quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Carta dos Excluídos aos Excluídos


- Declaração Final do Encontro Mundial dos Movimentos Populares (1ª parte) -

            A “Carta dos Excluídos aos Excluídos” servirá de base para o trabalho dos Movimentos Populares em seus respectivos países. Ela está em plena sintonia com o Discurso de Francisco aos Movimentos Populares e é também uma fonte inspiradora para as Pastorais Sociais e Ambientais da Igreja, hoje.
            Pretendo agora, com alguns comentários, destacar os 15 pontos da Carta, que inicia dizendo: “queremos fazer chegar à opinião pública um breve resumo do que aconteceu durante estes três dias históricos”.
1. O Encontro foi convocado pelo Pontifício Conselho Justiça e Paz (PCJP), em colaboração com a Pontifícia Academia das Ciências Sociais (PACS), e diversos Movimentos Populares do mundo, sob a inspiração do Papa Francisco. “Uma delegação de mais de 100 dirigentes sociais de todos os continentes se reuniu em Roma para debater três eixos: terra, moradia, trabalho; os grandes problemas e desafios que enfrenta a família humana (especialmente exclusão, desigualdade, violência e crise ambiental) a partir da perspectiva dos pobres e suas organizações”. É um grande sinal dos tempos! É certamente um sinal visível da presença do Espírito Santo de Deus!
2. Os dias “se desenvolveram procurando praticar a Cultura do Encontro e integrando companheiros, companheiras, irmãos e irmãs, de distintos continentes, gerações, profissões, religiões, ideias e experiências. Além dos setores representativos dos três eixos principais do Encontro, participaram um número considerável de bispos e agentes pastorais, intelectuais e acadêmicos, que contribuíram significativamente ao Encontro, sempre respeitando o protagonismo dos setores e Movimentos Populares. O Encontro não esteve isento de tensões que pudéssemos assumir coletivamente como irmãos”. Que maravilha! Que fraternidade bonita! É, sem dúvida, o Reino de Deus acontecendo!
3. Antes de tudo, “sempre desde a perspectiva dos pobres e dos povos pobres (neste caso, os camponeses, trabalhadores sem direitos e habitantes de bairros populares), foram analisadas as causas estruturais da desigualdade e da exclusão, desde suas raízes sistêmicas globais até suas expressões locais. Compartilharam os números horríveis da desigualdade e a concentração da riqueza nas mãos de um punhado de milionários”. Os painelistas e palestrantes - cuja contribuição foi muito valiosa - “concordaram que se deve buscar na natureza desigual e predatória do sistema capitalista, que coloca o lucro acima do ser humano, a raiz dos males sociais e ambientais. O enorme poder das empresas transnacionais que pretendem devorar e privatizar tudo - mercadorias, serviços, pensamento - são o primeiro violino desta sinfonia de destruição”. Que realismo! Que clareza! Que coragem de dizer a verdade!
4. Os participantes do Encontro afirmaram: “durante o trabalho nas oficinas concluiu-se que o acesso pleno, estável, seguro e integral à terra, à moradia e ao trabalho constituem direitos humanos inalienáveis, inerentes às pessoas e sua dignidade, que devem ser garantidos e respeitados. A moradia e o bairro como um espaço inviolável por Estados e corporações, a terra como um bem comum, que deve ser compartilhado entre todos os que nela trabalham, evitando sua acumulação, e o trabalho digno como eixo estruturador de um projeto de vida, foram algumas das reivindicações compartilhadas”.
5. No Encontro abordou-se também “o problema da violência e da guerra, uma guerra total, ou como disse Francisco, uma terceira guerra mundial parcelada. Sem perder de vista o caráter global destes problemas, tratou-se com particular intensidade a situação do Oriente Médio, principalmente a agressão contra o povo palestino e curdo. A violência que desencadeiam as máfias do narcoterrorismo, o tráfico de armas e o tráfico de pessoas, também foram objeto de profundo debate. Os despejos forçados pela violência, o agronegócio, a mineração poluente e todas as formas de extrativismo, e a repressão sobre camponeses, povos originários e afrodescendentes, estiveram presentes em todos os debates. Também o grave problema dos golpes de Estado como em Honduras e Paraguai e o intervencionismo de grandes potências sobre os países mais pobres”.
6. Outra questão abordada foi a ambiental. Ela “esteve presente num rico intercâmbio entre a perspectiva acadêmica e a popular. Pudemos conhecer os dados mais recentes sobre contaminação e a mudança climática, as previsões sobre futuros desastres naturais, e as provas científicas de que o consumismo insaciável e a prática de um industrialismo irresponsável que promove o poder econômico explicam a catástrofe ecológica em cena. Devemos combater a cultura do descarte e, ainda que suas causas sejam estruturais, também devemos promover uma mudança a partir de baixo, nos hábitos e condutas de nossos povos, priorizando os intercâmbios ao interior da economia popular e a recuperação do que este sistema renega”.
7. Novamente os participantes do Encontro, com palavras inquestionáveis, afirmam: “pudemos concluir que a guerra e a violência, a exacerbação dos conflitos étnicos e a utilização da religião para a legitimação da violência, assim como o desmatamento, a mudança climática e a perda da biodiversidade, têm seu principal motor a busca incessante do lucro e a pretensão criminosa de subordinar os povos mais pobres para saquear suas riquezas naturais e humanas. Consideramos que a ação e as palavras dos Movimentos Populares e a Igreja são imprescindíveis para frear este verdadeiro genocídio e terricídio”.

Meditemos, irmãos e irmãs! Não sejamos indiferentes! São apelos de Deus! (Continua no próximo artigo).



Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 22 de janeiro de 2015

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