sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Tempo do Advento

“Já que é vosso dom tudo o que somos,
para vós se oriente também todo o nosso viver”
(Oração das Laudes, Sábado da II Semana do Tempo Comum)

O Advento é um tempo litúrgico de renovada esperança e de alegre espera da vinda de Jesus. “Possui dupla característica: sendo um tempo de preparação para as solenidades do Natal, em que se comemora a primeira vinda do Filho de Deus entre os seres humanos, é também um tempo em que, por meio desta lembrança, voltam-se os corações para a expectativa da segunda vinda de Cristo no fim dos tempos” (Normas sobre o Ano Litúrgico e o Calendário - NALC, N. 39). 
O Tempo litúrgico do Advento é formado por quatro semanas Nas duas primeiras semanas somos convidados a vigiar, esperando a vinda gloriosa do Salvador.  Nas últimas duas semanas, lembrando a espera dos profetas e de Maria, somos convidados a nos preparar para celebrar - fazer a memória, tornar presente - em nossa vida e em nossa história o nascimento de Jesus em Belém.
Um símbolo que pode nos ajudar a entender e viver o sentido do Advento é a Coroa do Advento, que é feita de um círculo de galhos sempre verdes, simbolizando o amor infinito de Deus para com todos os povos. As quatro velas, acesas e colocadas no círculo - uma a cada semana do Advento - nos lembram a luz de Deus que vem ao mundo para iluminar nossa existência e nossa história.
Na abertura do Advento escutamos a antífona: “Anunciai a todos os povos: Deus vem, nosso Salvador” (I Vésperas do 1º domingo do Advento), que ressoa durante todo o Ano Litúrgico. A Liturgia “convida a renovar seu anúncio a todos os povos e o resume em duas palavras: ‘Deus vem’. Esta expressão tão sintética contém uma força de sugestão sempre nova. Detenhamo-nos um momento a refletir: não usa o passado - Deus veio -, nem o futuro - Deus virá -, mas o presente: ‘Deus vem’. Se prestarmos atenção, trata-se de um presente contínuo, ou seja, de uma ação que sempre acontece: está acontecendo, acontece agora e acontecerá mais uma vez. Em qualquer momento, ‘Deus vem’. O verbo ‘vir’ apresenta-se como um verbo ‘teológico’, inclusive ‘teologal’, porque diz algo que tem a ver com a natureza própria de Deus. Anunciar que ‘Deus vem’ significa, portanto, anunciar simplesmente o próprio Deus, através de uma de suas marcas essenciais e significativas: é o ‘Deus-que-vem’” (Bento XVI. Meditação sobre o Advento, 10/12/2006 - www.cnbbco.org.br).
O Advento é um tempo forte de espiritualidade. E a espiritualidade é, antes de tudo, uma espiritualidade humana. É o jeito de ser e de viver do ser humano, enquanto ser espiritual. Ela envolve o ser humano todo, em todas as suas dimensões e relações: pessoais, sociais, econômicas, políticas, culturais e ecológicas. Ela perpassa, impregna e absorve a totalidade do ser humano, a totalidade de sua existência no mundo.
Para os que somos cristãos, a espiritualidade humana - à luz da fé - torna-se espiritualidade cristã (do seguimento de Jesus de Nazaré). Não pode, porém, ser espiritualidade cristã se não for primeiro (no sentido lógico e não cronológico) espiritualidade humana. A espiritualidade cristã é uma espiritualidade radicalmente humana. Precisamos os cristãos ser especialistas em humanidade. Não temos o direito de sermos indiferentes e omissos diante dos desafios que o mundo de hoje nos apresenta como apelos de Deus, mas devemos estar sempre na linha de frente em todas as lutas que visam tornar a sociedade e o mundo mais humanos.
 “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos seres humanos de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração” (Concílio Vaticano II. A Igreja no mundo de hoje - GS, 1).
“Eu vim - diz Jesus - para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10, 10). “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo.16, 4). Somos os cristãos “discípulos missionários de Jesus Cristo, para que nele todos os povos tenham vida” (Tema da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe - CELAM).
A espiritualidade cristã é uma espiritualidade pascal: cristológica, pneumatológica e trinitária (comunitária, eclesial). Brota da vivência, sempre mais profunda e sempre mais envolvente, do Ano Litúrgico, que inicia com o Advento e tem como centro a Páscoa (passagem da morte para a vida: vida nova em Cristo, vida segundo o Espírito). A Liturgia é a celebração do mistério pascal na vida e a celebração da vida no mistério pascal. "A celebração litúrgica repercute na vida e a vida é celebrada. Celebração e vida estão intimamente ligadas. Como seguidores de Jesus Cristo progressivamente nos tornamos uma coisa só com ele. É um processo (…) que atinge todo o universo e que se dá concretamente no cotidiano da nossa história. Cristo, embora tenha passado pela morte, venceu-a. Nós também venceremos. Acreditemos na vida" (Ir. Veronice Fernandes, pddm - www.cnbbsul1.org.br - 25/03/08).
Na celebração do mistério pascal na vida e da vida no mistério pascal, “trata-se da recriação de nosso eu, adquirindo a forma de Jesus Cristo ressuscitado, segundo o Espírito de Deus. É processo lento e sofrido, e ao mesmo tempo alegre e esperançoso, que deverá durar até a nossa morte. Perfazendo seu próprio caminho pascal, cada pessoa está ao mesmo tempo participando e colaborando na Páscoa de todo o tecido social, de toda a realidade cósmica (Cf. Rm 8, 18-25)) até à plena comunhão, quando Deus será tudo em todos (Cf. 1Cor 15, 28)" (Ione Buyst. Viver o mistério pascal de Jesus Cristo ao longo do Ano Litúrgico: um caminho espiritual. Semana de Liturgia, São Paulo, outubro de 2002).

O Advento nos leva a uma mudança de vida e nos prepara para celebrar e viver o Natal de Jesus à luz de sua Páscoa, que é também a nossa Páscoa, a Páscoa de toda a humanidade, a Páscoa do mundo inteiro.
                      Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 24/11/11, p. 3  

                                
Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

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A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos