quinta-feira, 27 de abril de 2023

Em solidariedade e apoio às lutas do MST

 


Indignado, denuncio e repudio publicamente a maneira desrespeitosa e injusta como o Governo Federal (Alexandre Padilha: Secretaria de Relações Institucionais; Paulo Teixeira: Desenvolvimento Agrário; Carlos Fávaro: Agricultura) tratou o Movimento dos Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) diante da ocupação de uma área da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Petrolina (PE).

Com este comportamento, o Governo Lula desrespeitou e foi injusto não só com o MST, mas com todos os Movimentos Sociais Populares e seus aliados/as, que lutam pela Reforma Agrária Popular e por um outro Brasil possível, mais humano e mais igualitário.

Além disso, ficou claro que - com a crítica ao MST - o Governo Lula quis agradar a bancada ruralista e o agronegócio. É lamentável!

Os políticos de um Governo Popular (Executivo e Legislativo) devem dialogar com todos e todas e - se seguirem Jesus - devem amar até os inimigos, mas devem sempre deixar claro que o lado deles e delas é o dos pobres, excluídos e descartados da nossa sociedade desigual, injusta e desumana.

É uma pena que o Governo Lula ainda não saiba fazer a distinção entre “invasão” e “ocupação”. A Nota “Invasão do MST à área da Embrapa Semiárido” usa a palavra “invasão” cinco vezes (cf. https://www.embrapa.br/). 

Caso tenha esquecido, lembro ao Governo Lula que o MST nunca promoveu “invasões”, mas “ocupações”, lutando pela Reforma Agrária Popular. Com a ocupação de uma área da Embrapa, tudo indica que o Governo está mais preocupado em “se dar bem” com o agronegócio do que com o MST e outros Movimentos de Trabalhadores/as.

Como todos/as sabemos, é o agronegócio que envenena a natureza, explora os trabalhadores/as - muitas vezes com trabalho escravo - e investe em monoculturas para exportar e obter lucros. O agronegócio pouco se importa com a vida do povo pobre e com as questões da fome, da desigualdade e da injustiça.

“Antes de embarcar para a Europa na quarta-feira, dia 19 deste mês de abril, Lula reuniu ministros para tratar do tema das “invasões” (ou seja, “ocupações”), que preocupa o Governo e, especialmente, o agronegócio” (O Popular, 22 e 23/04/23, p. 5). Infelizmente, estas últimas palavras de “O Popular” - se forem verdadeiras -  falam por si mesmas e não precisam de comentários.

Como já disse em outra ocasião, é um absurdo e uma imoralidade estrutural legalizada que 1% da população brasileira detenha um patrimônio equivalente ao da metade dessa mesma população. É esse 1% que não só invade, mas assalta o Brasil.

O MST no Estado de Pernambuco, em sua Nota “A Ocupação na Embrapa é ferramenta de denúncia por Reforma Agrária Popular”, de 18 deste mês de abril, “vem a público comunicar que a ocupação - por um grupo de 600 famílias - realizada na madrugada do dia 16/04, em uma área da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) é mais uma ferramenta de denúncia e pressão para realização da Reforma Agrária Popular. Em um país com 33 milhões passando fome, toda terra pública deve estar voltada à produção de alimentos. As famílias que realizaram a ocupação não danificaram nenhuma estrutura do órgão e nenhum animal foi ameaçado. A presença das famílias Sem Terra naquele território contribui para a preservação da própria caatinga, bioma local, através da produção de alimentos saudáveis, preservação das nascentes, dos territórios e de reconstrução do solo”.

Diz ainda a Nota: “Vale ressaltar que a preservação dos biomas e a prática sustentável no meio ambiente sempre esteve entrelaçada com a permanência dos povos do campo, das águas e das florestas em seus territórios. Quem bate recordes de destruição ambiental não são as famílias agricultoras, e sim o agronegócio.

A ocupação é uma forma de sinalizar que a Embrapa deveria estar desenvolvendo projetos de pesquisas para a Agricultura Familiar e Camponesa (...). É a Agricultura Familiar quem coloca a comida na mesa dos trabalhadores/as, e mesmo assim fica esquecida no parâmetro de pesquisa.

A Embrapa possui um papel estratégico para o desenvolvimento da Agricultura Familiar em nosso país; inclusive, quando o Governo Bolsonaro estava tentando privatizá-la, o MST se colocou na defesa da empresa. Defendemos a Embrapa e o cumprimento da função social da terra, inclusive daquelas públicas que estão sem destinação.

Em memória do Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 1996, na “Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária Popular” deste mês de abril - com o lema “Reforma Agrária, contra a fome e a escravidão: por Terra, Democracia e Meio Ambiente!” - o MST e outros Movimentos de Trabalhadores/as realizaram manifestações em 18 Estados, com 20 mil pessoas mobilizadas e um retorno positivo em relação à retomada de políticas ligadas à Reforma Agrária Popular. Isso é motivo de muita esperança!

Mais uma vez, minha total solidariedade e irrestrito apoio ao MST! Feliz 1º de Maio, Dia do Trabalhador/a!


Dia 15 de abril: 600 famílias Sem Terra ocupam área da Embrapa,
 em Petrolina/PE - Foto MST em PE




1º de Maio 2023: Dia do Trabalhador/a




Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 27 de abril de 2023


quarta-feira, 12 de abril de 2023

Mais uma imoralidade pública desavergonhada

 

Há pouco tempo denunciei a imoralidade pública dos fura-tetos do Governo de Goiás que - para burlar o teto salarial do funcionalismo público de R$ 39,2 mil (que os fura-tetos devem considerar um salário de fome) criou a lei estadual das “verbas indenizatórias”, por R$ 18,4 milhões anuais. O Governo não está preocupado com a moralidade, mas somente com a legalidade de seus atos para não ter problemas.

A lei estadual das “verbas indenizatórias” para os funcionários fura-tetos do Poder Executivo já foi estendida - com aprovação da Assembleia Legislativa - ao Tribunal de Justiça de Goiás (TJ - GO), ao Tribunal de Contas do Estado e dos Municípios (TCE e TCM - GO) e, por fim, à própria Assembleia Legislativa (ALEGO).

“O projeto de lei que permitirá à Assembleia Legislativa de Goiás (ALEGO) furar o teto de gastos para o funcionalismo, por meio da transformação dos valores excedentes em verba indenizatória, foi aprovado em primeira votação na Casa, no dia 22 de março. Assim - como os Tribunais goianos - o Legislativo pegou carona na minirreforma administrativa do Poder Executivo, que abriu essa brecha” (O Popular, 23/03/23, p. 5).

É impressionante ver a “esperteza” que esses políticos têm na busca de caminhos que permitam legalizar a “imoralidade” pública. É um descaramento que dá nojo! Como diz Jesus, muitas vezes “os filhos das trevas são mais astutos que os filhos da luz” (Lc 16,8).

(Léia o meu artigo: “Fura-tetos x 403.634 famílias na extrema pobreza”, em: http://freimarcos.blogspot.com/2023/03/fura-tetos-x-403634-familias-na-extrema.html; IHU, Correio da Cidadania e outros)

Nestes dias - ainda indignado com o caso dos “fura-tetos” - li mais uma notícia, que mostra até que ponto chegou a desfaçatez da maioria (graças a Deus, não todos/as) dos nossos deputados/as estaduais. Vejam só!

A “ALEGO vai comprar 41 caminhonetes 4x4 para uso dos deputados estaduais” (O Popular, 04/04/23, manchete, p. 2): uma para cada deputado/a, que são 41. “O custo estimado de cada veículo é de R$ 265,1 mil” (Ib.).

É demais! Não dá para tolerar tanta desfaçatez! É uma verdadeira farra com o dinheiro público, que é do Povo, sobretudo dos que estão passando fome. É muita crueldade! O Povo precisa tomar consciência dessa realidade perversa e derrubar os deputados que - sem nenhuma vergonha na cara - usam e abusam do dinheiro público.

Os trabalhadores que têm carro (na nossa sociedade já são trabalhadores privilegiados) para os gastos relacionados ao seu trabalho, usam o próprio carro. Ora, os deputados não têm carro? Será que o salário que ganham não é suficiente para arcar com os gastos relacionados ao seu trabalho de deputados?

Faço agora um pedido aos deputados/as que estão do lado do Povo e a serviço do Povo: renunciem juntos - num gesto público de denúncia - à caminhonete e exijam que o dinheiro correspondente seja utilizado para amenizar situações de fome e falta de moradia digna de irmãos/ãs nossos.

Aliás, pessoalmente acho que a militância político-partidária deveria ser voluntariado. Todo vereador/a e deputado/a deveriam exercer sua profissão e viver de seu trabalho.  

Termino fazendo minhas as palavras do Papa Francisco: ”Reconhecemos que este sistema (o sistema capitalista neoliberal) impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza? Se é assim - insisto - digamo-lo sem medo: queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos... E nem sequer o suporta a Terra, a Irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco”.

Este sistema insuportável “exclui, degrada e mata!”. “A globalização da esperança, que nasce dos povos e cresce entre os pobres, deve substituir esta globalização da exclusão e da indiferença” (2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15).

Que assim seja!


Portal Contexto - ALEGO empossa 41 deputados - 01/02/23


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 11 de abril de 2023



segunda-feira, 3 de abril de 2023

Feliz Páscoa! Feliz Passagem!

 


Páscoa é Passagem:

  • de condições de não-vida para condições de vida;
  • de condições de vida desumanas para condições de vida humanas;
  • de condições de vida menos humanas para condições de vida mais humanas;
  • da vida do ser humano velho para a vida do ser humano novo;
  • da vida desse mundo para a vida de outro mundo possível;
  • da vida do mundo velho para a vida do Mundo Novo;
  • da morte - e de tudo o que ela significa - para a vida nova em Cristo.

Para nós cristãos e cristas (com todo respeito e amor aos irmãos e irmãs de caminhada, com os/as quais lutamos juntos pela vida digna para todos e para todas, mas que têm uma visão diferente), a vida nova em Cristo é - ou deveria ser - vida plenamente ou radicalmente humana.

Ora, por ser o ser humano natureza, a parte pensante da natureza, a vida cristã é vida nova plenamente humana natural e plenamente natural humana. O ser humano é chamado a cuidar da natureza, sendo o jardineiro da Irmã Mãe Terra, Nossa Casa Comum e vivendo em comunhão com ela e com o universo inteiro.

“Sabemos que a criação toda geme e sofre dores de parto até agora. E não somente ela, mas também nós, que possuímos os primeiros frutos do Espírito, gemendo no íntimo, esperando a adoção, a libertação para o nosso corpo. Na esperança nós já somos salvos/as” (Rm 8,22-24), realizados/as, felizes.

Na última Ceia com os discípulos - antes de sua Morte e Ressurreição - “Jesus, que tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”; “começou a lavar os pés dos discípulos” e depois perguntou-lhes: “vocês compreenderam o que acabei de fazer?” (Jo 13,1.5.12). Perguntemo-nos: E nós, hoje? Será que amamos até o fim? Será que compreendemos o que Jesus fez?

Na Celebração da Páscoa (Semana Santa e, sobretudo, Tríduo Pascal) - centro de nossa vida cristã - fazemos a memória, ou seja, tornamos presente o grande acontecimento de nossa fé: o mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus.

“Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos/as” (Jo 15,13). O cristão e a cristã, a Comunidade, a Igreja - com seu testemunho de vida nova em Cristo - devem (ou deveriam) ser sal da terra, luz do mundo. “Vocês são o sal da terra” (Mt 5,13). “Vocês são a luz do mundo” (Mt 5,14).

Ora, pergunto: como podem um cristão e uma cristã ser sal e luz se esquecem do mundo e se preocupam somente com sua vida individual, seus problemas pessoais ou familiares, sua Comunidade e sua Igreja, num comportamento religioso meramente intimista e fundamentalista, praticando o que poderíamos chamar deegoísmo religioso”?

“Deus amou de tal forma o mundo, que entregou seu Filho único para que todo o que Nele crê não morra, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16), a vida nova em Cristo, a vida de ressuscitados e ressuscitadas no Batismo.

Para viver hoje a Páscoa, a Passagem e fazê-la acontecer em todas as dimensões da vida humana e da natureza - a partir da Opção pelos Pobres (marginalizados/as, oprimidos/as, excluídos/as e descartados/as) e do Cuidado com a Nossa Casa Comum - precisamos nos comprometer com a militância socioambiental, sindical e política popular. É este o caminho de todo cristão e cristã, e de todo ser humano que tem consciência de sua dignidade e de seu valor.

A Campanha da Fraternidade/23, que tem como tema “Fraternidade e Fome” e como lema “Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14,16), nos lembra que viver a Páscoa, viver a Passagem significa viver a Fraternidade, a Irmandade. Se vivêssemos como irmãos e irmãs de verdade, não haveria fome no Brasil e no mundo. “Eu vim para que todos tenham vida e vida em plenitude” (Jo 10,10).

“No Brasil (e no mundo) nem todos/as têm vida em plenitude! Ainda não somos verdadeiramente irmãos e irmãs! Nosso País não é ainda nossa Casa Comum! Não formamos uma só família, dos filhos e filhas de Deus! Se assim fosse, a ganância, o individualismo, o domínio dos interesses individuais e, sobretudo, a fome não existiriam entre nós, ceifando vidas. Mas, não podemos deixar de sonhar o sonho de Deus... em vista de um Mundo Novo” (CF23, Texto-Base, 112).

“Confiantes na ação do Espírito Santo, nós vos pedimos: Inspirai-nos o sonho de um Mundo Novo, de diálogo, justiça, igualdade e paz” (Oração CF23).

Meditemos! Unidos e unidas como irmãos e irmãs, vivamos a Páscoa! Vivamos a Passagem! Feliz Páscoa! Feliz Passagem!





Fotos do Centro Comunitário do Parque Amazônia
Goiânia - GO: da década de 1970

Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 02 de aril de 2023








quinta-feira, 30 de março de 2023

As heroínas da Reforma Agrária Popular

 


Na madrugada do dia 25 (sábado) deste mês de março, mais de 600 famílias ocuparam a Fazenda São Lucas no município de Hidrolândia, Região Metropolitana de Goiânia - GO. A ação - afirma o Movimento dos Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST- GO) - quer que a fazenda seja destinada à Reforma Agrária. Trata-se de uma fazenda que anteriormente pertencia a um grupo, condenado em 2009 por crimes de exploração sexual e era usada como cativeiro para tráfico internacional de mulheres, sobretudo adolescentes. Desde 2016, a área integra o patrimônio da União.

O objetivo da Ocupação é fazer com que a área seja utilizada para a Reforma Agrária e o assentamento dessas famílias.

O MST informou que “a ação foi realizada por mulheres ligadas ao Movimento e faz parte da Jornada Nacional de Luta das Mulheres Sem Terra, que ocorre em todo país durante o mês de março”.

“Denunciamos o crescimento da violência contra as mulheres do campo e esta área representa o grau de violência que sofremos". E ainda: "Exigimos que esta área, que antes era usada para violentar mulheres, seja destinada para o assentamento dessas famílias, para que possamos produzir alimentos saudáveis e combater as violências" (Patrícia Cristiane, da Coordenação Nacional do MST).

Na noite do mesmo dia 25, o MST divulgou uma Nota à imprensa informando que a saída das 600 famílias da área ocupada, ocorreu de forma pacífica e denunciando que - por se tratar de um terreno da União - a Polícia Militar do Estado de Goiás (PM-GO) promoveu o despejo fora de sua jurisdição e deverá ser processada.

Nos meios de comunicação e nas redes sociais fala-se muito de “invasões” ou “invasores” de terras. Na realidade, trata-se de “ocupações” (e não de “invasões”) de terras que não têm função social e que, portanto, são de quem delas precisa para morar e trabalhar. Trata-se, pois, de exigir os três direitos fundamentais de toda pessoa humana: terra, teto (moradia) e trabalho (os “três T” do Papa Francisco).

Além de tudo - como já afirmei outras vezes - todo despejo, mesmo legal, é injusto, desumano, antiético e anticristão.

Parabéns às heroínas da Ocupação S. Lucas, da Reforma Agrária Popular e de muitas outras lutas! Estamos com vocês. Contem com o nosso apoio e a nossa solidariedade.

Em Goiás, “Invasões de terras entram na pauta da Assembleia” (O Popular, 28/03/23, p. 2).  Infelizmente é essa a preocupação da maioria dos deputados estaduais.

A todos e todas que - como esses deputados - estão preocupados com as “invasões” de terras, lembro que no Brasil os verdadeiros “invasores” ou os verdadeiros assaltantes são aqueles que pertencem ao grupo dos 1 % da população, que se apropriaram de um patrimônio equivalente ao da metade da população brasileira.

Termino com uma boa notícia. “Neste ano, milhares de Mulheres Sem Terra se mobilizaram em 23 Estados, no Distrito Federal, além de Zâmbia, na África. Como parte da Jornada Nacional de Luta das Mulheres Sem Terra, elas realizaram acampamentos pedagógicos, ocupações de terras, ações de solidariedade com doação de alimentos e de sangue, feiras com produtos da Reforma Agrária, plantio de árvores, espaços de formação e debates, e ocuparam as ruas do país, com marchas em parceria com Movimentos e Organizações populares urbanas e rurais” (https://mst.org.br/2023/03/25/contra-exploracao-sexual-mulheres-sem-terra-ocupam-latifundio-em-goias/).

Unidos e unidas na caminhada; esperançar e preciso.


Foto: MST - GO

Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 29 de março de 2023





quinta-feira, 16 de março de 2023

O Ser humano com o mundo material e vivente e com os outros

 


No artigo anterior “O Ser humano com o mundo” (da série sobre o Ser humano), vimos que “o presente 'humano' é caracterizado pelo fato que ele é dinamicamente teso entre o passado e o futuro. Nunca é um presente absoluto, mas somente um presente temporal: presente que remonta ao passado, ao qual porém se subtrai, porque nunca coincide com o próprio passado e porque antecipa um novo futuro a ser realizado. É, portanto, um presente que existe na tensão dinâmica entre o passado e o futuro" (Gevaert, J. Il problema dell'uomo. Introduzione all'Antropologia Filosofica. Elle Di Ci, Torino, 19814, p. 188. Cf. Heidgger, M. Ser e Tempo - Parte II. Vozes, Petrópolis, 1989, § 68, p. 132-149).

O Ser humano pode ser considerado como "uma presença cujo passado é constitutivamente aberto ao futuro (...). O futuro é uma condição constitutiva do Ser humano. Poder-se-ia também dizer, em outras palavras, que o Ser humano é constitutivamente um ser de futuro, de perspectiva, de devir. Na medida em que este devir fica incerto, porque não se realiza deterministicamente (como nos outros animais), poder-se-ia também dizer que o Ser humano é um 'ser de esperança'" (Gevaert, J., o.c., p. 188-189).

O ponto gravitacional da "temporalidade" humana não se encontra no passado, mas no futuro. "Temporalidade" humana quer dizer ter um futuro. Justamente porque há um futuro cheio de novas possibilidades - que o Ser humano já encontra ou que ele mesmo cria - o passado pode aparecer na sua figura de passado, isto é, como aquilo que é somente uma realização parcial e provisória, que precisa ser constantemente recuperada e superada (Cf. Ib.).

Percebe-se claramente que o Ser humano ocupa no mundo - na Terra, no Universo -  e, portanto, no espaço e no tempo, uma posição diferente dos outros seres materiais e viventes, uma posição que lhe é peculiar e que dá um sentido novo a todas as coisas.

A "mundanidade" - "espacialidade" e "temporalidade" - torna-se "humana"; ela adquire um "sentido humano", um "valor humano"; ela torna-se "consciente" (pensante): uma realidade objetiva e subjetiva ao mesmo tempo.

"A consciência jamais pode ser outra coisa do que o ser consciente, e o ser dos Seres humanos é o seu processo de vida real" (Marx, K. e Engels, F. A Ideologia Alemã (I - Feuerbach). Hucitec, São Paulo, 19865, p. 37).

A mundanidade - espacialidade e temporalidade - consciente é a condição existencial própria do Ser humano.

A relação do Ser humano com-o-mundo material e vivente e com-os-outros (semelhantes) é um fato incontestável, indubitável e evidente por si mesmo; não precisa demonstrá-la, mas somente mostrá-la e examiná-la criticamente fazendo ver que é impossível negá-la, sem negar a própria existência do Ser humano. O mundo material e vivente e os outros (semelhantes) impõem-se por si mesmos, irrompem - por assim dizer - na existência de todo Ser humano. O mundo material e vivente e os outros não existem porque o Ser humano pensou e demonstrou sua existência. Antes de qualquer argumento, eles existem (são); sua existência-presença é uma exigência de relacionamento, um apelo dirigido ao Ser humano e à sua responsabilidade. "Eu sou eu e minha circunstância" (Ortega y Gasset, J. Que é Filosofia? (Lição XI). Livro Ibero-Americano, Rio de Janeiro, 19712, p. 184).

Em outras palavras, "as circunstâncias fazem os Seres humanos assim como os Seres humanos fazem as circunstâncias" (Marx, K. e Engels, F., o.c., p. 56). Portanto, a existência do Ser humano é inevitavelmente uma aceitação (afirmação) ou rejeição (negação) do mundo material e vivente e dos outros (semelhantes). O “ser-no-mundo” (inserção), “com-o-mundo material e vivente” e “com-os-outros” (semelhantes) precede toda escolha e toda realização humana. Na relação (comunhão) “com-o-mundo material e vivente” e “com-os-outros” (semelhantes), o Ser humano torna-se capaz de escolher, de aceitar ou rejeitar o mundo e os outros.

A certeza do mundo e dos outros, que se impõe por si mesma, diz respeito, em primeiro lugar, à sua existência como mundo material e vivente e como outros (semelhantes), que se revela e se faz conhecer ao Ser humano, independentemente do seu grau de inteligência e consciência. Em segundo lugar, diz respeito também ao caráter ético da existência do Ser humano, mediante o qual tudo aquilo que deve ser feito para realizar a existência é ligado ao reconhecimento do mundo material e vivente e, sobretudo, dos outros (Cf. Gevaert, J., o.c., p. 34-35).

No próximo artigo - ainda continuando o mesmo tema - refletiremos sobre o Ser humano (no mundo) como “ser-com-o-Outro absoluto” (Deus).



Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 13 de março de 2023


O artigo foi publicado originalmente em: 

https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-com-o-mundo-material-e-vivente-e-com-os-outros/



quinta-feira, 9 de março de 2023

Fura-tetos x 403.634 famílias na extrema pobreza

 


No Estado de Goiás (nos outros Estados não deve ser muito diferente), com cerca de 7 milhões de habitantes:

1. De um lado, temos os “fura-tetos”, que usam todas as artimanhas possíveis para legalizar um salário acima do teto do funcionalismo público (R$ 39,2 mil): um verdadeiro roubo do dinheiro do Povo.

Na Assembleia Legislativa de Goiás - ALEGO - “começam a tramitar projetos para burlar teto salarial no TJ. As propostas estendem ao Judiciário a brecha aberta pelo Executivo, que criou verbas indenizatórias”, por lei estadual. Que Tribunal de Justiça é esse!?

Segundo Carlos França, presidente do TJ-GO, “o objetivo é adequar a natureza da retribuição por exercício de funções no âmbito do Poder Judiciário do Estado de Goiás”.

Na realidade, “o intuito é de entrar na esfera da lei estadual que criou verbas indenizatórias no Governo de Goiás, burlando o teto salarial do funcionalismo público ao custo de R$ 18,4 milhões anualmente”.

O TJ-GO, para legalizar a quantia de dinheiro dos salários que “furam o teto”, encontrou o caminho: essa quantia será considerada “verba indenizatória”. Pergunto: “Verba indenizatória” do que?

“Já estão na ALEGO também projetos do TCM e do TCE do mesmo teor” (O Popular, 28 de fevereiro de 2023, p. 7).

Hoje - dia 9 de março - com muita indignação, tomei conhecimento da notícia: “A Assembleia Legislativa de Goiás - ALEGO - aprovou nesta quinta-feira (dia 8), em primeira votação, os projetos de lei do Tribunal de Justiça de Goiás -TJ-GO, do Tribunal de Contas do Estado - TCE-GO e do Tribunal de Contas dos Municípios - TCM-GO, que aplicam aos seus servidores a brecha “fura-teto”, criada pelo Poder Executivo, por meio de lei aprovada na Casa em janeiro” (O Popular, 09/03/23, p. 6).

Os “fura-tetos” e os deputados estaduais que aprovaram, em primeira votação, esses projetos estão “fazendo farra” com o dinheiro, do Povo, sobretudo do Povo que passa fome. É vergonhoso! É uma crueldade que não tem limites!

Que descaramento! Que hipocrisia! Será que os “fura-tetos” e os deputados estaduais seus apoiadores, acham o salário de R$ 39,2 mil, um salário de fome? Ou - o que é pior - será que acham o Povo idiota!

Na realidade, trata-se da legalização de uma imoralidade, que é de uma iniquidade e perversidade diabólicas!

 2. De outro lado, temos “403.634 famílias em situação de extrema pobreza” (nas quais seus membros vivem com até 105 reais por mês) e “198.550 famílias em situação de pobreza”, num total de 602.184 famílias extremamente pobres ou pobres.

“Mesmo com os programas sociais vigentes, a fome grita em Goiás. Nos últimos dois anos a Central Única das Favelas - CUFA - atendeu cerca de 212 mil famílias”. “O que chega não é suficiente para atender a demanda” (O Popular, Ib., p. 11).

“A fome é um contratestemunho que não reconhece de forma prática a dignidade integral das pessoas, não considera a primazia do bem comum como o conjunto de todos os bens necessários para cada pessoa se realizar humanamente, além de gerar toda uma conjuntura que faz com que a pessoa em situação de fome esteja em menores condições de participação, como se fosse invisível, correndo o risco de reduzir a solidariedade ao assistencialismo que, embora ajude nos momentos mais agudos, não transforma efetivamente as estruturas de pecado” (CF 2023. Texto-Base, 7).

Por fim, lembremos as palavras do Papa Francisco: “Para a humanidade, a fome não é só uma tragédia, mas também uma vergonha” (Mensagem para os 75 anos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura - FAO).

Quem sabe os “fura-tetos” e seus apoiadores resolvem se converter, seguindo o exemplo de Zaqueu! Logo que Jesus entrou em sua casa, “Zaqueu ficou de pé, e disse ao Senhor: ‘A metade dos meus bens, Senhor, eu dou aos pobres; e, se roubei alguém, vou devolver quatro vezes mais’” (Lc 19,8).

Ah! Se os “ladrões de colarinho branco” de hoje devolvessem quatro vezes aquilo que roubam, com certeza ninguém passaria fome! Um dia chegaremos lá! Esperançar é preciso!

Quem sabe os “fura-tetos” e seus apoiadores resolvem se converter, seguindo o exemplo de Zaqueu! Logo que Jesus entrou em sua casa, “Zaqueu ficou de pé, e disse ao Senhor: ‘A metade dos meus bens, Senhor, eu dou aos pobres; e, se roubei alguém, vou devolver quatro vezes mais’” (Lc 19,8).

Ah! Se os “ladrões de colarinho branco” de hoje devolvessem quatro vezes aquilo que roubam, com certeza ninguém passaria fome! Um dia chegaremos lá! Esperançar é preciso!

 

ALEGO - Plenário


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 08 de março de 2023

Dia Internacional da Mulher



sexta-feira, 3 de março de 2023

A Campanha da Fraternidade na Quaresma indica o caminho da conversão


No dia 22 de fevereiro - quarta-feira de Cinzas - a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou a Campanha da Fraternidade 2023, com o tema “Fraternidade e Fome” e o lema “Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14,16).

De acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), em 2022 a insegurança alimentar grave atingia 33,1 milhões de brasileiros e brasileiras. Depois de 10 anos, o Brasil voltou a figurar no Mapa da Fome, da Organização das Nações Unidas (ONU). 

É nessa situação de emergência que a CNBB assume, pela terceira vez, a realização de uma Campanha da Fraternidade voltada para a questão da fome. Como podemos dizer que somos irmãos e irmãs se muitos e muitas entre nós vivem em situação permanente de fome?

“Somos convocados a considerar a fome como referência para nossa reflexão e nosso propósito de conversão”. Frente ao sofrimento humano e - de maneira toda especial - ao “vergonhoso flagelo” da fome, não podemos ceder à cultura da indiferença (Texto-Base. Apresentação). A CF nos indica o caminho da conversão.

Lamentavelmente, a respeito da CF 2023, temos dois tipos de críticas:

1.Críticas sectárias e totalmente falsas de pessoas - que se dizem católicos e católicas e que - como afirma o professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Romero Venâncio - “tem forte presença nas redes sociais e nas plataformas digitais. Organizam-se a partir de lives, cursos, palestras, divulgação e leituras de livros tradicionalistas internos ao catolicismo”.

Esses católicos e católicas “são radicalmente contra as resoluções pastorais do Concílio Vaticano II dos anos 60; são terminantemente contrários às resoluções das Conferências de Medellin (1968) e Puebla (1979) e sempre em oposição a CNBB no Brasil”.

Nas redes sociais assumiram “uma crítica virulenta e desonesta à Campanha da Fraternidade 2023” (https://www.viomundo.com.br/voce-escreve/romero-venancio-extrema-direita-catolica-faz-critica-desonesta-a-campanha-da-fraternidade.html). Cuidado! São os fariseus de hoje!

2.Críticas baseadas numa visão teológica - consciente ou inconscientemente equivocada - de outros católicos e católicas - entre os quais temos também religiosos e religiosas, padres e bispos - que não aceitam a realização da Campanha da Fraternidade na Quaresma.

Dizem que a Quaresma é “o Tempo favorável para a conversão” e que, nesse Tempo, não devemos abordar outros assuntos.

Pergunto: o que é a conversão? Não é um processo de mudança de vida e de crescimento na vivência pessoal, comunitária e social da fraternidade? Na Quaresma, o destaque dado à fraternidade, a partir de situações históricas específicas - desumanas e antifraternas, como o “vergonhoso flagelo” da fome - não mostra “o que o pecado pode fazer quando não o enfrentamos? Por isso, a cada ano, recebemos um convite para viver a Quaresma à luz da Campanha da Fraternidade e viver a Campanha da Fraternidade em espírito de conversão pessoal, comunitária e social” (Texto-Base. Apresentação).

Objetivos permanentes da Campanha da Fraternidade:

  • DESPERTAR o espírito comunitário e cristão na busca do bem comum;
  • EDUCAR para a vida em fraternidade;
  • RENOVAR a consciência da responsabilidade de todos e todas pela ação evangelizadora, em vista de uma sociedade justa e solidária” (Texto-Base, 2).

 Objetivos da Campanha da Fraternidade 2023:

 Objetivo geral:

SENSIBILIZAR a sociedade e a Igreja para enfrentarem o flagelo da fome, sofrido por uma multidão de Irmãos e Irmãs, por meio de compromissos que transformem esta realidade a partir do Evangelho de Jesus Cristo”.

Objetivos específicos - Do Texto-Base destaco três:

  • COMPREENDER a realidade da fome à luz da fé em Jesus Cristo;
  • DESVELAR as causas estruturais da fome no Brasil;
  • ESTIMULAR iniciativas de agricultura familiar (e comunitária) agroecológica
          Acrescento três:
  • DENUNCIAR a iniquidade e perversidade estrutural - legalizada e institucionalizada - do sistema capitalista neoliberal, que - diz o Papa Francisco - “exclui, degrada e mata”;
  • CONSTRUIR - no respeito e na valorização das diferenças - a unidade de todas as Forças Sociais Populares (Sindicatos de Trabalhadores/as, Movimentos Populares, Comitês e Fóruns de Direitos Humanos e da Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum, e outras Organizações Populares);
  • LUTAR unidos e unidas para dar os passos históricos possíveis na superação do Projeto Capitalista e na implantação do Projeto Popular (verdadeiramente socialista) de Sociedade.
Termino com o pedido da Oração da CF 2023: "Inspirai-nos o sonho de um MUNDO NOVO, de diálogo, justiça e paz".






Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 03 de março de 2023



A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos