Nestes últimos dias, os Jornais de Goiás e as Redes Sociais nos trazem
continuamente notícias chocantes a respeito da morte de pessoas por falta de
vagas na UTI, apesar da luta sofrida e desesperada dos familiares para
conseguir a internação. É muito doído ver irmãos e irmãs nossos serem tratados
dessa forma! A indignação é sem limites! Não dá para ficarmos calados.
Bastam poucos exemplos para perceber o grau de perversidade humana e
ética da questão da Saúde Pública, em Goiânia - GO. “Duas mulheres já
morreram à espera da UTI”. “Crise na Saúde Municipal, que enfrenta escassez de
leitos de Unidade de Terapia Intensiva, interrompe a vida de mulheres que eram
mães de crianças e tinham menos de 40 anos”. “Problema existe há pelo menos 7
meses” (O Popular, 23 e 24/11/24, p. 12).
“Idosa aguarda leito há 15 dias”. “Angústia. Ao mesmo tempo em que vê
outros pacientes morrendo pela demora no encaminhamento à UTI, família de Maria
Querubina, de 88 anos, luta para conseguir vaga”. “Quatro pacientes morreram
durante a espera”. “Mesmo eu fazendo de tudo não saiu o leito de UTI. É um
sentimento de impotência”: desabafo da esposa de um falecido (O Popular,
26/11/24, p.13).
Trata-se de cenas que são de uma maldade, iniquidade e crueldade
inacreditáveis! Quem tem um mínimo de sensibilidade só
pode ficar totalmente indignado: uma indignação que é humana, ética e cristã.
São crimes contra os Pobres que clamam por justiça diante de Deus. Os
responsáveis diretos desses crimes são o Poder Público e - no nosso caso - o
Poder Público Municipal de Goiânia nas pessoas do Prefeito e de seus
Colaboradores na área da Saúde. São eles os verdadeiros criminosos.
O desrespeito, acintoso e cruel, do Poder Público aos doentes é uma das
faces mais perversas da imoralidade institucionalizada (pecado social ou
estrutural) de um sistema sócio-econômico-político-ecológico-cultural
totalmente irracional, desumano e antiético: o sistema capitalista
neoliberal.
Mais um caso inimaginável: “Maria Ayla Pereira Silva, de um ano, tinha
síndrome rara e morreu após paralização do serviço por falta de pagamento da
Prefeitura” (O Popular, 28/11/24, p. 11).
Nesta maracutaia de imoralidades públicas, tivemos finalmente um ato
positivo. “Cúpula da Saúde é presa após agravamento da crise. Ministério
Público diz que grupo atrasava pagamentos para investidas criminosas” (Ib., 1ª
página), além - é claro - de ser responsável pelas mortes acima relatadas e muitas
outras. Nessa operação do Ministério Público - GO, foram presos o Secretário
Municipal da Saúde, o Secretário Executivo e o Diretor Financeiro (cf. Ib. p.
13). E o Prefeito? Não é ele o responsável principal?
Neste texto, não vou discutir as causas imediatas da crise na Saúde
Pública, mas lembrar que o Direito à Saúde Pública é de todos os Seres Humanos,
desde os Pobres e que a responsabilidade ética para que esse Direito seja
respeitado é do Poder Público. Infelizmente, no nosso caso, é o próprio Poder
Público o maior violador desse Direito.
“Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe
assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à
alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto
aos serviços sociais necessários (Declaração Universal de Direitos Humanos -
1948, n. 25).
“A saúde é direito de todos/as e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (Constituição do Brasil
de 1988. Art. 196).
Para os cristãos e cristãs, é sempre bom lembrar também as palavras de
Jesus: “Eu vim para que todos e todas tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Nos casos de pessoas com doença grave ou gravíssima, que exigem a
internação na UTI, o Poder Público é obrigado, do ponto de vista humano e
ético, a internar as pessoas, mesmo que seja a pagamento na UTI de um Hospital
Particular. Se não o fizer, os governantes devem ser presos, processados e
julgados.
Onde está o Tribunal de Justiça (ou melhor, de Injustiça!) de Goiás? Por
que tanta omissão? Que “Justiça“ é essa? O Tribunal - com sua omissão - não
está sendo conivente com essa imoralidade pública? O Prefeito e o Secretário de
Saúde do Município de Goiânia não são jurídica e eticamente responsáveis pelas
pessoas que morreram por falta de vaga na UTI?
Por fim, como cristão, digo mais: doe-me muito e fico profundamente
indignado com o silêncio da Igreja, a minha Igreja. Ela não deveria
oficialmente fazer uma denúncia profética pública contra essa situação
de pecado social: uma situação de morte pela omissão do Poder Público
Municipal?
Com certeza, Jesus de Nazaré - que sempre se posicionou ao lado e do
lado dos excluídos e excluídas - diante de uma situação desumana e antiética
como essa, não ficaria omisso. Tenho certeza que - como aos Fariseus de sua época
- Ele diria: “Raça de cobras venenosas! Se vocês são maus, como podem dizer
coisas boas? Pois a boca fala aquilo de que o coração está cheio. O Ser humano
bom tira coisas boas do seu bom tesouro e o Ser humano mau tira coisas más do
seu mau tesouro” (Mt 12, 34-35).
Justiça já! Que as famílias, com membros falecidos por causa da falta de
vagas na UTI pública, sejam ao menos - embora nada repare a dor -
indenizadas pelo Poder Público! Que o Prefeito de Goiânia seja preso -
como seus Colaboradores na Saúde já foram - e todos sejam jurídica e eticamente
responsabilizados pelas mortes, processados e julgados.
“Deus faz justiça e defende todos os oprimidos/as” (Salmo 106, 3).
Marcos Sassatelli Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282
https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 28 de novembro de 2024
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