segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Moradores de rua, comentando o relatório da visita à "Casa da Acolhida Cidadã"

Moradores de rua
Comentando o Relatório da Visita
à “Casa da Acolhida Cidadã”

No dia 28 de dezembro de 2011, uma Comissão - formada por Eduardo Mota, Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), Elias Vaz, Vereador Presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da Câmera Municipal de Goiânia (articuladores) e mais cinco pessoas representantes de cinco Instituições fizeram uma visita à “Casa da Acolhida Cidadã”, na Avenida Minas Gerais, esquina com a Senador Jaime, número 839, Setor Campinas. A visita foi motivada “por denúncias de acolhidos e populares, e ainda por dados coletados em loco no dia 19/12/2011”. Teve como objetivo “verificar as condições de atendimento da Unidade “Casa da Acolhida Cidadã”, bem como aferir dados apresentados em denúncias”.
Segundo a Comissão, no momento da visita à Unidade foi constatada a presença dos seguintes profissionais: 2 Educadores Sociais, 2 Técnicas Sociais (1 Pedagoga e 1 Psicóloga) e 1 Técnico em Enfermagem. Os profissionais informaram à Comissão visitante que, naquela noite, estavam presentes na Unidade 182 acolhidos: 98 na Ala de Solteiros, 74 (sendo 29 mulheres) na Ala de Famílias, 23 Crianças e Adolescentes, e 10 Idosos
A partir da escuta dos acolhidos e dos profissionais da Unidade, e da própria constatação em loco, a Comissão - em seu Relatório - identificou diversas inadequações e irregularidades. Cito as principais.
A respeito da Estrutura física: “A maioria dos banheiros está danificada e em más condições de uso. (...) Na ala que abriga as famílias, há um único banheiro que é usado indistintamente por homens, mulheres e crianças. A quantidade de camas nos quartos é insuficiente, (...) sendo vários lençóis em más condições de conservação e uso. A ausência de berços na ala de família dificulta a acomodação de bebês e crianças menores. (...) Na cozinha não há tela de proteção nas janelas, o que facilita a entrada de insetos no recinto. (...) Há apenas um elevador para os cerca de 180 abrigados e funcionários (...). Há reduzida acessibilidade, agravada pelo fato de que idosos e deficientes físicos com dificuldades motoras estão alojados no segundo andar. O mau cheiro nos banheiros, quartos e corredores é insuportável. Há também muito mofo e infiltrações além de portas fora de condições de uso. Foram identificadas varias tomadas e bocais de lâmpadas com fiação exposta e ao alcance de crianças”.
A respeito da Alimentação: “Foram encontrados vários alimentos vencidos e outros com data de vencimento próxima, além de verduras em mau estado de conservação e dispostas em local inadequado. (...) A alimentação servida é de baixa qualidade nutricional, com rotineira ausência de carne e quantidade insuficiente de alimentos. (...) As mães relataram que a quantidade de leite servida às crianças, em especial no horário noturno, é insuficiente para a alimentação adequada das crianças, já tendo sido por vezes necessária a adição de água para completar o volume de leite das mamadeiras”.
A respeito das condições de Higiene e Saúde: “(...) Chama atenção o fato de que a água utilizada nos galões disponíveis para consumo é retirada diretamente das torneiras sem filtragem. Há apenas um bebedouro e dois copos plásticos por andar para utilização de todos os moradores. (...) A casa acolhe pessoas doentes com várias patologias, soro positivo, tuberculose e outras doenças contagiosas. (...) Não foi possível identificar, mesmo nos quartos ‘reservados à enfermagem’, os cuidados de higiene necessários ao atendimento desse público. Percebemos quartos e lençóis sujos e sem a devida atenção sanitária. Foram encontrados idosos com dificuldade de locomoção e incontinência urinária sem que houvesse um acompanhamento diferenciado dos mesmos ou pelo menos o uso de fraldas geriátricas”.
A respeito da Equipe Técnica e de Educadores: “O número de profissionais encontrados na Unidade durante a visita é insuficiente para garantir a adequada atenção ao quantitativo de pessoas acolhidas. (...) Os relatos feitos pelos usuários evidenciaram a ausência de proposta pedagógica para o atendimento. Não foi percebida a construção de Plano Individual de Atendimento (PIA), instrumental de extrema importância para o acompanhamento de uma população com este grau de fragilidade”.
Considerando, pois, as denúncias de acolhidos e populares, os relatos de profissionais, o direito à segurança alimentar e nutricional como o próprio direito à vida (cf. Relatório Brasileiro para a Cúpula Mundial da Alimentação, Roma, novembro 1996) e as condições observadas em loco, a Comissão - em seu parecer final - afirma:
“Entendemos como inadmissível que pessoas sob a proteção do Município, passem pelo tipo de desassistência identificada na visita realizada por este colegiado.
Solicitamos da Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS) ações imediatas no atendimento as demandas de alimentação, higiene e segurança, (...) bem como a apresentação de proposta de completa estruturação dos serviços prestados pela ‘Casa da Acolhida Cidadã’.  
(...) Indignados em face das afrontas e desrespeito aos Direitos Humanos de crianças, adolescentes, homens e mulheres cometidas pela SEMAS, esta Comissão vem (...) DENUNCIAR os fatos aos órgãos e instâncias competentes” (Relatório da Visita à Casa da Acolhida Cidadã, 4 de janeiro de 2012).
Infelizmente, por tudo o que a Comissão relata, os moradores de rua (crianças, adolescentes, adultos, idosos) não são tratados como pessoas humanas, mas como “lixo humano descartável” e a “Casa da Acolhida Cidadã” (repugna-me chamá-la de “Cidadã”) tornou-se um “depósito de lixo humano descartável”. É realmente um espetáculo deprimente, uma violência permanente e uma imoralidade pública.
O que falta é a implantação de políticas públicas de qualidade - “humanas” e, ao mesmo tempo, eficientes - em benefício dos moradores de rua, excluídos e rejeitados pela nossa sociedade hipócrita. Isso não parece ser prioridade para os nossos governantes.
Diante dessa situação degradante e antiética, que viola todos os direitos humanos, as Igrejas, os Movimentos Sociais Populares, os Sindicatos autênticos de Trabalhadores/as e todos/as os que acreditam num “outro mundo possível”, precisam se unir e lutar juntos. Para os/as que - como Jesus de Nazaré - fizeram a opção pelos empobrecidos e oprimidos, a esperança já é certeza de vitória. “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles” (Mt 18, 20).

P.S.: Leia também a Nota de esclarecimento: “Operação Salus”: um lembrete e uma pergunta,
DM - Opinião Pública, 09/02/12, p. 7: http://www.dmdigital.com.br/novo/#!/view?e=20120209&p=23

                Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 10/02/12, p. 02


Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra









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