Falando
das alianças enganadoras, o Profeta Isaías diz: "Ai de vocês, (…) fazem
planos que não nasceram de mim, fazem acordos sem minha inspiração, de maneira
que amontoam erros e mais erros" (30, 1).
Por ter vivido intensamente a
história dos ex-Moradores "sem-teto" do Parque Oeste Industrial e
partilhado o seu sofrimento, fiquei profundamente indignado ao tomar
conhecimento que um líder ou, melhor dizendo, um falso líder desses
ex-Moradores traiu o povo, se vendeu e se aliou politicamente ao governador da
época na qual foi praticada - como já disse outras vezes - a pior barbárie da
história de Goiânia e uma das piores da história do Brasil e do mundo (as
chamadas Operações "Inquietação" e "Triunfo").
Meu Deus! Quanto oportunismo político!
Quanta covardia! Quanta bajulação! Um tal comportamento é realmente repugnante,
para não dizer, nojento. Não dá para entender como um ser humano possa se
rebaixar tanto por causa de interesses pessoais e egoístas.
E tem mais (pasmem!): O então governador
declarou recentemente, com toda altivez, que os ex-Moradores
"sem-teto" do Parque Oeste Industrial reconheceram que estavam
errados e que ele estava certo. Prova disso - segundo ele - seria o fato que um
líder desses ex-Moradores e seus seguidores estão agora do seu lado, o apoiando
na campanha política.
O então governador subestima a
inteligência do nosso povo, que não é idiota. Se um líder e seus seguidores
(ou, seus capangas) traiçoeiramente se venderam, o povo, em sua grande maioria,
não fez isso. Os ex-Moradores "sem-teto" do Parque Oeste Industrial
sabem que estavam certos e agiram de maneira ética. O então governador - mesmo
que fale agora o contrário - sabe também que eles estavam certos.
Como ensina S. Tomás de Aquino e a
própria Doutrina Social da Igreja, o direito de propriedade privada não é um
direito absoluto, ao qual tudo deve ser sacrificado, inclusive a vida; ele é um
direito secundário, subordinado ao direito primário, que é a destinação dos
bens para uso de todos os seres humanos.
Além disso, como o então governador
sabe muito bem, a área ocupada do Parque Oeste Industrial era, desde 1957 (e
continua até hoje) uma área sem nenhuma função social e, portanto, com todas as
condições legais e constitucionais para ser desapropriada. O próprio então
governador chegou a declarar, numa entrevista coletiva - na minha presença -
que estava decidida a desapropriação. O povo fez até festa.
Mas, infelizmente, o então
governador voltou atrás, demonstrando ser um homem sem palavra e covardemente
submisso às pressões dos donos das grandes imobiliárias, que são verdadeiros
"coronéis urbanos".
Esses "coronéis urbanos"
não estavam preocupados com a vida do povo e nem com o dinheiro que o governo
iria gastar no despejo de cerca 14.000 pessoas; só não queriam dar a vitória ao
povo, para não criar - diziam eles - um precedente perigoso e prejudicar os
interesses econômicos das imobiliárias.
Num documento do Poder Público
Estadual da época - eu vi com os meus próprios olhos - estava escrito que aquela
área "era imprópria para habitação popular". Os pobres não podem
morar perto das "pessoas de bem"; eles têm que viver nos "cinturões periféricos" da
cidade, longe das benfeitorias da vida urbana, para não subverter a
"ordem" - que, na realidade, como diz o filósofo E. Mounier, é uma
"desordem estabelecida" - da nossa sociedade classista e capitalista,
estruturalmente hipócrita e injusta.
Falando da maldição de Deus contra
os poderosos e gananciosos, o Profeta Isaias diz: "Ai daqueles que juntam
casa com casa e emendam campo à campo, até que não sobre mais espaço e sejam os
únicos a habitarem no meio do país" (5, 8).
Tenho certeza que os ex-Moradores
"sem-teto" do Parque Oeste Industrial (uma parte deles mora
atualmente no Residencial Real Conquista, que não é um presente do então
governador, mas um direito e uma conquista do povo) não se deixarão enganar por
um falso líder e seus seguidores oportunistas.
Lembremos as palavras do Profeta
Jeremias: "Não se deixem enganar pelos falsos profetas, que existem no
meio de vocês, não escutem os adivinhos e nem os sonhos que dizem que têm,
porque eles profetizam mentiras em meu nome. Eu não enviei nenhum deles"
(29, 8-9).
Antes de terminar - para que o meu
artigo não seja instrumentalizado político partidariamente por ninguém,
entrando, assim, na contrapropaganda política, quero afirmar alto e bom som: o
que me motivou a escrever este artigo foi unicamente a indignação diante da
traição de um líder do povo, e a defesa da justiça e da verdade.
Por isso, lembro: o responsável
direto de tudo o que aconteceu no Parque Oeste Industrial é o então Poder
Público Estadual, que executou a liminar; os responsáveis indiretos são o então
Judiciário, que pressionou para que a liminar fosse cumprida e o então Poder
Público Municipal, que foi omisso e conivente com a barbárie praticada.
"Ai daqueles que fazem decretos
iníquos e daqueles que escrevem apressadamente sentenças de opressão, para
negar a justiça ao fraco e fraudar o direito dos pobres" (Is. 10, 1-2).
É esse o caso do Parque Oeste
Industrial.
Fr. Marcos Sassatelli, Frade
Dominicano
Doutor em
Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da
Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa
Senhora da Terra
Goiânia, 21 de setembro de 2010
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