No dia 14 de outubro do ano passado, o então
deputado estadual e hoje secretário estadual de Educação Thiago Peixoto - que
já tinha sido eleito deputado federal - apresentou à Assembleia Legislativa um
projeto de lei que altera a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação no
Estado de Goiás e acaba com o limite de 40 alunos por sala de aula do ensino
médio nas escolas da rede particular, permitindo que as escolas matriculem um
número ilimitado de alunos em cada sala de aula. Além disso, a lei acaba também
com a reserva de um terço da carga horária dos professores da rede particular
para atividades pedagógicas extrassalas, como preparação de aulas e provas.
O
projeto foi aprovado pela Assembleia Legislativa, em primeira votação, no dia
30 de novembro/10 e, em segunda votação (numa votação relâmpago e por
unanimidade dos 28 deputados presentes), no dia 7 de dezembro/10, “sem
discussão com pais de alunos e educadores” e “sem que parte dos deputados em
plenário soubessem ao certo o que estavam votando” (O Popular, 11/03/11, p. 2).
Que irresponsabilidade dos nossos parlamentares! O projeto, que já virou lei,
está em vigor desde o dia 28 do mês de fevereiro/11. “A mudança na lei era uma
postulação antiga dos donos de escolas particulares. Alguns inclusive doaram
recursos para a campanha do peemedebista (Thiago Peixoto)” (Ib.). Que estranha
coincidência!
A
mudança na LDB da Educação no Estado foi revelada (com exclusividade pelo O
Popular) no dia 10/03/11, e causou indignação e protestos no meio acadêmico e
entre os professores em geral. Maria José Oliveira de Faria Almeida,
especialista em educação e diretora do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à
Educação (Cepae) - antigo Colégio de Aplicação - da Universidade Federal de
Goiás (UFG), que é uma escola-modelo
para o ensino médio e trabalha com o máximo de 30 alunos por sala, afirma
categoricamente que o fim do limite de alunos por sala do ensino médio nas
escolas particulares representa prejuízo tanto para alunos quanto para professores.
O número de alunos em sala de aula - afirma a professora - “interfere de modo
decisivo na aprendizagem”. “Muitas escolas têm critérios, mas outras não, e
podem lotar as salas e dificultar a aprendizagem dos alunos”. “Para avaliar bem
o aluno, o docente precisa ter um relacionamento mais estreito. Em uma sala com
um número exagerado de alunos, isso ficará muito prejudicado” (Ib.).
Alan
Francisco de Carvalho, presidente do Sindicato dos Professores do Estado de
Goiás (Sinpro), que representa os docentes da rede particular de ensino,
afirma: “É escandaloso o que foi feito. Claramente, seu autor atende a seus
financiadores de campanha”. A lei aprovada pela Assembleia é “lamentável e um
desserviço à educação” (Ib.). Além de ser prejudicial ao processo pedagógico,
ela é ilegal por ser contrária à LDB da Educação nacional e à Constituição
Federal. Podemos perguntar: Por que foi alterada a LDB da Educação no Estado
somente para as escolas particulares e não para as escolas públicas? Pela
lógica, só há uma resposta: Para favorecer os donos dessas escolas - que, na
maioria das vezes, visam o lucro - e para atender aos seus interesses,
prejudicando assim o trabalho educativo dos professores e a formação dos
alunos.
Os
deputados, no lugar de se preocuparem com os empresários da educação, deveriam
se preocupar com os estudantes pobres e (o que seria uma coisa boa) aprovar uma
emenda à LDB, que exija das escolas particulares - para o reconhecimento ou
renovação do reconhecimento de seus cursos - a concessão de, ao menos, 5 bolsas
de estudo em cada turma de 40 alunos a estudantes comprovadamente carentes. Não
seria uma forma de os donos das escolas particulares contribuírem para uma
maior distribuição de renda (mesmo que isso represente uma gota no oceano),
diminuindo as gritantes desigualdades que ainda existem em nossa sociedade? Ou
será que os pobres não podem se misturar com os ricos? Infelizmente, ainda
existem muitas formas de aparthaid social, que denotam atraso cultural e que
são aceitas como algo natural. Baste pensar nos condomínios fechados de
superluxo, nos lugares de festa para ricos, nos prédios que ainda usam a
linguagem, desrespeitosa e humilhante, “elevador social” e “elevador de
serviços” e muitos outros casos. À época, por exemplo, da Ocupação “Sonho Real”
do Parque Oeste Industrial, num documento do Governo Estadual, estava escrito -
como se fosse uma coisa natural - que aquela área “era imprópria para habitação
popular”.
O
governador Marconi Perillo, defensor da ideologia neoliberal, saiu em defesa do
secretário da Educação Thiago Peixoto (PMDB), dizendo que trata-se de uma
questão a ser resolvida pela “lei da livre iniciativa”. “Cabe ao mercado -
afirma o governador - e à sociedade consumidora trabalhar a questão da
regulação dos espaços privados”. E continua dizendo: “Pela lei da livre
iniciativa, o mercado se autorregula e a sociedade cobra qualidade dos serviços
prestados” (Ib., 12/03/11, p. 3). Marlene de O. Lobo Faleiro, professora e
ex-diretora da Faculdade de Educação da UFG, afirma: “Se as autoridades
constituídas consideram que o mercado deve regular as escolas, o
ensino-aprendizagem é pura mercadoria e não um processo de evolução humana e
formação de cidadãos. É lamentável então que o Poder Público considere o
mercado como balizador do ensino e aprendizagem” (Ib., 15/03/11, p. 8). Além
disso, se o mercado, pela lei da livre iniciativa, resolvesse todos os
problemas, não teríamos uma sociedade tão desigual e tão injusta.
No
caso em questão, será que não é papel do Estado fiscalizar as escolas da rede
particular para garantir um ensino de qualidade, com professores preparados?
Uma educação mercantilista não é certamente uma educação em benefício da
formação integral dos alunos. O próprio Conselho Estadual de Educação - que é
um órgão público - emitiu parecer contrário ao projeto de lei de Thiago
Peixoto. É desde 2002 (veja Resolução N. 84) que o CEE exige das escolas
particulares (que já tiveram 4 anos de prazo para se adequarem às suas
exigências) o cumprimento da LDB de 1998.
O
professor Hélio Cristiano, no artigo “O tamanho ideal da sala de aula”
pergunta: “Por que limitar o número de alunos aleatoriamente? Qual a
fundamentação científica e pedagógica que estabelece em 40 o número ideal?”
(Ib., 12/03/11, p. 6). Não se trata de absolutizar o número 40. Poderia ser 39
ou 41. Trata-se, a partir da experiência pedagógica dos próprios educadores, de
estabelecer parâmetros (e o número de alunos em sala de aula é um deles) que
visem, em primeiro lugar, o bem dos alunos e não o lucro dos donos das escolas.
Alan Francisco de Carvalho, presidente do Sinpro, afirma: ”Estamos procurando
parceiros e nos mobilizando para que essa lei seja revogada” (Ib., 11/03/11, p.
2)). Esperamos que os deputados - que agiram de maneira apressada e
irresponsável num assunto tão importante - revoguem, o mais rápido possível, a
lei aprovada por eles em 7 de dezembro/10. É uma exigência dos educadores e da
sociedade goiana. O secretário da Educação Thiago Peixoto afirma que “uma
eventual revogação da lei vai resultar em aumento de mensalidades e fechamento
de escolas no curto e médio prazos” (Ib., 14/03/11, p. 9). Não acredito que
isso aconteça. Em todo caso, é dever do Conselho Estadual de Educação definir
critérios sobre o aumento das mensalidades e fiscalizar as escolas particulares
para que sejam evitados possíveis abusos. Como nos lembra a professora Marlene
de O. Lobo Faleiro, compete ao Governo, através da Secretaria Estadual da
Educação, “planejar, organizar, dirigir, coordenar, executar e avaliar as
atividades da educação em Goiás, e ainda velar pela observação das leis
federais e estaduais da educação” (Ib., 15/03/11, p. 8). Sobretudo, compete ao
governo (é sua obrigação primeira) investir na educação pública para que seja
uma educação de qualidade para todos. Infelizmente - pelo descaso do Poder
Público e por falta de políticas adequadas - a educação pública é ainda, em sua
grande maioria, uma calamidade pública, sobretudo nos bairros da periferia de
Goiânia e de outras cidades do Estado. Quando será que a educação pública - um
dos direitos fundamentais de todo cidadão/ã - se tornará realmente, de fato e
não só com palavras, a prioridade das prioridades? Lutemos para que isso
aconteça! Nunca podemos perder a esperança de “um outro mundo possível”.
Fr. Marcos
Sassatelli, Frade Dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia
Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na
Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão
Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
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