quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A volta do auxílio-moradia: uma sem-vergonhice parlamentar

Coitados dos deputados estaduais de Goiás! Estão sem moradia! Passam fome! Não têm dinheiro para colocar gasolina no carro! Trabalham exaustivamente em benefício do povo! Que pena! Vamos fazer uma vaquinha para ajudá-los! Eles merecem!

Ironias a parte, quando pensamos que, em matéria de sem-vergonhice, não pode ter mais nada de novo, é aí que nos surpreendemos e ficamos boquiabertos. Parece que, nessa matéria, a esperteza não tem limites. Bem que Jesus alertou: “os filhos deste mundo são mais espertos no trato uns com os outros do que os filhos da luz” (Lc 16,8).

Um exemplo paradigmático dessa sem-vergonhice é a volta do auxílio-moradia dos deputados estaduais de Goiás. Que descaramento! Após oito meses suspenso, o auxílio-moradia - por ato da mesa diretora, publicado no Diário Oficial da Casa em meados do mês passado - voltou a ser pago aos deputados estaduais de Goiás, retroativo a 1º de outubro. Além disso, o valor foi reajustado.e passa a ser de R$ 2.850, que corresponde a 75% do que é pago aos deputados federais. Até janeiro, o valor era de R$ 2.250.

O presidente da Assembleia, Helder Valin (PSDB), justifica a volta do auxílio-moradia, dizendo: “recebi o pedido assinado pelos deputados e enviei para análise da Procuradoria da Casa, que manifestou pela legalidade da concessão do benefício. Administro um colegiado e se o pedido foi feito pela maioria e não há impedimento legal, não posso me opor” (O Popular, 05/11/13, p. 10).

Senhor presidente, a mim e - tenho certeza - a todos os que têm um mínimo de senso ético, pouco importa saber se o auxílio-moradia é legal ou não. Se for legal, a lei é injusta e deve ser mudada. Digo mais: o auxílio-moradia é um deboche, uma afronta aos trabalhadores e um pontapé na cara do povo. É totalmente antiético não só para os deputados que moram na capital, mas também para os que moram no interior.

Os trabalhadores, mesmo os que trabalham na capital e moram no interior, não recebem o auxílio-moradia. Pergunto: os direitos não são iguais? Por que, então, os deputados - no lugar de pensar só nos seus interesses - não elaboram um projeto de lei que institui o auxílio-moradia para todos os trabalhadores que ganham menos de dois salários mínimos? E por que não usar o dinheiro do auxílio-moradia dos parlamentares para implementar políticas públicas em benefício dos Moradores de Rua?

É bom lembrar que, além do auxílio-moradia, os deputados - que recebem um salário aproximado de R$ 20.000 - podem gastar até R$ 23.000 mensais para a manutenção do mandato. É a chamada verba indenizatória. O dinheiro pode ser utilizado, por exemplo, com combustíveis, consultorias, diárias e na produção de materiais gráficos. O auxílio-moradia é realmente uma sem-vergonhice parlamentar! Não tem outro nome mais apropriado para tamanha falcatrua.

Não sei se por convicção ou por conveniência política, até o dia 6 deste mês, dez deputados abriram mão do valor do auxílio-moradia. Parece que, em breve, mais alguns deverão fazer o mesmo. Fiquemos de olho!
Em nome da Lei de Acesso à Informação (nº. 12.527/11), vamos exigir - como já fez a OAB-GO no dia 6 deste mês - a lista completa dos deputados estaduais de Goiás que voltaram a receber o auxílio-moradia, para que seus nomes sejam amplamente divulgados na mídia e para que esses deputados sejam definitivamente banidos da vida pública.

Tudo o que dissemos dos deputados estaduais de Goiás, vale também para os parlamentares de outros Estados e do Governo Federal, que recebem o auxílio-moradia. O pagamento do auxílio-moradia a parlamentares é uma verdadeira farra com dinheiro público.

Estava terminando este escrito, quando - tomado de profunda indignação, que revolveu as minhas entranhas - li a reportagem que relata: “além do salário, do auxílio moradia, da verba indenizatória, da verba de gabinete, dos veículos à disposição e das viagens internacionais (só em viagens internacionais, a Assembleia gastou, em um ano, cerca de R$ 900 mil), os deputados goianos também podem contar com a ajuda de custo para realizar viagens dentro do País. De julho do ano passado até o início de outubro deste ano, 18 parlamentares gastaram R$ 198,2 mil em viagens a diversos Estados brasileiros, com duração de um dia a uma semana. Até para ir a Brasília, com retorno no mesmo dia, deputados receberam ajuda de custo (R$ 500) - embora tenham carro oficial e verba indenizatória para custear despesas com alimentação e combustível” (O Popular, 11/11/13, p. 10).
  
O levantamento da reportagem não considera as viagens dentro do Estado, também pagas pela Casa. Pergunto: por que, então, a verba indenizatória de até R$ 23.000 mensais? Trata-se de um verdadeiro roubo do dinheiro público (Leia a íntegra da reportagem com a lista dos deputados que viajaram á custa do dinheiro público, em: http://www.opopular.com.br/editorias/politica/viagens-custam-quase-r-200-mil-1.425154).

Enfim, veja o absurdo. Estudo da organização Transparência Brasil “concluiu que os parlamentares brasileiros são os mais caros do mundo. Um minuto trabalhado aqui custa R$ 11.545,00 ao contribuinte. Por ano cada senador não sai por menos de R$ 33 milhões. O custo anual de um deputado é de R$ 6 milhões e 600 mil. Os valores gastos com o Congresso causam ainda mais espanto quando comparados a países mais ricos que o Brasil. Se fizermos a média dos custos de deputados e senadores, cada parlamentar no Brasil sai por R$ 10 milhões e 200 mil por ano, quando na Itália é de R$ 3 milhões e 900 mil, França: R$ 2 milhões e 800 mil, Argentina: R$ 1 milhão e 300 mil e Espanha: R$ 850 mil. Esse custo se repete nas Assembleias Legislativas e, o pior exemplo, está em Brasília. Cada um dos deputados distritais custa por ano quase R$ 10 milhões. E os vereadores do Rio e São Paulo cada um sai por pelo menos R$ 5 milhões” (http://cliquepiripiri.com.br/noticias/estudo-parlamentares-brasileiros-sao-os-mais-caros-do-mundo - 13/07/13).

Apesar de tudo o que foi dito, não podemos perder a esperança e, como afirma o papa Francisco, "o desprestígio do trabalho político precisa ser revertido, porque a política é uma forma mais elevada de caridade social. O amor social se expressa no trabalho político para o bem comum" (http://saberepoder57.blogspot.com.br/2013/07/para-meditardez-pensamentos-politicos.html - 27/07/13).

E ainda: “O futuro exige hoje a capacidade de reabilitar a política. Reabilitar a política que é uma das formas mais altas da caridade. O futuro nos exige também uma visão humanista da economia e uma política que leve cada vez mais e melhor a participação das pessoas. Evite o elitismo e erradique a pobreza” (http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2013/07/ou-se-aposta-no-dialogo-ou-todos-perdemos-diz-papa-em-discurso.html - 27/07/13)...

Lutemos para que este ideal - do qual estamos ainda tão longe - se torne realidade.

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