(Dando continuidade aos
anteriores, neste artigo começamos a refletir sobre o Ser humano meta-
histórico)
Vimos
que o Ser humano - por “ser-no-mundo-com-o-mundo”, ou seja, por ter consciência
de ser-no-mundo - é um ser histórico, situado (no espaço) e datado (no tempo). A
historicidade marca o Ser humano todo, mas não é (não constitui) a totalidade
do Ser humano.
O Ser
humano histórico, "por um lado, experimenta-se limitado de muitas
maneiras, por outro lado, sente-se ilimitado (infinito) em seus desejos e
chamado a uma vida superior" (Conc.
Vat. II. A Igreja no mundo de hoje - GS, 10).
O Ser
humano, portanto, percebe-se a si mesmo como um ser meta-histórico. A
dimensão da meta-historicidade, é constitutiva do Ser humano.
Por
sua condição existencial, o Ser humano histórico é - “já e ainda não” - um Ser humano meta-histórico. Pela “presença
ontológica” ou “presença criadora” de Deus, o Ser humano histórico é
essencialmente voltado (tende, anseia, aspira, orienta-se, projeta-se) para o meta-histórico.
Ele meta-historiciza-se (supera-se, transcende-se) dialética e permanentemente,
passando de um momento histórico para outro - melhor ou pior - até à
meta-historicização absoluta (total) para “além da Morte” (além do tempo
e do espaço): “Vida plena” ou “Morte plena”.
A meta-historicização
absoluta do Ser humano histórico - como “Vida plena” - é a afirmação
do "humano" em sua plenitude, é a humanização plena (Vida
eterna, Páscoa definitiva, Plenitude da Ressurreição, Plenitude do Reino de
Deus, Plenitude da Felicidade, Salvação eterna, Céu, Paraíso).
Em
outras palavras, é a realização plena do Ser humano histórico em todas as
suas dimensões e relações; é a convergência - cabal, final e máxima - de
todas as suas possibilidades, de todos os seus anseios (desejos), de todas as
suas aspirações e buscas concretas (reais); é o seu amadurecimento pleno no
bem, sua abertura radical no amor, seu mergulho definitivo no mistério de
Deus (que é Amor, Comunidade de Amor, Santíssima Trindade); é a satisfação
absoluta de sua sede de Infinito.
É o
Ser humano histórico que - de tão humano - se torna plenamente divino e - de
tão divino - se torna plenamente humano.
Quando
o Ser humano histórico se estabiliza (se fixa) no bem (no amor) e morre (passa
do tempo para a eternidade) nesta condição, entra num estado definitivo de realização
plena (total) de sua existência humana, que se torna uma existência
carregada (cheia) de sentido (Vida eterna, Plenitude do Reino de Deus,
Plenitude da Felicidade, Salvação eterna, Ceu, Paraiso).
A
meta-historicização absoluta (total) do Ser humano histórico - como “Morte
plena” - é a negação do "humano" em sua plenitude, é a desumanização
plena (Morte eterna, Plenitude do Anti-Reino de Deus,
Plenitude da Infelicidade, Perdição eterna, Inferno).
É a
frustração (não-realização) total do Ser humano histórico em todas as suas
dimensões e relações; é a não-convergência - cabal, final e máxima - de todas
as suas possibilidades, anseios (desejos), aspirações e buscas concretas
(reais); é o seu endurecimento pleno no mal, seu fechamento radical no egoísmo
(desamor) e na auto-suficiência, sua rejeição definitiva do mistério de Deus.
É a
falta de satisfação absoluta da sede de Infinito do Ser humano histórico.
Quando o Ser humano histórico se estabiliza (se fixa) no mal e morre nesta
condição, entra num estado definitivo de frustração absoluta (total) de sua
existência, que se torna uma existência absurda, sem sentido.
(Cf. BOFF, L. Vida para além da Morte.
Vozes, Petrópolis, 1973, p. 67-97. Para uma visão mais aprofundada da
"questão da morte" do ponto de vista teológico (cristão), ver também:
LIBÂNIO, J. B. e BINGEMER, M. C. L. Escatologia cristã. Vozes, Petrópolis,
1985).
São
estas as duas "possibilidades" do Ser humano meta-histórico, mas sua
"vocação ontológica" (a vocação que recebeu do Criador) é a
meta-historicização como “Vida”, até à meta-historicização total (absoluta)
como “Vida plena” ("ser mais" até "ser plenamente"). A
meta-historicização como “Morte”, até à meta-historicização total (absoluta)
como “Morte plena” é uma distorção dessa vocação.
Por
fim, antes de terminar, sinto a necessidade de fazer, desde já, um
esclarecimento: por Deus ser Amor - embora a “Morte Plena” seja para o
Ser humano meta-histórico uma possibilidade ontológica - não acredito que ela aconteça
de fato. Ao contrário, acredito que Deus dá a todos e todas - mesmo que seja no
último momento de sua existência histórica - a possibilidade de fazer um ato
de amor tão grande que muda totalmente sua vida.
Por
experiência, ninguem de nós - criados à imagem e semelança de Deus por
amor e para amar - ficaria feliz sabendo que um irmão (ou uma irmã), mesmo
que tenha sido o maior criminoso do mundo, vive num estado de frustração e sofrimento
por toda a eternidade.
(No final de nossas reflexões sobre o
Ser humano meta-histórico, voltaremos sobre o assunto)
Marcos Sassatelli - Frade dominicanoDoutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)Professor aposentado de Filosofia da UFG
https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 10 de janeiro de 2025
O artigo foi publicado originalmente em:
https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-meta-historico/ (28/12/24)
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