sexta-feira, 20 de abril de 2012

Irmã Katherine: uma santa de nossos dias

No dia 9 desse mês de abril/12, segunda feira na oitava da Páscoa e primeiro dia do Tempo Pascal, faleceu, na Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, a Irmã Katherine Marie Popowich, missionária da Congregação Irmãs de São José de Rochester, com 84 anos de idade e 66 anos de vida religiosa. Ela, cuja vida foi uma caminhada pascal, “completou sua Páscoa”, chegou à Páscoa definitiva, à plenitude da Páscoa. Na Igreja da Comunidade Jesus de Nazaré do Jardim Curitiba II, durante o velório, na Missa de corpo presente e na Missa de 7º dia, ouvimos emocionados - de pessoas que conheceram e conviveram com a Irmã Katharine - muitos testemunhos de apreço sobre a religiosa missionária, que nos edificaram a todos/as. Ela era realmente uma pessoa de profunda sensibilidade humana, uma verdadeira discípula missionária de Jesus, que viveu a radicalidade evangélica. A Irmã Katherine “foi uma das fundadoras da missão das Irmãs de São José de Rochester no Brasil, chegando ao Brasil em 1964, em resposta ao chamado do Vaticano II que convidou Congregações Religiosas para mandar Irmãs para servir na America Latina. Durante 48 anos, ela conviveu com o povo em Paranaiguara, São Simão, Cachoeira Alta e Goiânia - GO, e Uberlândia - MG. Em seu grande amor pela Congregação, ela iniciou os encontros nacionais e internacionais das Irmãs de São José e serviu como presidente da CRB (Conferencia dos Religiosos do Brasil - GO) nos anos 90”. Chegando no Brasil, a religiosa missionária “iniciou seu ministério como professora e diretora nas Escolas Municipais de Paranaiguara, onde a educação ainda se encontrava em fase inicial, e como agente de pastoral na Diocese de Jataí, permanecendo nesta Diocese até 1984, quando foi transferida para Uberlândia - MG. Desde 1989 tem se doado a serviço do povo nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) nos bairros de Nova Esperança, Jardim Curitiba, na região Noroeste da cidade de Goiânia conhecida como ‘Alto da Poeira’". A Irmã Katherine - que era usuária do SUS - “foi uma militante apaixonada e grande defensora do Sistema Único de Saúde (SUS), tendo servido no Conselho Municipal de Saúde por muitos anos, se afastando de suas atividades como Conselheira em dezembro de 2011. Ela serviu como presidente do Conselho Municipal de Saúde de Goiânia em 2000-2001. Contribuiu para que fosse construída a Maternidade Nascer Cidadão, no Jardim Curitiba III, com uma proposta alternativa de parto humanizado. Lutou também pela Maternidade Dona Íris e pelo CAPS na Vila Mutirão. Ela sempre incentivou os outros usuários e usuárias a participarem do Conselho Municipal de Saúde e de Conselhos locais” (Falecimento da Irmã Katherine em Goiânia: http://www.isjbrasil.com.br/index.php?page=noticia&id_noticia=706 - 10/04/12). O SUS, que em teoria é um dos melhores planos de saúde pública, na prática - pela falta de infra-estrutura adequada, de recursos humanos e financeiros - é ainda muito precário e longe do ideal de saúde pública sonhado pela Irmã Katherine. Mesmo nessas condições, existem nas Unidades de Saúde Pública muitas pessoas (médicos/as, enfermeiros/as e outros agentes de saúde) que trabalham com dedicação e amor a serviço do povo. A Irmã Katherine acreditava que é possível uma política de saúde pública fraterna e de qualidade para todos/as. E é por isso que, com muita garra, a religiosa missionária ajudou a consolidar o SUS em Goiânia e a implantar a Maternidade Nascer Cidadão. Fraternidade e saúde pública, diz a Campanha da Fraternidade 2012. Entre as diversas homenagens que a Irmã Katherine recebeu, a de Madrinha da Maternidade Nascer Cidadão foi a que mais a emocionou. Em sua última entrevista à Prefeitura de Goiânia, ela disse: "Para quem auxiliou na implantação da Maternidade Nascer Cidadão e dedicou muito a quem precisa, é um grande privilégio poder ser homenageada por Goiânia e o que é melhor, representando as mulheres da região’’ (http://www.prefeituragoiania.stiloweb.com.br/site/goianianoticias.php?tla=2&cod=6351 - 11/04/12). A Irmã Katherine era uma mulher pioneira, que encorajava, cutucava e incentivava a todos/as. Ela se identificava com a Igreja das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs): uma Igreja simples, fraterna, evangélica, toda ministerial (servidora) e Povo de Deus. Nestes últimos tempos, a religiosa missionária foi a pessoa que mais divulgou o Documento 92 da CNBB: Mensagem ao Povo de Deus sobre as Comunidades Eclesiais de Base, resumindo o Documento e traduzindo-o numa linguagem acessível. “A ultima imagem de Irmã Katherine - diz a Irmã Elenice Buoro - que guardo no coração e na retina é a de uma peregrina subindo com dificuldade, mas com persistência, a rampa do Santuário de Trindade, no dia 27 de outubro de 2011, na caminhada das CEBs, apoiada de um lado numa Irmã e do outro segurando-se no corrimão. Imagem certamente do que foi sua vida: Uma busca constante e persistente de Deus junto com os irmãos e irmãs, em Comunidade, para fazer acontecer o Reino, sobretudo junto dos mais pobres e excluídos” (Falecimento da Irmã Katherine em Goiânia. Site citado). Como falei no velório e na Missa de 7º dia, entre as muitas virtudes e qualidades da Irmã Katherine, destaco três: a serenidade de uma mulher de Deus, de muita fé e sempre sorridente; a firmeza de uma mulher forte, corajosa, guerreira, uma verdadeira profetisa, que denunciava as situações de injustiça e de violação dos direitos humanos, mas que também - entranhadamente solidária com os empobrecidos, oprimidos e excluídos - lutava para mudar estas situações; e a sabedoria do Espírito Santo que - fascinada por Jesus de Nazaré e seu projeto de vida - a impelia a estar sempre atenta aos sinais dos tempos como apelos de Deus e, em sintonia com a vida e o sofrimento do nosso povo, a tornava capaz de dar o conselho certo na hora certa. Por ter tido a felicidade de conhecer a Irmã Katherine e de conviver com ela em diversos momentos - que foi uma experiência muito enriquecedora - posso, sem nenhuma dúvida, afirmar que a Irmã Katherine é uma santa dos nossos dias e pedir: Santa Katherine, Roga pelo nosso povo! Roga pela Igreja! Roga por nós! (Mais notícias sobre a Irmã Katherine nos sites: http://www.saude.goiania.go.gov.br/html/noticia/12/01/especialkhaterine.shtml http://www.arquidiocesedegoiania.org.br/site/donwloads/cadernosaude.pdf e no livro: Margaret Brennan, SSJ. A Boa Chuva. As Irmãs de São José de Rochester no Brasil - 1964-2004. Edição em português, Goiânia - GO, 2006) Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 20/04/12, p. 06 http://www.dmdigital.com.br/novo/#!/view?e=20120420&p=26 http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=66247 http://marujo-do-caete.blogspot.com.br/ http://minutonoticias.com.br/irma-katherine-uma-santa-dos-nossos-dias http://correiodobrasil.com.br/irma-katherine-uma-santa-dos-nossos-dias/437253/ Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) Prof. de Filosofia da UFG aposentado Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos (Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO) Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Páscoa: uma reflexão teológico-pastoral

A Páscoa - passagem da morte para a vida (vida de ressuscitados, vida nova em Cristo, vida segundo o Espírito) - acontece no mundo na medida em que o ser humano se humaniza, naturalizando-se (vivendo em comunhão com a natureza e suas formas de vida) e o mundo se naturaliza, humanizando-se (vivendo em comunhão com o ser humano e sua forma de vida). A Páscoa, podemos dizer, é a utopia de um humanismo naturalizado e de um naturalismo humanizado, acontecendo. "A criação toda geme e sofre dores de parto até agora. E não somente ela, mas também nós, que possuímos os primeiros frutos do Espírito, gememos no íntimo, esperando a adoção, a libertação para nosso corpo” (Rm 8, 22-23).
O ser humano - como tudo o que existe - é um ser-no-mundo (a mundanidade é constitutiva do ser humano e de todos os seres). O ser humano, porém, sabe (tem consciência) que é um ser-no-mundo (a consciência é constitutiva do ser humano). Por isso, ele é também um ser-com-o-mundo (material e vivente), com-os-outros (semelhantes) e com-o-Outro absoluto” (Deus). A alteridade mundana (cósmica), a alteridade humana e a alteridade divina são as dimensões e relações fundamentais do ser humano. Elas se desdobram em muitas dimensões e relações e constituem sua identidade. O ser humano, portanto, é um ser pluridimensional e pluri-relacional.
As dimensões e relações do ser humano são históricas, situadas (no espaço) e datadas (no tempo). Sendo históricas, elas são estruturais (sociais, econômicas, políticas, ecológicas, culturais) e individuais ou interindividuais (corpóreas - incluindo a sexualidade -, bio-psíquicas, espirituais ou pessoais). Toda dimensão e relação marca o ser humano todo, mas não é a totalidade do ser humano.
Fazer acontecer a Páscoa (passagem) significa humanizar naturalizando e naturalizar humanizando as dimensões e relações do ser humano no mundo. Significa fazer acontecer o Amor em todas essas dimensões e relações. Significa passar, sempre mais, de uma vida de desamor (egoísmo) para uma vida de amor.
Quando afirmamos que Deus é Amor, afirmamos, em primeiro lugar, que Deus é. "Eu sou Aquele que sou” (Ex 3, 14). Deus é a plenitude do Ser. O ser humano (homem e mulher) - como tudo o que existe - é, porque Deus é. Deus é a fonte do ser nos seres. "Nele vivemos, nos movemos e existimos” (At, 17, 28).
Cada um de nós pode dizer: Eu sou "eu" antes que alguém possa entrar em contato comigo, mas eu não sou "eu" (no sentido estrito do verbo ser) sem a "presença ontológica" (em linguagem filosófica) ou a "presença criadora” (em linguagem teológica) de Deus que me "põe" no ser, como "põe" no ser tudo o que existe. Neste sentido, Deus é mais íntimo a mim do que eu mesmo (cf. Santo Agostinho, Confissões, III, 6, 11). "Quando eu me torno presente, 'íntimo', a mim mesmo, Deus, de certo modo, 'já' está em mim: presente em mim antes de mim mesmo" (L. Podeur. Imagem moderna do mundo e Fé cristã. Paulinas, São Paulo, 1977, p. 127). A "presença ontológica" ou a "presença criadora” de Deus atinge o real por dentro e não por fora; é nisso que se funda toda relação para com Deus. Pela "presença ontológica" ou "presença criadora”, "Deus está no mais profundo da realidade; ele é o fundo, porque é o fundamento transcendente (absoluto) de tudo" (Ib. p. 128).
Em segundo lugar (em sentido lógico e não cronológico), depois de afirmar que Deus é, afirmamos que Deus é Amor (cf. 1Jo 4, 8). O amor é a natureza de Deus, é o ser de Deus. Ora, o ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus, por amor e para amar, e, portanto, ele também é amor". Deus disse: ‘façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança’” (Gn 1, 26). O amor - que é a natureza de Deus - é também a natureza do ser humano, é o ser do ser humano. "O amor é o meu peso. Para qualquer parte que vá, é ele quem me leva” (S. Agostinho. Confissões, XIII, 9).
O que significa para o ser humano ser amor? O amor define e envolve a totalidade do ser humano no mundo, a totalidade de sua existência, em todas as suas dimensões e relações, para com o mundo (material e vivente), para com os outros (semelhantes) e para com o Outro absoluto (Deus), no mundo. O ser humano existe para amar, é a sua condição existencial. "Somos o que amamos” (S. Agostinho. Cidade de Deus, XIV, 28), isto é, nossa essência está definida pelo que amamos.
Mas o que é realmente amar? Amar é a vocação ontológica do ser humano, ou seja, a vocação do ser humano enquanto ser humano. Amando, o ser humano encontra o verdadeiro sentido da vida; amando, ele é feliz, realizado. "Ama e faze o que quiseres. Se te calas, cala-te movido pelo amor; se falas em tom alto, fala por amor; se corriges, corrige por amor; se perdoas, perdoa por amor. Tem no fundo do coração a raiz do amor: dessa raiz não pode sair senão o bem!" (S. Agostinho. Comentário à Primeira Carta de João, VII, 8).
E o que significa amar? Se amar é a vocação ontológica do ser humano, amar significa "ser mais”, significa ser sempre mais ser humano e viver sempre mais intensamente (profundamente) sua humanidade, em todas as dimensões e relações. O ser humano é um "vir-a-ser”, um ser de busca permanente.
A vocação ontológica se constitui (se realiza) e acontece na história (no tempo e no espaço). Há uma dialeticidade, ou, em outras palavras, uma interação entre o ontológico e o histórico. Podemos dizer que o ser humano é enquanto histórico e é histórico enquanto é. A vocação ontológica do ser humano torna-se vocação histórica. O ser humano é chamado (permito-me criar uma palavra) a "amorizar” o mundo e a sociedade na qual ele vive, isto é, a impregnar esse mundo e essa sociedade de amor.
A Páscoa acontece onde o Amor acontece. Sejamos, hoje, os agentes da Páscoa, até a Páscoa definitiva.

(Veja também o meu Artigo: A festa do Divino Pai Eterno. Uma reflexão teológico-pastoral.
Em Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 02/07/11, p. 4, ou em: http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?lang=PT&img=N&cod=58062;http://www.diocesedecaxias.org.br/conteudo_artigos.php?cod_artigo=504;http://www.claudiocarvalhaes.com/uncategorized-pt-br/a-festa-do-divino-pai-eterno-uma-reflexao-teologico-pastoral/.
No presente escrito, retomo algumas reflexões desse Artigo).

Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 13/04/12, p. 02

http://www.dmdigital.com.br/novo/?ref=dmsite#!/view?e=20120413&p=18
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=65974


Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG aposentado
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Tempo Pascal

O Ano Litúrgico “compreende dois tempos fortes: o Ciclo Pascal, tendo como centro o Tríduo Pascal, a Quaresma como preparação e o Tempo Pascal como prolongamento; o Ciclo do Natal, com sua preparação no Advento e o seu prolongamento até a festa do Batismo do Senhor. Além destes dois, temos o Tempo Comum” (CNBB, Guia Litúrgico-Pastoral. Edições CNBB, p. 11).
O Tríduo Pascal da Paixão e Ressurreição do Senhor começa na 5ª feira santa à noite (depois do por do sol), com a Celebração da Ceia (mandamento do amor, lava-pés) e vai até à tarde do domingo da Páscoa da Ressurreição com as Vésperas. O Tríduo Pascal (o Cristo Crucificado, Sepultado e Ressuscitado) é o ápice do Ano Litúrgico porque celebra a Morte e a Ressurreição do Senhor, “quando Cristo realizou a obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus pelo seu mistério pascal, quando morrendo destruiu a nossa morte e ressuscitando renovou a vida” (Normas sobre o Ano Litúrgico e o Calendário - NALC, 18).
O Tempo Pascal é de 50 dias, entre o domingo da Ressurreição e o domingo de Pentecostes. É o tempo da alegria e da exultação, um só dia de festa, “um grande domingo”. São dias de Páscoa e não após Páscoa (cf. NALC, 22). “Os oito primeiros dias do tempo pascal formam a oitava da Páscoa e são celebrados como solenidades do Senhor” (NALC, 24). “Ressuscitados com Cristo, cantamos sua glória, sua vitória sobre a morte. O ‘aleluia’ volta a ressoar em nossos lábios, invadindo todo o nosso ser com ardor sempre crescente, pois ‘as coisas antigas já se passaram, somos nascidos de novo’” (CNBB, Guia Litúrgico-Pastoral, p. 88).
A solenidade da Ascensão, no Brasil, é celebrada no 7º domingo da Páscoa. A semana seguinte, até Pentecostes, caracteriza-se pela preparação à celebração da vinda do Espírito Santo. Em sintonia com as outras Igrejas cristãs, nesta semana realizamos no Brasil a “Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos” (cf. Diretório Ecumênico, 22 e 24).
Para os cristãos, a Páscoa (até a Páscoa definitiva) é o acontecimento histórico central. Celebrar ou fazer a memória da Páscoa (Mistério Pascal) significa torná-la presente no mundo de hoje, vivenciá-la em todas as dimensões da vida humana e cósmica. A Liturgia é a celebração da Vida no Mistério Pascal e, ao mesmo tempo, a celebração do Mistério Pascal na Vida. A espiritualidade é - em seu sentido mais profundo - espiritualidade pascal. Vejamos o porquê.
Em primeiro lugar (no sentido lógico e não cronológico), a espiritualidade é o jeito “humano” de ser do ser humano e envolve o ser humano todo, em todas as suas dimensões e relações. Ela perpassa, impregna e absorve a totalidade do ser humano, a totalidade de sua existência.
Como, porém, o ser humano, por ser histórico (situado e datado), é um "vir-a-ser" e um ser de busca permanente, ele pode - ao longo de sua vida no mundo e na sociedade - adquirir uma profundidade e intensidade sempre maior na vivência do "humano", até o fim da vida. Portanto, a espiritualidade é, antes de tudo, espiritualidade humana. Ser espirituais significa ser “humanos”, viver a humanidade em graus crescentes de profundidade e intensidade. Nunca ninguém exagera em ser “humano”, nunca ninguém é “humano” demais.
Para os cristãos, à luz da fé, a espiritualidade humana é espiritualidade cristã. Não pode, porém, ser espiritualidade cristã se não for primeiro (sempre no sentido lógico e não cronológico) espiritualidade humana. A espiritualidade cristã é uma espiritualidade radicalmente humana. Os cristãos, em nome de sua fé, não têm o direito de ser omissos, mas devem estar sempre na linha de frente em todas as lutas que visam tornar a sociedade e o mundo mais humanos.
“As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos seres humanos de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração” (Concílio Vaticano II. A Igreja no mundo de hoje - GS, 1). Trata-se de uma solidariedade (compaixão) entranhável dos cristãos com toda a humanidade. Na prática e não só na teoria, os cristãos deveriam ser, por assim dizer, especialistas em humanidade.
Os cristãos acreditam que "o mistério do ser humano só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado. (…) Cristo manifesta plenamente o ser humano ao próprio ser humano e lhe descobre a sua altíssima vocação" (GS, 22). "Todo aquele que segue Cristo, o Homem perfeito, torna-se ele também mais ser humano" (GS, 41). "A razão principal da dignidade humana consiste na vocação do ser humano para a comunhão com Deus" (GS, 19). "A fé esclarece todas as coisas com luz nova. Manifesta o plano divino sobre a vocação integral do ser humano. E por isso orienta a mente para soluções plenamente humanas" (GS, 11).
Reparem que o texto não diz “soluções não somente humanas, mas também sobrenaturais” (visão dualista da vida humana), mas diz “soluções plenamente humanas”. Para os cristãos, o plenamente humano inclui a dimensão da fé. O cristianismo é um humanismo pleno, um humanismo radical. Pela fé, os cristãos descobrem sempre mais claramente o verdadeiro sentido da vida (na história), até o seu pleno, último e definitivo sentido (na meta-história).
Pela centralidade da Páscoa na vida dos cristãos, a espiritualidade cristã é, pois, espiritualidade pascal: cristológica, pneumatológica e trinitária (comunitária - eclesial). Viver a espiritualidade pascal significa viver como Jesus viveu, morrer como Jesus morreu, ressuscitar como Jesus ressuscitou. Em outras palavras, viver a espiritualidade pascal significa fazer acontecer a Páscoa de Jesus na vida pessoal, na história humana e no mundo todo. A Páscoa (o mistério pascal), que é passagem da morte (e de tudo o que a morte significa) para a vida (vida nova em Cristo, vida segundo o Espírito) é uma realidade dinâmica (processual), que impregna a totalidade da existência humana no mundo.
Para os cristãos, a vida é uma caminhada pascal, que faz o Reino de Deus acontecer, até a Páscoa definitiva, que é a plenitude do Reino de Deus, a plenitude da Vida e da Felicidade. Que a nossa espiritualidade seja realmente - e sempre mais - espiritualidade pascal!

Obs.: Veja também o meu artigo Espiritualidade pascal: no Diário da Manhã, 21/04/11, p. 15, ou no link: http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?lang=PT&img=N&cod=55841.

Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 01/04/12, p. 07

http://www.dmdigital.com.br/novo/?ref=dmsite#!/view?e=20120401&p=23
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=65643


Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG aposentado
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
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Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
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sexta-feira, 23 de março de 2012

Por uma política de saúde pública fraterna

A Campanha da Fraternidade - CF 2012 tem como tema: Fraternidade e
saúde pública e como lema: Que a saúde se difunda sobre a terra (cf. Eclo 38, 8). O grande desafio da CF deste ano é ajudar as pessoas a tomar consciência da necessidade de uma política de saúde pública fraterna: uma utopia possível.

Como afirma Dom Odilo Pedro Scherer, cardeal arcebispo de S. Paulo, na CF 2012, “o olhar está voltado para o acesso aos serviços, para as políticas em saúde pública, os atendimentos médicos e hospitalares, a falta de acesso a medicamentos. A situação está muito séria na adequação do SUS. Os pobres, que não têm possibilidade de ter plano de saúde, dependem de um sistema de saúde deficitário, que está longe de atender os requisitos básicos. A saúde vai muito mal no Brasil” (Folha de S. Paulo. Entrevista da 2ª, 05/03/12, p. A16).
Em 3 de março/12, o Ministério da Saúde divulgou um relatório de avaliação do SUS, no qual a nota média ficou em 5,4. Perguntado sobre o relatório, Dom Odilo afirmou: “(O SUS) foi muito mal avaliado. Não basta que poucos tenham condições de ter acesso a ótimos hospitais. É uma questão de fraternidade, solidariedade, levantar a questão, reclamar, mostrar a situação real nos grotões do país, nas periferias das grandes cidades. E não é só isso. A saúde pública vive um processo de terceirização, de comercialização” (Ib.). E, fazendo duras críticas às Organizações Sociais - OS (que em princípio - dizem - seriam entidades privadas sem fins lucrativos que administram serviços públicos a partir de parcerias com o governo), afirmou ainda: ”Na medida em que se terceiriza os serviços de saúde, vira comércio, eles acabam sendo submetidos às leis de mercado. Isso pode comprometer o atendimento dos pacientes. Saúde é um bem público, um direito básico, fundamental. Impostos são recolhidos para esse fim” (Ib.).
O Hino da CF 2012 retrata muito bem a situação desumana e antiética em que se encontra a saúde pública. Meditemos!

1. Ah! Quanta espera, desde as frias madrugadas,
Pelo remédio para aliviar a dor!
Este é teu povo, em longas filas nas calçadas,
A mendigar pela saúde, meu Senhor!

Tu, que vieste pra que todos tenham vida, (Jo 10, 10)
Cura teu povo dessa dor em que se encerra;
Que a fé nos salve e nos dê força nessa lida, (Mc 5, 34)
E que a saúde se difunda sobre a terra! (Cf. Eclo 18, 8)

2. Ah! Quanta gente que, ao chegar aos hospitais,
Fica a sofrer sem leito e sem medicamento!
Olha, Senhor, a gente não suporta mais,
Filho de Deus com esse indigno tratamento!

3. Ah! Não é justo, meu Senhor, ver o teu povo
Em sofrimento e privação quando há riqueza!
Com tua força, nós veremos mundo novo, (Cf. Ap 21, 1-7)
Com mais justiça, mais saúde, mais beleza!

4. Ah! Na saúde já é quase escuridão,
Fica conosco nessa noite, meu Senhor, (Cf. Lc 24, 29)
Tu que enxergaste, do teu povo, a aflição
E que desceste pra curar a sua dor. (Cf. Ex. 3, 7-8)

5. Ah! Que alegria ver quem cuida dessa gente
Com a compaixão daquele bom samaritano. ( Lc. 10, 25-37)
Que se converta esse trabalho na semente
De um tratamento para todos mais humano!

6. Ah! Meu Senhor, a dor do irmão é a tua cruz!
Sê nossa força, nossa luz e salvação! (Cf. Sl. 27, 1)
Queremos ser aquele toque, meu Jesus, (Cf. Mc. 5, 20-34)
Que traz saúde pro doente, nosso irmão!

Como já disse no artigo Tempo da Quaresma (Diário da Manhã, Opinião Pública, 24/02/12, p. 4), com a CF 2012, a Igreja deseja SENSIBILIZAR a todos e a todas “sobre a dura realidade de irmãos e irmãs que não têm acesso à assistência da Saúde Pública condizente com suas necessidades e dignidade”; REFLETIR sobre essa realidade, “que clama por ações transformadoras” e MOBILIZAR “por melhoria no Sistema Público de Saúde”. “A conversão pede que as estruturas de morte sejam transformadas” (CF 2012. Texto-Base, p. 9 e 12). Lutemos por uma política de saúde pública fraterna e de qualidade para todos/as.

Sobre a realidade da saúde pública, leia também os meus artigos:

1.Uma saúde pública criminosa (Diário da Manhã, Opinião Pública, 11/06/11, p, 3).
2.As mortes do sistema público de saúde: quem vai responder por elas? (Ib. 09/07/11, p. 3)
3.O Ipasgo e o descaso com a saúde pública (Ib. 08/08/11, p. 4).
4.O ‘corredor da morte’ dos pobres (Ib. 17/08/11, p. 6).
5.Um descaso inadmissível e injustificável (Ib. 04/11/11, p. 7).
6.Saúde pública: uma situação de violência permanente (Ib. 27/01/12, p. 6).

Obs.: Os artigos foram publicados também no site www.adital.com.br (todos), no site www.direitoshumanos.etc.br (três), no site www.correiocidadania.com.br (um) e em outros sites ou blogs.

Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 23/03/12, p. 06


http://www.dmdigital.com.br/novo/?ref=dmsite#!/view?e=20120323&p=22 http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=65404



Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
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terça-feira, 20 de março de 2012

Educação pública estadual: Solidariedade aos professores em greve

Em março de 2011, no artigo “O descaso na educação pública estadual” (Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 25/03/11, p. 3) retratei a situação de calamidade pública em que se encontram muitas escolas estaduais, afirmando que a estrutura física das escolas, a qualificação dos professores e a questão dos salários influenciam decisivamente na qualidade do ensino e do aprendizado. Passou um ano e a situação continua a mesma.
Como já lembrei no artigo citado, a Constituição Federal diz que os Estados e os Municípios devem aplicar anualmente “vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino” (Art. 212). Reparem: a Constituição Federal reza: “no mínimo”. Isso quer dizer que, se houver necessidade, o Estado pode e deve aplicar mais.
A Constituição Federal diz também que o direito à educação, entre outros direitos, deve ser assegurado à criança e ao adolescente, “com absoluta prioridade” (Art. 227). Ora, se o direito à educação deve ser assegurado “com absoluta prioridade”, mesmo que faltem verbas para outras obras, nunca deveriam faltar para a educação. Em caso contrário, não se trataria de “absoluta prioridade”. É uma questão de lógica.
Falando da educação, a Constituição Federal diz ainda: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Art. 205).
A greve na Rede Estadual da Educação começou no dia 6 de fevereiro/12 e, só depois de um mês, aconteceram as primeiras negociações entre o governo e os educadores. Isso demonstra o descaso e a falta de responsabilidade do Poder Público para com a educação.
Nas negociações, a proposta do governo do Estado foi de formar uma comissão que teria o prazo de 40 dias para apresentar as modificações ao plano de carreira dos professores que contemplem “a gratificação de titularidade, gratificação de desempenho e avaliações”.
Em assembleia, realizada no dia 8 de março/12, os educadores estaduais não aceitaram a proposta do governo e decidiram continuar a greve. “Segundo os trabalhadores, não há garantias em relação ao retorno da gratificação de titularidade, extinta no final do ano passado, quando foi incorporada ao vencimento do trabalhador para atingir o valor do piso nacional”. E, além disso, o prazo de 40 dias, exigido pelo governo estadual para apresentar soluções, é longo demais.
Iêda Leal, presidente do Sintego, afirmou: “A categoria entendeu que ainda não há uma proposta que responda as nossas reivindicações, portanto a greve continua. Continuaremos lutando pelos nossos direitos adquiridos e em negociação com o governo”
(http://www.sintego.org.br/site/#[ajax]noticia&id=820).
Falando que a busca de qualificação profissional pode ser comprometida com a extinção da gratificação de titularidade do Plano de Cargos e Salários dos profissionais da Educação do Estado (a principal reclamação dos professores), o professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG), Ged Guimarães (ao contrário do que afirmou o secretário estadual da Educação Thiago Peixoto sobre a distância entre o que se aprende na academia e a sala de aula) diz que “’as questões ligadas ao chão da escola’ serão melhor pensadas pelo professor quando ele tiver mesmo uma formação teórica eficiente. Segundo o professor, quando o profissional estuda, ele melhora a visão do mundo e tem condições de pensar sua realidade de forma crítica. ‘Se isso não ocorre, ele começa apenas a repetir o que vê na TV, o que ouve do colega e o que lê no livro’” (O Popular, 11/03/12, p. 5).
A greve dos educadores - com sua pauta de reivindicações - é justa e legítima. Recebeu de movimentos, entidades e pessoas da sociedade civil inúmeras moções de indignação e repúdio às ações do governo, e de apoio e solidariedade aos professores. Cabe ao governo estadual tomar consciência de sua responsabilidade, valorizar os professores e dialogar com eles, em busca de soluções para uma educação pública de qualidade.
Termino o meu escrito com o desabafo do professor Pedro (nome fictício), que recebi por e-mail. Falando da greve dos professores, que resultou da votação do final de 2011 na Assembléia Legislativa, em relação à carreira dos professores, afirma: “Foi um duro golpe em nossas expectativas, pois todos já computavam um aumento de salário com a promessa de pagamento do piso salarial. Não foi o que aconteceu. Não tivemos aumento e ainda ficamos sem um plano de carreira. Não vi vantagens na meritocracia para quem está tão por baixo, poderia até ser bom se já estivéssemos em um patamar aceitável. A incorporação da gratificação não trouxe nenhum benefício para quem tinha lutado para conquistá-la. Outra questão foi a maneira como esta lei foi aprovada, sem nenhuma análise por parte dos deputados. Nem o relator deputado Francisco Jr. leu (o texto da lei) e deu parecer favorável sem nenhuma ressalva em apenas dez minutos. Um absurdo! Isto demonstra a falta de compromisso dos deputados com a sociedade. Três já arrependeram de terem acreditado no secretário e no relator naturalmente, e disseram que foram enganados. Como isso é possível? Não lêem o que assinam ou aprovam. Particularmente fiquei decepcionado com o posicionamento do Francisco Jr., de quem esperava atitudes diferentes daquelas corriqueiras e praticadas por seus colegas”. Sem comentários!
Uma outra educação é possível! Lutemos por ela.


Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 16/03/12, p. 03

http://www.dmdigital.com.br/novo/?ref=dmsite#!/view?e=20120316&p=19
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=65226


Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

terça-feira, 13 de março de 2012

Práticas públicas antiéticas

No final de janeiro deste ano de 2012, foram amplamente divulgadas pela imprensa práticas públicas de membros do Poder Executivo Federal, que são descaradamente antiéticas e que deixam a todos/as - os/as que têm responsabilidade social - profundamente indignados/as. Vejam o que diz a imprensa.
“Ministros e vice gastam R$16,6 mi com jatinhos. Valor se refere a 10 meses de transporte para casa e para missões oficiais. Apenas um ministro aderiu ao decreto de 2009, que permite às autoridades pegar voos comerciais para casa” (Folha de S. Paulo, 29/01/12, p. A12 - Manchetes).
A reportagem, explicitando as manchetes, afirma: “Os ministros de Dilma Rousseff e o vice Michel Temer gastaram, em dez meses de 2011, R$ 16,6 milhões com viagens em aviões da FAB para missões oficiais ou em deslocamentos para casa. A Folha teve acesso às planilhas de voo de todos os ministros, com dados inéditos sobre horários de partida, custos, roteiros e datas. O cruzamento dos dados revela que muitas aeronaves decolam em horários próximos, com o mesmo destino, cada uma com um ministro a bordo. Em muitos casos foi desrespeitada a orientação da presidenta para que os voos fossem compartilhados. Apenas 2,4% dos deslocamentos seguiram essa orientação”.
Diz ainda a reportagem: “A maior parte dos ministros vai para casa de jatinho nos finais de semana. Dos R$ 16,6 milhões, R$ 5,5 milhões foram gastos neste tipo de trajeto. Nesses casos, o jatinho precisa fazer até quatro viagens. Normalmente a aeronave leva o passageiro na quinta ou na sexta e retorna para Brasília; depois, volta para buscá-lo na segunda. (...) O ministro Fernando Pimentel, por exemplo, gastou R$ 920 mil com jatinhos da FAB, sendo R$ 381 mil em 37 deslocamentos para casa (Belo Horizonte) nos finais de semana. As viagens de Ideli Salvatti (Pesca e depois Relações Institucionais) custaram R$ 550 mil, sendo R$ 390 mil para Santa Catarina”.
A reportagem “identificou 169 voos em horários próximos, com o mesmo destino. Exemplo: em 6 de junho partiram duas aeronaves de Brasília com destino a São Paulo, uma para buscar Temer e outra para o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Um Legacy de 12 lugares decolou às 7h20, enquanto um Embraer ERJ-145, de 36 poltronas, levantou voo às 7h30. O Legacy decolou de volta a Brasília às 9h55, transportando o vice. Cinco minutos mais tarde, o Embraer ERJ-145 partiu de São Paulo com Mantega”.
A reportagem constata também que “os registros da FAB apontam 16 voos de Temer em horários próximos aos de ministros. (...) O transporte dos ministros e do vice exige a operação de 14 aeronaves. Os seis luxuosos Legacy, com 12 lugares, respondem por 55% dos vôos”.
Até a ministra da Secretaria de Direitos Humanos Maria do Rosário (quem diria!) “fez 17 visitas a Porto Alegre, onde já disputou a prefeitura”. Segundo a mesma reportagem “uma viagem de jatinho de Brasília a Porto Alegre, por exemplo, custa R$ 34 mil, enquanto uma passagem aérea comercial de ida e volta não passa de R$ 1.500” (Ib. p. A12).
O Executivo Federal é uma verdadeira corte; o vice-presidente e os ministros são os “príncipes dessa corte”, que tem sede em Brasília. Pergunto: Por que tanto abuso de poder? Por que tanta mordomia às custas do contribuinte? Que afronta ao povo trabalhador, tão sofrido! Que irresponsabilidade! Que descaramento! Que comportamento antiético!
E as desculpas para tentar justificar esse comportamento acintoso. Vejam só: cumprimento dos dispositivos do decreto sobre o transporte aéreo de autoridades; aspectos econômicos e de segurança; poucos vôos diários diretos; possibilidade de ida e volta no mesmo dia; viagens a trabalho; necessidades da agenda e reuniões internas com horário marcado (Cf. Ib.).
Que desculpas esfarrapadas! Será que o vice-presidente e os ministros acham que o povo é bobo? Que se mude o decreto, que se reveja o conceito de segurança, que se reprograme a agenda de trabalho e que se mude o horário das reuniões internas! É só querer e encarar os cargos públicos como um serviço ao bem comum, ou seja, ao bem de todos e de todas (principalmente dos mais necessitados), e não como uma oportunidade para aparecer e se autopromover. Presidenta Dilma, assuma sua responsabilidade e mude essa situação vergonhosa. È o que todos e todas almejamos e esperamos ver um dia.
Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br


Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 09/03/12, p. 06

http://www.dmdigital.com.br/novo/#!/view?e=20120309&p=22
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=65025

quinta-feira, 8 de março de 2012

"Federalização já!"

Abaixo- assinado ”Federalização já!”
À Ministra Professora Maria do Rosário Nunes, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
Ao Ministério da Justiça, ao Supremo Tribunal Federal, ao Ministério Publico Federal, ao Congresso Nacional e a quantos possa interessar

O objetivo do Abaixo-assinado é: pedir a “Federalização já” do despejo forçado da Ocupação “Sonho Real”, com cerca de 14 mil moradores, acontecido em 16 de fevereiro de 2005 (Goiânia - GO) e da Ocupação Pinheirinho, com cerca de 7 mil moradores, acontecido recentemente em 22 de janeiro de 2012 (S. José dos Campos - SP). Trata-se de crimes bárbaros, de lesa-humanidade.
A fundamentação do Abaixo-assinado se encontra no Artigo Sete anos do “Sonho Real”: até quando a impunidade?
As pessoas - do Brasil, da América Latina e do mundo - que concordarem com o conteúdo do Artigo, subscrevam o Abaixo-assinado.
(Leiam o Artigo e assinem! É muito importante!).

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Sete anos do “Sonho Real”: até quando a impunidade?

“Apesar da lei, do poder e das sentenças dos juízes, eu creio na Justiça”
(Geraldo Neiva, Juiz de Direito - www.gerivaldoneiva.com - 23/01/12)

Dia 16 de fevereiro de 2005. Sete anos se passaram. O “Sonho Real”, que - em outras palavras - é a Utopia do “Bem-Viver”, continua vivo. “Fazendo a memória”, ou seja, tornando presente o que aconteceu na Ocupação “Sonho Real”, queremos fortalecer a esperança de que um dia tamanha barbárie nunca mais irá acontecer.
Infelizmente, como prova o recente despejo (22/01/12) da Ocupação Pinheirinho em São José dos Campos - SP (muito parecido com o despejo da Ocupação “Sonho Real”), esse dia ainda não chegou. Precisamos apressar esse dia. Que a união dos pequenos e de todos os que lutam por um mundo novo “apresse o dia por nós esperado: de irmãos libertados de toda injustiça, de todo pecado” (Campanha da Fraternidade 1987 - Refrão do Canto de Comunhão).
Relembremos os principais fatos do despejo da Ocupação “Sonho Real. De 6 a 15 de fevereiro de 2005, de 0 às 6h, a Polícia Militar do Estado de Goiás começou a ação de reintegração de posse, realizando a chamada "Operação Inquietação", que foram dez dias de tortura física e psicológica coletiva. Cercou a área com viaturas, impediu a entrada e a saída de pessoas e cortou o fornecimento de energia elétrica. Com as sirenes ligadas, com o barulho de disparos de armas de fogo, com a explosão de bombas de efeito moral, gás de pimenta e lacrimogêneo, a Polícia Militar promoveu o terror entre os Moradores da Ocupação. Nenhuma lei permite uma Operação noturna criminosa como essa. Até hoje, temos crianças traumatizadas.
No dia 16 de fevereiro de 2005, a Polícia Militar do Estado de Goiás realizou uma verdadeira Operação Militar de Guerra, cinicamente chamada "Operação Triunfo". Numa hora e quarenta e cinco minutos, cerca de 14.000 pessoas foram despejadas de suas moradias de maneira violenta, truculenta e sem nenhum respeito pela dignidade da pessoa humana. A Operação Militar produziu 2 vítimas fatais (Pedro e Vagner), 16 feridos à bala, tornando-se um desses paraplégico (Marcelo Henrique) e 800 pessoas detidas (suspeita-se com razão que o número dos mortos e feridos seja bem maior). Esses crimes continuam até hoje impunes.
Nessa Operação Militar criminosa, ilegal e imoral, todos os Direitos Humanos fundamentais foram gravemente violados: o Direito à Vida, o Direito à Moradia, o Direito ao Trabalho, o Direito à Saúde, o Direito à Alimentação e à Água, os Direitos da Criança e do Adolescente, os Direitos da Mulher, os Direitos dos Idosos e os Direitos das Pessoas com necessidades especiais.
Depois do despejo forçado e violento, e depois de passar uma noite acampadas na Catedral de Goiânia (onde aconteceu também o velório de Vagner e Pedro num clima de muita indignação e sofrimento), cerca de mil famílias (aproximadamente 2.500 pessoas), que não tinham para onde ir, ficaram alojadas nos Ginásios de Esportes dos Bairros Novo Horizonte e Capuava (por mais de três meses) e, em seguida, no Acampamento do Grajaú (por mais de três anos) como verdadeiros refugiados de guerra, sob a lona preta. Nesse período, diversas pessoas - sobretudo crianças e idosos - morreram em consequência das condições subumanas de vida, vítimas do descaso do Poder Público do Estado de Goiás e da Prefeitura de Goiânia.
No dia 24 de fevereiro/05 - oito dias depois da Operação “Triunfo” - a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República criou uma Comissão Especial com o objetivo de apurar as violações aos Direitos Humanos na Operação de reintegração de posse, realizada por Policiais Militares no Parque Oeste Industrial em Goiânia, Estado de Goiás, no dia 16 de fevereiro do mesmo ano (Cf. Resolução N. 1, DOU - Seção 2, 24/02/05).
A Comissão analisou os três requisitos que a Emenda Constitucional, N. 45, considera necessários para a “federalização” (Incidente de Deslocamento de Competência para a Justiça Federal - IDC) dos crimes contra os Direitos Humanos: primeiro: que haja grave violação dos Direitos Humanos; segundo: que o fato praticado seja passível de sujeitar a União à responsabilidade internacional, por obrigações anteriormente assumidas em tratados e em plena vigência no país; terceiro e último: que exista algum comprometimento institucional viciado, que afete a estrutura e as relações independentes dos órgãos públicos estatais, ocasionando a necessidade de ruptura no pacto federativo para se restaurar a normalidade institucional e assegurar a proteção dos Direitos Humanos.
A Comissão reconheceu a existência do primeiro e do segundo requisitos, mas não reconheceu a existência do terceiro. Portanto, no dia 10 de abril/06, o relator da Comissão, Procurador da República Cláudio Drewes José de Siqueira - apoiado em seu parecer pelos demais membros da Comissão - conclui: “Sugiro o não deslocamento da competência para Justiça Federal do caso Parque Oeste Industrial, no que se refere à apuração e ao julgamento dos crimes ocorridos na desocupação, por não restarem preenchidos todos os requisitos constitucionalmente exigidos, recomendando, no entanto, pela continuidade da observação pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana dos trabalhos da Justiça Estadual” (Cf. Relatório da Comissão Especial).
O parecer da Comissão foi (e ainda continua sendo) uma grande decepção para todos os que lutam pela Justiça e pelos Direitos Humanos. Como pode a Comissão dizer que não existe “comprometimento institucional viciado, que afete a estrutura e as relações independentes dos órgãos públicos estatais” (terceiro requisito), se foram justamente os “órgãos públicos estatais” que praticaram o crime? Independentemente da constitucionalidade ou não da liminar de reintegração de posse da Juíza Substituta Dra. Grace Corrêa Pereira (esse é outro assunto que poderia ser discutido), a maneira como a liminar foi cumprida (as cínicas Operações “Inquietação” e “Triunfo”) foi claramente inconstitucional, antiética e criminosa. Não é possível que os membros da Comissão Especial não tenham enxergado isso. Até um cego enxergaria. Vale o ditado: não existe pior cego do que aquele que não quer ver.
Diante de fatos tão evidentes, o não reconhecimento por parte da Comissão Especial do terceiro requisito - exigido pela Emenda Constitucional, N. 45, para a “federalização” das investigações - dá a impressão de um conluio entre o Estado e a Comissão e levanta suspeitas (dúvidas e interrogações) a respeito da lisura do procedimento investigativo da mesma.
Se foi a Justiça Estadual que autorizou essas Operações criminosas (a liminar poderia ter sido cumprida de outro jeito e depois de preparar um lugar digno para os moradores), é evidente que ela não tem as mínimas condições para investigar e julgar a si mesma e o Governo do Estado de Goiás. É uma questão de lógica.
No caso do despejo da Ocupação “Sonho Real”, trata-se, antes de tudo, de investigar e julgar as próprias Operações “Inquietação” e “Triunfo” como Operações criminosas, enquanto tais. Independentemente dos abusos ou excessos cometidos por alguns Militares (que também devem ser investigados e julgados), essas Operações são um crime planejado e legalmente autorizado pela Justiça - melhor seria dizer - (in)Justiça) Estadual. O despejo de 14.000 pessoas numa hora e 45 minutos (sem saber para onde levar essas pessoas) é uma violência e uma iniquidade humana premeditada, claramente inconstitucional e antiética
Portanto, nesse caso, o criminoso é o Estado de Goiás, com a conivência do Judiciário e da Prefeitura de Goiânia. Quem deve responder por ele é o então Governador do Estado de Goiás, Marconi Perillo e seus auxiliares imediatos, o Secretário de Segurança Pública e Justiça do Estado de Goiás, Jônathas Silva e o Comandante Geral da Polícia Militar do mesmo Estado, Cel. Marciano Basílio de Queiroz. São eles que - como já disse em outros escritos - devem ser processados e julgados. Ora, pela lógica, se o criminoso é o Estado de Goiás, ele não vai investigar a si mesmo. Cai, assim, por terra o parecer da Comissão Especial a respeito do terceiro requisito, acima mencionado.
A mesma coisa pode ser dita do recente despejo da Ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos - SP.
Enfim, a meu ver (falo como alguém que - afetiva e efetivamente solidário com os Sem-Teto - experienciou e viveu de perto o bárbaro despejo de Goiânia), a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República - presidida atualmente pela Ministra, Professora Maria do Rosário Nunes - tem a obrigação constitucional e, sobretudo, ética de “federalizar” esses dois crimes bárbaros: o do Parque Oeste Industrial em Goiânia - GO e o do Pinheirinho em S. José dos Campos - SP.
São crimes que clamam por justiça diante de Deus. Um outro mundo é possível e urgente. Lutemos para que ele aconteça. A esperança nunca morre.



Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 16/02/12, p. 04
http://www.dmdigital.com.br/novo/#!/view?e=20120216&p=20

Ver também:

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=64434 - 15/02/12
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6827:social170212&catid=71:social&Itemid=180 - 17/02/12

http://www.mtst.org/index.php/noticias/203-quem-ganhou-com-o-massacre-do-pinheirinho.html


Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br



Link do abaixo-assinado
http://peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2012N21783
A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos