Neste 5º artigo sobre o
Encontro Mundial de Movimentos Populares, destaco o 4º ponto marcante do
Discurso do Papa Francisco aos Movimentos Populares: trabalho é um direito
sagrado.
Depois de falar da terra e da moradia como direitos
sagrados, o Papa diz: “terceiro, trabalho. Não existe pior pobreza material -
urge-me enfatizar isto -, não existe pior pobreza material do que a que não
permite ganhar o pão e priva da dignidade do trabalho”.
Com
muita objetividade e clareza, Francisco descreve a realidade do trabalho na
sociedade atual. “O desemprego dos jovens, a informalidade e a falta de
direitos trabalhistas não são inevitáveis, são o resultado de uma prévia opção
social, de um sistema econômico que coloca o lucro acima do homem. Os ganhos econômicos,
acima da humanidade ou acima do homem, são efeitos de uma cultura do descarte
que considera o ser humano em si mesmo como um bem de consumo, que pode ser
usado e depois jogado fora”.
E ainda: “hoje, ao fenômeno da
exploração e da opressão, soma-se uma nova dimensão, um matiz gráfico e duro da
injustiça social; os que não podem ser integrados, os excluídos são resíduos,
‘sobrantes’. Essa é a cultura do descarte, e sobre isso gostaria de ampliar
algo que não tenho por escrito, mas que lembrei agora. Isso acontece quando, no
centro de um sistema econômico, está o deus dinheiro e não o homem, a pessoa humana.
Sim, no centro de todo sistema social ou econômico, tem que estar a pessoa,
imagem de Deus, criada para dar o nome às coisas do universo. Quando a pessoa é
deslocada e vem o deus dinheiro, acontece essa inversão de valores”.
São palavras que nos questionam a
todos e a todas. Não é o dinheiro que está a serviço da pessoa, mas a pessoa que
está a serviço do dinheiro. E é nessa idolatria do dinheiro que consiste a
iniquidade do sistema econômico, a injustiça estrutural ou o pecado estrutural.
Sem meias palavras e como verdadeiro
profeta, o Papa denuncia as graves consequências desse sistema econômico que
descarta as pessoas. A respeito do descarte e retomando o que já disse na Exortação
Apostólica “A alegria do Evangelho” (EG), Francisco afirma: “temos que estar um
pouco atentos ao que acontece em nossa sociedade”.
Enumera, pois, com realismo e ao mesmo
tempo com preocupação, os diversos tipos de descarte que acontecem hoje em dia.
“Descartam-se as crianças porque a taxa de natalidade
em muitos países da terra diminuiu, ou descartam-se as crianças porque não se
tem alimentação, ou porque são mortas antes de nascerem, descarte de crianças. Descartam-se
os idosos, porque, bom, não servem, não produzem. Nem crianças nem idosos
produzem. Então, sistemas mais ou menos sofisticados os vão abandonando lentamente”.
Com muita dor no coração, Francisco
afirma: “e agora, como é necessário, nesta crise, recuperar um certo
equilíbrio, estamos assistindo a um terceiro descarte muito doloroso, o descarte
dos jovens. Milhões de jovens. Eu não quero dizer o dado, porque não o sei
exatamente, e o que eu li parece um pouco exagerado, mas milhões de jovens
descartados do trabalho, desempregados”.
Depois de lembrar que -
segundo as estatísticas - nos países da Europa o desemprego de jovens chega a
40%, 50% e até 60%, o Papa reconhece: “são dados claros, ou seja, do descarte”.
E conclui com um desabafo: “descarte de crianças, descarte de idosos, que não
produzem, e temos que sacrificar uma geração de jovens, descarte de jovens,
para poder manter e reequilibrar
um sistema em cujo centro está o deus dinheiro, e não a pessoa humana”.
Enfim - agradecido aos trabalhadores e
trabalhadoras excluídos e excluídas por sua persistência e perseverança - deixa-nos
uma mensagem de esperança, mostrando que acredita na força dos Movimentos Populares.
“Apesar disso, a essa cultura de descarte, a essa cultura dos sobrantes, muitos
de vocês, trabalhadores excluídos, sobrantes para esse sistema, foram
inventando o seu próprio trabalho com tudo aquilo que parecia não servir mais
para nada... Vocês, com a artesanalidade que Deus lhes deu, com a sua busca,
com a sua solidariedade, com o seu trabalho comunitário, com a sua economia
popular, conseguiram e estão conseguindo... E, deixem-me dizer, isso, além de
trabalho, é poesia. Obrigado”.
Francisco termina reafirmando os
direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras. “Desde já, todo trabalhador,
esteja ou não no sistema formal do trabalho assalariado, tem direito a uma
remuneração digna, à segurança social e a uma cobertura de aposentadoria. Aqui
há coletores de materiais recicláveis, recicladores, vendedores ambulantes,
costureiros, artesãos, pescadores, camponeses, construtores, mineiros, operários
de empresas recuperadas, todos os tipos de cooperativados e trabalhadores de
ofícios populares que estão excluídos dos direitos trabalhistas, aos quais é
negada a possibilidade de se sindicalizar, que não têm uma renda adequada e
estável. Hoje, quero unir a minha voz à sua e acompanhá-los na sua luta”.
Diante de uma economia que mata (cf. EG,
53) - e mata silenciosamente - dentro de uma legalidade hipócrita, como se
fosse a coisa mais natural do mundo, ouçamos a voz do Papa. Suas palavras
proféticas fortalecem-nos na caminhada.
Como faz Francisco, confiemos na força
libertadora e transformadora dos Movimentos Populares. Coloquemos os espaços de
nossas Comunidades e Paróquias (salas, salões, Igrejas) a serviço de sua
organização. Sejamos próximos e solidários para com eles. Enfim, participemos -
como cidadãos e cidadãs, como cristãos e cristãs - de suas lutas por um outro
mundo possível e necessário.
Para os e as que acreditam na mudança,
a esperança nunca morre! Que o ano de 2015 traga a todos e todas nós muitas
alegrias e muitas vitórias!
Marcos
Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia,
01 de janeiro de 2015
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