sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A questão do salário mínimo: um espetáculo político deprimente

Nesses dias assistimos a um espetáculo político deprimente: a discussão sobre o salário mínimo por parte do governo e dos parlamentares.
            Antes de tudo, podemos constatar a maneira autoritária e desrespeitosa como o  governo conversou com os Sindicatos e as Centrais sindicais. O ministro Gilberto Carvalho (Secretaria Geral), representante da presidenta Dilma na negociação, disse que não “levará em conta” os protestos. “Na questão do mínimo, nós entendemos que não há mais negociação. Vamos reafirmar os R$ 545”. “Se tivéssemos folga e uma situação fiscal tranquila, poderíamos ser mais generosos”. Que cinismo! O ministro sabe muito bem - embora finja de não saber - que um salário mínimo digno não é uma questão de generosidade do governo, mas é um direito dos trabalhadores.
            O próprio ex-presidente Lula - que, como ex-trabalhador, deveria conhecer a vida dos trabalhadores - saiu em defesa de Dilma e criticou o “oportunismo” dos Sindicatos na negociação pelo reajuste do salário mínimo (Cf. Folha de S. Paulo, 09/02/11, p. A4). Será que o “oportunismo” não é do governo? Será que o ex-presidente Lula, deslumbrado pelo poder, e o próprio partido, dito “dos Trabalhadores”, não precisam refrescar a memória sobre a vida sub-humana da grande maioria dos trabalhadores? Ou será que as “cataratas” impedem os parlamentares do PT e seus aliados de enxergar a realidade?
            Na discussão sobre o salário mínimo, os parlamentares debocham da inteligência do  povo. Em geral - com raras exceções - não têm nenhuma preocupação com a vida e as necessidades básicas dos trabalhadores e de suas famílias. O “é dando que se recebe”, ou, em outras palavras, o “toma lá e dá cá” é a questão central do debate. Trata-se de uma barganha que visa somente os interesses pessoais e de grupos.
            Há pelo menos quarenta anos que, nessa farsa toda, os parlamentares afirmam na imprensa, com desfaçatez e cinismo, que é preciso estabelecer uma meta de recuperação de salário mínimo, mas nada ou quase nada fazem. É sempre a mesma enrolação e a mesma enganação do povo, Só mudam os atores. Aqueles que, antes de chegar ao poder, defendiam, alto e bom som, um salário mínimo que atendesse às necessidades básicas dos trabalhadores (como, por exemplo, o Vicentinho, relator do projeto), agora defendem um salário mínimo de fome. É a total falta de vergonha e, sobretudo, a total falta de ética.
            Para comprovar o que estamos dizendo, basta citar algumas manchetes de jornal: “Partido (PMDB) cobra reconhecimento depois de exibir força na votação do mínimo”. “Governo retribui apoio do PMDB com cargos na Caixa”. “Recompensa aos aliados. Peemedebistas devem ganhar cargos após aprovação do mínimo no Congresso”.  “Partidos (PT, PMDB e até mesmo PDT) duelam por indicações na cúpula do BB”. E ainda: “Dilma esperava a votação do mínimo para definir nomeações”. “Com a aprovação do salário mínimo de R$ 545, os peemedebistas praticamente garantiram a nomeação do vice-presidente de Agronegócios. A sigla votou em peso com o governo. Já o PDT, que também queria o Agronegócios ou a vice-presidência do governo, não deve levar nada por enquanto. Nove de seus deputados votaram contra o mínimo” (Folha de S. Paulo, 18/02/11, p. A4). Ler isso na imprensa é realmente repugnante, dá vontade de vomitar. É uma pouca vergonha deslavada. Essa disputa por cargos - diga-se de passagem - não é certamente motivada pela abnegação e pelo desejo de servir ao bem comum, sobretudo aos mais pobres e necessitados.
            Não adianta o ministro Guido Mantega afirmar que o valor do salário mínimo não pode ser maior do que R$ 545 para “garantir o equilíbrio fiscal” do Orçamento Público. Por  que o ministro não teve a mesma preocupação na hora de votar, desavergonhada e acintosamente, o aumento salarial dos parlamentares e dos governantes? É muita cara de pau!
            Não adianta nada, também, os parlamentares usarem de sofismas e artifícios legais, fazendo todo tipo de malabarismos. A questão do salário mínimo é só uma questão de opção política, é só uma questão de priorizar os interesses dos trabalhadores (e não dos detentores do poder econômico, como os banqueiros que, em 2010, tiveram um lucro maior que nos anos anteriores).
            Por que não se cumpre simplesmente a Constituição Federal? Para que ela existe? Entre os direitos dos trabalhadores, a Constituição Federal enumera: “Salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim” (Art. 7, IV).
            Quando os pobres “desobedecem” à Constituição Federal (sobretudo no tocante à “lei da propriedade privada”) e às outras leis, são presos, processados e vão para a cadeia. Infelizmente, nós sabemos que a cadeia está cheia de pobres “desobedientes” (pequenas “desobediências”) e não de ricos “desobedientes” (grandes “desobediências”). Por que os governantes e os parlamentares, que “desobedecem” à Constituição Federal e às outras leis, não são também presos, processados e não vão para a cadeia? A Constituição Federal e as outras leis não existem para todos? Que descaramento!
            Só para citar um exemplo, vejam o absurdo! Ao mesmo tempo que o governo defende um salário mínimo de R$ 545, anuncia a injeção de R$ 10 bi de recursos da Caixa para o banco PanAmericano. Está muito clara a opção política do governo. Embora sabendo que a política do PSDB é igual ou pior à do PT, sou obrigado a concordar com o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), quando afirma: “O PT mostra que escolheu seus amigos e já pode até mudar de nome: Partido do Capital Financeiro” (Folha de S. Paulo, ib.)
            Em valores de dezembro/10, o salário mínimo necessário para garantir os direitos dos trabalhadores, estabelecidos na Constituição Federal, deveria ser de R$ 2.227,53 (DIEESE - Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos socioeconômicos).

            Por que os Sindicatos e as Centrais sindicais que - em conjunto com os Movimentos populares (como o MST, a UNE e outros) iniciaram a negociação defendendo o valor de R$ 580 para o salário mínimo (que mesmo assim continuaria sendo uma afronta à dignidade dos trabalhadores) - não se unem, não se organizam e não assumem uma posição mais combativa? Ou seja, uma posição de resistência e de tolerância zero a esse rolo compressor do Governo que - por ser criminosamente aliado ao poder econômico e covardemente submisso a seus interesses - suga o sangue dos trabalhadores, matando-os aos poucos? Por que não fazem uma greve geral por tempo indeterminado? Ou, num Governo, dito “popular”, as palavras “greve geral” são proibidas? Será que os Sindicatos e as Centrais sindicais se esqueceram que, depois de esgotadas todas as tentativas de diálogo, a greve geral é um direito sagrado dos trabalhadores? Lembrem-se do slogan, que outrora empolgou os Sindicatos e os Movimentos populares: “trabalhador unido, jamais será vencido”! É na união que se constrói o Poder popular.
Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 24/02/11, p. 5


Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Parque Oeste Industrial Fazendo a memória do “Sonho Real”

No dia 16 de fevereiro/11 completa 6 anos do despejo dos Moradores da Ocupação "Sonho Real" no Parque Oeste Industrial, na Região Sudoeste de Goiânia, Goiás. Pelas proporções e pelo requinte de desumanidade, trata-se da maior violação dos Direitos Humanos em toda a história de Goiânia, e de uma das maiores do Brasil e do mundo, em áreas urbanas. É um caso que não pode ser esquecido e nem pode ficar impune. 
            Fazendo a memória da Ocupação “Sonho Real”, queremos levantar duas questões, que precisam ser analisadas e aprofundadas.
A primeira é a constitucionalidade ou não da liminar de reintegração de posse da Juíza Substituta Dra. Grace Corrêa Pereira. A meu ver, essa liminar - além de ser eticamente irresponsável - é inconstitucional, por considerar a propriedade privada como um direito absoluto, ao qual tudo deve ser sacrificado, inclusive a vida. A Constituição Federal diz de maneira muito clara: "a propriedade atenderá a sua função social" (Art. 5, XXIII). A área da Ocupação "Sonho Real" - loteamento de 1957 - nunca cumpriu a função social e podia ser desapropriada "por interesse social" (Art. 5, XXIV).
Do ponto de vista ético, as Autoridades e os Militares que cumpriram a liminar, podiam, em nome da "objeção de consciência", praticar a "desobediência civil", mas - por falta de discernimento e de maturidade humana - não o fizeram.
A segunda questão é a maneira como foi cumprida a liminar de reintegração de posse. Mesmo admitindo a hipótese que a liminar fosse constitucional  e  prescindindo de argumentos baseados na Ética e na Justiça (que não são somente argumentos legais), a maneira como foi realizado o despejo - as duas Operações "Inquietação" e "Triunfo" - é totalmente inconstitucional e ilegal, até para um leigo em assuntos jurídicos. Basta o bom senso.
Como escrevi no artigo “A verdade vos libertará”: “Se em nossa sociedade existisse um mínimo de justiça, os responsáveis por esse crime - que são o governador Marconi Perillo, o secretário de Segurança Pública Jônathas Silva e o comandante da Polícia Militar Coronel Marciano Basílio de Queiroz da época (com a omissão do Poder Municipal e a conivência do Judiciário), e que até hoje estão impunes - deveriam ser processados, condenados e impedidos de se candidatarem a qualquer cargo público” (Diário da Manhã, 30/01/10).
Queremos agora fazer a memória dos principais fatos:
De 6 a 15 de fevereiro de 2005, de 0 às 6h, a Polícia Militar do Estado de Goiás começou a ação de reintegração de posse, realizando a chamada "Operação Inquietação", que foram dez dias de tortura física e psicológica coletiva. Cercou a área com viaturas, impediu a entrada e a saída de pessoas e cortou o fornecimento de energia elétrica. Com as sirenes ligadas, com o barulho de disparos de armas de fogo, com a explosão de bombas de efeito moral, gás de pimenta e lacrimogêneo, a Polícia Militar promoveu o terror entre os Moradores da Ocupação. Nenhuma lei permite uma Operação noturna criminosa como essa. Até hoje, temos crianças traumatizadas.
No dia 16 de fevereiro de 2005, a Polícia Militar do Estado de Goiás realizou uma verdadeira Operação Militar de Guerra, cinicamente chamada "Operação Triunfo". Numa hora e quarenta e cinco minutos, cerca de 14.000 pessoas foram despejadas de suas moradias de maneira violenta, truculenta e sem nenhum respeito pela dignidade da pessoa humana. A Operação Militar produziu 2 vítimas fatais (Pedro e Vagner), 16 feridos à bala, tornando-se um desses paraplégico (Marcelo Henrique) e 800 pessoas detidas (suspeita-se com razão que o número dos mortos e feridos seja bem maior). Esses crimes continuam até hoje impunes.
Nessa Operação Militar criminosa, ilegal e imoral, todos os Direitos Humanos fundamentais foram gravemente violados: o Direito à Vida, o Direito à Moradia, o Direito ao Trabalho, o Direito à Saúde, o Direito à Alimentação e à Água, os Direitos da Criança e do Adolescente, os Direitos da Mulher, os Direitos dos Idosos e os Direitos das Pessoas com necessidades especiais.
Depois do despejo forçado e violento, e depois de passar uma noite acampadas na Catedral de Goiânia (onde aconteceu também o velório de Vagner e Pedro num clima de muita indignação e sofrimento), cerca de mil famílias (aproximadamente 2.500 pessoas), que não tinham para onde ir, ficaram alojadas nos Ginásios de Esportes dos Bairros Novo Horizonte e Capuava (por mais de três meses) e, em seguida, no Acampamento do Grajaú (por mais de três anos) como verdadeiros refugiados de guerra. Nesse período, diversas pessoas - sobretudo crianças e idosos - morreram em consequência das condições subumanas de vida, vítimas do descaso do  Poder Público do Estado de Goiás e da Prefeitura de Goiânia. Quem vai pagar por isso?
No dia 24 de fevereiro/05, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República criou uma Comissão Especial com o objetivo de apurar as violações aos Direitos Humanos na Operação de reintegração de posse, realizada por Policiais Militares no Parque Oeste Industrial em Goiânia, Estado de Goiás, no dia 16 de fevereiro do mesmo ano (Cf. Resolução N. 1, no DOU - Seção 2, de 24/02/05)
A Comissão analisou os três requisitos necessários para a “federalização” dos crimes contra os Direitos Humanos; primeiro: que haja grave violação dos Direitos Humanos; segundo: que o fato praticado seja passível de sujeitar a União à responsabilidade internacional, por obrigações anteriormente assumidas em tratados e em plena vigência no país; terceiro e último: que exista algum comprometimento institucional viciado, que afete a estrutura e as relações independentes dos órgãos públicos estatais, ocasionando a necessidade de ruptura no pacto federativo para se restaurar a normalidade institucional e assegurar a proteção dos Direitos Humanos.
A Comissão reconheceu a existência do primeiro e do segundo requisitos, mas não reconheceu a existência do terceiro. Portanto, no dia 10 de abril/06, o relator da Comissão, Procurador da República Cláudio Drewes José de Siqueira - apoiado em seu parecer pelos demais membros da Comissão - conclui: “Sugiro o não deslocamento da competência para Justiça Federal do caso Parque Oeste Industrial, no que se refere a apuração e ao julgamento dos crimes ocorridos na desocupação, por não restarem preenchidos todos os requisitos constitucionalmente exigidos, recomendando, no entanto, pela continuidade da observação pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana dos trabalhos da Justiça Estadual” (Cf. Relatório da Comissão Especial).
No dia 21 de março/09, o Procurador da República, Procurador Regional dos Direitos do Cidadão, Ailton Benedito de Souza retomou o parecer da Comissão Especial da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e, no artigo "O Parque Oeste e a lei", escreveu: "Ambos os Ministérios Públicos (MPF e MPE) terminaram integrando uma Comissão Especial cujos trabalhos encerraram-se, no ano de 2006, na conclusão de que não havia necessidade de "federalizar" a persecução dos culpados pelos fatos criminosos relativos ao caso Parque Oeste Industrial. Concluiu-se que estava ausente um pressuposto objetivo do IDC (Incidente de Deslocamento de Competência para a Justiça Federal), ou seja, não havia omissão, leniência, excessiva demora, conluio ou conivência dos órgãos do Estado de Goiás para inviabilizar persecução criminal dos responsáveis".
Nem passa pela cabeça do Procurador da República que o crime, nesse caso, possa ter sido praticado pelo Poder Executivo do Estado de Goiás, com a conivência do Poder Judiciário e a omissão da Prefeitura de Goiânia. Por isso, ele termina dizendo: "Nenhum fato ou circunstância sobreveio que possa justificar, atualmente, o deslocamento da competência do caso Parque Oeste Industrial para a Justiça Federal" (O Popular, 21/03/09, p. 7).
Questionamos as premissas, que logicamente levaram a Comissão Especial da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, integrada pelos Ministérios Públicos (MPF e MPE), e o Procurador da República citado, às conclusões acima referidas. As premissas não correspondem à verdade dos fatos.
Sabemos que os Militares - que, por ordem superior, cumpriram a liminar de despejo - têm sua parcela de responsabilidade pessoal. Não se trata, porém, de investigar e julgar (como querem a Comissão Especial e o Promotor da República Ailton Benedito) só os possíveis abusos ou excessos de alguns Militares, praticados na execução das Operações "Inquietação" e "Triunfo". Trata-se, sobretudo, de investigar e julgar as próprias Operações “Inquietação” e “Triunfo” como Operações criminosas, enquanto tais. Independentemente dos abusos ou excessos cometidos por alguns Militares, essas Operações são um crime planejado. O despejo de 14.000 pessoas numa hora e 45 minutos é uma violência e uma iniquidade humana premeditada.
Além de ser um dos piores crimes já praticados contra os Direitos Humanos e a Ética no Brasil e no mundo, as Operações "Inquietação" e "Triunfo", são também um crime que não só fere a Constituição e as Leis brasileiras, mas também as Leis internacionais.
É justamente esse crime que deve ser “federalizado”. Não se pode – como quer a Justiça Estadual - ficar só na investigação e julgamento dos abusos ou excessos cometidos por alguns Militares. Ficar só nisso, significa fugir do verdadeiro problema, significa escamotear a verdade e procurar um bode expiatório. Como quem praticou o crime em questão foi o Poder Executivo do Estado de Goiás com a conivência do Poder Judiciário e a omissão do Poder Público Municipal, pela lógica, esses Poderes não têm as mínimas condições de investigar e julgar a si próprios. E é por isso que se justifica a "federalização" do caso.
Infelizmente, os crimes praticados pelo Poder Público, em conluio com aqueles que detêm o Poder Econômico, nunca são seriamente investigados e julgados, a não ser nas Instâncias internacionais da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da OEA. Por isso, recorreu-se à Conte Internacional dos Direitos Humanos da OEA.
Pretende-se também realizar um Tribunal Popular para julgar e condenar, no banco dos réus, o Poder Público, Estadual e Municipal. Pretende-se ainda fazer uma Campanha para que  ninguém compre lotes na área - até hoje sem nenhuma função social - da ex-Ocupação "Sonho Real", e para que a área, com base na Constituição Federal, seja declarada de "utilidade pública" e desapropriada (Art. 5, XXIV). Como já foi dito em 2009 num Ato Público, trata-se de uma área impregnada de sangue inocente; uma área que, no sentimento religioso do Povo, é "amaldiçoada" por Deus e só será "libertada" da maldição divina se for utilizada para o bem comum, e em benefício dos Pobres e Excluídos da sociedade. Lembrem os responsáveis por essa violação dos Direitos Humanos, praticada com requinte de crueldade, que Deus é justo. Aguardem!

Pretende-se, enfim, lutar para que a posição equivocada da Comissão Especial da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República seja revista e o crime bárbaro do Parque Oeste Industrial, em Goiânia, praticado pelo Estado de Goiás, seja “federalizado”. Os que defendemos e promovemos os Direitos Humanos e a Ética, não desistimos. A esperança de um mundo novo, onde haja igualdade e justiça para todos, nunca morre. Jesus Cristo, cuja prática os verdadeiros cristãos seguem, sempre esteve ao lado dos injustiçados, dos empobrecidos e dos excluídos.
                                        Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 16/02/11, p. 2


   Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Lula: um ex-operário deslumbrado pelo poder

Lula, ex-operário e ex-sindicalista, tornou-se presidente da República por dois mandatos, de 2003 a 2010, e ficou totalmente deslumbrado pelo poder. Hoje ele é ex-presidente.
            Alguns fatos de sua vida são significativos e paradigmáticos. Na campanha eleitoral, de 2002, que o levou à presidência da República, Lula demonstrou de maneira clara que, dessa vez (depois de outras tentativas fracassadas) queria ganhar as eleições a qualquer custo e com qualquer meio. Por isso, na prática (mesmo que não seja na teoria) ele renegou a história do PT, sua própria história como co-fundador do PT e fez todo tipo de alianças, inclusive com a estrema direita, cuja ação política o PT - quando ainda se preocupava com a coerência ideológico-ética - sempre rechaçou de maneira firme e decidida.
            Em outras palavras, para ganhar as eleições, Lula deixou a ética de lado, se vendeu e se comprometeu com os interesses do sistema financeiro internacional. Caso contrário, ele não teria ganhado as eleições, porque não  existiam - e continuam ainda não existindo - as condições históricas objetivas necessárias para um projeto social alternativo.
            Pessoalmente concordo com aqueles que, à época, diziam: “no momento histórico atual nós precisávamos mais de um verdadeiro líder popular do que de um presidente da República”.
            De fato, o governo Lula, em seus dois mandatos, criou - é verdade - diversos programas sociais que melhoraram a situação de miséria e de sofrimento do nosso povo (pelo menos enquanto os programas existem). Do ponto de vista estrutural, porém, não só não mudou nada, mas - como afirmam diversos cientistas sociais - “consolidou o  capitalismo”.
            Como exemplos concretos basta lembrar o lucro dos banqueiros, que foi maior no governo Lula do que nos governos anteriores; o apoio dado ás multinacionais, ao agro-hidronegócio e aos grandes projetos rurais em detrimento da agricultura familiar e do meio ambiente; a não realização da reforma agrária e a falta de apoio a projetos que tinham como meta a soberania alimentar.       
            Além disso, com seus programas sociais (que o tornaram um governo “populista” e não “popular”), o governo Lula cooptou os movimentos sociais e os sindicatos ou centrais sindicais, enfraqueceu (e quase acabou) a organização popular e surgiu, por assim dizer, o “neopeleguismo”.
            A meu ver, teria sido muito melhor não ganhar por enquanto as eleições presidenciais, avançar na organização popular e criar, a médio e longo prazos, as condições objetivas necessárias para fazer acontecer um modelo de sociedade alternativo. Não se supera o sistema econômico capitalista neoliberal, que é um “sistema econômico iníquo” (Documento de Aparecida - DA, 385), consolidando-o. É uma questão de lógica.
            Em sua política econômica, o governo Lula (tudo indica que o governo Dilma fará a mesma coisa) agiu sempre como se o capitalismo neoliberal fosse o “fim da história” (o modelo de vida ideal). Precisava só reformá-lo, modernizá-lo e “humanizá-lo”.
            Além disso - por ter ficado totalmente deslumbrado pelo poder - Lula ficou também totalmente fascinado pelo estilo de vida da burguesia e da classe alta. Podemos citar fatos que - em si e dentro de um contexto maior - não têm muita importância, mas que são reveladores da mentalidade e da ideologia subjacente. Eis alguns exemplos:
            O modo sofisticado de vestir de Lula, com sua coleção de ternos, e da primeira dama Marisa. Quanta mudança! Dizem ex-companheiros que, quando sindicalista, era muito difícil fazer o Lula vestir um terno com gravata. Vale o ditado: “quem nunca comeu melado quando come, se lambuza”.
            O aerolula. Por que será que um ex-operário presidente, conhecedor das condições de vida do  povo, não podia - embora com toda segurança - viajar nos aviões de linha? Qual o problema? Não seria um testemunho de vida muito bonito?
            Os encontros de Lula com os ex-companheiros. Às vezes ele se emocionava e até chorava, mas como alguém que se acha vencedor e tem pena dos outros. Parecia querer dizer: “Eu venci, subi na vida e estou com dó de vocês que ainda são uns pobres coitados”! Os encontros não eram de “com-paixão”, ou seja, não eram encontros dos que sofrem e lutam juntos num clima de partilha, de fraternidade e de igualdade.
            O passaporte diplomático de cinco filhos (Marcos Cláudio, Lurian Cordeiro, Fábio Luís, Sandro Luís e Luís Cláudio) e três netos de Lula. Será que, nos últimos dias do seu governo, Lula não tinha outras coisas mais importantes com as quais se ocupar? Ainda teve tempo para pensar numa falcatrua dessas? Isso mostra quais são os verdadeiros interesses do ex-operário presidente no fim de seu segundo mandato (Cf. Folha de S. Paulo, 24/01/11, p. A4).
            As férias do ex-presidente Lula e família. Será que o Lula, depois de deixar a presidência no início de janeiro/11, precisava passar dez dias de férias no Forte dos Andradas, no Guarujá (litoral de são Paulo) às custas do dinheiro público? Por que tanta ostentação e tanto luxo? Não é isso significativo?
            A “bolsa Lula”. “O PT decidiu pagar um salário mensal de R$ 13 mil a Lula, que no próximo dia dez receberá novamente o título simbólico de 'presidente de honra' do partido. O contracheque será equivalente ao do presidente de fato do PT, José Eduardo Dutra. O novo salário de Lula se soma às duas aposentadorias que ele recebe, uma de anistiado político, outra por invalidez devido à perda do dedo” (Ib., 27/01/11, p. A4). Será que o ex-operário ex-presidente se esqueceu de como vivem seus ex-companheiros? Não poderia renunciar a certos privilégios que levam a um estilo de vida burguês (típico da classe alta) e viver uma vida mais simples? Talvez, por estar totalmente deslumbrado pelo poder e gostar tanto dele, não seja mais capaz de saborear as coisas simples, que dão o verdadeiro sentido à vida e fazem a gente ser feliz.
            A segurança de Lula. Como ex-presidente, Lula tem direito a dois carros de luxo, gasolina à vontade e oito funcionários a sua disposição (dois motoristas, quatro seguranças e dois assessores). Por que tanta mordomia? Não é um pontapé na cara dos pobres? O ex-operário ex-presidente não poderia renunciar a esta mordomia em solidariedade a seus ex-companheiros? Por que existe tanto despudor, tanta injustiça e tanta falta de ética em nossa sociedade? Os ex-presidentes custam ao país aproximadamente R$ 3 milhões por ano. Que vergonha!
            Lembremos: não é o cargo (mesmo que seja o cargo de presidente) que dá dignidade à pessoa humana, mas é a pessoa humana que dá dignidade ao cargo. A dignidade está na pessoa e não no cargo.            

            Nas relações e na convivência humana precisa acontecer uma verdadeira revolução e cabe a nós fazê-la acontecer.
                         Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 07/02/11, p. 18



Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A aposentadoria de ex-governadores: um descaramento sem limites

 No dia 20/02/11, lendo na primeira página da Folha de S. Paulo a manchete “governador por dez dias recebe pensão para vida toda”, pensei que estava tendo um pesadelo. Não queria e não conseguia acreditar que a notícia fosse verdadeira. Infelizmente tive que cair na realidade. O governador chama-se Humberto Bosaipo (DEM-MT). Trata~se de um descaramento sem limites, de um roubo e de um assalto aos cofres públicos. Como diz Eliane Cantanhede: “haja estômago!” (Folha de S. Paulo, 21/01/11, p. 2).
            Reparem a artimanha e a má-fé do político: “Quando ainda era deputado estadual, Humberto Bosaipo foi o autor da emenda que mais tarde garantiria sua aposentadoria especial como ex-governador de Mato Grosso. Até 2000, só governadores e vices podiam pedir o subsídio vitalício. A emenda de Bosaipo substituiu a menção aos vices por uma definição ampla: 'Aqueles que os tenham substituído e que tenham assinado ato governamental'. Dois anos depois, Bosaipo, como presidente da Assembleia  Legislativa, governou por dez dias” (Ib., p. A10).
            A lei estadual assegurava a pensão vitalícia “até mesmo para quem ocupasse o cargo por apenas um dia, desde que, nesse período, tivesse assinado algum ato governamental” (Ib., 20/01/11, p. A4). Que assinatura cara! Realmente – como diz o Evangelho – os administradores desonestos agem sempre com esperteza! (Cf. Lc 16, 8).
            O gasto anual dos Estados com aposentadorias e pensões para ex-governadores ou suas viúvas é de R$ 30.559.978. O valor daria para pagar uma aposentadoria de um salário mínimo para 4.993 pessoas, ou incluir mais de 37.000 famílias com benefício básico (R$ 68 mensais) no Bolsa Família, ou, ainda, construir 793 casas e comprar 1.030 carros populares. Recebem a aposentadoria vitalícia pelo menos 83 ex-governadores de dez Estados (AM, MA, MG, PA, PB, PR, RO, RS, SE e SC) (Cf. Ib., 21/01/11, p. A10). 
            Só em Santa Catarina, os pagamentos de oito ex-governadores e três viúvas  “consomem quase R$ 237 mil por mês ou R$ 3,1 milhão por ano, contando o 13o (Ib., 24/01/11, p. A7). No mesmo Estado (o governo não informa se é por invalidez), “Hercília Catharina da Luz, 89, filha de Hercílio Luz, que governou Santa Catarina por três mandatos na República Velha (1889-1930), recebe atualmente (desde 1992) R$ 15 mil por mês dos cofres públicos” (Ib.). Que ladroagem! 
            Como se não bastasse, Minas Gerais e outros cinco Estados ( AC, AL, MA, PA e PI) não repassam informações detalhadas sobre os benefícios pagos a ex-governadores. O governo mineiro não só não repassa, mas se recusa a dar estas informações, argumentando que leis de 2004 e lei assinada pelo atual governador Antônio Anastasia no dia 13/01/11 não o permitem.
            E ainda, com a maior cara de pau, o senador eleito Jorge Viana (PT-AC), governador entre 1999 e 2006, defende o benefício como uma “salvaguarda”. Com sofismas, o senador afirma textualmente: “Dependendo do perfil de algumas pessoas, que se expõem nas atividades que desempenham, isso pode ser importante. Eu me expus muito quando ocupei o cargo, e acho que é importante hoje eu ter uma salvaguarda, inclusive para me proteger” (Ib., 22/01/11, p. A6). Quem diria! Até o PT, que se considerava  o paladino da Ética!
            “Desde 2007, o STF (Supremo Tribunal Federal) considera inconstitucional qualquer pagamento de pensão a ex-governadores” (Ib., 20/01/11, p. A4).
            Apesar de todos os malabarismos legais usados, a aposentadoria vitalícia de ex-governadores (ou suas viúvas) é, portanto, inconstitucional e injusta; e a aposentadoria vitalícia de ex-governadores com mandatos “relâmpago” - além de ser inconstitucional e injusta - é também uma aberração que causa profunda indignação e revolta.
            Enquanto estamos denunciando o descaramento sem limites da aposentadoria de ex-governadores, a imprensa nos surpreende com mais uma notícia, que mostra a desfaçatez e o despudor de nossos políticos. “Além do pagamento de aposentadorias a ex-governadores, há Estados que também dão o benefício para ex-deputados estaduais. O Ministério Público questiona a legalidade destas remunerações em dois deles: Mato Grosso e Santa Catarina”.
            No Estado do Mato Grosso, “decisões da Assembleia Legislativa permitiram que 16 deputados e ex-deputados conseguissem a aposentadoria vitalícia desde 1998. Os valores pagos vão subir para R$ 20 mil em fevereiro/11”.
            Chega-se ao cúmulo do absurdo. “Entre os agraciados (com a aposentadoria de ex-deputados) estão o conselheiro do Tribunal de Contas Humberto Bosaipo, que governou o Estado por dez dias em 2002 e que também já obteve aposentadoria como ex-governador” (Ib., 23/01/11, p. A5). Que acinte!
            Toda essa pilantragem institucionalizada – que parece não ter fim - revela a real motivação (não é certamente o bem comum), que leva muitos de nossos políticos a assumir cargos públicos. São políticos aproveitadores, interesseiros e sanguessugas.
            Pedimos a OAB de cada Estado, envolvido nessa falcatrua contra a coisa pública, e a OAB nacional que tomem as providências cabíveis para que o dinheiro roubado seja restituído aos cofres públicos e para que os responsáveis sejam processados, julgados e exemplarmente punidos. É a única maneira de fazer justiça e reparar, de alguma forma, os prejuízos causados ao nosso povo pobre, explorado e excluído.
            Enfim, precisamos tomar consciência dessa realidade iníqua e nunca mais votar em candidatos corruptos. Ao expressar a nossa cidadania, devemos ter presente que: “Não basta  votar. Não basta mesmo escolhermos uma pessoa de 'ficha limpa' por mais importante e fundamental que ela seja. Nossa missão vai além: levar a pessoa 'ficha limpa' a ser eficaz e a se manter ética durante o mandato a serviço do bem comum. Devemos estar atentos para dar continuidade a outros Projetos de Iniciativa Popular, a exemplo do que resultou na Lei 9.840 e na Proposta denominada 'ficha limpa'.
            Algumas experiências de participação popular já se tornaram luz no caminho dos cristãos comprometidos com a política como pedagogia promissora: a) Mandatos coletivos: têm levado a construir estruturas de maior participação dos eleitores e eleitoras durante o caminhar do mandato. O povo organizado pode mais facilmente expressar a sua voz com seus anseios, dificuldades e esperanças diante do Executivo e  do Legislativo; b) Os 'Grupos de Acompanhamento ao Legislativo': se tornaram respeitados e eficientes em várias cidades, grandes ou pequenas. Revestem-se de autoridade moral, sendo a consciência coletiva do povo no Parlamento local. Apresentam as prioridades com metodologia criativa” (CNBB - Pastorais  sociais e outros Organismos. Eleições 2010: O chão e o horizonte, p. 3-4).
            É só com uma efetiva e organizada participação na vida pública que teremos condições de combater as injustiças - como a aposentadoria vitalícia de ex-governadores - e começar a mudar a prática  política.

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 25 de janeiro de 2011

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Uma política econômica enganosa

Fala-se muito de propaganda enganosa, que viola os direitos dos cidadãos/ãs, enquanto consumidores. Neste artigo, pretendo fazer algumas reflexões sobre a política econômica enganosa, que - a meu ver - viola os direitos dos cidadãos/ãs, enquanto cidadãos/ãs, e é uma política econômica ambígua, contraditória e hipócrita. Essa política econômica é praticada pela maioria dos nossos governantes e políticos. Graças a Deus, há exceções, que abrem caminhos novos para uma "outra política econômica  possível".
            De um lado, os nossos governantes e políticos - sobretudo nas cerimônias de posse - choram, fazem declarações de amor aos pobres, prometendo que irão acabar com a fome, que irão enfrentar o grave problema social das drogas e da violência, que irão cuidar da saúde, da educação, da segurança etc. Além desse palavrório todo, os nossos governantes e políticos promovem - com as migalhas que sobram da mesa dos ricos - programas chamados de distribuição de renda.  Na realidade, estes programas, embora sirvam para amenizar situações de extrema pobreza (que é o seu aspecto positivo), não distribuem a renda, mas simplesmente restituem ao povo uma pequena e insignificante parcela daquilo que é roubado (roubo legalizado) dos pobres na exploração da mão-de-obra e nos impostos sobre os produtos de primeira necessidade. Trata-se de uma quantia de dinheiro muito maior da investida nos programas, que servem também para enganar os pobres, e para manter a "popularidade" (ou, melhor dizendo, o "populismo") dos governantes e dos políticos.
Nos discursos de posse no Congresso e no Palácio do Planalto, a nova presidenta Dilma se emocionou e chorou diversas vezes. Com palavras bonitas e promessas genéricas, que não assustam e não ofendem o deus-mercado, ela afirmou: "A luta mais obstinada do meu governo será pela erradicação da pobreza extrema e a criação de oportunidade para todos". Disse ainda: "Junto com a erradicação da miséria, será prioridade do meu governo a luta pela qualidade da educação, da saúde e da segurança". Declarou enfim: "Considero uma missão sagrada do Brasil a de mostrar ao mundo que é possível um país crescer aceleradamente, sem destruir o meio ambiente" (Discurso de posse no Congresso, 01/01/11). A presidenta Dilma sabe muito bem que todas essas façanhas não vão acontecer, porque não "cabem" na lógica do sistema capitalista neoliberal e de seus aliados.
Até o Gilberto Carvalho, vendo Lula descer a rampa do Palácio do Planalto, disse: "estou ficando velho e ficando chorão" (Entrevista. Folha de S. Paulo, 03/01/11). Quanta representação teatral e quanta encenação!
De outro lado, os nossos governantes e políticos praticam uma política econômica enganosa, que faz de tudo para preservar, defender e fortalecer os interesses do sistema econômico capitalista neoliberal, que é um “sistema econômico iníquo” (Documento de Aparecida – DA, 385) ou – como afirma Paulo VI – um “sistema nefasto”, porque considera “o lucro como o motivo essencial do progresso econômico, a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos bens de produção como um direito absoluto, sem limites nem obrigações correspondentes” (Populorum Progressio - PP, 26).
O sistema econômico capitalista neoliberal aprofunda a desigualdade social, oprime, marginaliza, exclui e assassina os pobres como material descartável. O importante não é a vida do povo, mas o deus-mercado e os interesses dos seus servidores e adoradores.
Em junho de 2003, um grupo de mais de 300 economistas assinou um "Manifesto", "no qual advertia para o agravamento da crise social em face do aprofundamento, pelo governo Lula, da política macroeconômica herdada do Governo anterior", mostrando a necessidade de "uma política econômica voltada para um projeto nacional de desenvolvimento, com prioridade para a geração de empregos e a redução das desigualdades sociais".  Diziam ainda os economistas: "É nossa convicção que, a despeito do aprofundamento da crise social, não há sinais de reversão da atual política econômica. Ao contrário, o governo tem reafirmado que não quer mudar. Portanto, é nosso dever de cidadania insistir na denúncia de que esta política econômica não atende aos interesses da maioria e que aumentará cada vez mais os problemas sociais".
O economista Paulo Passarinho fala dos "impasses do modelo econômico sob Lula" e defende "a necessidade de superarmos o atual modelo econômico, em curso no país desde o início dos anos 90" (Correio da Cidadania, 12/03/10). O mesmo economista afirma também que "sem mudança do modelo econômico, promessa de erradicação da miséria é um engodo" (Ib., 05/11/10).
Numa entrevista, que traz o título "Brasil de Lula: a naturalização da desigualdade", publicada no Correio da Cidadania, o economista Nildo Ouriques à pergunta: "qual o seu balanço dos oito anos do governo Lula?", responde: "Uma refuncionalização do chamado neoliberalismo. Aplicou a consolidação do PT como partido de centro-direita, que detinha a legitimidade para falar sobre os pobres e, portanto, aplicar políticas de sensibilidade social. Mas no sentido de colocar os pobres em políticas caritativas, o que é o Bolsa Família basicamente, apesar de sua importância. Este é o ponto fundamental. Não emancipa amplos setores dos trabalhadores, atende à questão social, diferenciando-se da direita clássica, mas sem emancipar politicamente. Controle eleitoral e alienação política". Nildo Ouriques diz ainda que o Brasil "aceita o papel de potência regional dentro da política externa estadudinense, o que implica maiores graus de autonomia  em relação à diplomacia do FHC, impulsionando uma política sub-imperialista do Brasil, que de fato tenta praticá-la" (22/12/10).
Pelos pronunciamentos da nova equipe do governo Dilma, tudo indica que, na política econômica, não haverá nenhuma mudança essencial, a não ser pequenos ajustes. Como exemplos concretos da insensibilidade (apesar da emoção e do choro no dia da posse) dos nossos governantes e políticos - fiéis servidores e adoradores do deus-mercado  - diante das reais necessidades do povo, basta lembrar alguns fatos:
1.    A maneira, fria e calculista (submissa aos interesses do capital financeiro), como o governo fala da questão do salário mínimo.
2.    A maneira, oportunista e desonesta, como o "PMDB usa o salário mínimo para pressionar por cargos" (e não para atender às necessidades básicas do povo).
3.    A maneira, autossuficiente e arrogante, como o ministro da Fazenda, Guido Mantega, fala do bloqueio de recursos do orçamento, que este ano poderá chegar a R$ 40 bilhões, dizendo (sempre totalmente submisso aos interesses do capital financeiro) que "o freio nas despesas públicas é a aposta do governo para convencer o mercado financeiro da disposição de controlar as contas públicas, depois de um ano pautado por elevação dos gastos" (e eu acrescento: não certamente por amor ao povo sofrido, mas para fins eleitoreiros) (Folha de S. Paulo, 05!01/11, p. A4 e A5).
4.    A farsa do aumento salarial dos parlamentares e dos governantes. Sobre isso, veja o meu artigo: "O aumento salarial dos parlamentares: uma bandalheira que não pode ser esquecida", publicado no Diário da Manhã (29/12/10, p. 18).
5.    Por fim (pasmem!), não podemos deixar de lembrar a última barganha pública dos nossos parlamentares, que revela a total falta de vergonha e dignidade e é um pontapé na cara do povo: o mandato tampão nas férias da Câmara. "45 suplentes ficarão no cargo por um mês ao custo de R$ 5 milhões". Cada um, pelo período de primeiro a 31 de janeiro/11 (em plenas férias legislativas), receberá - entre salário e outros benefícios - o total de R$ 107 mil. Entre os que assumirão o posto, "estão quatro políticos (Edir Pedro de Oliveira - RS, Celcita Pinheiro - MT, Íris Simões - PR e Romeu Queiroz - MG), que são réus na justiça sob a acusação de integrar o escândalo do mensalão ou a máfia dos sanguessugas". Os suplentes "estão sendo convocados devido à renúncia ou afastamento de 45 titulares - a maioria deixou a Câmara em 31 de dezembro para assumir secretarias nos novos governos estaduais" (Folha de S. Paulo, 05/01/11, p. A7). Eles deverão concluir o mandato dos que se afastaram. Que falcatrua bem montada! Graças a Deus, o nosso povo não é bobo! E o freio nas despesas públicas, senhor ministro, Guido Mantega? Será que vale só para as políticas públicas em benefício dos pobres? Realmente não dá para entender como aconteça tudo isso em pleno século XXI!

Precisamos abrir caminhos novos, que façam acontecer as condições objetivas, para que o modelo econômico capitalista neoliberal, injusto e desumano, seja superado. (e não consolidado, como acontece hoje, em nome da chamada governabilidade). Em nossa sociedade já existem muitos sinais de uma "outra política econômica possível". Vale a pena lutar por ela!
              Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 12/01/11, p. 18


Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra


terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Jesus, o "sem-teto" de Belém

Estamos, os cristãos católicos, no tempo litúrgico do Natal, que vai das vésperas do Natal até a festa do Batismo do Senhor, que, neste ano, celebraremos domingo, 9 de janeiro/11.
            Na Missa da noite de Natal proclamamos solenemente: "Ó noite silenciosa! O desejado chegou! A promessa foi cumprida: tempo de espera acabou! Ó noite silenciosa! Chegou-nos o Emanuel (Deus conosco)! O clamor foi atendido, nasceu justiça do céu! (…) Ó noite silenciosa! Deus enviou seu Filho! Nasceu o sol do Oriente, a luz espalha o seu brilho! A vós, ó Pai, nesta noite os servos cantam louvor. Tornados filhos no Filho, no Espírito de Amor" (Proclamação do Natal).
Segundo o relato do Evangelista Lucas, naquela época, o imperador César Augusto mandou fazer o recenseamento em todo o império. Na realidade, o recenseamento era um instrumento de dominação e de cobrança de impostos. "Todos iam registrar-se, cada um na sua cidade natal. José era da família e descendência de Davi. Subiu da cidade de Nazaré, na Galileia, até à cidade de Davi, chamada Belém, na Judeia, para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. Enquanto estavam em Belém, se completaram os dias para o parto, e Maria deu à luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou, e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria" (ou, "dentro de casa" - como alguns traduzem) (Lc 2, 3-7).
Os primeiros que receberam a Boa Notícia do nascimento de Jesus foram os pastores. "Eu anuncio a vocês a Boa Notícia, que será uma grande alegria para todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vocês um Salvador, que é o Messias, o Senhor. Isto lhes servirá de sinal: vocês encontrarão um recém-nascido, envolto em faixas e deitado na manjedoura" (Lc 2, 10-12). Os pastores foram às pressas se encontrar com Maria e José, e o recém-nascido.  Voltaram louvando e glorificando a Deus, e tornaram-se os primeiros anunciadores da Boa Notícia do nascimento de Jesus.
Quem eram os pastores? Eram pessoas "odiadas por não respeitar as propriedades alheias, invadindo-as com seus rebanhos e cobrando preços exorbitantes pelos produtos. Um pastor - segundo o Talmud babilônico - não podia ser eleito ao cargo de juiz ou testemunha nos tribunais, por causa da má fama e do desrespeito à propriedade" (Pe. José Bortolini, Roteiros homiléticos. Paulus, 2006, p. 3 - Missa da noite de Natal). Os pastores não eram, portanto, "pessoas de bem".
Jesus, diríamos hoje, nasceu como "sem-teto" e anunciou a Boa-Notícia do seu nascimento aos "sem-terra" (os pastores). Nasceu rejeitado e excluído. "Veio para a sua casa, mas os seus não o receberam" (Jo 1, 11).
O Filho de Deus, o Salvador do mundo, não só se encarnou, assumindo a nossa natureza e a nossa condição humana na história, mas tornou-se solidário - afetiva e efetivamente – com todos aqueles/as que no mundo não têm voz e não têm vez, com todos aqueles/as que não "cabem" nas casas das nossas cidades: os empobrecidos, os oprimidos, os excluídos, os indesejados, os rejeitados e   os descartados da nossa sociedade. Jesus se identificou totalmente com eles/elas, tornando-se um deles/delas.
            Se Jesus, para citar um exemplo, tivesse vindo ao mundo em Goiânia em 2005, teria nascido na Ocupação do Parque Oeste Industrial, porque não haveria lugar para ele (e para seus pais José e Maria) nas casas da cidade. Ele teria sido perseguido (como tantas outras crianças da Ocupação, que estão traumatizadas até hoje), seus pais José e Maria teriam resistido, juntamente com os companheiros/as, mas enfim - por causa da ganância dos poderosos e da conivência das autoridades (os Herodes de hoje), teria sido barbaramente despejado, juntamente com seus pais e os outros moradores/as. Talvez, quem sabe, teria sido morto à queima-roupa, como Pedro e Vagner.
            Jesus, em princípio, podia ter nascido no palácio do imperador de Roma ou em outros palácios, mas não o fez. Por quê? O que Ele quer nos dizer com isso? Qual é o sentido do Natal para nós? O que significa celebrar e reviver o Natal, hoje?
            Muitas vezes, com nossos presépios bonitos e até luxuosos, em ambientes e Igrejas com ar condicionado e todo tipo de conforto, conferimos ao Natal uma aura romântica, que não tem nada a ver com o estábulo e a manjedoura, na qual Jesus nasceu.
É verdade que Jesus veio para todos/as, mas o caminho que Ele escolheu, para anunciar ao mundo a Boa-Notícia do Reino de Deus, não foi o caminho dos poderosos (dos Herodes de ontem ou de hoje), mas o caminho dos pobres, que é um caminho alternativo.
E nós, seus seguidores/as, será que escolhemos o caminho de Jesus? Será que, em nossas Igrejas e em nossas Comunidades, não estamos, muitas vezes, demasiadamente preocupados com comportamentos que visam o poder, o luxo, a riqueza, a ostentação e o triunfalismo? Será que não procuramos legitimar tais comportamentos proferindo as palavras, hoje muito comuns, "para Deus o melhor"? O que é o melhor? Será que o melhor está no ter (e não no ser)?
Será que, em determinadas situações, não nos “prostituímos” com nossos conchavos, com nossas atitudes bajuladoras e com nossas alianças ambíguas?
Na noite de Natal cantamos com alegria: "Noite feliz! Mas, do ponto de vista meramente racional, não foi uma noite feliz. Qual é a mulher grávida que gostaria de dar à luz seu filho numa manjedoura? Nenhuma, com certeza. Seria um caso de desrespeito à dignidade humana, de marginalização e de injustiça. Mas por que, mesmo assim, cantamos: Noite feliz!? Porque temos a certeza, à luz da fé, que estamos diante do grande mistério do amor infinito de Deus para conosco. Deus nos ama "até o fim" (Jo 13, 1), até não poder mais. Como é insondável o mistério do amor de Deus para conosco! Que prova de amor Deus no deu!
Jesus passou quase toda a sua vida no anonimato, vivendo - certamente com simplicidade e naturalidade - a vida de trabalhador, a vida de carpinteiro, juntamente com José, seu pai.
Nos poucos anos de vida pública - contam os Atos dos Apóstolos – Jesus, ungido com o Espírito Santo, "andou por toda parte fazendo o bem", sempre ao lado dos mais pobres e necessitados. “E nós (os Apóstolos) somos testemunhas de tudo o que Jesus fez na terra dos judeus e em Jerusalém” (At 10, 38-39).
Mesmo, porém, “andando por toda parte fazendo o bem”, Jesus foi preso e acusado de subverter o povo (cf. Lc 23, 2), foi torturado e morto na cruz, que era a morte mais humilhante e mais vergonhosa possível. A solidariedade e a identificação com todos os rejeitados/as da nossa sociedade não podia ser maior. Ele, o Santo e o Justo, se fez bandido, se fez criminoso. Mas "Deus o ressuscitou e nós – dizem novamente os Apóstolos -  somos testemunhas disso" (At 2, 32). E é justamente por causa da Ressurreição de Jesus que, no tempo litúrgico da Páscoa, cantamos alegres: "Vitória tu reinarás, ó cruz, tu nos salvaras"!
Na última Ceia, Jesus, depois de lavar os pés dos discípulos, perguntou: "vocês compreenderam o que acabei de fazer? (…) Eu lhes dei o exemplo e vocês devem fazer a mesma coisa que eu fiz" (Jo 13, 12-15). Em outra ocasião, conversando com os discípulos, Jesus disse: “Quem de vocês quiser ser grande, deve tornar-se o servidor de vocês, e quem de vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se o servo de todos" (Mc 10, 43-44).
Podemos dizer que Jesus revolucionou todos os critérios da convivência humana. E nós? Será que queremos realmente seguir Jesus, procurando “discernir os 'sinais dos tempos' à luz do Espírito Santo” e nos colocar a serviço do Reino de Deus? (Documento de Aparecida – DA, 33).
Um dia, "enquanto ia andando, alguém no caminho disse a Jesus: 'Eu te seguirei para onde quer que fores', mas Jesus lhe respondeu: 'As raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça' (Lc 9, 57-58). E, num outro encontro com os discípulos, Jesus acrescentou: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga” (Mt 16, 24).
            Enfim, lembremos que: “O seguimento de Jesus é fruto de uma fascinação que responde ao desejo de realização humana, ao desejo de vida plena. O discípulo é alguém apaixonado por Cristo, a quem reconhece como o mestre que o conduz e o acompanha” (DA, 277).
            “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10-10).


Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 04 de janeiro de 2011



quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

O aumento salarial dos parlamentares: uma bandalheira que não pode ser esquecida

   No dia 15 de novembro/10, numa votação relâmpago, a toque de caixa e no apagar das luzes, "os parlamentares se deram um aumento salarial real que nenhum brasileiro teve" (Revista "Veja", 22 de dezembro de 2010, capa). São os crimes de "colarinho branco", são os crimes das "pessoas de bem", das pessoas que - com sorriso cínico, mas sem perder a fineza e a elegância - debocham do povo.
            O aumento salarial dos parlamentares foi uma bandalheira, uma farra, um escândalo, um verdadeiro festival de irresponsabilidades. Que vergonha!
            Embora a celeridade não seja uma das virtudes do Parlamento brasileiro, no caso em questão, foram necessários apenas vinte minutos na Câmara e menos de cinco minutos no Senado para que os deputados e senadores aprovassem um aumento de 61,83% nos próprios salários, de 136,93% no salário do presidente da República e de 148,63% no salário do vice-presidente e dos ministros de Estado. Que eficiência, quando se trata dos próprios interesses!  O novo salário entrará em vigor em primeiro de fevereiro de 2011 e todos receberão 26.723,13 reais por mês, que corresponde ao teto salarial do funcionalismo público.
            Para a votação do aumento salarial, 279 deputados federais aprovaram o regime de urgência, abrindo caminho para que o decreto legislativo fosse aprovado, primeiro, pelos deputados federais e, depois, pelos senadores. Apenas 35 deputados federais se posicionaram contra o regime de urgência. Pergunto: não são 513 os deputados federais? Em pleno dia de trabalho, 199 não se encontravam na Câmara e não votaram. Será que estavam de licença-prêmio?
            No Senado só três senadores se manifestaram contra o aumento salarial. Marina Silva (PV-AC), dizendo que seria mais correto um ajuste equivalente à inflação, como defende o PSOL, José Nery (PSOL-PA), apresentando o voto contrário do partido e Álvaro Dias (PSDB-PR), afirmando que o aumento só seria plausível se viesse com um corte das verbas de gabinete.
            Devido a aprovação do regime de urgência, "nas duas Casas, a votação foi simbólica, ou seja do tipo em que o congressista não declara seu voto. Na simbólica, quem preside a sessão anuncia: 'Aqueles que aprovam, permaneçam como estão'. Para, em seguida, emendar: 'Aprovado'" (www.congressoemlfoco.uol.com.br). Por se tratar de decreto legislativo, o texto não precisa ser enviado à sanção presidencial, expediente que permite eventuais vetos. Diga-se de passagem, o presidente-operário Lula se manifestou a favor do aumento. Será que esqueceu o sofrimento dos seus ex-companheiros?
            No site citado acima, podemos encontrar a lista completa, por Estado, dos deputados federais que apoiaram e dos que não apoiaram a votação do aumento salarial. No site www.noticias.uol.com.br, podemos encontrar essa mesma lista, por Partido. Só lembro os nomes dos deputados federais de Goiás que votaram a favor do aumento salarial: Carlos Alberto Leréia (PSDB), Luiz Bittencourt (PMDB), Marcelo Melo  (PMDB), Pedro Wilson (PT), Raquel Teixeira (PSDB) e Roberto Balestra (PP).
Não podemos esquecer tamanho oportunismo político. Vamos divulgar, alto e bom som, o nome dos que praticaram, na calada da noite e sem nenhum escrúpulo, essa falcatrua, para que todos/as tomem conhecimento. Precisamos banir da vida pública os corruptos e os aproveitadores, que - no lugar de servir ao povo - se servem do povo para seus próprios interesses. Todos os que têm senso de justiça, devem estar profundamente indignados com tudo o que aconteceu e dispostos, como nunca, a lutar na defesa dos Direitos Humanos e da Ética.
            Tem mais: Com o aumento do salário do Legislativo e os benefícios indiretos (verbas de gabinete, verbas indenizatórias para custear despesas políticas, auxílio-moradia, cotas de passagens aéreas, cotas de telefone, celulares, correios), "cada um dos 594 congressistas representa custo médio de R$ 128 mil por mês aos cofres públicos" (Folha de S. Paulo, 17 de dezembro/10, p. A7). Nem falamos aqui do custo dos deputados estaduais e dos vereadores municipais, em consequência do efeito cascata, provocado pelo aumento do salário dos deputados federais. Trata-se realmente de um verdadeiro assalto, de um verdadeiro roubo legalizado e institucionalizado.
            Quem sabe, um dia, uma Constituinte Popular estabeleça que os Políticos (que já  têm sua profissão) devem ser voluntários e que os Parlamentares não podem legislar em causa própria? O sonho pode se tornar realidade. Não podemos perder a esperança de "uma outra política possível".
            No entanto, precisamos urgentemente avaliar o que pode ser feito agora, do ponto de vista legal e constitucional, para reverter essa situação de iniquidade. Com a palavra os nossos advogados “populares”, para que nos orientem sobre o que fazer e como fazer.
            Pergunto: Se todos/as os cidadãos/ãs são iguais perante a lei - como afirma a Constituição - por que o salário mínimo tem um aumento de 6%, enquanto o salário dos políticos tem um aumento de até 148,63%? Não é inconstitucional? Por que os parlamentares não cumprem o Decreto-Lei 2.162 de 1940, que criou o salário mínimo com a finalidade de suprir as necessidades básicas do trabalhador e de sua família? Conforme estudo divulgado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócioeconômicos (Dieese), o salário mínimo deveria ser atualmente de R$ 2.047,58. Se os vencimentos dos políticos devem corresponder ao teto salarial do funcionalismo público, por que o salário mínimo não deve, pelo menos, corresponder à finalidade do Decreto-Lei que o criou? É só uma questão de opção política.
            Esse aumento do salário dos políticos "soa como um desatino e mostra o tamanho do abismo que separa a atual legislatura da sociedade, agindo, inclusive de costas para ela, a ponto de se premiar quando deveria expiar em público os próprios pecados" (Revista "Veja", 22 de dezembro de 2010, p. 76). O cientista político David Fleischer afirma: "Os parlamentares têm preocupação zero com a opinião pública. Tentaram fazer um negócio bem disfarçado, contemplando também o Poder Executivo" (Ib., p. 77).
            Segunda feira, dia 27 de dezembro/10, cerca de 100 estudantes universitários e secundaristas, indignados, ocuparam a rampa do Palácio do Planalto, protestando contra o aumento do salário dos parlamentares e reclamando da “ditadura parlamentar”. Diziam em coro: “Ô Dilma, que papelão, tem dinheiro para ministro, mas não tem para a educação” (cf. Diário da Manhã, 28/12/10. p. 13). Parabéns jovens! O Brasil  precisa muito de vocês.
            Termino com as palavras de Dom Manuel Edmilson, bispo emérito da Diocese de Limoeiro do Norte - CE, que num gesto profético - em discurso firme e coerente, proferido no Senado Federal – teve a coragem cívica de recusar a Comenda de Direitos Humanos dom Helder Câmara, conferida no dia 21 de dezembro/10. Dom Edmilson diz: "A condecoração é um atentado, uma afronta ao povo brasileiro, ao cidadão, à cidadã contribuintes para o bem de todos com o suor de seu rosto e a dignidade de seu trabalho. É seu direito exigir justiça e equidade em se tratando de honorários e de salários. Se é seu direito e eu aceitar, estou procedendo contra os Direitos Humanos. Perderia todo o sentido este momento histórico. O aumento a ser ajustado deveria guardar sempre a mesma proporção que o aumento do salário mínimo e da aposentadoria. Isto não acontece. O que acontece, repito, é um atentado contra os Direitos Humanos do nosso povo" (Discurso durante sessão no Senado, 21 de dezembro/10).
                          Diário da Manhã , Opinião Pública, Goiânia, 29/12/10, p. 18



Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos