sexta-feira, 26 de abril de 2013

Auxílio-moradia dos juízes: uma afronta aos trabalhadores

A Associação dos Juízes Federais (Ajufe) apresentou ao Conselho de Justiça Federal - em sua terceira tentativa para obter o benefício - requerimento para que todos os magistrados federais tenham direito ao auxílio-moradia. A Ajufe alega que a medida tem respaldo na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e no Estatuto dos Servidores Públicos.

Pessoalmente e - penso eu - todos os que têm um mínimo de senso de justiça não estamos nem um pouco preocupados em saber se a medida é legal ou não, ou, se existem artifícios jurídicos que conseguem provar sua legalidade ou não. Se a medida for legal, a lei é injusta e deve ser mudada. O que importa não é a legalidade, mas a moralidade da medida. Está mais do que claro que o auxílio-moradia dos juízes é uma imoralidade pública, uma vergonha nacional e uma afronta aos trabalhadores, sobretudo aos que ganham salário mínimo.

E os juízes estaduais? Vejam como exemplo o caso do Estado de Goiás. É realmente o cúmulo do absurdo. “138 juízes recebem auxílio-moradia em Goiânia. Juízes e desembargadores da comarca de Goiânia, com residências na própria capital e salários entre R$ 20,6 mil e R$ 25,3 mil, começaram a receber na última semana o auxílio-moradia, o que vai gerar gastos de R$ 4,05 milhões, por ano. São 138 magistrados da comarca da cidade que passaram a ter o benefício a partir da folha de pagamento de fevereiro. Mas, se considerado o valor repassado a todos os 341 magistrados do Estado assistidos (95,8% do total), o impacto nos cofres públicos mais que dobra, chegando a R$ 9,5 milhões anuais” (O Popular, 04/03/13, p. 3).
Trata-se de uma aberração jurídica, que clama por justiça diante de Deus. “O benefício passou a ser garantido pela Lei Estadual nº 17.962/2013 - publicada no Diário Oficial (DO) em 10 de janeiro. Prevê o pagamento mensal de ajuda de custo de natureza indenizatória aos magistrados da ativa, no porcentual de 10% de seu vencimento. A concessão do auxílio foi aprovada, em segunda e última votação, pela Assembleia Legislativa do Estado, em 5 de dezembro/12, e segue previsão da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), de 1979, anterior à Constituição. Com base no menor subsídio, o de juiz substituto, de R$ 20,6 mil, cada magistrado nesse patamar vai receber, todo mês, pelo menos R$ 2,06 mil de auxílio-moradia, o equivalente a R$ 24,72 mil por ano. Por outro lado, um desembargador, com vencimento de R$ 25,323 mil, terá, mensalmente, R$ 2,5 mil de benefício, ou R$ 30 mil anuais. Como a verba é indenizatória, não está sujeita à cobrança e Imposto de Renda. Em Goiás, há hoje 356 magistrados na ativa, muitos moram em condomínios horizontais de alto padrão ou têm apartamentos amplos em bairros nobres da cidade. São 321 juízes e 35 desembargadores (...)” (Ib.).

Digo mais: O auxílio-moradia é, sem dúvida nenhuma, uma imoralidade pública, legalizada e institucionalizada, não só para os juízes que têm residência oficial na comarca onde atuam, mas para todos os juízes. Com o salário que os juízes ganham, a própria residência oficial, paga com dinheiro público (que é dinheiro do povo) é também uma imoralidade. Pergunto: Por que os juízes devem ter residência paga com dinheiro público? As outras categorias de trabalhadores não cuidam de própria residência com o seu salário? Por que tanta mordomia para os juízes? Não deveríamos ser todos iguais perante a lei?

O descaramento é tanto que, quando achamos que chegou ao seu limite máximo, mais falcatruas aparecem. A respeito dos magistrados federais e estaduais - juízes e desembargadores - fala-se também de auxílio-alimentação, de auxílio-mudança e gratificação para compra de livros. Realmente não dá para entender! A desigualdade social é gritante e repugnante.

Coitados dos nossos magistrados, juízes e desembargadores! Sugiro que sejam inscritos nos Programas do Governo Federal Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e Bolsa Família (PBF).

Ironias a parte, quando será que o Poder Judiciário, Federal e Estadual, criará vergonha na cara? Como podemos confiar em juízes, que defendem tamanha imoralidade? Eles não têm as mínimas condições de promover a justiça.

Diante dessa situação, não podemos ficar calados e aceitar passivamente. Precisamos manifestar publicamente a nossa indignação, denunciar a injustiça e lutar para mudar a realidade. Como diz o ditado do povo: a união faz a força. Uma outra sociedade é possível!

Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano,
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 16 de abril de 2013
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

“O descaramento é tanto que, quando achamos que chegou ao seu limite máximo, mais falcatruas aparecem”

terça-feira, 23 de abril de 2013

Em solidariedade aos Moradores de Rua: comentando a Nota da CNBB

                Como foi amplamente divulgado na mídia - local, nacional e até internacional - em Goiânia (GO) e na Grande Goiânia, de agosto de 2012 a abril deste ano, foram brutalmente assassinados 30 Moradores em situação de Rua, dos quais a grande maioria é de jovens, inclusive uma criança de 11 anos.

            Por causa da alarmante sequencia de assassinatos, que denota um grupo de extermínio, a Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz da CNBB; o Regional Centro-Oeste da CNBB e a Arquidiocese de Goiânia - reunidos na 51ª Assembleia Geral da CNBB, em Aparecida (SP) - divulgaram uma “Nota de solidariedade aos Moradores em situação de Rua”, na qual “manifestam seu repúdio ao extermínio da população em situação de rua, que vem ocorrendo em Goiânia-GO e na Grande Goiânia”.
            Diante dessa “condenável situação” - como eles mesmos afirmam - os bispos solicitam:
“1. Que os Poderes Públicos Municipal, Estadual e Federal tomem medidas urgentes que eliminem esta situação de violência e restabeleçam a paz e segurança aos Moradores de Rua;
2. Que as mortes dos Moradores em situação de Rua sejam investigadas e federalizadas imediatamente;
3. Que sejam tornados públicos os resultados das investigações com sua ampla divulgação na mídia;
4. Que os responsáveis sejam processados, julgados e condenados com rigor e rapidez;
5. Que o Estado de Goiás e a Prefeitura de Goiânia se responsabilizem efetivamente pelas mortes dos Moradores em situação de Rua e se comprometam em auxiliar os familiares das vítimas;
6. Que sejam criados, em caráter emergencial, espaços físicos que ofereçam alimentação, dormitório e, sobretudo, segurança aos Moradores em situação de Rua;
7. Que se criem políticas públicas de inclusão social dos Moradores em situação de Rua, devolvendo-lhes a dignidade humana roubada e ferida e os tire dessa situação degradante”.
            Os bispos lamentam também “que casos como o de Goiânia se repitam em outras partes do país”. Conclamam “aos gestores públicos que promovam a justiça e o fim do extermínio de tantas pessoas humanas que, como todo povo brasileiro, merecem viver e conviver com dignidade”,
             Enfim, esperam que o seu pedido “seja atendido” e “que a paz volte a reinar neste chão”. Terminam a Nota invocando “a bênção de Deus sobre todos os seus filhos e filhas”.
            A Nota foi divulgada no dia 17 deste mês de abril e é assinada pelo presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz da CNBB, Dom Guilherme Werlang (e mais cinco bispos, membros da Comissão), pelo presidente do Regional Centro-Oeste da CNBB, Dom José Luiz Majella Delgado e pelo Arcebispo Metropolitano de Goiânia, Dom Washington Cruz.
            Uma das solicitações da CNBB é: “Que as mortes dos Moradores em situação de Rua sejam investigadas e federalizadas imediatamente”. Por coincidência, no mesmo dia em que a Nota foi divulgada, a Ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, formalizou o requerimento para que a Procuradoria-Geral da República (PGR) peça ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a transferência, da esfera estadual para a federal, da competência para apurar e julgar uma série de crimes ocorridos na região metropolitana de Goiânia. O procurador-geral, Roberto Gurgel, decidiu pelo encaminhamento do pedido ao STJ.
            A ministra entregou a solicitação por considerar que as instituições do Estado se encontram, em muitos sentidos, restritas na apuração das responsabilidades das mortes das pessoas em situação de rua. Destacando a “gravidade” da situação, Maria do Rosário declarou: “Constatamos a morosidade (na apuração) dos inquéritos, (incluindo) os que têm policiais envolvidos e que não têm andamento, ficando parados, ou que a denúncia não ocorre”.
            A ministra explicou que fundamentou o pedido a partir de dois casos envolvendo três vítimas e que, segundo ela, contêm indícios de não estarem relacionados a rixas motivadas por drogas, como sustentam autoridades estaduais. “Escolhemos esses casos - disse Maria do Rosário - com base na impunidade que eles representam. Há uma responsabilidade federal e o Estado precisa agir antes que sejamos denunciados a Cortes Internacionais de Direitos Humanos”.
            Em 22 de novembro de 2012, o Conselho Nacional entregou ao governador de Goiás, Marconi Perillo, uma série de recomendações para que os casos dos assassinatos dos Moradores em situação de Rua fossem esclarecidos. “As medidas - afirmou ainda a ministra - não foram adotadas. De lá para cá, tivemos ainda um acúmulo de mortes muito grandes, principalmente da população em situação de rua. Não buscamos como primeira medida o deslocamento de competência, mas, diante das dificuldades do Estado, da inoperância e do fato de que nenhum dos indicados como responsáveis por vários crimes foi responsabilizado, agora estamos solicitando o deslocamento de competência. Quem sabe se tivéssemos agido no primeiro caso, talvez essas outras vidas tivessem sido poupadas” (http://portal.sdh.gov.br/clientes/sedh/sedh/2013/04/17-abr-13-ministra-oficializa-pedido-a-pgr-para-federalizacao-de-crimes-ocorridos-em-goias).
            Esperamos que, diante dessa realidade, o STJ tome, em caráter de urgência, as medidas necessárias para que seja dado um “basta” a esses assassinatos, que são uma gravíssima violação dos Direitos Humanos e uma verdadeira barbárie.
            Além da elucidação dos crimes cometidos e do julgamento dos responsáveis, que é uma questão de justiça, é preciso também que o Governo - Municipal, Estadual e Federal - assuma, como prioridade absoluta, a implementação de políticas públicas, nas quais os Moradores em situação de Rua não sejam meros objetos da ação assistencial e/ou caritativa, mas sejam sobretudo sujeitos e protagonistas de sua própria história. É o que todos e todas almejamos. Lutemos para que isso aconteça!




Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano,
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 23 de abril de 2013

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Chega de extermínio de moradores de rua!

De 12 de agosto de 2012 a 6 de abril deste ano, 28 moradores de rua foram barbaramente assassinados em Goiânia e na Grande Goiânia, a maioria jovens, adolescentes e até crianças. Pela sua gravidade e pelo seu requinte de crueldade, o caso teve, e ainda tem, uma repercussão nacional e internacional.

Estima-se que, em Goiânia, existam cerca de 900 pessoas em Situação de Rua.

Sábado passado, dia 6 deste mês, foi realizada na capital goiana uma reunião de emergência com a presença de uma Comissão do Governo Federal, coordenada pelo Secretário Nacional da Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Gabriel Rocha - que veio de Brasília especialmente para isso - e representantes de diversas entidades locais de defesa dos Direitos Humanos.

Na reunião, da qual participei, ficou claro que existe na Grande Goiânia “uma política de extermínio seletivo”. “Goiânia - diz o Secretário Nacional - tem grupo de extermínio”. O caso é gravíssimo. O medo se espalha entre os Moradores de Rua.

Diante da inoperância do Governo Estadual, de sua incapacidade de resolver o problema e, sobretudo, diante de fundadas suspeitas da existência de um grupo de extermínio, o Governo Federal não pode ser omisso. Ele precisa intervir com urgência e rapidez.

Em nome da Pastoral dos Povos de Rua do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia e, penso poder dizer também, em nome de todos aqueles e aquelas que lutam na defesa dos Direitos Humanos e, de maneira especial, da vida dos Moradores de Rua, faço quatro pedidos à ministra Maria do Rosário da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR):

Que, na Grande Goiânia, os Moradores de Rua sejam incluídos, com a máxima urgência, no Sistema de Proteção a Pessoas Ameaçadas do Governo Federal;

Que as investigações das mortes de Moradores de Rua sejam federalizadas imediatamente;

Que os resultados das investigações sejam públicos e amplamente divulgados na mídia;

Que os responsáveis sejam processados, julgados e condenados com rigor e rapidez.

Chega de tanta violência e de tanta barbárie! Chega de extermínio de Moradores de Rua! É o que todos e todas nós esperamos. Os Moradores de Rua são nossos irmãos e irmãs. Eles e elas têm a mesma dignidade e o mesmo valor que nós temos.

(Fr. Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP), professor aposentado de Filosofia da UFG. E-mail: mpsassatelli@uol.com.br)


De 12 de agosto de 2012 a 6 de abril deste ano, 28 moradores de rua foram barbaramente assassinados em Goiânia e na Grande Goiânia, a maioria jovens, adolescentes e até crianças

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Que decepção, presidenta Dilma!

A presidenta Dilma não aprendeu, ou não quis aprender, a lição do nosso irmão Francisco, bispo da Igreja de Roma, que preside na caridade todas as Igrejas. Nos seus gestos e atitudes, ele nos deixou - e continua nos deixando - um exemplo de simplicidade, humildade e, sobretudo, despojamento. Infelizmente, não são estes os gestos e as atitudes da presidenta Dilma e comitiva, em Roma.
“A viagem de três dias da comitiva da presidenta Dilma Rousseff para a Missa inaugural do papa Francisco, em Roma, envolveu o aluguel de 52 quartos de hotel e 17 veículos (...). Dilma, quatro ministros, assessores mais próximos e seguranças se hospedaram no hotel Westin Excelsior, na Via Veneto, um dos endereços mais sofisticados de Roma, num total previsto de 30 quartos. Um deles foi transformado em escritório para a Presidência da República. A diária da suíte presidencial custa cerca de R$ 7.700, enquanto o quarto mais barato fica por R$ 910. Os outros 22 quartos, para pessoal de apoio, ficaram em local próximo” (Folha de S. Paulo, 20/03/13, p. A12).
Vejam que falta de sensibilidade humana da presidenta Dilma e comitiva. Dilma não quis ficar na residência oficial da Embaixada do Brasil, um palacete no centro histórico de Roma (mesmo que estivesse temporariamente sem embaixador), porque prefere hotéis (reparem: “prefere”). Trata-se de uma questão de gosto. A presidenta pode permitir-se todo esse luxo e toda essa mordomia, porque quem paga a conta não é ela com o seu dinheiro, mas é o povo, são os trabalhadores, inclusive os que ganham salário mínimo, que são a grande maioria.
A frota de carros alugada “inclui sete veículos sedã com motorista, um carro blindado de luxo, quatro vans executivas com capacidade para 15 pessoas cada, um micro-ônibus e um veículo destinado aos seguranças. Apenas para o transporte de bagagens e equipamentos, Dilma contou com um caminhão-baú e dois furgões” (Ib.).
Só para lembrar: um trabalhador que ganha salário mínimo, deveria trabalhar mais de 11 meses para pagar uma diária da suíte presidencial. É realmente um absurdo. É uma afronta e um pontapé na cara do povo. É uma vergonha nacional. É um atraso cultural. É um comportamento que se assemelha à suntuosidade e à ostentação que costuma acompanhar um príncipe árabe. É, enfim, um crime que clama por justiça diante de Deus.
Não dá para entender, sobretudo sabendo que Dilma, na época da ditadura militar, foi torturada e é atualmente do Partido dos Trabalhadores. Infelizmente, com raras e louváveis exceções de alguns de seus membros, o PT poderia ser chamado hoje Partido dos Traidores.
Os quatro ministros (mesmo sem saber o porquê de quatro), que faziam parte da comitiva da presidenta Dilma, foram Gilberto Carvalho (Secretaria Geral da Presidência), Helena Chagas (Secretaria de Comunicação), Aloízio Mercadante (Educação) e Antonio Patriota (Relações Exteriores). O ministro Gilberto Carvalho, ao ser questionado sobre os gastos da comitiva da presidenta Dilma em Roma, disse que “faltou percepção para assuntos mais importantes” (Ib., 22/03/13, p. A16).
É lamentável que o ministro Gilberto Carvalho - que se diz ligado ao Movimento Fé e Política e aos Movimentos Sociais Populares - fale de maneira tão irresponsável, demagógica e desrespeitosa para com o povo. O que realmente faltou, senhor ministro, no comportamento da presidenta Dilma e comitiva foi, em primeiro lugar, a ética e, em segundo lugar, o senso do ridículo. Existem fatos, que mesmo pontuais, revelam todo um estilo de vida e todo um jeito de fazer política.
Sugiro que a coordenação do Movimento Fé e Política e dos Movimentos Sociais Populares declarem publicamente o ministro Gilberto Carvalho “persona non grata” ("pessoa não bem-vinda"). Tudo indica que ele tornou-se especialista em cooptar e enganar os trabalhadores/as.
Uma outra prática política é possível, urgente e necessária. Lutemos por ela.
Que a Páscoa - que se celebra nestes dias e que para os cristãos/ãs significa vida nova em Cristo (vida de irmãos e irmãs, iguais em dignidade e valor) - seja sempre mais, para todos e para todas, “passagem” de condições de vida menos humanas para condições de vida mais humanas. Uma Feliz Páscoa!











Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano,
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 28 de março de 2013
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
“A presidenta Dilma não aprendeu, ou não quis aprender, a lição do nosso irmão Francisco, bispo da Igreja de Roma, que preside na caridade todas as Igrejas”

segunda-feira, 25 de março de 2013

"Francisco, reconstrói a minha Igreja"

No dia 13 do corrente mês de março/13, Jorge Mario Bergoglio, 76 anos, foi eleito bispo de Roma e escolheu o nome Francisco. É uma homenagem ao homem que, da pequena cidade de Assis (Itália), revolucionou a Igreja de seu tempo, no início do século 13 e é um programa de vida. Francisco de Assis, numa oração, ouviu o pedido de Jesus: “Francisco, reconstrói a minha Igreja”. Hoje, Francisco - o novo bispo de Roma - deve estar ouvindo o mesmo pedido. Que o Espírito Santo o ilumine e lhe dê a força necessária para reconstruir a Igreja de Jesus de Nazaré!
Apresentando-se à Igreja de Roma e ao mundo, as primeiras palavras que Francisco pronunciou - certamente inspiradas pelo Espírito Santo - são carregadas de um forte simbolismo e revolucionam, podemos dizer, todas as relações existentes na Igreja. São palavras que revelam uma entranhada empatia com o povo. Francisco coloca-se diante do povo com toda espontaneidade, simplicidade, humildade e fraternidade. Considera-se um irmão pastor, igual aos outros e às outras, que quer servir, caminhar junto com seu povo e dar a vida por ele. É o que Jesus fez. Que Ele abençoe o nosso irmão Francisco em sua nova missão!
Francisco nem usa a palavra “papa”, mas apresenta-se como bispo da Igreja de Roma, que “preside na caridade todas as Igrejas”. Reparem: “na caridade” e não na dominação ou imposição.Trata-se de uma outra eclesiologia, de uma eclesiologia que volta às fontes e entende a Igreja como Comunidade de irmãos e irmãs.
Meditemos suas primeiras palavras, que revelam um jeito novo e, ao mesmo tempo, antigo de ser Igreja: “Irmãos e Irmãs, boa noite! Vocês sabem que o dever do conclave era de dar um bispo a Roma. Parece que meus irmãos cardeais foram buscá-lo quase no fim do mundo. Mas, estamos aqui! Vos agradeço pela acolhida. A comunidade diocesana de Roma tem o seu bispo. Obrigado! Antes de tudo, gostaria de fazer uma oração pelo nosso bispo emérito, Bento XVI. Rezemos todos juntos por ele, para que Deus o abençoe e Nossa Senhora o proteja. (segue a oração do Pai Nosso, da Ave Maria e do Glória ao Pai).
E agora comecemos este caminho bispo e povo. Este é o caminho da Igreja de Roma, que é aquela que preside na caridade todas as Igrejas. Um caminho de fraternidade, de amor, de confiança entre nós. Rezemos sempre por nós, um pelo outro. Rezemos por todo o mundo, para que haja uma grande fraternidade. Desejo a vocês que este caminho de Igreja, que hoje começamos e no qual me ajudará o meu cardeal Vigário, aqui presente, seja frutuoso para a evangelização desta tão bela cidade.
Gostaria, agora, de dar a bênção, mas antes vos peço um favor. Antes que o bispo abençoe o povo, vos peço que vocês rezem ao Senhor para que me abençoe. A oração do povo pedindo a bênção pelo seu bispo. Façamos em silêncio esta oração de vocês sobre mim”! (momento de silêncio). Agora dou a benção a vocês e a todo o mundo, a todos os homens e mulheres de boa vontade (benção).
Irmãos e irmãs, vos deixo. Muito obrigado pela acolhida. Rezai por mim e até breve! Nos veremos logo: amanhã quero ir rezar à Nossa Senhora para que ela proteja Roma inteira. Boa noite e bom repouso!”. Quanta ternura, quanta bondade e quanto amor nessas palavras!
Nos primeiros dias de sua nova missão, pudemos presenciar, com o coração vibrando, a muitos gestos de quebra de protocolo e a muitas atitudes de despojamento do irmão e pastor Francisco, que mostram claramente como - segundo ele - deve ser a Igreja de Jesus de Nazaré: uma Igreja realmente evangélica, despojada de toda pompa, de toda suntuosidade, de toda ostentação e de todo poder.
Para ser fiel à sua missão no mundo, penso que a Igreja (Igreja Universal e Igrejas Particulares), periodicamente e sempre que for necessário, deve:
1. Reconhecer não só os pecados pessoais de seus membros, mas também e sobretudo o pecado estrutural da Igreja-instituição: omissões, traições, covardias, alianças comprometedoras com os Herodes de hoje, e falta de coragem profética na denúncia das injustiças e das violações dos direitos humanos.
2. Pedir publicamente perdão a todos e a todas, crentes e não crentes.
3. Renovar suas estruturas, na fidelidade às exigências do Evangelho.
4. Comprometer-se na reconstrução de uma Igreja que seja, cada vez mais, uma Igreja igualitária, de irmãos e irmãs, comunitária (Igreja-comunidade, Igreja-comunhão); uma Igreja Povo de Deus e toda ministerial; uma Igreja que busca sempre o consenso, reconhecendo e valorizando o “senso da fé” do povo cristão; uma Igreja que, a todo momento, perscruta os sinais dos tempos, interpretando-os à luz do Evangelho; uma Igreja pobre, que faz a opção pelos pobres; uma Igreja que reconhece e valoriza o diferente (uma Igreja ecumênica e macroecumênica); enfim, uma Igreja que se alia aos Movimentos e Organizações Sociais Populares e a todos aqueles e aquelas que lutam por um Mundo Novo, de justiça e irmandade, que - à luz da fé - é a utopia do Reino de Deus, acontecendo na história humana e cósmica.
Dom Aloísio Lorscheider - numa síntese muito bem formulada - oferece-nos uma fotografia nítida da Igreja que o Concílio sonhou e que nós também sonhamos. “O Vaticano II - diz ele - faz-nos passar de uma Igreja-instituição ou de uma Igreja-sociedade perfeita para uma Igreja-comunidade, inserida no mundo, a serviço do Reino de Deus; de uma Igreja-poder para uma Igreja pobre, despojada, peregrina; de uma Igreja-autoridade para uma Igreja serva, servidora, ministerial; de uma Igreja piramidal para uma Igreja-povo; de uma Igreja pura e sem mancha para uma Igreja santa e pecadora, sempre necessitada de conversão, de reforma; de uma Igreja-cristandade para uma Igreja-missão, uma Igreja toda ela missionária” (Texto citado por Dom Geraldo Majella Agnelo na contra-capa da Liturgia Diária, novembro de 2012).
Francisco, irmão e pastor, é um sinal de esperança e nos faz crer que essa Igreja é possível e vai acontecer. É a vontade de Jesus de Nazaré.

Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano,
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 20 de março de 2013
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br




“A Igreja se apresenta e quer realmente ser a Igreja de todos,
em particular, a Igreja dos pobres” (João XXIII, 11 de setembro de 1962)
"Como eu gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres" (Francisco, 16 de março de 2013)

A espiritualidade pascal como “espiritualidade do seguimento de Jesus”

A espiritualidade pascal - sobre a qual refletimos no artigo anterior - é espiritualidade do seguimento de Jesus. "Todo aquele que segue Cristo, o Homem perfeito, torna-se ele também mais ser humano" (Concílio Vaticano II, A Igreja no mundo de hoje - GS, 41).
A espiritualidade do seguimento de Jesus “se alimenta de uma verdadeira paixão por Ele, de uma amizade singular, (...) de uma compenetração intimíssima, comunhão mesmo” (Dom Pedro Casaldáliga, Nosso Deus tem um sonho e nós também: Carta espiritual às Comunidades. X Encontro Intereclesial, Ilhéus (BA), 11-15 de julho de 2000). Encara os desafios do mundo de hoje como apelos de Deus e é um caminho de libertação, de realização humana e de felicidade.
“O seguimento de Jesus é fruto de uma fascinação que responde ao desejo de realização humana, ao desejo de vida plena. O discípulo é alguém apaixonado por Cristo, a quem reconhece como mestre, que o conduz e acompanha" (Documento de Aparecida - DA, 277).
“No seguimento de Jesus Cristo, aprendemos e praticamos as bem-aventuranças do Reino, o estilo de vida do próprio Jesus: seu amor e obediência filial ao Pai, sua compaixão entranhável frente à dor humana, sua proximidade aos pobres e aos pequenos, sua fidelidade à missão encomendada, seu amor serviçal até à doação de sua vida. Hoje, contemplamos a Jesus Cristo tal como os Evangelhos nos transmitem para conhecermos o que Ele fez e para discernirmos o que nós devemos fazer nas atuais circunstâncias” (DA. 139).
Os cristãos/ãs são chamados a viver a espiritualidade do seguimento de Jesus a partir da opção pelos empobrecidos, oprimidos e excluídos da sociedade, sendo “profetas da vida” nas situações concretas da realidade humana e cósmica. “Como profetas da vida, queremos insistir que, nas intervenções sobre os recursos naturais, não predominem os interesses de grupos econômicos que arrasam irracionalmente as fontes da vida, em prejuízo de nações inteiras e da própria humanidade” (DA, 471).
Os religiosos/as e outras pessoas - que, por vocação, assumem o compromisso de uma especial consagração a Deus - são chamados a viver a espiritualidade do seguimento de Jesus como “projeto de vida cristã radical”, dando a vida por amor - numa entrega que, dentro das possibilidades humanas, deve ser total e exclusiva - a serviço do Reino de Deus. “Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos” (Jo 15,13).
A vida religiosa “é chamada a ser uma vida missionária, apaixonada pelo anúncio de Jesus-verdade do Pai, por isso mesmo radicalmente profética, capaz de mostrar, à luz de Cristo, as sombras do mundo atual e os caminhos de uma vida nova” (DA, 220).
Hoje, “é absolutamente necessário desejar que o resgate da responsabilidade ética motive e faça convergir ações de cunho social até de alcance planetário, visando o cuidado deste imenso ser vivo chamado planeta Terra. (…) A opção pela vida é o grande referencial. Assim tem sido e esta opção precisa ser reafirmada, recolocando no centro da pauta da humanidade o cuidado com o mundo vital” (CF11. Texto-Base, 94).
“O universo inteiro possui uma dimensão crística. A encarnação, vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo possuem um significado cósmico, totalmente universal. A libertação da natureza, manipulada abusivamente pelo ser humano, está incluída na libertação do pecado humano para a vivência da liberdade concretizada no amor-serviço. Inclui as relações responsáveis e solidárias com as outras criaturas. Hoje, fica cada vez mais claro que a salvação do ser humano é inseparável da salvação da criação toda (Rm 8, 19-23). O destino de ambos está intimamente ligado” (Ib., 183).
“A criação toda geme e sofre dores de parto até agora. E não somente ela, mas também nós, que possuímos os primeiros frutos do Espírito, gememos no íntimo, esperando a adoção, a libertação para o nosso corpo. Na esperança, nós já fomos salvos” (Rm 8, 22-24).
Em poucas palavras, viver a espiritualidade do seguimento de Jesus, de maneira sempre mais envolvente e sempre mais intensa, significa: conhecer experiencialmente o projeto de Deus sobre o ser humano e o mundo, que é o Reino de Deus; aderir vivencial e conscientemente a esse projeto; e comprometer-se com a construção do mesmo dentro do processo histórico (fazer acontecer o projeto do Reino de Deus na história humana e cósmica).
Comprometer-se, pois, com a construção do projeto de Deus sobre o ser humano e o mundo dentro do processo histórico, significa: inserir-se na realidade, interpretá-la e transformá-la.
"Como Cristo, por sua Encarnação ligou-se às condições sociais e culturais dos seres humanos com quem conviveu; assim também deve a Igreja inserir-se nas sociedades, para que a todas possa oferecer o mistério da salvação e a vida trazida por Deus” (Concílio Vaticano II. A atividade missionária da Igreja - AG, 10).
"Para desempenhar sua missão, a Igreja, a todo momento, tem o dever de perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho, de tal modo que possa responder, de maneira adaptada a cada geração, às interrogações eternas sobre os significados da vida presente e futura e de suas relações mútuas. É necessário, por conseguinte, conhecer e entender o mundo no qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações e sua índole frequentemente dramática" (GS, 4)..
“Como discípulos de Jesus Cristo, sentimo-nos desafiados a discernir os 'sinais dos tempos', à luz do Espírito Santos, para nos colocar a serviço do Reino, anunciado por Jesus, que veio para que todos tenham vida e 'para que a tenham em plenitude' (Jo, 10,10)" (DA, 33).
Que a nossa espiritualidade seja, de verdade e sempre mais, espiritualidade do seguimento de Jesus de Nazaré!

Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano,
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 13 de março de 2013
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br



“Comprometer-se, pois, com a construção do projeto de Deus sobre o ser humano e o mundo dentro do processo histórico, significa: inserir-se na realidade, interpretá-la e transformá-la”

quinta-feira, 7 de março de 2013

A espiritualidade humana como “espiritualidade cristã”

Para os cristãos/ãs, à luz da fé, a espiritualidade humana - sobre a qual refletimos no artigo anterior - é espiritualidade cristã. Não são duas espiritualidades diferentes. É a mesma espiritualidade. A espiritualidade não pode ser cristã se não for humana e, se for humana, é cristã. A fé é como um farol que ilumina a razão humana e amplia seus horizontes, tornado-a capaz de enxergar melhor e mais longe. Em outras palavras, a fé dá à razão humana as condições de compreender - sempre mais profunda e radicalmente - o ser humano. Em Cristo, o “humano” é tão humano que se torna “divino” e o “divino” é tão divino que se torna “humano”. "O mistério do ser humano (homem e mulher) só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado. Com efeito, Adão o primeiro homem era figura daquele que haveria de vir, isto é, de Cristo Senhor. Novo Adão, na mesma revelação do mistério do Pai e de seu amor, Cristo manifesta plenamente o ser humano ao próprio ser humano e lhe descobre a sua altíssima vocação" (Concílio Vaticano II. A Igreja no mundo de hoje - GS, 22). E ainda: "A fé esclarece todas as coisas com luz nova. Manifesta o plano divino sobre a vocação integral do ser humano. E por isso orienta a mente para soluções plenamente humanas" (Ib., 11). Reparem que o texto não diz “soluções não somente humanas, mas também sobrenaturais” (visão dualista da vida humana), mas diz “soluções plenamente humanas”. O plenamente humano, para os cristãos/ãs, inclui a dimensão da fé. A fé - quando verdadeira - humaniza, torna o ser humano mais ser humano. O autêntico cristianismo é um humanismo pleno, é um humanismo radical. Pela condição, pois, do ser humano no mundo e pela ligação umbilical que ele tem com todos os seres, vivos ou não, podemos dizer que o humanismo pleno e radical é também um humanismo natural e um naturalismo humano. Ser cristãos/ãs é ser plena e radicalmente humanos. O plena e radicalmente humano é cristão e o cristão é plena e radicalmente humano. Os cristãos/ãs devem ser, por assim dizer, especialistas em humanidade. Pela fé, eles e elas descobrem sempre mais claramente o verdadeiro sentido da vida na história, até o seu pleno, último e definitivo sentido na meta-história. A espiritualidade cristã é, portanto, um projeto de espiritualidade plena e radicalmente humana. “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos seres humanos de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração” (Ib., 1). Trata-se de uma solidariedade (com-paixão) entranhável dos cristãos/ãs com todos os seres humanos, homens e mulheres, a partir dos pobres (a Opção pelos Pobres). Jesus nos deu o exemplo. Ele não escolheu nascer no palácio do imperador de Roma ou em outros palácios (inclusive, eclesiásticos), mas escolheu nascer numa manjedoura para - a partir da manjedoura e de tudo o que ela significa - anunciar a Boa Notícia do Reino de Deus a todos e a todas, de todos os povos e de todas as culturas. Uma espiritualidade meramente formal, legalista, farisaica, fria, insensível à dor dos irmãos/ãs e indiferente aos graves problemas da humanidade, sobretudo dos pobres, não é espiritualidade evangélica, não é espiritualidade cristã. É muito comum, sobretudo hoje, ver pessoas que vivem esse tipo de espiritualidade, mesmo em ambientes de Igreja. Para essas pessoas, o importante não é “ser” espirituais, mas “parecer” espirituais. Por fim, um questionamento que nos faz pensar: “Criticamos os fariseus pelos seus 613 mandamentos, mas será que não fizemos dos 1.752 cânones do nosso Código uma lei mais pétrea do que a do amor ao próximo?” (Pe. José Luiz Gonzaga do Prado. Roteiros Homiléticos, em: Vida Pastoral, janeiro-fevereiro de 2013, p. 48). No próximo artigo refletiremos sobre a espiritualidade cristã como “espiritualidade pascal”.
A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos