sexta-feira, 27 de maio de 2011

Um transporte coletivo caótico e desumano

Os usuários do transporte coletivo estão indignados com o aumento da passagem de ônibus, sem as melhorias prometidas na operação do sistema em 2008. No dia 21/05/11, em toda a região metropolitana de Goiânia, a passagem passou de R$ 2,25 para R$ 2,50 e a do Eixo Anhanguera passou de R$ 1,15 para R$ 1,25. “O reajuste foi definido em reunião da Câmara Deliberativa do Transporte Coletivo (CDTC), na noite da última quarta feira (18), com base numa planilha de custo apresentada pela Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos (CMTC)” (Diário da Manhã, 21/05/11, p. 2). No dia 20 de maio, um dia antes do aumento da tarifa e por causa do próprio aumento, os usuários do transporte coletivo tiveram muita dificuldade para adquirir bilhetes de sit pass.
O reajuste do valor das passagens de ônibus (o contrato prevê que seja anual) é calculado com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), aumento do salário dos motoristas e elevação do óleo diesel. Segundo o Sindicato das empresas de Transporte Urbano Coletivo (Setransp), as empresas não calculam tarifas, mas simplesmente repassam os custos do sistema à CMTC, numa planilha técnica, para que ela faça o cálculo.
O aumento só não ocorreu no ano passado (o último foi em 2009) porque “nem as empresas nem o Poder Público cumpriram todos os investimentos prometidos para o setor em março de 2008, quando foram renovados os contratos de concessão para a exploração do serviço. Novos abrigos, nova frota, reforma e ampliação de terminais e garagens, e o Centro de Controle Operacional (CCO) deveriam ser realizados em cinco anos, e até agora foram feitos parcialmente” (O Popular, 19/05/11, p. 3). Em janeiro/11, numa reunião extraordinária da CDTC, os prazos para o cumprimento das metas foram estendidos em mais um ano.
Segundo um engenheiro, ex-integrante da CDTC, que pediu sigilo da identidade, “existe a prática, por parte dos operadores (do sistema do transporte coletivo), de esperar que ônibus fiquem lotados para cumprir rotas e reduzir custos para as empresas”. Segundo ele, “a fiscalização da CMTC é ‘fantasiosa’ quanto ao cumprimento de planilhas e que a CDTC sempre delibera sobre renovação de concessões e aumento de tarifas, mas jamais sobre as operações”. Afirma textualmente: “Os fiscais não atuam, não há multas por atrasos. Há redução da frota com o argumento de reduzir custos e baixar as tarifas. Mas isso só reduz custos para eles mesmos. Porque, para o usuário, isso significa atrasos constantes e superlotação”. O engenheiro diz ainda que as planilhas não são cumpridas. “Terminais onde havia nove ônibus que atendiam três bairros passaram a operar com seis veículos. Para ajustar as planilhas, os operadores atrasam saídas, quando justamente há mais usuários à espera, o que gera superlotação. A prática e conhecida como ‘planilhão’”. E conclui com as palavras: “Deveriam colocar mais ônibus para reduzir intervalos de espera” (Ib.).
Quantas artimanhas que, por baixo dos panos, as empresas inventam em sua ganância e em sua sede de lucro, às custas do sofrimento do povo! È realmente uma grande injustiça social!
Vejam que situação trágica! “Noite de caos. Terminal destruído, ônibus apedrejados, bombas de efeito moral, correria, usuários passando mal e outros sendo presos fizeram parte do cenário de guerra na noite de 20/05, no Terminal Padre Pelágio em Goiânia” (Diário da Manhã, 21/05/11, 1ª e 2ª páginas, Manchetes).
A causa imediata do caos parece ter sido um acidente entre dois caminhões e a queda de energia na subestação do setor Campinas, que – segundo a imprensa noticiou – deixaram o trânsito congestionado e impediram a chegada dos ônibus no terminal. Na realidade, porém, esse fato só foi o estopim final. A verdadeira causa é que a paciência do povo, que precisa todo dia do transporte coletivo para ir ao trabalho, para voltar para casa e para outras necessidades, chegou no seu limite, ou seja, esgotou.
Não dá mais para aguentar tanto descaso, tanta falta de responsabilidade do Poder Público a respeito do transporte coletivo, que é um dos serviços básicos imprescindíveis. Entra governo, sai governo, e a situação caótica e desumana continua a mesma. Ônibus superlotados, sujos, muitos deles em condições precárias, e com constantes atrasos. Parecem mais ônibus de carga do que ônibus de transporte de pessoas humanas. É a total falta de consideração e de respeito pela dignidade do povo trabalhador. É uma desumanidade e uma imoralidade pública estrutural e, podemos dizer, legalizada.
As opiniões dos usuários do transporte coletivo sobre o aumento da passagem são muito significativas e reveladoras. Citemos algumas: “Pagaria até mais na passagem se houvesse serviço de qualidade. Do jeito que está, de graça é caro” (Hélio Junior). “Cadê a qualidade do serviço prestado que justifica esse aumento?” (Marcelo de Sá). “Gostaria de ver a planilha de cálculos, cronograma de investimentos e a fundamentação disso tudo” (Alex De Martini). “Isso é resultado do abuso de poder da rede privada, que não melhora o transporte público e ainda aumenta a tarifa” (Jordana Borges). “Lamentável, pois a qualidade é muito ruim!” (Wesley Rosa Pinheiro). “Desrespeito, não obrigam as empresas a reformar os terminais e aumentam o preço de um péssimo serviço!” (Paulo Winicius) (O Popular, 19/05/11, p. 3 – Opinião do leitor). São opiniões que falam por si mesmas.
Faltam realmente, na área do transporte coletivo (como, aliás, na área da saúde, da educação, do trabalho, da segurança e em outras áreas), políticas públicas que coloquem como prioridade absoluta a qualidade de vida do povo e não o enriquecimento das empresas. Precisamos urgentemente de um transporte coletivo digno. Andar de ônibus deveria ser prazeroso e repousante, e não cansativo e estressante. Talvez seja um sonho, mas o sonho pode se tornar realidade. Os recursos materiais existem. É só uma questão de

vontade política. A pessoa humana, sobretudo dos pobres e excluídos, deve estar sempre em primeiro lugar.

              
Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 27/05/11, p. 3 

Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos