segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Moradores de rua, comentando a nota de repúdio à Operação Salus

Moradores de rua
Comentando a Nota de Repúdio à “Operação Salus”

A Constituição Federal lembra que o Estado Democrático é “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias” (Preâmbulo).

No dia 10 de janeiro/12, a Polícia Militar de Goiás - em parceria com a Guarda Municipal de Goiânia e a Secretária Municipal de Assistência Social (SEMAS) - realizou em Goiânia a “Operação Salus” (Salvação), que foi comandada pelo Coronel Edson Costa Araujo, Comandante da Polícia Militar, supervisionada pelo Dr. João Furtado de Mendonça Neto, Secretário da Secretaria de Segurança Pública e Justiça (SSPJ-GO), com a aquiescência do Dr. Marconi F. Perillo Junior, Governador do Estado de Goiás.
A “Operação Salus”, com 35 viaturas, 2 ônibus e 150 homens fortemente armados, retirou - segundo a própria Polícia Militar - aproximadamente 110 pessoas das ruas de Goiânia, moradores de rua e/ou usuários de drogas (fazendo referência à cidade de São Paulo, falou-se de combate à “cracolândia”, instalada em Goiânia) - e foram levados ao Centro de Triagem da PM para serem cadastrados e identificados.
Os responsáveis pela “Operação Salus”, com ufania e até usando o nome de Deus em vão, falam que ela foi um sucesso, mas a realidade é outra.
Em pleno século XXI, deparamo-nos ainda com situações, cenas e comportamentos repressivos, inspirados numa “ideologia nazista”, que são uma violação permanente dos direitos humanos fundamentais e revelam o atraso cultural e ético de nossa sociedade.
No dia 16 de janeiro/12, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) tornou pública a Nota de Repúdio à “Operação Salus”, assinada por Eduardo de Carvalho Mota, Conselheiro Presidente do CMDCA, em conjunto com representantes de 22 Instituições, Redes e Fóruns.
(Vejam a íntegra da Nota e o nome das Entidades que assinam a Nota em conjunto com o CMDCA: www.cmdca.go.gov.br/noticia.php?co_seq_noticia=88). Em cache
A Nota expressa o sentimento de indignação do CMDCA e demais Entidades. Lembra que a Constituição Federal - intitulada de Constituição Cidadã - “objetiva a democratização das relações na sociedade brasileira, baseada nos princípios da dignidade humana e do respeito aos direitos fundamentais de todas as pessoas” e denuncia que estes princípios foram desrespeitados na “Operação Salus”.
Em seguida a Nota diz: “A cidade de Goiânia e o Brasil vêm, ao longo dos anos, repetidamente vivenciando situações como estas. O que se ganhou com isso? Nada! Recurso público desperdiçado, mal aplicado e não houve mudança no cenário. As pessoas continuam em situação de vulnerabilidade e para esconder ou melhorar a imagem de “incompetentes” dos poderes constituídos, pensa-se em ações de repressão à tão sobrepujada e desesperançada população. O que presenciamos são casos de limpeza étnica, faxina social, racismo ambiental, evidentes no fato de tratar os desfavorecidos como bandidos ou qualquer outra adjetivação”.
Continua ainda a Nota: “A simples “remoção” de crianças, adolescentes, mulheres, adultos e idosos em situação de rua, por meio da discriminatória “Operação Salus”, certamente não resolverá os graves problemas sociais em foco, cuja solução somente virá com a implantação de políticas públicas eficientes, ainda longe de serem contempladas no Município de Goiânia e nos demais Municípios de Goiás. A precariedade e a ineficiência das políticas públicas municipais de atendimento a crianças, adolescentes, mulheres, adultos e idosos em situação de rua vem sendo constatada há tempos, situação que se agravou após a extinção da Sociedade Cidadão 2000 e a retirada de mais de 30 milhões de reais da política de assistência social nos últimos anos. Situações que motivaram a mobilização de toda a Rede de Atendimento, cobrando e sugerindo providências, conforme documento já enviado aos mesmos, datado de abril de 2010 e aprovado pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA)”.
A Nota constata, pois, uma realidade, que demonstra o descaso do Poder Público Municipal: “O número insuficiente de profissionais capacitados para atendimento e a falta de uma política pedagógica, a ausência de locais apropriados para acolhimento dessa população a exemplo da Casa da Acolhida Cidadã, fato amplamente divulgado pela mídia, bem como a desestruturação dos Conselhos Tutelares são alguns dos fatores que retratam a ineficiência das políticas públicas na área do atendimento a crianças, adolescentes, mulheres, adultos e idosos em situação de rua, o que leva a mobilizar outros setores da sociedade (Segurança Pública, empresários, etc.) na busca de soluções que reduzam a presença desta população nas ruas, através de ações não tipicamente vinculadas às suas atividades”.
A Nota recomenda à Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás e à Polícia Militar que - como pede a Constituição Federal - pensem a Política de Segurança Pública não de forma isolada, mas de forma articulada com vários segmentos do Estado, e afirma: “É papel da Assistência Social e não da Segurança Pública cuidar da população em situação de vulnerabilidade. A população de rua vive em situação de vulnerabilidade e tem seus direitos mais básicos violados; não deve ser a polícia mais um ente violador. A Segurança Pública do Estado de Goiás deve se preocupar em seguir a Constituição Federal, garantir efetivamente a segurança do cidadão - fundamentada nos direitos humanos essenciais da pessoa, onde a liberdade é um princípio e não a exceção - e deixar de criminalizar as diferenças sociais, políticas, econômicas e culturais”.
Enfim, a Nota conclui afirmando: “Faz-se urgente, por parte da Secretária Municipal de Assistência Social (SEMAS), a implementação de uma política municipal eficaz no atendimento a crianças, adolescentes, mulheres, adultos e idosos em situação de rua”.
A cidade de Goiânia - como diz a Secretária da SEMAS Célia Valadão - “é uma metrópole rica, que cresce rápido e atrai muita gente de outras cidades e Estados” (O Popular, 22/01/12, p. 2), mas, infelizmente, ela é também uma das cidades mais desiguais (falou-se até, da mais desigual) do Brasil, da América Latina e do mundo. É uma das cidades com maior concentração ou pior distribuição de renda. Aqui está a iniquidade estrutural ou a injustiça estrutural (pecado social) goianiense.
“Do ponto de vista ético, moral, social e econômico, não há nada mais insustentável, danoso, antiético, vergonhoso e degradante em uma sociedade do que a desigualdade. Ela está na origem de todos os problemas que afetam a qualidade de vida da população” (Oded Grajew. Cidade desigual. Folha de S. Paulo, 29/01/12, p. A3).
Por que o Poder Público Municipal de Goiânia não começa a exigir uma maior distribuição de renda, cobrando impostos sobre as grandes fortunas (acumuladas com a exploração dos trabalhadores/as) e a implementar políticas públicas, com medidas e programas socioeducativos que sejam realmente “humanos” e, ao mesmo tempo, eficientes, em benefício dos moradores de rua? É isso o que todos/as nós esperamos.

     Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 04/02/12, p. 02


Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

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