quinta-feira, 5 de junho de 2014

Por um transporte coletivo humanizado

Nestes dias, assistimos a uma verdadeira guerra no transporte coletivo da Grande Goiânia. Só para se ter uma ideia da gravidade da situação, foram depredados - conforme noticiou a imprensa - 104 ônibus (20 só num dia). 
Antes da Rede Metropolitana de Transporte Coletivo (RMTC), da Companhia Metropolitana do Transporte Coletivo (CMTC) e das empresas concessionárias, a responsabilidade por essa situação é do Poder Público. É ele que tem a obrigação de cuidar, direta ou indiretamente, do transporte coletivo para que seja um transporte humanizado e de qualidade. O que realmente falta é a vontade política de resolver o problema. Os motoristas e os trabalhadores, usuários do transporte coletivo, merecem respeito. Chega de tanto descaso! 
 Por que será que o Poder Público tem sempre tanta dificuldade para dialogar e negociar com o povo? Por que será que esse mesmo Poder Público nunca quer atender (ou, pelo menos, demora demais para atender) as justas reivindicações dos trabalhadores? O “bem viver” do povo não deveria ser a prioridade das prioridades da ação política?
Infelizmente, na nossa sociedade capitalista neoliberal - que é estruturalmente iníqua, iniusta e desumana - o que prevalece não é o “bem viver” do povo, mas o lucro a qualquer preço das grandes empresas. Os trabalhadores, que já são “legalmente” explorados em seu trabalho, depois de uma jornada exaustiva e desgastante, são obrigados - mesmo cansados - a enfrentar um transporte coletivo humilhante, deprimente e insuportável. 
Embora ninguém seja a favor da violência, dá para entender a revolta do povo. A estrutura psicológica da pessoa dos trabalhadores tem um limite. Ninguém aguenta mais! Antes que aconteçam as depredações ou a queima de ônibus, as autoridades não deveriam dialogar com os trabalhadores? Ninguém sabe até onde pode chegar o desespero.
O comportamento do Poder Público revela uma total desconsideração para com os trabalhadores, motoristas, usuários do transporte coletivo e o povo.em geral.  
Quando o PT ainda era Partido dos Trabalhadores - hoje não é mais (mudou de lado) - sempre “gritava” em defesa dos direitos dos trabalhadores. Hoje, ele “grita” em defesa do lucro das grandes empresas e a favor do agro-hidro negócio. Que traição vergonhosa!
Os políticos e os governantes - durante o exercício do mandato - deveriam ser obrigados a usar o transporte coletivo. Tenho certeza que a situação mudaria em pouco tempo. Atualmente, como não precisam do transporte coletivo, eles não têm nenhuma pressa para resolver a questão das paralizações e das depredações de terminais e de ônibus. O povo só interessa enquanto é útil para o capital financeiro. Não o sendo mais, pode ser descartado.
A desculpa do Poder Público para não atender as reivindicações dos trabalhadores é sempre a mesma: a falta de verbas. Ora, para gastos mirabolantes com a copa do mundo e outras obras faraônicas nunca faltam verbas. É só uma questão de modelo de sociedade e de prioridade política. As verbas existem.
O Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) deveria exigir que as autoridades competentes resolvam, o mais rápido possível, a situação caótica do transporte coletivo. Já passou da hora!
O Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado de Goiás (Sindittransporte) e o Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores no Transporte Coletivo Urbano de Goiânia e Região Metropolitana (Sindicoletivo), mesmo tendo divergências quanto à maneira de conduzir o processo, deveriam ficar unidos para garantir os direitos dos trabalhadores. 
É bom que os trabalhadores fiquem de alerta. Quando a diretoria de um Sindicato negocia com o Poder Público ou com os empresários e faz acordos sem realizar a assembleia da categoria, ouvindo seu parecer, é sinal evidente que o Sindicato se tornou “pelego”. Não representa mais os trabalhadores, mas outros interesses escusos. Assim sendo, a assembleia dos trabalhadores deve desautorizar a diretoria do Sindicato e tomar as devidas providências. Ela é soberana.
Mesmo com todas as dificuldades e contradições, os trabalhadores não podem cair na armadilha dos detentores do poder econômico, que é dividir os trabalhadores para enfraquecer a luta. No caso em questão, eles querem colocar os trabalhadores usuários do transporte coletivo contra os motoristas, que também são trabalhadores.
As reivindicações dos motoristas do transporte coletivo por melhores salários e as lutas do povo por um transporte coletivo digno são justas e merecem todo nosso apoio. 
Termino com as sábias e contundentes palavras do nosso irmão, o papa Francisco, que nos fazem refletir e são uma luz para nossa vida. 
“Assim como o mandamento ‘não matar’ põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer ‘não a uma economia da exclusão e da desigualdade social’. Esta economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o fato de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social. Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. Em consequência desta situação, grandes massas da população vêem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num beco sem saída. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do ‘descartável’, que aliás chega a ser promovida. Já não se trata simplesmente do fenómeno de exploração e opressão, mas duma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são ‘explorados’, mas resíduos, ‘sobras’” (A alegria do Evangelho - EG, 53).

Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br                                                                       
Goiânia, 22 de maio de 2014

segunda-feira, 26 de maio de 2014

O “mau cheiro” da Friboi

O desrespeito para com os moradores dos bairros, situados ao redor da Friboi, na Região Noroeste, em Goiânia, é inaceitável. Não dá para suportar tanto mau cheiro e tanto fedor. Mesmo quem passa perto da Friboi de carro (como eu costumo fazer, devido ao trabalho pastoral que realizo em Comunidades da Região) corre o risco de desmaiar e provocar um desastre. Não sei como os moradores da Região conseguem aguentar... É um crime contra a saúde do povo e contra o meio ambiente.
Por que será que o empresário José Batista Júnior (PMDB), o Júnior da Friboi - que não tem nenhuma consideração para com o povo que mora e vive ao redor da Friboi - quer ser candidato a governador do Estado de Goiás? Quais são os interesses que estão por trás dessa candidatura? Certamente não são o “bem viver” do povo e a busca de condições mais dignas de trabalho para esse mesmo povo.
Inclusive, o mau cheiro e o fedor, que se espalham pela Região da Friboi, desvalorizam os lotes e as casas, que - pela posse ou propriedade - são dos trabalhadores (é o direito à terra de moradia). Se algum trabalhador, por razões familiares ou de trabalho, precisar vender o seu lote e a sua casa, não acha quem compre, a não ser que sejam dados quase de graça. É um crime contra a economia popular.
Infelizmente, para quem se identifica com a cultura, desumana e cruel, do sistema capitalista neoliberal - que visa o lucro a qualquer preço - a vida do povo é só “um detalhe”, que não tem nenhuma importância.
O que realmente assusta e preocupa é a aliança do Poder Público - mesmo do chamado (impropriamente) Partido dos Trabalhadores - com os detentores do poder econômico. Eles - os ricos e poderosos - têm muito dinheiro para gastar na propaganda política, enganando o povo e colocando o Poder Público a serviço dos seus interesses.  
Por exemplo, conforme o que foi divulgado na mídia, Junior da Friboi fechou um contrato de R$ 30 milhões com o marqueteiro Duda Mendonça para fazer sua possível campanha ao governo do Estado de Goiás. Quem é que vai acreditar (a não ser se for muito ingênuo ou de má-fé) que Junior da Friboi está interessado - como ele disse - em lutar por bandeiras como “o combate à miséria e a luta por moradia digna, por saúde e educação de qualidade para todos os goianos” e “por um Estado onde a segurança pública garanta a tranquilidade dos cidadãos de bem” (O Popular, 30/04/14, p. 12).
Perguntamos: por que não buscar, como candidatos à vida pública, trabalhadores que saibam colocar a prática política a serviço do “bem viver” do povo, sobretudo dos pobres, excluídos e descartados da sociedade.
Voltando à questão concreta do mau cheiro e do fedor da Friboi, perguntamos também: por que a Prefeitura de Goiânia - através da Agência Municipal do Meio Ambiente (AMMA) não toma, em caráter de urgência urgentíssima, as devidas providèncias para resolver o problema? A omissão é um crime contra a saúde do povo e contra o meio ambiente.
Se fosse um trabalhador autônomo que, com “o seu negócio”, espalhasse mau chero e fedor nas redondezas, o Poder Público Municipal teria tomado imediatamente as medidas necessárias. Mas, como no caso da Friboi, se trata de ricos e poderosos, o comportamento é outro.
Comenta-se que a Friboi irá mudar de lugar. Não sei se é verdade ou enganação. Em todo caso, se houvesse respeito pela vida do povo, isso teria acontecido há muito tempo.
Perguntamos ainda: por que, enquanto a Friboi não mudar de lugar, os donos da empresa - que integra uma grande multinacional, a JBS S. A. - não são obrigados, pelo Poder Público Municipal, a instalar os equipamentos técnicos necessários para evitar que o mau cheiro e o fedor se espalhem nos bairros da redondeza? Dentro da lógica, fria e desumana, do capitalismo neoliberal - e o Poder Público é conivente com essa lógica - a resposta é simples. Os equipamentos técnicos custam muito dinheiro e a vida do povo não custa nada. 
Como nos lembra o nosso irmão, o papa Francisco: “hoje devemos dizer ‘não a uma economia da exclusão e da desigualdade social’. Essa economia mata” (A Alegria do Evangelho - EG, 53).
Os moradores dos bairros, situados ao redor da Friboi precisam se unir e organizar para exigir que o seu direito a uma vida digna e salubre seja respeitado. Como diz o slogam dos Movimentos Sociais Populares: “povo unido jamais será vencido”. “A união faz a força”. 
1º de maio de 2014: viva o dia do Trabalhador e da Trabalhadora!

Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 01 de maio de 2014

O nosso irmão Dom Tomás Balduino “completou a sua Páscoa”, passou para “a vida além da morte” e mergulhou - para toda a eternidade - no mistério da Santíssima Trindade, que é o mistério do amor infinito de Deus para conosco. Nas Celebrações de corpo presente, em Goiânia e na Cidade de Goiás, profundamente encarnadas na realidade do povo - sobretudo dos trabalhadores do campo e dos indígenas - fizemos a memória da vida de Dom Tomás, que foi toda ela uma romaria pascal  (fazendo acontecer a Páscoa na história do ser humano e do mundo), até à plenitude da Páscoa (Páscoa definitiva), que é a plenitude do Reino de Deus, a plenitude da glória e da felicidade.
Foram Celebrações de ação de graças pela vida do nosso irmão. O grito que mais se ouviu foi: Tomás vive entre nós! Ele “frequentou a escola dos indígenas, dos posseiros, dos ribeirinhos, dos quilombolas, dos agricultores, dos sem terra e soube aprender com eles a gramática do Evangelho e da simplicidade. Como um verdadeiro discípulo, se fez missionário de Jesus Cristo e o testemunhou junto ao mundo dos pobres, como o Divino Mestre da justiça e da paz. (CNBB. Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz. Mensagem para Dom Tomás Balduino, em sua Páscoa, 03/05/14).
No final de 2012, por ocasião dos 90 anos de idade, destacava - num breve escrito - quatro qualidades de Tomás: sua profunda sensibilidade humana; sua extraordinária perspicácia na escuta dos sinais dos tempos; sua prática radicalmente profética e sua fé inabalável na utopia do Reino de Deus, que é a Boa-Notícia de Jesus de Nazaré. Essas qualidades marcaram a história de vida do nosso irmão. Elas continuam nos edificando e nos animando a continuar a luta por “uma outra Igreja possível” e por “um outro mundo possível”.
Mesmo não tendo participado do Concílio Ecumênico Vaticano II, Tomás foi pioneiro na aplicação e na vivência de seus ensinamentos, que desencadearam, no mundo inteiro, um movimento de volta às fontes e de profunda renovação da Igreja.         
A Igreja, pela qual Tomás doou a sua vida, é a Igreja do Concílio e de Medellín (que encarna o Concílio na América Latina e Caribe): uma Igreja igualitária, de irmãos e irmãs, comunitária (Igreja-comunidade, Igreja-comunhão); Povo de Deus e toda ministerial.
A Igreja do Concílio e de Medellín é também uma Igreja que busca sempre o consenso, reconhecendo e valorizando o “senso da fé” do povo cristão; é uma Igreja que, a todo momento, perscruta os sinais dos tempos, interpretando-os à luz do Evangelho; é uma Igreja pobre, que faz a Opção pelos Pobres (a “Igreja dos Pobres”); é uma Igreja que reconhece e valoriza o diferente (uma Igreja ecumênica e macroecumênica); enfim, é uma Igreja que se alia aos Movimentos e Organizações Sociais Populares e a todos aqueles e aquelas que lutam por um Mundo Novo de justiça e paz, onde todos os Direitos Humanos são respeitados e valorizados. À luz da fé, é a utopia do Reino de Deus, acontecendo na história humana e cósmica (cf. o artigo “Dom Tomás, um pastor-profeta do nosso tempo”, em: http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=73044).
Irmão Tomás, roga por nós!                            

Do alto da cruz, “Jesus viu a mãe e, ao lado dela, o discípulo que Ele amava. Então disse à mãe: ‘Mulher, eis aí o seu filho’. Depois, disse ao discípulo: ‘Eis aí a sua mãe’. E dessa hora em diante, o discípulo a recebeu em sua casa” (Jo 19,26-27).
Lembrando essas animadoras palavras de Jesus e que o discípulo (João Evangelista) representava todos e todas nós, dedico ao amigo, companheiro e irmão de Família Religiosa e de caminhada, Tomás, a:

Ladainha de Nossa Senhora dos Excluídos e Excluídas
Senhor, tende piedade de nós
Cristo, tende piedade de nós
Senhor, tende piedade de nós
Cristo, ouvi-nos
Cristo, atendei-nos
Deus Pai do céu, tende piedade de nós
Deus Filho Redentor do mundo, tende piedade de nós
Deus Espírito Santo, tende piedade de nós
Santíssima Trindade, que sois um só Deus, tende piedade de nós

Santa Maria, rogai por nós
Mãe de Deus,
Mãe de Jesus de Nazaré,
Mãe da Igreja
dos Pobres,
Mãe dos Moradores e Moradoras de Rua,            
Mãe dos Catadores e Catadoras de Lixo, 
Mãe dos Encarcerados e Encarceradas ,
Mãe dos Sem-Terra,  
Mãe dos Sem-Moradia,  
Mãe dos Sem-Trabalho,                                    
Mãe dos Subempregados e Subempregadas, 
Mãe dos Trabalhadores e Trabalhadoras em condição de trabalho escravo,
Mãe dos Doentes que não são atendidos pela Saúde Pública,
Mãe dos Doentes que morrem à míngua por falta desse atendimento,
Mãe das Crianças e Jovens que não têm uma Educação Pública de qualidade,
Mãe das Crianças e Jovens que se envolvem com as drogas, por falta de Políticas Públicas,
Mãe das Crianças e Jovens que são assassinados por causa desse envolvimento,
Mãe das Crianças e Jovens abandonados,
Mãe dos Idosos e Idosas abandonados,
Mãe das Mulheres marginalizadas e violentadas,           
Mãe do Povo que não tem uma Segurança Pública humanizada,
Mãe do Povo que não tem um Transporte Público digno, 
Mãe das Vítimas da Fome e Subnutrição,                                     
Mãe das Vítimas do Tráfico Humano para a exploração no trabalho,
Mãe das Vítimas do Tráfico Humano para a exploração sexual,
Mãe das Vítimas do Tráfico Humano para a extração de órgãos,
Mãe das Vítimas do Tráfico Humano de Crianças e Jovens,
Mãe das Vítimas da Discriminação Racial dos Povos Indígenas e do Povo Negro,
Mãe das Vítimas da Exploração da Terra e das Águas,
Mãe das Vítimas da Violência institucionalizada e de toda Violência,
Mãe dos Descartados e Descartadas da sociedade,   
Mãe de todos os Excluídos e Excluídas,                                                                                                                     
Mãe dos Bons Samaritanos e Samaritanas de hoje,         
Mãe dos Profetas e Profetisas de hoje,                                                  
(Intenções espontâneas)
                                   
Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, perdoai-nos, Senhor
Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, atendei-nos, Senhor
Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, tende piedade de nós

Rogai por nós, Mãe dos Excluídos e Excluídas
Para que anunciemos, com o testemunho e a palavra, a Boa Notícia do Reino de Deus

Oremos. Ó Deus, que sois Pai e nos amais com amor de Mãe, nós Vos pedimos que, pela intercessão de Nossa Senhora dos Excluídos e Excluídas, concedais a vossos filhos e filhas a força de lutar contra todas as formas de exclusão, para que todos e todas tenham Vida e Vida em plenitude. Por Cristo Nosso Senhor. Amém.

(Escrevi a “Ladainha de Nossa Senhora dos Excluídos e Excluídas” - ainda inédita - na Quarta Feira de Cinzas do corrente ano, pensando nos Moradores e Moradoras de Rua).

. Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG

                                                                                       Goiânia, 08 de maio de 2014

Dom Celso, um pastor irmão dos pobres

Em poucos dias - depois de Dom Tomás Balduino - mais um irmão nosso dominicano, muito querido, Dom Celso Pereira de Almeida, “completou a sua Páscoa”, passou para “a vida além da morte” e mergulhou - para toda a eternidade - no mistério da Santíssima Trindade, que é o mistério do amor infinito de Deus para conosco.
A nossa dor - de familiares, de irmãos e irmãs de vida religiosa dominicana e de tantos outros irmãos e irmãs de caminhada de Dom Celso - é muito profunda, mas a esperança é maior. E é por isso que a serenidade e a paz invadem o nosso coração. “Eu sou a Ressurreição e a Vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais” (Jo 11,25-26).
O nosso irmão Celso foi um homem autêntico, transparente, alegre, de extraordinária sensibilidade humana e radicalmente evangélico. Seu testemunho de humildade, simplicidade, proximidade e solidariedade para com os pobres renovou e fortaleceu a nossa esperança. Sua vida foi uma advertência aos poderosos e uma denúncia contra toda injustiça. Como profeta de Deus, Dom Celso tornou-se - quando necessário - defensor e advogado dos pobres, mesmo com risco de sua vida.  
O nosso irmão Celso se relacionava com os pobres, não como objetos de assistência, ou mesmo de ação caritativa, mas como sujeitos e protagonistas de sua própria história. Ele frequentou a escola dos pobres, aprendeu e assimilou sua sabedoria, que é a sabedoria de Deus. Fez-se pobre com os pobres, como Jesus de Nazaré.
Dom Celso era uma pessoa sempre bem humorada. Interessava-se por tudo aquilo que os irmãos e as irmãs faziam. Elogiava e valorizava o seu trabalho, animando a todos e a todas. Ele se identificou com os últimos, que são os preferidos de Deus.
Nunca se colocou numa posição de superioridade, nunca quis ser mais importante do que os outros, sempre foi um irmão de caminhada, andando na frente, do lado ou atrás do seu povo, conforme a necessidade.
O nosso irmão Celso não era um homem legalista, formal e preocupado com as exterioridades. Nos Encontros e nas Celebrações, ele sempre tinha um sincero e profundo respeito por tudo o que as Comunidades e seus animadores preparavam. Quando tinha algo a sugerir, o fazia com amor e com carinho, sem humilhar ninguém. Ele encarnou e viveu a teologia da Igreja Povo de Deus e toda ministerial. Despojou-se de toda forma de autoritarismo clerical.
Em Goiânia e em Porto Nacional - nas Celebrações de corpo presente - fizemos a memória da vida de Dom Celso, que foi, toda ela, um testemunho evangélico de amor aos pobres. No seu ministério de padre e de bispo, ele foi um pastor irmão, amigo e companheiro de caminhada dos pobres, dos excluídos e de todos aqueles que não têm voz nem vez, que são os descartados da sociedade iníqua na qual vivemos .
O povo pobre, que conheceu e conviveu com Dom Celso, tem uma verdadeira veneração por ele. No aeroporto de Porto Nacional - cidade onde o nosso irmão Celso foi bispo por 22 anos - o corpo dele foi recebido com carinho e gratidão por muitas pessoas, entre as quais religiosas, padres e o bispo emérito Dom Geraldo Gusmão, que fez uma fraterna e comovente acolhida. Estavam presentes também o prefeiro da cidade e outras autoridades. No cortejo para a Catedral, Dom Celso foi muito saudado e aplaudido pelo povo nas ruas.
Depois de ser velado, com Orações e Celebrações, o corpo do nosso irmão Celso foi sepultado na Catedral, ao lado do túmulo de Dom Alano, seu predecessor - também dominicano - que o povo considera um santo, e Dom Celso tinha por ele uma veneração especial.
A Igreja, pela qual o nosso irmão Celso doou sua vida por amor, é - como diz o papa Francisco - uma Igreja “em saída”, uma Igreja “com as portas abertas”, uma Igreja que sabe “olhar nos olhos e escutar”, uma Igreja que sabe “renunciar às urgências para acompanhar quem ficou caído à beira do caminho”.
“Prefiro - afirma Francisco - uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada em ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos” (A Alegria do Evangelho - EG, 46, 49).
A Igreja de Dom Celso - que, temos certeza, continua presente entre nós - é “uma Igreja pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres”.
Irmão Celso, roga por nós!
. Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
                                                                                       Goiânia, 15 de maio de 2014

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Carta aberta à 52ª Assembleia Geral da CNBB

Sobre as CEBs no Documento de Estudo 104:
                                                                                 “Comunidade de Comunidades: uma nova Paróquia”

Pela presente Carta aberta, dirijo-me fraternalmente aos participantes da 52ª Assembleia Geral da CNBB (bispos, assessores/as e outros/as) e a todos/as os interessados/as.
Em 2013, a 51ª Assembleia Geral da CNBB publicou o Documento de Estudo 104: “Comunidade de Comunidades: uma Nova Paróquia”. O texto, a partir da Palavra de Deus, dos Documentos da Igreja - sobretudo da América Latina e do Brasil - e da experiência eclesial nas bases (Comunidades, Paróquias e Dioceses) apresenta reflexões teológico-pastorais valiosas, mas que precisam ser aprofundadas e melhor esclarecidas. O texto, com a intenção - talvez - de agradar a todos/as, é bastante repetitivo, confuso, ambíguo, contraditório e pouco objetivo. 
As CEBs são mencionadas nos números 160-161 e, de passagem, no número 238, mas sem nenhuma relevância. Tem-se a impressão que o Documento só cita as CEBs, porque existem pessoas que ainda teimam em falar nelas. Se não fossem citadas, na estrutura geral do Documento, não fariam nenhuma falta.
Na 52ª Assembleia, que acontecerá de 30 de abril a 9 de maio do corrente ano, o Documento de Estudo 104 - com a contribuição das sugestões vindas das bases (Comunidades, Paróquias e Dioceses) - será reelaborado e tornar-se-á (a não ser que a Assembleia julgue necessário mais tempo - como seria conveniente - para o estudo do assunto) um Documento oficial da CNBB.
Por amor à Igreja, permito-me fazer um pedido à próxima Assembleia Geral da CNBB: que, na reelaboração do Documento - além de torná-lo mais claro, mais conciso e mais objetivo - seja retomada a visão teológico-pastoral das CEBs dos Documentos de Medellín, assumindo o método “ver, julgar, agir” (analisar, interpretar, libertar), que "nos permite articular, de modo sistemático, a perspectiva cristã de ver a realidade; a assunção de critérios que provêm da fé e da razão para seu discernimento e valorização com sentido crítico; e, em consequência, a projeção do agir como discípulos missionários de Jesus Cristo" (Documento de Aparecida - DA, 19).
Essa visão teológico-pastoral das CEBs - no Documento sobre uma Nova Paróquia - deveria ser central, deveria ser seu eixo estruturante, sua espinha dorsal.
Não podemos esquecer - como nos lembra Clodovis Boff - “a originalidade histórica de Medellín”. “O fruto maior da Assembléia da Conferência Episcopal Latino-Americana (CELAM), em 1968, foi ter dado à luz a Igreja latino-americana como latino-americana. Os Documentos de Medellín representam o ‘ato de fundação’ da Igreja da América Latina (compreendendo também o Caribe) a partir e em função de seus povos e de suas culturas”. “Esses textos constituem a ‘Carta magna’ da Igreja do Continente”.
Diz, ainda, Clodovis Boff: “o que nos interessa aqui não é o ‘Medellín histórico’: o que se passou de fato na Assembléia do CELAM de 1968; mas sim o ‘Medellín querigmático’: o que ele representa em termos históricos. Ora, relendo hoje os Documentos de Medellín fica-se impressionado com o vigor e a audácia de sua expressão, ou, para dizer numa palavra, com seu ‘pathos profético’, típico dos textos originários e fundantes de uma tradição. Aquilo é linguagem de verdadeiros ‘Pais da Igreja’, Pais da Igreja latino-americana como tal, como intuiu com penetração o Pe. José Comblin, benemérito teólogo do Continente”.
De fato - continua Clodovis Boff - “até Medellín, a Igreja no Continente era a reprodução do modelo da Igreja européia, em seu modo de organização, em sua problemática teológica e em suas propostas pastorais. Era uma ‘Igreja-reflexo’ não uma ‘Igreja-fonte’, como se exprimiu o Pe. Henrique de Lima Vaz, intelectual a quem muito deve a Igreja brasileira. Portanto, a Igreja latino-americana, mais que ser Igreja da América Latina, era mais propriamente a Igreja européia na América Latina. Era, de fato, uma Igreja em estado de minoridade, tutelada, privada de sua legítima autonomia institucional” (era a extensão da Igreja européia na América Latina: uma Igreja “colonial”, uma Igreja “romanizada”, uma Igreja “extremamente centralizada no clero”).
Contudo - conclui Clodovis - “falta muito ainda para as ‘Igrejas locais’ terem e gozarem efetivamente dessa justa autonomia” (http://www.servicioskoinonia.org/relat/203p.htm).
Os Documentos de Medellín são, pois, a encarnação do Concílio Vaticano II na América Latina e no Caribe. Segundo os Documentos de Medellín, as CEBs (que, então, eram chamadas “Comunidades Cristãs de Base”, ou, simplesmente, Comunidades de Base) não são - como se quer fazer acreditar hoje - um Movimento entre muitos outros, uma expressão de vivência comunitária entre muitas outras, mas a base da Igreja, o eixo da organizaão eclesial. 
A CEB (Comunidade de Fé, Esperança e Caridade) “é o primeiro e fundamental núcleo eclesial, que deve, em seu próprio nível, responsabilizar-se pela riqueza e expansão da fé, como também do culto, que é sua expressão. Ela é, pois, célula inicial da estrutura eclesial e foco de evangelização e, atualmente, fator primordial da promoção humana e do desenvolvimento”. A CEB é uma “Comunidade local ou ambiental, que corresponde à realidade de um grupo homogêneo e que tenha uma dimensão tal que permita o trato pessoal fraterno entre seus membros” (Documentos de Medellín, XV, 10).
A partir das CEBs, Medellín redefine a Paróquia, que passa a ser “um conjunto pastoral unificador das Comunidades de Base” (Ib. 13). É verdade que, em sentido amplo, a Paróquia pode ser chamada de Comunidade, mas a verdadeira vivência comunitária acontece nas CEBs. É nelas e delas que irrompe o anúncio da Boa Notícia do Reino de Deus no mundo de hoje e a denúncia profética de tudo aquilo que é contrário ao Reino. É nelas e delas que irrompe o compromisso com as Pastorais sociais e ambientais. É outra Eclesiologia!
Nessa Eclesiologia todos e todas são iguais, todos e todas - na diversidade dos ministérios (serviços) - são irmãos e irmãs e ninguém é mais importante do que o outro ou a outra.
Vejam o que disse recentemente o nosso irmão, o papa Francisco: “eu faria esta pergunta: quem é mais importante na Igreja? O Papa ou aquela velha senhora que todos os dias reza o Rosário pela Igreja? Que o diga Deus, eu não posso dizê-lo. Mas a importância é de cada um nesta harmonia, pois a Igreja é a harmonia da diversidade. O Corpo de Cristo é esta harmonia da diversidade, e quem faz a harmonia é o Espírito Santo: Ele é o mais importante de todos. (...) É importante: buscar a unidade e não seguir a lógica de que o peixe grande engole o peixe pequeno” (Discurso aos membros da Associação “Corallo”, que reune as emissoras televisivas católicas italianas, 22/03/14).
Gostaria muito que na reelaboração do Documento acima citado, a CEB aparecesse como “célula inicial da estrutura eclesial”. É o que os Documentos de Medellín pedem à Igreja da América Latina e do Caribe. Se esse ensinamento dos Documentos de Medellín (que, como vimos, são Documentos fundantes da Igreja latino-americana e caribenha como tal) são esquecidos ou deixados propositalmente de lado, qualquer outro Documento perde sua autoridadade moral.
A Eclesiologia do Concílio Vaticano II e dos Documentos de Medellín é a Eclesiologia do Povo de Deus, que é uma Eclesiologia toda ministerial (servidora) e não uma Eclesiologia clerical. 
O papa Francisco, em diversas ocasiões, fez críticas ao clericalismo como um dos males da Igreja. Cito só a última - feita em tom coloquial - que é muito contundente e nos faz refletir seriamente sobre o assunto.
“O clericalismo é um dos males, é um dos males da Igreja. Mas é um mal ‘cúmplice’, porque aos sacerdotes agrada a tentação de clericalizar os leigos, mas tantos leigos, de joelhos, pedem para ser clericalizados, pois é mais cômodo, é mais cômodo!. E isto é um pecado num duplo sentido! Devemos vencer esta tentação. O leigo deve ser leigo, batizado, tem a força que vem do seu Batismo. Servidor, mas com a sua vocação laical, e isto não se vende, não se negocia, não se é cúmplice com o outro...Não! Eu sou assim! Porque está na identidade!, alí. Tantas vezes escutei isto, na minha terra: ‘Eu na minha paróquia, sabe? Tenho um leigo bravíssimo, este homem sabe organizar... Eminência, porque não o tornamos diácono?’. É a proposta do padre, imediata: clericalizar. Este leigo façamo-o... E por que? Por que é mais importante o diácono, o padre, do que o leigo? Não! É este o erro! É um bom leigo? Que continue assim e cresça assim. Porque está na sua identidade de pertença cristã, alí. Para mim, o clericalismo impede o crescimento do leigo. Mas tenham presente aquilo que eu disse: é uma tentação cúmplice a duas mãos. Pois não existiria o clericalismo se não existissem leigos que querem ser clericalizados. Está claro isto?” (Ib.).
As CEBs - na enorme diversidade de suas expressões, que é uma riqueza - são a base da Igreja e a base da Igreja são os pobres. Por isso, nos Intreclesiais das CEBs e outros Encontros, fala-se que as CEBs são “um jeito novo e antigo de ser Igreja”, “um jeito de toda a Igreja ser”, “um jeito normal de ser Igreja”. Por serem uma Igreja inserida, encarnada, pode-se dizer que as CEBs - com seus diferentes dons, carismas e ministérios - são “o jeito evangélico de ser Igreja”, são “o jeito de ser Igreja que Jesus quer”.  
A Boa Notícia do Reino de Deus, que a Igreja - cumprindo sua missão - anuncia ao mundo, é dirigida a todos e a todas, mas a partir dos pobres (a partir da “manjedora”). È o caminho de Jesus de Nazaré!. Por isso, parafraseando João XXIII e Francisco, posso dizer: “Como gostaria de uma Igreja Pobre, para os Pobres, com os Pobres e dos Pobres!”.
Peço as luzes do Espírito Santo para a 52ª Assembleia Geral da CNBB.

CARTA

Estimado Frei M, Sassatelli,
li, apreciei imensamente e consegui que se fizesse uma tradução para o espanhol, da sua carta em relação ao doc. 104 a ser debatido na próxima 52 Assembleia da CNBB (Em attachment estou enviando essa tradução que devemos ao P. Juan Angel, da diocese de Bariloche, Argentina)
Você disse com sabedoria e boa fundamentação tudo aquilo el muito mais que eu tinha pensado que deveria dizer ao nosso comum amigo Sergio Coutinho, que está lá na CNBB lutando para transmitir una visão de CEBs mais de acordo com o testo "fundante" de Medellin 15,10.
Eu me chamo P. José Marins, tenho trabalhado numa equipe itinerante a serviços das Igrejas da América Latina e também de outros continentes, nos últimos 43 anos.
A minha arquidiocese de origem é Botucatu. Meu arcebispo me entregou para o serviço da Igreja, primeiro na CNBB, ya no tempo do Vaticano II, depois ao CELAM até o tempo em que o Card. Alfonso Lopes Trujillo conquistasse o poder eclesiastico no CELAM e na Curia Vaticana. Então fiquei mais ou menos numa equipe "free lancer" ajudando las Igrejas que pediam assessoria (católicas e evangélicas).  
Obrigado Frei Marcos. Espero que um dia a gente se encontre
 Padre Jose Marins e equipe.


Fazer acontecer a Páscoa, hoje

À luz da Fé Cristã, a Páscoa é o acontecimento central da história do ser humano e do mundo. É o mistério do Amor Infinito de Deus - para com o ser humano e o mundo - que faz o Reino de Deus acontecer.  “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não morra, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). 
Tornar presente a Páscoa de Jesus, fazendo sua memória, significa fazer acontecer hoje - na história do ser humano e do mundo - a passagem da morte para a vida (vida nova em Cristo, vida segundo o Espírito de Deus, vida eterna, vida de ressuscitados e ressuscitadas), até a plenitude da vida, que é a plenitude do Reino de Deus, na meta-história.
"A criação toda geme e sofre dores de parto até agora. E não somente ela, mas também nós, que possuímos os primeiros frutos do Espírito, gememos no íntimo, esperando a adoção, a libertação para nosso corpo” (Rm 8, 22-23). 
A vida toda de Jesus de Nazaré é Páscoa, é passagem. “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Para cumprir sua missão de ser Páscoa, Jesus, o Filho de Deus, o Libertador e Salvador do mundo, torna-se próximo e solidário com todos os excluídos e excluídas da vida, com todos os descartados e descartadas da sociedade. 
Ainda no seio de Maria, Jesus é “morador de rua”. “Não havia lugar para eles dentro de casa” (Lc 2,7). Nasce, como “sem-teto”, numa manjedoura. Exerce a profissão de carpinteiro. Em sua vida pública, denuncia - com palavras duras e sem medo - a hipocrisia religiosa dos fariseus e mestres da Lei. Sempre se coloca - como defensor - ao lado dos pobres, dos doentes, dos leprosos, dos sofredores e de todos aqueles e de todas aquelas que não têm voz e não têm vez.
Basta lembrar os sete sinais de Jesus narrados por João, que visam libertar as pessoas de todas as barreiras que impedem a vida e a vida em plenitude: Jesus muda a água em vinho (2,1-12); Jesus cura o filho do funcionário do rei (4,46-54); Jesus faz o paralítico andar (5,1-18); Jesus realiza a partilha dos pães (6,1-15); Jesus caminha sobre as águas (6,16-21; Jesus faz o cego de nascença enxergar (9,1-41); Jesus ressuscita Lázaro (11,1-45). 
A Páscoa de Jesus completa-se com sua morte na cruz, com seu sepultamento e com sua Ressurreição, que é a vitória da vida sobre a morte. “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13, 1). “Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos” (Jo, 15,13).
“Deus é Amor. Nisto se tornou visível o Amor de Deus entre nós: Deus enviou seu Filho único a este mundo, para dar-nos a vida por meio dele” (1Jo 4,8-9). O ser humano, que é imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26), também é Amor. Ele é chamado a "amorizar” o mundo e a sociedade na qual vive, isto é, a impregnar o mundo e a sociedade de amor. 
Fazer acontecer a Páscoa é fazer acontecer o Amor onde a vida do ser humano e do mundo é ameaçada, negada e assassinada, como nas situações existenciais: dos Moradores e Moradoras de Rua; dos Catadores e Catadoras de Lixo; dos Encarcerados e Encarceradas; dos Sem-Terra; dos Sem-Moradia; dos Sem-Trabalho; dos Subempregados e Subempregadas; dos Trabalhadores e Trabalhadoras em condição de trabalho escravo; dos Doentes que não são atendidos pela Saúde Pública; dos Doentes que morrem à míngua por falta desse atendimento; das Crianças e Jovens que não têm uma Educação Pública de qualidade; das Crianças e Jovens que se envolvem com as drogas por falta de Políticas Públicas; das Crianças e Jovens que são assassinados por causa desse envolvimento; das Crianças e Jovens abandonados; dos Idosos e Idosas abandonados; das Mulheres marginalizadas e violentadas; do Povo que não tem uma Segurança Pública humanizada; do Povo que não tem um Transporte Público digno; das Vítimas da Fome e Subnutrição; das Vítimas do Tráfico Humano para a exploração no trabalho; das Vítimas do Tráfico Humano para a exploração sexual; das Vítimas do Tráfico Humano para a extração de órgãos; das Vítimas do Tráfico Humano de Crianças e Jovens; das Vítimas da Exploração da Terra e das Àguas; das Vítimas da Violência institucionalizada e de toda Violência; dos Descartados e Descartadas da sociedade; de todos os Excluídos e Excluídas.
Fazendo acontecer a Páscoa, ou seja, fazendo acontecer o Amor nessas situações existenciais, seremos Bons Samaritanos e Boas Samaritanas, Profetas e Profetisas da vida, hoje.                                                   “Amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês” (Jo 15,12). Durante a última ceia, depois de lavar os pés dos discípulos, Jesus perguntou: “Vocês compreenderam o que acabei de fazer? E disse: “Eu lhes dei o exemplo, para que vocês façam a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13,12.15).
Como cristãos e cristãs somos chamados - dentro das nossas possibilidades humanas - a ser Páscoa e a fazer a Páscoa acontecer (ser sinais e testemunhas da Páscoa, ser sinais e testemunhas do Reino de Deus) na história do ser humano e do mundo. Temos, porém, que reconhecer, com humildade, que, muitas vezes, irmãos e irmãs nossos - que não se dizem cristãos e cristãs - são Páscoa e fazem a Páscoa acontecer mais do que nós. Em diversas ocasiões, eu pude experienciar isso.pessoalmente e dou graças a Deus.
Jesus não quer que o grupo dos seus seguidores e seguidoras se torne seita fechada e monopolize sua missão. Toda e qualquer ação que liberta do mal o ser humano e o mundo, é parte integrante da missão de Jesus. “Quem não está contra nós, está a nosso favor” (Mc 9,40). 
À luz da Fé, de toda pessoa humana (cristão e cristã ou não) - cuja vida (como a de Jesus de Nazaré) sempre foi Páscoa e fez a Páscoa acontecer - em sua passagem última e definitiva para a “vida além da morte”, podemos dizer: “completou a sua Páscoa” (Lembrancinha de Missa de 7º dia). Feliz Páscoa 2014! 

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Em apoio à Campanha “50 dias contra a impunidade”

"Enquanto não se der a resposta devida aos crimes cometidos por agentes do Estado
é como se reiterasse a impunidade e a possibilidade de crimes se repetirem"
(Átila Roque, diretor da Anistia Internacional Brasil)
No dia 1º do mês corrente, fazendo a memória dos 50 anos do Golpe civil-militar, a Anistia Internacional Brasil, em ato público, lançou na Cinelândia, centro do Rio de Janeiro, a Campanha “50 dias contra a impunidade”, com o objetivo de recolher assinaturas em todo o país, numa petição online, reivindicando a revisâo da Lei da Anistia de 1979.
A Campanha visa pressionar o Governo para que envie ao Congresso Nacional um projeto de lei, que declare a Lei da Anistia válida somente para os militantes que lutaram contra o Regime totalitário. Visa, também, garantir justiça para os crimes contra a humanidade - sequestros, torturas, desaparecimentos e assassinatos - cometidos por agentes do Estado durante a ditadura. Esses crimes nunca prescrevem e nunca podem ser anistiados.
A petição cita tratados internacionais, assinados pelo Brasil, que vetam a prescrição dos crimes contra a humanidade (ou de lesa-humanidade), como os citados acima.
A Comissão Nacional da Verdade e as Comissões Estaduais da Verdade, revisitando o passado e destampando uma panela que - no dizer do diretor da Anistia Internacional no país, Átila Roque - ficou tanto tempo sob pressão, buscam esclarecer esses crimes. Para o diretor da Anistia, as revelações dessas Comissôes e os depoimentos de militares como o coronel reformado Paulo Malhães, que admitiu friamente ter torturado e assassinado presos políticos, devem contribuir para a mobilização da sociedade, em favor da Campanha.
Àtila Roque afirma: “o fato de nunca termos julgado os torturadores é uma pedra no sapato da democracia brasileira”. E acrescenta: “a tortura ainda é uma prática corriqueira nas prisões e delegacias do país. A impunidade de quem praticou crimes na ditadura contribui para que esta situação continue a humilhar a cidadania”.
Recentemente, a imprensa divulgou um dado impressionante: somente entre 2011 e 2013, foram relatados, no disque-denúncia da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, 816 casos de tortura (destes, 316 em 2013), com acusações contra 1.162 agentes do Estado. Os números revelam que a situação das torturas no Brasil - geralmente praticadas contra os brasileiros e brasileiras excluídos da cidadania - continua epidêmica.
Diz ainda o diretor da Anistia Internacional Brasil: “a sociedade brasileira tem que dar um recado claro de que os crimes de tortura são inadmissíveis e jamais voltarão a ser tolerados. Temos que olhar para o passado com a lente da justiça”.
Como afirma Átila Roque, a idade avançada de agentes de repressão - muitos acima dos 70 anos - “não pode ser usada para atenuar a gravidade dos crimes que cometeram”. “A Justiça é quem deve decidir a forma de execução das penas, caso essas pessoas sejam condenadas. O fundamental é que elas possam ir a julgamento” (cf. Folha de S. Paulo, 28/03/14, p. A10).
Lutar contra a impunidade dos crimes de lesa-humanidade, cometidos por agentes do Estado durante a ditadura civil-militar, não é uma questão de revanchismo ou de vingança, mas de justiça.
Do ponto de vista cristão, quem pratica uma injustiça (ou violação dos Direitos Humanos), só recebe o perdão de Deus e dos irmãos/ãs - que é uma prova de amor - se estiver arrependido e disposto a reparar, dentro do que for humanamente possível, a injustiça cometida. Como diz o educador Paulo Freire, a única maneira de amar o opressor (sequestrador, torturador, responsável por desaparecimentos, assassino) é lutar contra o seu projeto de vida, ou seja, contra o seu projeto político. Nada justifica os crimes de sequestro, tortura, desaparecimento e assassinato.
Desde a posse de Fernando Henrique Cardoso, em 1995, Dilma é a única presidenta que nunca recebeu, no Planalto, a Anistia Internacional, que é uma entidade criada em 1961 para defender os Direitos Humanos e que, em 1977, recebeu o Prêmio Nobel da Paz.
Esperamos que a presidenta Dilma - uma mulher que, quando jovem idealista, foi barbaramente torturada durante a ditadura civil-militar - não se deixe obcecar e inebriar pelo poder, renegando o seu passado, mas dê todo apoio à Campanha “50 dias contra a impunidade” da Anistia Internacional no país. Esperamos também que, no final da Campanha, receba os dirigentes da Anistia, que irão a Brasília para entregar-lhe a petição. Esperamos, ainda, que - de posse da petição - envie ao Congresso Nacional um projeto de lei, pedindo a revisão da Lei de Anistia de 1979.
Esperamos, enfim, que o Congresso Nacional não seja omisso e covarde, tornando-se conivente com os crimes contra a humanidade da ditadura civil-militar, mas atenda ao clamor do povo e modifique a Lei de Anistia de 1979.
Conscientes de que a vitória contra a impunidade é fruto da união de todos e de todas, os Movimentos Sociais Populares, as Igrejas, outras Organizações da sociedade civil e cada um-cada uma de nós, entremos em cheio nessa Campanha, para que um novo Brasil aconteça: um Brasil justo, igualitário e fraterno-sororal.

Assine já a petição online no link: http://ativismo.anistia.org.br/50dias
A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos