesus passando fome e morrendo de inanição na pessoa de milhões de pobres. Será que a “Vox Patris” deseja isso? Meditemos!

A Associação Filhos do Pai Eterno (AFIPE) encontra-se atualmente “no centro de denúncias feitas pelo Ministério Público de Goiás (MP-GO) em agosto de 2020, quando foi desencadeada a Operação Vendilhões, que colocou como principal investigado o idealizador e então presidente da AFIPE, padre Robson de Oliveira. Ele foi acusado de desviar recursos doados por fiéis” (Ib.).          

De acordo com o MP-GO. Padre Robson “foi responsável por um esquema de desvio de dinheiro arrecadado junto aos devotos pela AFIPE e outras duas Associações vinculadas ao Santuário Basílica. Recursos que teriam sido destinados à compra de imóveis de luxo e fazendas” (Ib.).

Sempre “de acordo com a AFIPE, até a Operação Vendilhões, a Instituição arrecadava R$ 20 milhões por mês e as despesas fixas superavam a casa de R$ 17 milhões” (Ib.).

Em tudo isso, existe uma agravante: a exploração, em nome de Deus, do sentimento religioso do povo. Cito um exemplo. Num determinado dia, um senhor me confidenciou: eu pagava mensalmente a contribuição exigida para pertencer à Associação dos Filhos do Divino Pai Eterno. Há algum tempo, porém, devido a novos problemas que surgiram na família, não tenho mais condições de continuar pagando. Mas todo mês continuo recebendo a cartinha do Pe. Robson, cobrando o pagamento da contribuição. Notei que aquele senhor estava com escrúpulo de consciência. Tive que tranquilizá-lo, dizendo que - na situação na qual se encontrava - era mais filho do Divino Pai Eterno não pagando do que pagando. Logo percebi que o senhor ficou aliviado. Parecia ter tirado um peso de sua consciência. Dá para entender?

Voltando à Operação Vendilhões, as denúncias levantadas precisam ser investigadas e - se comprovada sua veracidade - os responsáveis deverão ser julgados, condenados e presos.

Ora - independentemente das falcatruas que tenham sido cometidas - o que eu quero denunciar neste artigo é o modelo de Igreja que está por trás do 2º Santuário Novo. Trata-se de um modelo de Igreja que não tem nada a ver com o Evangelho. É o oposto da Igreja que Jesus de Nazaré quer: uma Igreja pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres.

Além de tudo - diga-se de passagem - no 1º Santuário Novo só não cabe o povo em duas ou três Missas por ano, no dia da Festa. Se realmente a preocupação fosse não deixar - nas Missas Campais - o povo ao ar livre e debaixo do sol ou da chuva, com as técnicas modernas, podiam ser construídos galpões simples, seguros, bonitos e multiusos, que serviriam também para abrigar os romeiros do Divino Pai Eterno e para que os romeiros, sentados, pudessem tomar suas refeições e descansar.

Com certeza, uma Igreja triunfalista, poderosa e toda ornamentada com objetos de ouro, não é a Igreja de Jesus de Nazaré, que nasceu numa manjedoura, viveu como pobre ao lado dos pobres e morreu na cruz no meio de dois ladrões.

Que o Divino Pai Eterno nos ilumine a todos e a todas para que sejamos - em nossa realidade de hoje - verdadeiros seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré.

Desde já, desejo aos leitores e leitoras um Feliz Natal! Lembremos: Jesus nasce numa manjedoura, como “sem-teto”. “Não havia lugar para eles (Maria grávida e José) dentro de casa” (Lc 2,7).


                                          https://iserassessoria.org.br/e-de-outra-igreja-que-precisamos/


Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 16 de dezembro de 2021



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