“Operação Sexto Mandamento”. “Fim do poder
bandido”. Esta é a manchete da primeira página do Diário da Manhã do dia 16 de
fevereiro/11. Em seguida - sempre na primeira página - o jornal escreve:
“Dezenove policiais militares goianos foram presos ontem (dia 15) em operação
da Polícia Federal por integrarem grupo de extermínio. Investigados são
suspeitos de formação de quadrilha, prevaricação, homicídio e ocultação de
cadáver. Os crimes ocorreram em cinco diferentes municípios. Entre 40 e 50
foram mortos em 15 anos. Os ex-secretários de Estado Jorcelino Braga (Fazenda)
e Ernesto Roller (Segurança) foram ouvidos, suspeitos de tráfico de influência,
que teria beneficiado organização criminosa com promoções. O ex-governador
Alcides Rodrigues também será investigado”.
Operações
semelhantes à de Goiás acontecem também em outros Estados do Brasil. No Rio de
Janeiro, por exemplo, a Operação Guilhotina, deflagrada pela Polícia Federal no
dia 11 de fevereiro/11, “prendeu policiais civis e militares envolvidos com
crimes graves, como desvio de armas e drogas, envolvimento em milícias,
participação em grupos de extermínio e vazamento de informações sobre ações
policiais” (Folha de S. Paulo. 21/02/11, p. A2).
Todos
sabemos, há muito tempo, da participação e do envolvimento de policiais
militares em grupos de extermínio. Só não temos provas concretas. No Estado de
Goiás, a Operação Sexto Mandamento da Polícia Federal, embora realizada com
atraso, é um sinal de esperança, é uma pequena luz no fim do túnel. Esperamos
que esta operação e outras que poderão e deverão ser deflagradas representem
realmente o “fim do poder bandido”.
Esperamos
também que todos os que integram grupos de extermínio - civis ou policiais
militares - sejam (respeitando sempre os direitos humanos) processados,
julgados e exemplarmente punidos. O maior número de vítimas desses grupos de
extermínio são jovens e adolescentes. Como diz a Campanha da Pastoral da
Juventude (PJ) do Brasil: “Chega de violência e extermínio da juventude”! Não
dá para aceitar uma prática nazista em pleno século XXI! Não dá para tolerar
tanta iniquidade!
É
realmente revoltante ler no jornal O Popular as seguintes manchetes: “Militares
matam e recebem elogios”. “PM faz louvor à violência e usa o termo morte em
confronto para justificar execuções sumárias”. Depois das manchetes, o jornal
afirma: “Na Polícia Militar (PM) não são incomuns os elogios formais a
policiais que matam em ocorrências – nem mesmo naqueles casos em que a morte se
dá em circunstâncias obscuras, de difícil apuração de responsabilidades. A
Operação Sexto Mandamento da Polícia Federal, que prendeu 19 militares acusados
de integrar grupos de extermínio em atuação há mais de dez anos em Goiás,
revelou que a alegação “morte em confronto”, tão utilizada em relatórios da PM,
se tornou um eficiente artifício para justificar execuções sumárias durante
ação policial” (28/02/11, p. 2).
O
mesmo jornal continua dizendo: “O louvor à violência, presente em algumas
sindicâncias, dificulta ainda mais o trabalho de apuração de responsabilidades
e reproduz uma cultura que muitas vezes beneficia o policial truculento, em
detrimento daquele que utiliza expediente de uso gradual da força, segundo a
necessidade” (Ib.).
E
ainda: “50 pessoas foram mortas em supostos confrontos com a polícia no ano
passado em Goiânia. Quase o dobro de 2009, quando 27 pessoas morreram nas
mesmas circunstâncias”. É um dado muito preocupante. Existem sindicâncias “que
enaltecem e indicam promoções a policiais envolvidos em ocorrências com mortes,
muitas vezes desprovidas de provas suficientes para sequer inocentar esses
policiais” (Ib.).
Numa
dessas operações da polícia, que resultou na execução de um dos envolvidos em
um assalto, o sindicante (policial que assina o texto da sindicância, que apura
o caso) afirma que “não houve cometimento de crime por parte de policiais
militares, que não cometeram excessos em suas ações”; diz também que os
policiais foram “audaciosos e destemidos”; que “vislumbra ação meritória
praticada pelos bravos policiais, que desencadearam ação com excelente
resultado e exemplo positivo; conclui afirmando que a ação “merece destaque
pelo profissionalismo” e, por isso, encaminha os autos à Comissão de Promoções
e Medalhas (Ib.). Que mentalidade! Que atraso cultural!
Infelizmente,
esta mentalidade e este atraso cultural é bastante comum no meio dos policiais
militares. Parece que se tornou, para muitos deles (não digo, para todos), um
estilo de vida, um jeito de ser.
Só
para lembrar mais um exemplo: em fevereiro/05, à época do bárbaro despejo dos
moradores da ocupação “Sonho Real” do Parque Oeste Industrial, nas chamadas
operações “Inquietação” e “Triunfo”, foi usada a mesma linguagem de exaltação
da ação dos policiais militares. A nota, publicada depois de concluídas as
operações, foi simplesmente repugnante. Elogiou o profissionalismo dos
militares e, de maneira desrespeitosa, chegou a citar São Paulo, dizendo que os
militares “combateram o bom combate”.
Nestes
dias, o jornal O Popular teve acesso a um dos inquéritos da operação Sexto
Mandamento e, em reportagem exclusiva do dia 3 de março/11, “mostra detalhes da
violência e banalização das mortes atribuídas a policiais” (1a. página),
contando, com requinte de crueldade, histórias horripilantes e mórbidas. Em
gravação telefônica um policial militar afirma: “Eu mato. Eu mato por prazer e
satisfação (…). Eu nunca irei mudar... Um pouquinho de sangue na farda, né
chefe, sem novidade, comandante” (p. 3). O pior é que “diálogos sugerem ligações
com membros do Executivo e com o alto comando da PM, troca de favores,
acobertamentos, repasses de dinheiro e promoções” (1a. página). O descaramento
é tanto, que não dá para acreditar!
Em
pleno século XXI - por incrível que pareça - ainda existe (de fato e não de
direito) a pena de morte, às vezes praticada com sadismo, como algo normal.
Para citar um exemplo, no dia 31 de agosto/10, o então
deputado estadual José Nelto, vice-presidente da Comissão de Segurança Pública
nos surpreendeu a todos, proferindo a seguinte frase: "Policial que mata
bandido merece uma medalha".
Graças à Deus, a postura do deputado causou profunda
indignação em diversos setores da sociedade civíl e foi repudiada pelo Conselho
nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União;
pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana; pela Comissão de
Direitos Humanos, Cidadania e Legislação Participativa da Assembléia
Legislativa; e por muitas outras Entidades ou pessoas (Cf. Diário da Manhã,
02/09/09, p. 8).
Numa
entrevista - concedida ao jornal O Popular, no dia 26 de fevereiro/11 - o major
e deputado estadual Júnio Alves Araújo fez uma defesa contundente dos policiais
militares e afirmou que “há relação entre trabalho em excesso e mortes” (p. 3).
A afirmação do deputado não se sustenta. O
trabalho em excesso dos policiais militares (como de outros profissionais) deve
ser combatido, mas ele não justifica e não legitima as execuções. Ninguém tem o
direito de tirar a vida de ninguém (bandido ou não). Matar é um crime. E ainda:
os policiais militares não só não têm o direito de matar, mas também não têm o
direito de realizar abordagens de maneira grosseira, truculenta e violenta,
desrespeitando e humilhando as pessoas, como é bastante comum acontecer.
Enfim,
esperamos que o governo do Estado de Goiás - como prometeu - investigue, o mais
rápido possível, os casos das pessoas (pelo menos 26) que sumiram após
abordagem policial. Numa série de reportagens com a pergunta: “Onde eles
estão?”, publicadas na primeira metade de janeiro/11, o jornal O Popular -
depois do levantamento de dados - afirma que “o numero de desaparecidos em
Goiás após abordagem policial nos últimos dez anos é maior que o de goianos
desaparecidos políticos durante o regime militar” (O Popular, 09/01/11, p. 4).
Os familiares dos desaparecidos e a própria sociedade exigem e têm direito a
uma resposta.
Diário da Manhã, Opinião
Pública, Goiânia, 09/03/11, p. 3
Fr. Marcos
Sassatelli, Frade Dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia
Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na
Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão
Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
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