"Para que toda a humanidade se abra à esperança de um MUNDO NOVO" (Oração Eucarística VI-D)
segunda-feira, 28 de janeiro de 2013
Saúde Pública: onde está a “excelência nos serviços”?
O vice-governador de Goiás, José Eliton afirmou que a Saúde Pública “passa por um processo de excelência nos serviços levados à população” (Diário da Manhã, 10/01/13, p. 10) e o diretor-geral do HGG de Goiânia, André Luiz Braga, afirmou que “o atendimento de qualidade e humanizado” ao usuário do SUS é o objetivo que norteia o trabalho dos hospitais públicos (Ib., 11/01/13, p. 5). Que propaganda enganosa! Não seria o caso de acionar o Procon? Esses senhores, ou não conhecem a realidade, ou fingem de não conhecê-la, ou (o que é pior) zombam da cara do nosso povo sofrido. A realidade é bem diferente da que foi apresentada.
Vejam só algumas situações que já foram divulgadas pela mídia e falam por si mesmas. Recente manchete da imprensa noticia: “Cais: após um ano, denúncia de descaso no atendimento em unidade de saúde se repete”. “Saúde volta a ser caso de polícia”. “Angústia, dor e indignação. Os sentimentos se misturam em longas filas de espera por atendimento nos 13 Cais e Ciams da capital. Muitas vezes, os pacientes são mandados para casa ou orientados a procurar socorro em outra unidade de saúde. Situação fez paciente denunciar descaso ao Ministério Público” (O Popular, 15/01/13, 1ª página).
Maurílio Alves Batista Junior denuncia: “Temos assistido diariamente nas redes televisivas os descasos que vêm vitimizando os idosos, a começar pelos Cais e hospitais públicos de Goiânia. Aqui os idosos estão morrendo por falta de leitos de UTI, como é o caso de Nivaldo Moreira da Silva, de 75 anos”. Ele, que sofria de problemas cardíacos graves, peregrinou pelo Cais do bairro Goiá, “onde havia apenas dois pediatras de plantão”; peregrinou pelo Cais do Setor Novo Horizonte, “onde a situação estava pior, pois haviam 180 pessoas na fila e a senha dele seria a 181”; peregrinou pela Santa Casa de Misericórdia, “onde foi constatado que precisaria de um procedimento que dependia do SUS, ou seja, passar por uma unidade pública para depois receber o encaminhamento” (Ib., 21/01/13, p. 6. Cartas dos Leitores). Finalmente - diz ainda Maurílio - depois de mais de 30 horas de espera pela UTI, surgiu uma vaga no Hospital do Jardim América, mas, como Nivaldo não tinha condições financeiras para pagar cerca de 500 reais pela UTI móvel privada - que o transportaria com segurança - não resistiu e veio a óbito. Que situação lamentável! Que crime!
Dia 13 deste mês de janeiro, “Alice Ferreira da Silva, de 81 anos, morreu depois de ter socorro negado nos Cais de Campinas e do Cândida de Morais, segundo a família. Portadora de câncer, ela caiu, teve fratura na perna e uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) andou 25 minutos e só conseguiu atendimento no Cais do Finsocial, conforme registro de ocorrência” Regiane de Castro. parente da vítima, desabafou: “Se Alice tivesse conseguido atendimento no primeiro Cais, talvez ela estaria aqui ainda”. Pergunto: quem vai responder judicialmente pela morte de Nivaldo e de Alice?
Marcos Vinícius, que apresentava sintomas de dengue, não conseguiu atendimento, nem no Ciams do Novo Horizonte, nem nos Cais do Jardim América e de Campinas. Por isso, também no dia 13 deste mês de janeiro, registrou um BO por omissão de socorro no 20º Distrito Policial, no Setor Sudoeste. Indignado, desabafou: “Ter atendimento é um direito, não é um favor. Mas estamos vivendo um momento de absoluto descaso”.
Outra situação desesperadora. “A sensação de descaso tomava conta de cerca de cem pessoas, na tarde de segunda-feira, 14, no Ciams do Novo Horizonte. Por volta das 15h30, muitos doentes esperavam ansiosos para que seu nome fosse anunciado. Alguns gemiam. Outros tentavam segurar a dor e conter o choro, como fez a vendedora Cristina Gomes da Silva, de 39 anos, que estava com cólica renal. ‘Moça, não tem como me dar um comprimido para diminuir a dor?’, perguntou para a atendente. Após obter apenas a resposta de que deveria esperar, Cristina seguiu para um canto e se entregou às lágrimas” (Ib., p. 4). Que desrespeito!
Infelizmente, o caos na Saúde Pública não é só no Estado de Goiás e em Goiânia, mas no país inteiro, sobretudo nas grandes cidades. Ainda no dia 13 deste mês de janeiro, a Rede Globo apresentou, no Fantástico, uma reportagem especial sobre o tratamento desumano dado a mais de 70% dos idosos no Brasil.
Na rede municipal de São Paulo, “661 mil pedidos estão na fila do serviço médico”. “Na capital paulista, espera é de 35 meses para realizar exame que diagnostica problemas nos nervos” (Folha de S. Paulo, 18/01/13, p. C1).
Reparem o absurdo! Em relação às pacientes com câncer de mama, o Ministério da Saúde decide quem deve e quem não deve morrer. A proposta da pasta é oferecer o trastuzumabe, medicamento usado em conjunto com a quimioterapia, “às pacientes em fase inicial ou avançada localmente, o que deixa de fora o grupo daquelas que tiveram metástase, ou seja, a disseminação do câncer para outros órgãos”. O governo entende que, “no caso de metástase, o impacto do remédio no tempo e na qualidade de vida é pequeno”.
A Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica contesta o Ministério e fala em alguns anos de sobrevida. Anderson Silvestrini, presidente da Sociedade, afirma: “A gente vê respostas extraordinárias. Paciente com muita metástase que, com o remédio, chega a ter redução de até 90% (no tumor)” (Ib., 16/01/13, p., C6). O benefício do medicamento é surpreendente, mas, mesmo que fosse pequeno, o Ministério da Saúde não tem o direito de antecipar a morte de ninguém. É crime!
Antes de terminar, a bem da verdade, não posso deixar de reconhecer que, na Saúde Pública - além daqueles/as que não se comportam como deveriam - há também médicos, enfermeiros e agentes de saúde que, apesar das condições precárias e adversas, dedicam com amor aos doentes. A Saúde Pública, mais do que uma questão pessoal, é uma questão estrutural.
Quando será que o governo, federal, estadual e municipal, levarão a sério a Saúde Pública? Inventam-se, às vezes, muitas desculpas para justificar o descalabro, mas na realidade é só uma questão de vontade política e de prioridade administrativa.
Diário da Manhã, Goiânia, 28/01/13, p. 06
http://dmdigital.com.br/novo/#!/view?e=20130127&p=6
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=73221
http://www.paroquiasantoafonso.org.br/artigosid.asp?id=2049
Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Moradores de Rua: por uma política que liberta
Depois de 15 execuções de Moradores de Rua - em quatro meses: de agosto a dezembro/12 - na cidade de Goiânia e depois da repercussão nacional que estas execuções tiveram na mídia, o Estado de Goiás e a Prefeitura da capital resolveram tomar algumas medidas, que, na realidade, são um paliativo e não abrem caminhos para uma solução estrutural do problema. Só servem para dar uma satisfação à sociedade, numa tentativa de “lavar a cara” do Estado e da Prefeitura.
Sobre a política do Estado de Goiás “para” os Moradores de Rua (reparem: “para” e não “com”), “o delegado Edilson de Brito, superintendente de Direitos Humanos da Secretaria de Segurança Pública e Justiça (SSPJ), diz que o objetivo é unir esforços para resolver o problema dos Moradores de Rua na capital. Todavia, ele não convidou representantes da Pastoral dos Povos de Rua e da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego), que criticam as medidas anunciadas” (O Popular, 27/12/12, p. 5). Ora, superintendente, o senhor não acha que são justamente aqueles/as que criticam que devem ser convidados em primeiro lugar? Se criticam, é porque têm algo a contribuir.
A respeito da política de assistência e de defesa social do Poder Público, Maria Madalena Patrício de Almeida - Agente da Pastoral dos Povos de Rua (desde à época de Dom Fernando Gomes dos Santos) e ligada ao Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia - diz: “É uma ação tapa-buraco, emergencial e que não vai resolver nada. Estão fazendo isso, agora, para dizer que estão fazendo alguma coisa. (...) Não se chega à população de rua, dizendo que vai retirá-la de uma hora para outra, porque é preciso confiança” (Ib.). E reafirma: “Para realizar um bom trabalho, é necessário conquistar a confiança da população de rua, e isso não se faz de um dia para outro” (Ib., 28/12/12, p. 9).
A chamada Operação Salus - deflagrada pela Polícia Militar (PM) em conjunto com a Prefeitura de Goiânia há um ano (10 de janeiro/12) - contava inicialmente com 71 policiais militares, 20 agentes da Guarda Municipal e (reparem) 4 educadores sociais da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas). Apesar de ter sido realizada também em outros bairros da cidade - como no entorno da Igreja Matriz, no Setor Campinas e do Terminal do Dergo, no Setor Aeroviário - a ação integrada da Operação Salus deu-se principalmente na Região Central e serviu para dispersar, quase sempre com violência, os Moradores de Rua e os usuários de drogas (Cf. Ib., 10/01/13, p. 4).
Artur (nome fictício), de 22 anos, diz: “Em um ano, nossa situação piorou muito”. “Agora, pelo menos pararam de matar a gente. Só vamos ver até quando não vai surgir outra vítima”. “Na verdade, tem repressão todo dia, mas só que à noite, escondido, para ninguém ver” (Ib.). Não há - como diz Maria Madalena - uma relação absoluta entre Moradores de Rua e criminalidade. “Existe, sim, o problema das drogas, mas não pode ser uma desculpa para violentar a população de rua. Quem banaliza a violência, promove a morte” (Ib.).
A Operação Salus foi considerada ilegal pelo Ministério Público Estadual (MPE) e pela Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB-GO).
Até o presente, em relação aos Moradores de Rua, o Poder Público só soube usar violência, botar na cadeia e, na melhor das hipóteses, oferecer internação. É por causa desse desrespeito, que “o Fórum Goiano de Direitos Humanos vai propor, até a primeira quinzena de janeiro/13, uma ação na Justiça, para responsabilizar o Estado e a Prefeitura pelas 15 mortes de Moradores de Rua, em Goiânia” (Ib., 27/12/12, p. 5).
Quem sabe, embora as execuções sejam irreparáveis, essa ação na Justiça leve o Poder Público a mudar sua política (ou melhor, sua falta de política) a respeito dos Moradores de Rua, que - segundo uma pesquisa feita por profissionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Goiás - são mais de mil pessoas na capital.
A questão dos Moradores de Rua deve ser uma prioridade do Poder Público. São os excluídos dos excluídos. Não basta abrir 125 vagas em abrigos (Cf. Ib.) e instalar uma tenda para “seduzir” os Moradores de Rua (Cf. Ib., 28/12/12, p. 9), mas é preciso tomar medidas eficazes, a curto e longo prazo.
A curto prazo, em caráter emergencial, o Poder Público, estadual e municipal, deve - como diz Maria Madalena - criar um espaço para oferecer alimentação, dormitório e, sobretudo, segurança aos Moradores de Rua, sem uso de álcool ou drogas, mas por onde eles possam transitar com liberdade (Cf. Ib., 27/12/12, p. 5).
A longo prazo, o Poder Púbico, estadual e municipal, deve formar uma equipe multiprofissional, bem preparada do ponto de vista humano e técnico, e, gradativamente, implementar uma política baseada numa pedagogia realmente libertadora, que leve os Moradores de Rua a serem sujeitos de sua própria libertação e não meros objetos da ação assistencial e/ou caritativa do Poder Público, das Igrejas e das chamadas “pessoas de bem” de nossa sociedade excludente e hipócrita (que, às vezes, fazem alguns atos de caridade - servindo de “tranquilizante de consciência” - para encobrir a prática permanente da injustiça).
Para que essa política seja realmente libertadora, deve ter como motivação fundamental o amor aos Moradores de Rua. Eles e elas são pessoas humanas, são irmãos e irmãs nossos.
Entre outros que poderiam ser citados, lembro o testemunho de Maria Madalena. Mesmo sabendo que ela, na sua modéstia, não quer que o faça, é muito importante destacar o testemunho de Maria Madalena, que nos edifica e serve de incentivo para todos nós. “Ninguém acende uma lâmpada para colocá-la debaixo de uma vasilha, e sim para colocá-la no candeeiro, onde ela brilha para todos os que estão em casa” (Mt 5, 15).
Maria Madalena - sem ter as condições materiais para realizar grandes obras e fazendo todo dia a experiência de sua impotência diante dos gravíssimos problemas dos Moradores de Rua - realiza o seu trabalho de pastoral social com muito amor (que é o mais importante). Maria Madalena ama os Moradores de Rua, sabe o nome deles, chama-os pelo nome, visita-os durante as longas noites, convive e conversa com eles, escuta seus problemas, sofre com eles e, de algum modo, “morre” com eles. Maria Madalena é amiga e irmã dos Moradores de Rua, é confidente deles, é amada e respeitada por eles. Maria Madalena é - podemos dizer - “um anjo de Deus” no meio dos Moradores de Rua.
Que todos e todas nós sejamos solidários/as com os nossos irmãos e irmãs, Moradores de Rua, partilhando sua vida com amor e lutando com eles por seus direitos.
Em tempo: Depois de terminado este artigo, a mídia noticiou que, na madrugada do dia 16 deste mês de janeiro/13, mais dois Moradores de Rua foram assassinados na grande Goiânia (um no município de Goiânia e outro no município de Aparecida de Goiânia). Trata-se de um verdadeiro massacre: 17 execuções em menos de cinco meses. Que barbárie! Diante da incapacidade do Estado de oferecer segurança aos Moradores de Rua - uma omissão criminosa do Poder Publico - torna-se necessária e urgente a federalização da investigações. Lutemos por ela. Chega de matança!
Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 18/01/13, p. 08
http://dmdigital.com.br/novo/#!/view?e=20130118&p=24
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=73169
http://correiodobrasil.com.br/noticias/opiniao/moradores-de-rua-por-uma-politica-que-liberta/571061/
http://www.brasildefato.com.br/node/11605
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8034:politica250113&catid=71:social&Itemid=180
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/moradores-de-rua-por-fr-marcos-sassatelli
http://racismoambiental.net.br/2013/01/moradores-de-rua-por-uma-politica-que-liberta/#more-84490
http://paginaglobal.blogspot.com.br/
Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano,
Crimes da Saúde Pública
“Quem deseja a Paz não pode tolerar atentados e crimes contra a vida”
(Bento XVI. Mensagem para o Dia Mundial da Paz 2013, 4)
Entre os muitos que poderiam ser citados, limito-me a dois casos paradigmáticos, amplamente divulgados na mídia: o de dona Jandira Oseas de Barros, de 70 anos e o do jovem Edson Luis Gomes Leão, de 17 anos. São claramente crimes de omissão de socorro e o Estado deve ser responsabilizado judicialmente por eles.
Vejamos o primeiro caso. Jandira “solicitou uma consulta com um endocrinologista no dia 1º de junho de 2011. Dezoito meses depois, a responsável pela senhora recebeu a notícia de que o atendimento médico estava marcado. No entanto, a consulta já não tem mais serventia. Jandira está com câncer de mama em estado avançado e faz parte do grupo de doentes terminais do Hospital Araújo Jorge. Com apenas 30 quilos, ela vive um dia de cada vez, sem saber quanto tempo seu corpo ainda aguentará. Jandira não pode retirar o tumor porque os médicos acreditam que a mulher não resistirá. Sessões de quimioterapia e de radioterapia também foram descartadas pelos oncologistas e mastologistas, pois a senhora está frágil e sem condições de passar pelo tratamento” (Diário da Manhã, 21/12/12, p. 2).
Hoje, “Jandira convive com um caroço no seio do tamanho de uma laranja. A pele frágil pela idade já não aguenta mais o crescimento do tumor. Mas Jandira, tímida e meiga, tenta esconder a dor de uma das doenças mais cruéis. No entanto, seus olhos e seu corpo debilitado mostram como é difícil depender de um Sistema de Saúde que não consegue atender as necessidades da população” (Ib.).
Trata-se de uma situação de descaso e de total desrespeito do SUS para com as pessoas idosas. Parece que, para o Poder Público, a vida não tem valor nenhum.
Vejam também o desabafo da advogada Ana Cristina Castro, 50 anos, que cuida de Jandira, sua ex-babá: “Quando recebi aquela ligação informando que a consulta tinha sido marcada dezoito meses depois, meu coração se encheu de dor e revolta. Em lágrimas, tive que avisar a moça que Jandira estava apenas esperando a morte chegar. É um absurdo que pessoas humildes tenham que esperar mais de um ano por uma consulta” (Ib.).
Segundo relata Ana Cristina, os médicos pediram que Jandira tomasse uma injeção de Herceptin (medicamento usado também pela presidenta Dilma Rousseff, para tratar o câncer), que, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), aumenta em 30% os índices de cura em mulheres com câncer. Por ser o custo do medicamento muito alto (R$ 7 mil cada frasco) e não ter condições de pagar, Ana Cristina foi até o Ministério Público Estadual (MPE) pedir que o SUS oferecesse a injeção. Com muita dor no coração, a advogada afirma: “O SUS negou meu pedido e Jandira não pôde tomar essa medicação. Vi que a presidenta tomou e agora está bem. Às vezes fico pensando que tudo poderia ser diferente se ela tivesse tomado essa medicação” (Ib.).
Dizer que somos todos iguais perante a lei é uma mentira de nossa sociedade hipócrita. Ana Cristina - que pagou diversos exames de Jandira - faz mais um desabafo: “A demora para que os resultados ficassem prontos me fizeram desistir de realizar alguns exames pelo SUS. De forma particular, os exames foram entregues no outro dia. O câncer não espera. A cada segundo ele faz uma parte do corpo de Jandira morrer” (Ib.).
Enfim, a própria reportagem, com realismo e tristeza, constata: “A dificuldade para marcar consultas já virou rotina para alguns pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS)” (Ib.).
Vamos ao segundo caso. Edson Luis, auxiliar de serviços gerais, que sofreu um acidente de moto enquanto ia ao trabalho num restaurante, “corre o risco de perder a visão nos dois olhos caso não passe por uma cirurgia que cure a embolização de uma veia que alimenta os órgãos. A espera já dura 54 dias e o motivo é uma disputa entre Organizações Sociais (OSs) que administram hospitais, em relação a quem seria responsável pelo procedimento. Edson Luis está internado no Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo) e faria a cirurgia no Hospital Alberto Rassi - HGG, mas deve passar pelo procedimento no Hospital das Clínicas (HC)” (O Popular, 17/12/2012, p. 3).
Reparem a desculpa para o atraso no atendimento. Enquanto o jovem Edson Luis corre o risco de ficar cego, a Idtech, Organização Social (OS), que administra o HGG e a Gerir, Organização Social (OS), que administra o Hugo, não entraram em acordo para realizar a cirurgia em parceria.
A mãe do Edson Luis, a dona de casa Maria dos Reis Faria Leão, de 37 anos, totalmente descrente, faz um desabafo: “Eles falavam que faltava material, mas não acredito nisso. Sempre falam que semana que vem vai ter a cirurgia e ela nunca acontece.” Edson Luis - diz ela - “entrou aqui no Hugo aos 16 anos, já fez aniversário e pode ficar sem os dois olhos” (Ib.). Que absurdo! Que irresponsabilidade!
Pergunto: A administração dos hospitais públicos não foi “terceirizada” (leia-se: “privatizada”) para que, sob a direção das chamadas Organizações Sociais (OSs), o atendimento fosse mais rápido e eficiente? Onde está a rapidez e a eficiência? É bom lembrar que, em caso de urgência e emergência - se os hospitais públicos não têm os meios e as condições necessárias para atender o paciente - o Estado é obrigado a interná-lo em hospitais particulares, às custas do próprio Poder Público. Se não o fizer, caracteriza-se a omissão de socorro e o Estado deve responder judicialmente por tudo aquilo que pode acontecer ao paciente.
Os casos de Jandira e Edson Luis - como muitos outros - mostram, de maneira insofismável, que a situação da Saúde Pública é na prática (mesmo que em teoria digam o contrário) a decretação da pena de morte lenta e gradual para os pobres. Só falta publicar a notícia no Diário Oficial do Estado.
Onde estão os Movimentos Populares, os Sindicatos dos Trabalhadores e a sociedade organizada para sair às ruas e denunciar essa situação criminosa, defendendo os direitos humanos e exigindo justiça? O que as Igrejas e as comunidades cristãs estão fazendo para mudar essa realidade? De alguma forma, todos/as somos omissos e nos acostumamos a conviver com a iniquidade institucionalizada, como se fosse uma coisa natural.
A saúde não é um direito de todos/as e um dever do Estado? Não é uma prioridade absoluta? Não podemos continuar indiferentes e calados diante desse pecado estrutural, que grita a Deus por justiça! Uma outra Saúde Pública é possível! Basta querer! .
Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 10/01/13, p. 08
http://www.dm.com.br/texto/84935-crimes-da-saude-publica
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=73098
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8002:social170113&catid=71:social&Itemid=180
http://www.institutojoaogoulart.org.br/noticia.php?id=7703
Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano,
sexta-feira, 4 de janeiro de 2013
14º e 15º Salários Que vergonha, senhores parlamentares!
Na sessão ordinária de 5 de dezembro/12 da Assembleia Legislativa de Goiás, os 33 deputados presentes aprovaram por unanimidade, em segunda votação, o projeto de lei que retoma o pagamento do 14º e 15º salários.
O comportamento dos parlamentares foi tão covarde e hipócrita que a votação se deu às escondidas, por baixo dos panos e - comenta-se nos bastidores entre os próprios deputados - num “pacto de silêncio”.
“Parte da tramitação da proposta de lei que prevê o pagamento das duas ajudas de custo por ano aos deputados estaduais, conhecidas como 14º e 15º salários, não consta no Diário Oficial da Assembleia, que registra todos os atos do Parlamento e todas as deliberações feitas em sessões ordinárias” (O Popular, 15/12/12, p. 11. Vejam, na mesma página, o nome dos deputados que votaram a favor dessa maracutaia). A decepção da sociedade organizada e, sobretudo, dos Movimentos Populares, é muito grande. Não dá para acreditar!
O Ministério Público Estadual (MPE) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Goiás devem questionar a legalidade dos benefícios e fazer de tudo para derrubá-los. O mais importante, porém, não é a questão da legalidade, mas da justiça e da ética. Falta aos parlamentares - além da vergonha na cara - o senso de justiça e a consciência política ética. Trata-se de um comportamento político descaradamente injusto e antiético, que viola acintosamente os direitos humanos dos trabalhadores/as, sobretudo dos que ganham salário mínimo. Procurar algum artifício legal para justificar os benefícios é uma afronta e um desrespeito a esses trabalhadores/as. Vejamos, os eleitores, em quem votamos!
No dia 13 de dezembro/12, o governador Marconi Perillo (PSDB) sancionou, durante almoço de confraternização com 19 deputados da base aliada e um membro da oposição, o projeto de lei da Assembleia Legislativa que concede o 14º e o 15º salários aos 41 deputados estaduais de Goiás, benefícios conhecidos também com o nome de “auxílio-paletó”. Que deboche! Precisamos rir para não chorar!
No dia 15 do mesmo mês, o governador Marconi Perillo recuou da sanção do projeto de lei (embora já tivesse assinado a matéria), mas não vetou o projeto, passando a responsabilidade à própria Assembleia Legislativa, autora do mesmo. As razões do governador não são de caráter ético, mas de mero oportunismo e conveniência política. Vejam as razões: Por causa da repercussão negativa da aprovação do projeto; para não assumir os desgastes por um projeto que não diz respeito ao Executivo; porque houve uma pressão inoportuna, por ter sido, o projeto, levado em um momento inadequado, que deveria ser apenas de confraternização; e porque - no dizer de um auxiliar - “colocaram a faca no pescoço do governador e ele não teve alternativa” (Cf. Ib., 17/12/12, p. 10). Quanta mesquinhez e quanta falta de responsabilidade política!
Com a decisão do governador, o projeto de lei voltará à Assembleia Legislativa, no dia 9 de janeiro/13. Espero (a esperança nunca morre) que os deputados tenha tempo suficiente para refletir e - quem sabe - mudar seu comportamento político imoral.
Outra imoralidade dos nossos deputados estaduais é a ausência nas sessões ordinárias da Assembleia Legislativa. “O número de sessões ordinárias da Assembleia Legislativa que não tiveram quórum em 2012 aumentou aproximadamente 50% em comparação com o ano passado. Levantamento feito pela reportagem no site da Casa aponta que não houve a presença do número mínimo de parlamentares para o início dos trabalhos ou votação em 49 das 116 sessões agendadas para este ano” (Ib., 23/12/12, p. 10). Que vergonha, senhores parlamentares!
Quando um trabalhador não comparece ao trabalho, a falta - a não ser que haja uma justificativa plausível - é descontada no seu salário. Por que não se faz a mesma coisa com os parlamentares? Os direitos não deveriam ser iguais? (Leiam também o artigo Imoralidade parlamentar, 28/11/12, em: http://www.dmdigital.com.br/novo/#!/view?e=20121206&p=22 e
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=72475).
Os vereadores de Goiânia - com poucas e louváveis exceções - não ficaram para trás na tentativa de aumentar - de forma acintosa e imoral (não me interessa se legalmente ou não) seus próprios salários, uma outra ofensa pública aos trabalhadores/as, sobretudo aos que ganham salário mínimo. “Aumento de salário volta à pauta” (Ib., 14/12/12, p. 9). “Vereadores querem aumento de 20% no próprio salário” (Ib. 18/12/12, p. 9).
No dia 27 de dezembro/12, a Câmara de Goiânia, em sessão de autoconvocação, desistiu de apresentar projeto de lei para aumentar, de cerca 20%, os salários de vereadores, prefeito, vice-prefeito e secretários municipais para 2013.
Como no caso dos deputados estaduais, a razão para a desistência não foi de caráter ético, mas meramente oportunista e de conveniência política. A sessão plenária do dia 27 de dezembro/12 “foi suspensa por 10 minutos para que o tema (do aumento) fosse debatido a portas fechadas (reparem!) e, depois de consultados os presentes, ninguém quis assumir o desgaste de apresentar o projeto” (Ib., 28/12/12, p. 10). Que vergonha, senhores vereadores!
Pergunto: Quando será que os nossos vereadores, deputados - estaduais e federais - e senadores entenderão que foram eleitos para servir ao povo e não para servir-se do povo? É necessário e urgente criar espaços de formação humana integral, sobretudo, de formação política, que suscite nos candidatos/as a cargos públicos e nos próprios eleitores/as, um profundo senso de justiça e uma verdadeira consciência política ética.
Uma outra prática política é possível! Lutemos por ela!
Diário da Manhã, Opinião Pública, 03/01/13, p. 2
http://www.dmdigital.com.br/novo/#!/view?e=20130101&p=18
http://www.dm.com.br/texto/83504-14a-e-15a-salarios-que-vergonha-senhores-parlamentares
e outros
Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano.
quinta-feira, 3 de janeiro de 2013
Dom Tomás, um pastor-profeta do nosso tempo
No dia 31 deste mês de dezembro de 2012, Dom Tomás Balduino, frade dominicano e bispo-emérito da diocese de Goiás (GO), completará 90 anos de idade. Louvamos e agradecemos a Deus pela vida de Dom Tomás, um pastor-profeta do nosso tempo.
Dom Tomás Balduino nasceu em Posse (GO), em 31 de dezembro de 1922. Cursou Filosofia em São Paulo e Teologia em Saint Maximin, na França, onde concluiu o Mestrado. Em 1957, foi nomeado superior da missão dominicana da Prelazia de Conceição do Araguaia, no Pará. Em 1965, concluiu o Mestrado em Antropologia e Linguística na Universidade de Brasília (UNB). No mesmo ano, foi nomeado administrador apostólico da Prelazia de Conceição do Araguaia. De 1967 a 1999, foi bispo da Diocese de Goiás. Em 1972, participou da criação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), do qual foi presidente de 1975 a 1979. Em 1975, participou também da criação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que presidiu de 1997 a 2003 e da qual, desde 2005, é conselheiro permanente. Dom Tomás é ainda doutor honoris causa da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Goiás e da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Entre as muitas qualidades de Dom Tomás, que - em “seus 90 anos de Romaria” (no dizer de Dom Pedro Casaldáliga) - poderiam ser destacadas, recordo quatro: sua profunda sensibilidade humana; sua extraordinária perspicácia na escuta dos sinais dos tempos; sua prática radicalmente profética e sua fé inabalável na utopia do Reino de Deus, que é a Boa-Notícia de Jesus de Nazaré.
Estas qualidades marcam a história de vida de Dom Tomás, nos edificam a todos/as e nos animam a continuar a luta por “uma outra Igreja possível” e por “um outro mundo possível”.
Dom Tomás - mesmo não tendo participado do Concílio Ecumênico Vaticano II - foi pioneiro na aplicação e na vivência de seus ensinamentos, que desencadearam, no mundo inteiro, um movimento de volta às fontes e de profunda renovação da Igreja. No corrente ano, fazemos a memória dos 50 anos da abertura do Vaticano II.
A Igreja conciliar, pela qual Dom Tomás deu e continua dando sua vida, é uma Igreja igualitária, de irmãos e irmãs, comunitária (Igreja-comunidade, Igreja-comunhão); é uma Igreja Povo de Deus e toda ministerial.
“Existem dons diferentes, mas o Espírito é o mesmo; diferentes serviços (ministérios), mas o Senhor é o mesmo; diferentes modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para o bem de todos” (1Cor 12, 4-7).
A Igreja do Concílio Ecumênico Vaticano II é também uma Igreja que busca sempre o consenso, reconhecendo e valorizando o “senso da fé” do povo cristão; é uma Igreja que, a todo momento, perscruta os sinais dos tempos, interpretando-os à luz do Evangelho; é uma Igreja pobre, que faz a Opção pelos Pobres (a “Igreja dos Pobres”); é uma Igreja que reconhece e valoriza o diferente (uma Igreja ecumênica e macroecumênica); enfim, é uma Igreja que se alia aos Movimentos e Organizações Sociais Populares e a todos aqueles e aquelas que lutam por um Mundo Novo, de justiça e irmandade, que - à luz da fé - é a utopia do Reino de Deus, acontecendo na história humana e cósmica.
Dom Aloísio Lorscheider - numa síntese muito bem formulada - oferece-nos uma fotografia nítida da Igreja conciliar. “O Vaticano II - diz ele - faz-nos passar de uma Igreja-instituição ou de uma Igreja-sociedade perfeita para uma Igreja-comunidade, inserida no mundo, a serviço do Reino de Deus; de uma Igreja-poder para uma Igreja pobre, despojada, peregrina; de uma Igreja-autoridade para uma Igreja serva, servidora, ministerial; de uma Igreja piramidal para uma Igreja-povo; de uma Igreja pura e sem mancha para uma Igreja santa e pecadora, sempre necessitada de conversão, de reforma; de uma Igreja-cristandade para uma Igreja-missão, uma Igreja toda ela missionária” (Texto citado por Dom Geraldo Majella Agnelo na contra-capa da Liturgia Diária, novembro de 2012).
Em 1968, a Segunda Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano de Medellín, na Colômbia, fêz uma releitura do Concílio Ecumênico Vaticano II, aplicando-o à nossa realidade. No Brasil, uma das expressões (talvez a mais significativa) do modelo de Igreja do Vaticano II, à luz da Conferência de Medellín, são certamente as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).
Termino esta breve memória da vida de Dom Tomás e do modelo de Igreja conciliar - com o qual ele se identificou e sempre esteve (e ainda está) comprometido em sua prática pastoral - com as palavras de Dom Pedro Casaldáliga: “São 90 anos, muitos dias, muitos caminhos, com falhas humanas, reconhecidas por ele, mas buscando sempre o espaço do Reino, o apelo do Povo, um possível gesto de solidariedade e de profecia. Ele tem uma personalidade inclaudicável. Em continuidade perseverante, com a letra miúda e o traço teimoso aprendido já na família e por esses sertões e veredas da libertação” (Pedro Casaldáliga, Bispo pé no chão e universal. Em: Ivo Poletto (org.). Solidário mestre da vida. Celebrando os 90 anos de Dom Tomás Balduino. Paulinas, São Paulo, 2012, p. 17. Leia o livro! Vale a pena!).
Parabéns, Dom Tomás! Muitos anos de vida! Sua presença é importante para nós!
Diário da Manhã, Opinião Pública, 29/12/12, p. 04
http://dmdigital.com.br/novo/#!/view?e=20121228&p=20
http://www.dm.com.br/texto/82711-dom-tomas-um-pastor-profeta-do-nosso-tempo
Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano.
sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
Jesus, “morador de rua” em Belém
Segundo o Evangelho de Lucas, para atender ao recenseamento que o
imperador César Augusto mandou fazer no império, "todos iam registrar-se,
cada um na sua cidade natal. José era da família e descendência de Davi. Subiu
da cidade de Nazaré, na Galileia, até à cidade de Davi, chamada Belém, na Judeia,
para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. Enquanto estavam
em Belém, se completaram os dias para o parto, e Maria deu à luz o seu filho
primogênito. Ela o enfaixou, e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar
para eles dentro de casa" (Lc 2, 3-7).
Meditando sobre o relato
do nascimento de Jesus, fico pensando: Se “não havia lugar para eles dentro de
casa”, José e Maria, grávida de Jesus, devem ter perambulado, dias e noites,
nas ruas e praças de Belém; devem ter dormido diversas vezes debaixo das marquises
dessas mesmas ruas e praças; e devem ter batido em portas de muitas casas,
inclusive dos parentes de José, para pedir ajuda, mas - por serem pobres - as
portas sempre se fechavam na frente deles. Finalmente, quando “se completaram
os dias para o parto”, José e Maria - talvez por pena de alguma pessoa bondosa
- encontraram acolhida e abrigo num estábulo e Maria deu à luz numa manjedoura.
Jesus se solidarizou e se identificou de tal
forma com “os pequeninos” (todos aqueles que na sociedade não tem voz e não tem
vez, são excluídos,
rejeitados e descartados) que, ainda antes de nascer, no seio de sua mãe Maria,
se tornou “morador de rua” em Belém.
E hoje? Jesus continua sendo “morador de rua” em muitas
cidades do Brasil, da América Latina e do mundo, na pessoa de irmãos e irmãs
nossos. Cada morador de rua é Jesus ameaçado de morte. “Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês fizeram (ou não fizeram) isto
a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizeram (ou não
o fizeram)” (Mt 25, 40 e 45).
Cito o caso de Goiânia destes últimos tempos, que - pelo
alto número de assassinatos - causou repercussão nacional. Uma Nota Pública,
assinada por 38 entidades, afirma que, na cidade de Goiânia, “a sociedade
acompanha estarrecida os contínuos assassinatos de moradores de rua”. “Nos
últimos meses deste ano já foram doze mortes: em outubro, três; em novembro,
seis; e em dezembro, até o momento, três. Nos casos mais recentes, em 10 de
dezembro, que por sinal era o Dia Internacional dos Direitos Humanos, foi
assassinado a facadas o morador de rua ‘Fernando’, na Vila Irani. Na madrugada
do dia 11, foi assassinado com dois tiros ‘Tiago’, no Setor Central. E na
madrugada do dia 12, foi assassinado a tiros o morador de rua ‘Michel’” (Nota
Pública sobre os Assassinatos de Moradores de Rua, Goiânia, 13 de dezembro de
2012). ´
Segundo as últimas informações, “no período de dois
meses, 14 moradores de rua foram assassinados na capital de Goiás, Goiânia.
Ontem, 17, duas pessoas foram mortas” (http://www.sbt.com.br/jornalismo/noticias/?c=27680&t=Numero+de+moradores+de+rua+mortos+em+Goiania+chega+a+14
- 18/12/12).
Darci Accorsi, secretário da Secretaria Municipal de
Assistência Social (SEMAS), afirma “que todas as mortes são relacionadas com o
tráfico de drogas e que policiais militares estão diretamente envolvidos nos
crimes” (http://www.portal730.com.br/cidades/secretario-de-assistencia-social-aponta-participacao-de-policiais-em-mortes-de-moradores-de-rua-pm-contesta
-17/12/12).
De modo enfático, a Nota Pública citada declara: “Repudiamos
e condenamos veementemente esses assassinatos, denunciando-os como gravíssimas
violações aos Direitos Humanos. Nada justifica crimes tão bárbaros. A vida deve
estar em primeiro lugar!”.
Enfim, a Nota Pública conclui com dois pedidos. O
primeiro: “Pedimos ao secretário da Secretaria Municipal de Assistência Social
de Goiânia (SEMAS), Darci Accorsi, e ao prefeito Paulo Garcia que, em caráter
de urgência urgentíssima, implementem políticas públicas que visem, em primeiro
lugar, a acolhida e a proteção aos moradores de rua e, em segundo lugar, ajudem
esses moradores a se conscientizarem sobre o sentido (o valor) da vida humana,
aumentando o reconhecimento de suas potencialidades e de sua autoestima”
O segundo: “Pedimos, também, ao secretário da Secretaria
de Segurança Pública e Justiça do Estado de Goiás (SSPJ-GO), Joaquim Cláudio
Figueiredo Mesquita e ao governador Marconi Perillo que, com responsabilidade e
agilidade, tomem as providências cabíveis para identificar e processar os
responsáveis - mandantes e executores - desses assassinatos, que gritam por
justiça diante de Deus”.
Trata-se de violência estrutural (institucionalizada) que
todos e todas devemos combater. No Natal, somos impelidos/as a renascer para
viver uma vida nova, uma vida de irmãos e irmãs, uma vida de justiça e de
compromisso com os Direitos Humanos. Que o Menino Jesus nos traga este
presente!
(Leia também o artigo Jesus, o “sem-teto” de Belém, escrito no
dia 4 de janeiro de 2011, em: http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?cod=53390&lang=PT).
Fr. Marcos Sassatelli, Frade
dominicano,
Doutor em Filosofia (USP) e em
Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de
Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 20 de dezembro de 2012
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
Para meditar no Advento
Recebi, há dias, o texto: “As noites dos trabalhadores rurais escravizados. A estrela na noite da solidão”, escrito em Xinguara (PA), no dia 20 de outubro deste ano, por Frei Henri Burin des Roziers, dominicano, missionário, membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e advogado dos trabalhadores rurais do Pará. Frei Henri é um homem de muita fé, defensor corajoso e intransigente dos injustiçados, e, por isso, como Jesus de Nazaré, marcado para morrer. Obrigado, Frei Henri, pelo seu testemunho de vida.
Frei Henri sugere que este texto seja meditado durante o Advento, em preparação ao Natal. Nada de mais apropriado para essa finalidade. Trata-se de um texto que comove, mexe profundamente com as nossas entranhas e fortalece-nos como seguidores/as de Jesus de Nazaré, o “sem-teto” de Belém. “Não havia lugar para eles dentro da casa” (Lc 2,7).
O texto é uma história de vida. Inicia apresentando uma situação concreta dos trabalhadores rurais. “Sentados em frente às suas casas, eles estavam sem trabalho na sua pequena cidade pobre do Piauí e suas crianças passavam fome. Passou uma caminhonete com alto-falante convidando o pessoal para trabalhar numa fazenda do Estado do Pará. O ‘gato’ do fazendeiro prometia bons salários, comida, alojamentos. Iludidos, sem alternativa, embarcaram no caminhão. Foram dois dias de viagem cansativos, no calor, na poeira, quase sem comer”.
Infelizmente - como costuma acontecer - a promessa não foi cumprida. Os trabalhadores foram enganados. “Agora - relata a história - eles estão lá, junto com muitos trabalhadores migrantes, de todas as regiões do Brasil, procurando trabalho, perdidos na mata, debaixo da lona, sem receber salários, sem dinheiro, bebendo água suja do córrego onde pisa o gado, comendo carne de vaca doente, trabalhando o dia inteiro, do amanhecer ao anoitecer, no calor, derrubando arvores, roçando juquirá vigiados por homens armados”.
Conta, ainda, a triste e comovente história. “Há três meses que sobrevivem na escravidão. Nesta noite, deitados e cansados nas suas redes, eles olham, mais uma vez, através dos buracos da lona, o céu estrelado. Onde está sua estrela? Pois cada um tem uma estrela! Onde esta a estrela do menino, seu companheiro de 17 anos que, sendo menos vigiado, conseguiu fugir para tentar alertar as autoridades? Saiu de noite com o dinheirinho e o frito que conseguiram arrumar para ele. Onde está? Será que está vivo? Conseguiu escapar dos pistoleiros que foram atrás dele no dia seguinte?”.
A história, que a todos/as nos questiona e nos faz refletir, continua relatando: “A noite se afastou, apareceu a aurora, amanheceu, o sol se levantou. Já no serviço, dentro da mata, desmatando, ouviram um ruído de motores. De repente apareceram no fundo do trilho, três caminhonetes 4x4, solavancando. Chegaram. Policiais Federais pularam fora, armas em punho. Saíram também vários fiscais do Ministério do Trabalho, Procurador da Republica, Delegado da Policia Federal. Estavam livres!”.
Que alegria, que festa! Foi o Menino Jesus que os libertou, por meio do menino Sebastião. “No banco traseiro da caminhonete, encapuzado, escondido, um rapaz, com medo. Era o menino Sebastião! Era ele que tinha alertado as autoridades e mostrado o caminho desconhecido, tão difícil para chegar até aqui!”.
Meditemos a outra parte da história: “Sebastião tinha caminhado a noite inteira na mata, no meio dos ruídos da floresta, com medo das cobras, das onças, dos jacarés, bebendo a água dos córregos, se orientando com essa estrela do Cruzeiro do Sul, como lhe tinham ensinado seus companheiros mais velhos. Seguindo sempre ela, não se perderia e cruzaria, com certeza, cedo ou tarde, uma estrada”.
A história pergunta: “Não foi uma estrela que levou os Reis Magos, de noite, até a manjedoura do Menino Jesus? O jovem Sebastião seguia também sua estrela com confiança. Às vezes, a perdia na escuridão total da mata fechada, mas a encontrava de novo logo em uma clareira, todo alegre! Andou muito, muito. Tropeçava, vacilava, caia. Ficava um pouco deitado nas folhas do chão. Olhava para o céu. Se sentia tão pequeno na imensidão dessas miríades de estrelas do firmamento, tão perdido nessa mata sem fim, tão frágil”.
Pergunta, ainda, a história: “Mas, o Menino Jesus não era uma coisinha muito pequeninha, muito frágil nessa noite de Natal, na manjedoura? Não é na fraqueza do ser humano, da nossa vida, que a força do Amor de Deus se manifesta?
A história continua relatando: “Sebastião comia um pouco do frito dos companheiros, os quais esperavam tanto dele. Retomava força. Buscava sua estrela no firmamento, levantava-se e caminhava de novo”.
E finalmente: “Amanheceu, o sol apareceu. Chegou a uma estrada de chão. Para onde ir? Para a esquerda, para a direita? Esperou, esperou! Chegou um velho caminhão. Parou, entrou na cabina perto do motorista. Andaram e depois de um bom tempo de silêncio, o motorista parou, olhou para o menino e perguntou: ‘Você esta fugindo de uma fazenda’? Tremendo de medo, respondeu: ‘Sim’. Então - disse o motorista - vai atrás na carroceria e se esconde debaixo da lona e da mercadoria, bem escondido, porque na ida, um pouco mais pra frente, tinha um grupo de homens armados que paravam e vistoriavam os veículos. Sebastião se escondeu e o caminhão partiu”.
Relata, ainda, a história: “Alguns quilômetros depois, homens armados pararam o caminhão, olharam na cabina, falaram com o motorista e o deixaram ir embora. Mais tarde, o motorista chamou Sebastião para a cabina. Andaram a tarde inteira e chegaram à noite em uma cidade, Tucumã. O motorista deixou Sebastião no Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Lá comunicaram-se com a CPT que articulou com as autoridades a libertação dos 150 trabalhadores, escravizados na mata”.
A história conclui, dizendo: “Já era de noite, a estrela que tinha guiado Sebastião brilhava no céu. Era a mesma estrela que aquela que tinha levado os Reis Magos até o presépio do Menino Jesus, Aquele que veio para libertar os oprimidos e anunciar o Reino do Amor, da Justiça, da Solidariedade e da Paz”.
Depois de tanta angústia e de tanto sofrimento, o Natal aconteceu na vida do menino Sebastião e dos trabalhadores rurais escravizados Que o Advento, tempo de espera alegre da vinda do Menino Jesus, leve-nos a uma profunda conversão para que o Natal 2012 aconteça na nossa vida e na vida de tantos irmãos/ãs escravizados/as no Brasil, na América Latina e no mundo de hoje.
Diário da Manhã, Opinião Pública, 16/12/12, p. 03
http://dmdigital.com.br/novo/#!/view?e=20121216&p=19
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=72892
Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano,
Assinar:
Postagens (Atom)
A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos