sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Um Poder Público Municipal criminoso

 


Nestes últimos dias, os Jornais de Goiás e as Redes Sociais nos trazem continuamente notícias chocantes a respeito da morte de pessoas por falta de vagas na UTI, apesar da luta sofrida e desesperada dos familiares para conseguir a internação. É muito doído ver irmãos e irmãs nossos serem tratados dessa forma! A indignação é sem limites! Não dá para ficarmos calados. 

Bastam poucos exemplos para perceber o grau de perversidade humana e ética da questão da Saúde Pública, em Goiânia - GO. “Duas mulheres já morreram à espera da UTI”. “Crise na Saúde Municipal, que enfrenta escassez de leitos de Unidade de Terapia Intensiva, interrompe a vida de mulheres que eram mães de crianças e tinham menos de 40 anos”. “Problema existe há pelo menos 7 meses” (O Popular, 23 e 24/11/24, p. 12).

“Idosa aguarda leito há 15 dias”. “Angústia. Ao mesmo tempo em que vê outros pacientes morrendo pela demora no encaminhamento à UTI, família de Maria Querubina, de 88 anos, luta para conseguir vaga”. “Quatro pacientes morreram durante a espera”. “Mesmo eu fazendo de tudo não saiu o leito de UTI. É um sentimento de impotência”: desabafo da esposa de um falecido (O Popular, 26/11/24, p.13).

Trata-se de cenas que são de uma maldade, iniquidade e crueldade inacreditáveis! Quem tem um mínimo de sensibilidade só pode ficar totalmente indignado: uma indignação que é humana, ética e cristã.

São crimes contra os Pobres que clamam por justiça diante de Deus. Os responsáveis diretos desses crimes são o Poder Público e - no nosso caso - o Poder Público Municipal de Goiânia nas pessoas do Prefeito e de seus Colaboradores na área da Saúde. São eles os verdadeiros criminosos.

O desrespeito, acintoso e cruel, do Poder Público aos doentes é uma das faces mais perversas da imoralidade institucionalizada (pecado social ou estrutural) de um sistema sócio-econômico-político-ecológico-cultural totalmente irracional, desumano e antiético: o sistema capitalista neoliberal. 

Mais um caso inimaginável: “Maria Ayla Pereira Silva, de um ano, tinha síndrome rara e morreu após paralização do serviço por falta de pagamento da Prefeitura” (O Popular, 28/11/24, p. 11).

Nesta maracutaia de imoralidades públicas, tivemos finalmente um ato positivo. “Cúpula da Saúde é presa após agravamento da crise. Ministério Público diz que grupo atrasava pagamentos para investidas criminosas” (Ib., 1ª página), além - é claro - de ser responsável pelas mortes acima relatadas e muitas outras. Nessa operação do Ministério Público - GO, foram presos o Secretário Municipal da Saúde, o Secretário Executivo e o Diretor Financeiro (cf. Ib. p. 13). E o Prefeito? Não é ele o responsável principal?

Neste texto, não vou discutir as causas imediatas da crise na Saúde Pública, mas lembrar que o Direito à Saúde Pública é de todos os Seres Humanos, desde os Pobres e que a responsabilidade ética para que esse Direito seja respeitado é do Poder Público. Infelizmente, no nosso caso, é o próprio Poder Público o maior violador desse Direito.

“Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários (Declaração Universal de Direitos Humanos - 1948, n. 25).

“A saúde é direito de todos/as e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (Constituição do Brasil de 1988. Art. 196).

Para os cristãos e cristãs, é sempre bom lembrar também as palavras de Jesus: “Eu vim para que todos e todas tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

Nos casos de pessoas com doença grave ou gravíssima, que exigem a internação na UTI, o Poder Público é obrigado, do ponto de vista humano e ético, a internar as pessoas, mesmo que seja a pagamento na UTI de um Hospital Particular. Se não o fizer, os governantes devem ser presos, processados e julgados.

Onde está o Tribunal de Justiça (ou melhor, de Injustiça!) de Goiás? Por que tanta omissão? Que “Justiça“ é essa? O Tribunal - com sua omissão - não está sendo conivente com essa imoralidade pública? O Prefeito e o Secretário de Saúde do Município de Goiânia não são jurídica e eticamente responsáveis pelas pessoas que morreram por falta de vaga na UTI?

Por fim, como cristão, digo mais: doe-me muito e fico profundamente indignado com o silêncio da Igreja, a minha Igreja. Ela não deveria oficialmente fazer uma denúncia profética pública contra essa situação de pecado social: uma situação de morte pela omissão do Poder Público Municipal?

Com certeza, Jesus de Nazaré - que sempre se posicionou ao lado e do lado dos excluídos e excluídas - diante de uma situação desumana e antiética como essa, não ficaria omisso. Tenho certeza que - como aos Fariseus de sua época - Ele diria: “Raça de cobras venenosas! Se vocês são maus, como podem dizer coisas boas? Pois a boca fala aquilo de que o coração está cheio. O Ser humano bom tira coisas boas do seu bom tesouro e o Ser humano mau tira coisas más do seu mau tesouro” (Mt 12, 34-35).

Justiça já! Que as famílias, com membros falecidos por causa da falta de vagas na UTI pública, sejam ao menos - embora nada repare a dor - indenizadas pelo Poder Público! Que o Prefeito de Goiânia seja preso - como seus Colaboradores na Saúde já foram - e todos sejam jurídica e eticamente responsabilizados pelas mortes, processados e julgados.

“Deus faz justiça e defende todos os oprimidos/as” (Salmo 106, 3).


Marcos Sassatelli  Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282

https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 28 de novembro de 2024



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