quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Em defesa da Vida antes e depois do nascimento


No dia 14 de agosto, participei da 1a. MARCHA GOIANA DA CIDADANIA EM DEFESA DA VIDA.             Ver tantas pessoas (crianças, jovens, adultos, idosos) de diversos Movimentos, Organizações socias, Escolas, Universidades e Igrejas, gritanto unidos "Vida sim! Aborto não!", é um sinal de esperança.
Gostaria, porém, de sugerir ao Movimento Nacional em Defesa da Vida e ao Comitê Goiano em Defesa da Vida que, nas próximas Marchas, o "grito" seja em defesa da Vida antes e depois do nascimento. A vida  deve ser defendida em todas as situações, em todas as circunstâncias e em todas as idades. Só para lembrar, no mundo morrem de fome ou de suas consequências imediatas 100 mil pessoas, a cada dia (cf. Análise de conjuntura. Mimeo, Brasília, maio de 2008)
 Mesmo tendo consciência disso, neste Artigo, quero referir-me à vida das crianças antes do nascimento (desde a concepção) e depois do nascimento (até os 10 anos de idade). A nossa sociedade "aborta" (mata) crianças antes e depois do nascimento; é uma sociedade estruturalmente "abortista" e "infanticida".
Falando dos abortos (antes do nascimento), em 2007 Demétrio Weber escrevia: "o Relatório da Federação Internacional de Planejamento Familiar (IPPF, na sigla em inglês) divulgado nesta quarta-feira estima que 19 milhões de abortos clandestinos serão realizados no mundo este ano, provocando a morte de 70 mil mulheres, além de deixar seqüelas em milhares de outras. O estudo diz que mais de 96% das gestantes que perdem a vida ou sofrem danos à saude por causa de abortos inseguros vivem nos países mais pobres do planeta, a maioria na África. De acordo com a Federação, o Brasil é responsável por um milhão de interrupções de gravidez de forma insegura a cada ano e, segundo a ex-coordenadora de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde Maria José Araújo, os abortos ilegais são responsáveis pela morte de 180 a 360 mulheres por ano no país" (oglobo.globo.com/pais/mat/2007/05/30/295957896.asp).
Embora reconhecendo a gravidade dos fatos, como defensor da Vida, não posso  concordar nem com o aborto "legal" ou "seguro" nem com o aborto "clandestino" ou "inseguro". Sei, porém, que os abortos clandestinos, em sua grande maioria, são realizados em situações desumanas (quando não dramáticas e de desespero) por causa de uma sociedade estruturalmente injusta, uma sociedade que viola os direitos fundamentais do Ser humano, uma sociedade baseada em "um sistema econômico iníquo" (Documento de Aparecida - DA, 385) e uma sociedade com leis que descriminam as pessoas (Para lembrar um exemplo da nossa realidade: no Caso do Parque Oeste Industrial, num documento do Poder público estava escrito que "aquela área era imprópria para habitação popular").
É por isso que, diante de determinadas situações nas quais o oborto é realizado (sem querer eliminar totalmente a responsabilidade moral das pessoas envolvidas - só Deus sabe), temos que ter muita sensibilidade humana, acolher bem as pessoas e saber compreender.
Lembremos agora os "abortos" (matanças) de crianças que a nossa sociedade provoca depois do nascimento. A nossa sociedade injusta, desumana e anti-cristã é uma sociedade "abortista" e "infanticida".
No mundo, 12,9 milhões de crianças  morrem a cada ano antes dos seus 5 anos de vida (cf. www.webciencia.com); 11 mil crianças morrem de fome a cada dia (cf. www.pime.org.br - “Mundo e Missão”); uma criança, menor de dez anos, morre de fome ou de suas consequências imediatas, a cada cinco segundos. Em 2007, foram mais de 6 milhões de crianças mortas (cf. Análise de conjuntura. Mimeo, Brasília, maio de 2008)
Na América Latina, um milhão de crianças morrem, ao ano, pela pobreza extrema: 2.700 por dia, 114 por hora, quase 2 por minuto (cf. Agenda Latino-americana, 2005)
Precisamos refletir. “Este massacre diário ocasionado pela fome não obedece de modo algum a uma fatalidade. Por trás de cada vítima, há um assassino. A atual ordem mundial não é só mortífera, também é absurda. O massacre se produz no meio de uma normalidade glacial. A equação é simples: quem tem dinheiro come e vive. Quem não tem sofre, converte-se em um inválido ou morre. Não se trata de fatalidade. Todo aquele que morre de fome é assassinado”.
“Sobre bilhões de Seres humanos, os senhores do capital financeiro mundializado exercem um direito de vida e de morte. Mediante suas estratégias de inversão, suas especulações, as alianças que estabelecem e as campanhas de conquista de mercados que organizam, decidem dia-a-dia quem tem direito de viver neste Planeta e quem está condenado a morrer” (ZIEGLER, J. Direitos Humanos e Democracia mundial. Em: Agenda Latino-Americana, 2007, p. 26). Esta é uma situação de pecado social ou estrutural.
Existem alternativas. “Frente à usurpação dos recursos naturais, temos que advogar pela soberania alimentar: que as comunidades controlem as políticas agrícolas e de alimentação. A terra, as sementes, a água têm de ser devolvidas aos camponeses para que possam alimentar-se e vender seus produtos às Comunidades locais. Isso requer uma reforma agrária integral da propriedade e da produção da terra e uma nacionalização dos recursos naturais” (VIVAS, E. Frente à crise alimentar, que alternativas? www.correiocidadania.com.br, 25/11/08).
“Todo homem, mulher, criança, tem o Direito inalienável de  ser  livre  da fome  e  da desnutrição” (Nações Unidas. Conferência Mundial sobre Alimentação, Roma,1974).
Continuemos gritando e lutando em defesa da Vida. A esperança - sobretudo para os Cristãos - nunca morre. Um "mundo novo" é possível. Já existem "sinais" que ele está acontecendo.

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 20 de agosto de 2009

                             

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Escola João Bennio: o “caos” na educação pública


         A Escola Estadual João Bennio do Jardim Curitiba 3 é um claro exemplo do descaso do Estado para com a Educação, sobretudo na Região Noroeste de Goiânia.
            A Escola Estadual João Bennio (como muitas outras) foi construída em caráter emergencial em 1989 com placas pré-moldadas. Era uma Escola provisória, em  condições muito precárias, que devia funcionar somente até a construção da Escola definitiva. Passaram-se vinte anos e nada foi resolvido.
            Nestes últimos anos, diversas denúncias foram feitas a respeito do quadro crítico da Escola e dos perigos que os alunos (mais de 800), funcionários e professores corriam, mas os responsáveis pela educação no Estado não tomaram nenhuma providência. O próprio Ministério Público Estadual em 2007 notificou a Secretária da Educação do Estado sobre a situação da Escola e a falta de condições mínimas para o ensino, mas mais uma vez ninguém se sensibilizou. É o total desrespeito do Poder Público para com o Povo pobre.
            Em março deste ano os problemas se agravaram: no dia 19 uma parede da sala de aula número 9 desabou junto a uma fossa sem tampa; numa turma de ensino médio, o quadro-negro despencou na hora em que a professora escrevia a matéria nele; as paredes da Escola são muito fracas em vários pontos. É inacreditável que no século XXI existam situações como essa na Educação. A direção da Escola acionou o Corpo de Bombeiros para solicitar uma avaliação sobre a segurança da sala 9, mas, constatando a situação precária de toda a unidade, os Bombeiros interditaram a Escola.
            Foram necessárias diversas reportagens na TV e uma ampla reportagem na primeira e segunda página do Jornal "O Popular" do dia 14 de maio deste ano para que o Poder Público começasse a tomar algumas providências. A reportagem destacava os seguintes títulos: "Riscos a alunos interditam Escola"; "Escola interditada por bombeiros"; "Parede de sala e quadro-negro caíram em março e alunos continuam na unidade, que oferecia riscos"; "Quadro crítico tem sido mostrado há anos".
            Diante dessa situação, a Comunidade Nossa Senhora da Vitória (Bairro Floresta) da Paróquia Nossa Senhora da Terra (que tem a sede no Jardim Curitiba 3), com o intuito de colaborar,  colocou à disposição da Escola o seu Centro Comunitário, em caráter provisório e emergencial, mas as condições do prédio são muito precárias para atender aproximadamente 500 crianças e adolescentes (turno matutino e vespertino; o turno noturno foi para a Escola Municipal Maria da Terra). Mesmo com algumas adaptações realizadas no prédio, será muito difícil que os professores tenham as condições mínimas necessárias para dar aula e os alunos, as condições mínimas necessárias para aprender. Receio que a falta de condições leve os professores a fingir de dar aula e os alunos, a fingir de aprender.
            Esperamos que uma situação escolar como essa nunca mais se repita. Esperamos também que o Estado tome providências imediatas para resolver o problema. Esperamos ainda que as soluções provisórias e emergenciais tomadas não sejam por mais 20 anos. Esperamos, enfim, que logo seja construída uma nova Escola onde as crianças e adolescentes sejam respeitados e possam estudar com dignidade.
            Pergunto: quando virá o dia em que a Educação pública, gratuita e de qualidade será a prioridade das prioridades do Estado? Quem sabe, possamos ainda ver este dia…

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

  Goiânia, 20 de maio de 2009     

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Mais uma farsa da (in)Justiça


         No dia 27 de abril deste ano o 1° Tribunal do Juri de Goiânia julgou Américo Rodrigues Novais e Joziel Pereira Feitosa. por tentativa de homicídio contra o tenente da Polícia Militar Ricardo Alves Mendes, na madrugada de 15 de fevereiro de 2005, na Ocupação "Sonho Real" do Parque Oeste Industrial, durante a "Operação Inquietação". Américo - líder dos Sem-Teto - foi  condenado a cinco anos e quatro meses de reclusão em regime semiaberto e Joziel foi absolvido.
            O julgamento foi uma verdadeira farsa. Como o advogado Rodrigo Lustosa mostrou muito claramente, com argumentos irrefutáveis, não há nenhuma prova contra Américo. Ele não teve qualquer tipo de participação no crime do qual é acusado. Trata-se de mais um caso de "intimidação" e "criminalização" dos Movimentos Populares. Quem estava no banco dos réus não era a pessoa do Américo, mas o Movimento de Luta pela Moradia, que teve a "ousadia" e o "atrevimento" de enfrentar o Poder Econômico e de desrespeitar o estatuto da propriedade privada - valor absoluto e verdadeiro "ídolo" - ao qual tudo deve ser sacrificado, inclusive a vida.
            No banco dos que processaram, não a pessoa do Américo, mas o Movimento de Luta pela Moradia estava o Poder Econômico, representado pelo Setor imobiliário com a subserviência do Poder Público, estadual e municipal. O Poder Econômico quis dar uma "lição" e um "castigo" aos Sem-Teto, que tiveram a coragem de desafiá-lo. Os que sofreram a violência (os violentados) foram condenados e os que praticaram a violência (os violentos) foram absolvidos. As "Operações Inquietação e Triunfo" foram uma  verdadeira Operação Militar de guerra; uma Operação criminosa, com requinte de barbárie. Todos os Direitos Humanos foram violados; os Responsáveis por esse crime continuam até hoje impunes e, na nossa sociedade hipócrita, são considerados "pessoas de bem". O sistema econômico, no qual nós vivemos, é - como afirma o Documento de Aparecida da V Conferência Episcopal da América Latina e do Caribe, no número 385 - "um sistema econômico iníquo".
            Infelizmente, o corpo de jurados (formado por quatro homens e três mulheres) do 1° Tribunal do Juri de Goiânia não tinha consciência da "questão social e política" que estava por trás desse julgamento. Temos esperança que, no recurso, essa injustiça, que grita diante de Deus, seja reparada. Fazemos também um apelo para que todos(as) - os(as) que somos solidários(as) com os Empobrecidos(as), Oprimidos(as) e Excluídos(as) - nos unamos, mesmo nas diferenças e divergências, para lutar contra toda tentativa de "intimidar" e "criminalizar" os Movimentos Populares, que acreditam que "um outro mundo é possível" e o fazem acontecer .
Como diz o Profeta Isaias, no capítulo 5, versículos 20-21 e 23: "Ai dos que dizem que o mal é bem, e o bem é mal, dos que transformam as trevas em luz e a luz em trevas, dos que mudam o amargo em doce e o doce em amargo! Ai dos que são sábios a seus próprios olhos e inteligentes diante de si mesmos! (…) Ai dos que absolvem o injusto a troco de suborno e negam fazer justiça ao justo!". Para os que têm fé, o poder do "Dragão", de que fala o Apocalipse no capítulo 12, já foi derrotado. O Reino de Deus (o Cristo Ressuscitado) venceu o Reino do Mal (o Dragão). Essa vitória acontece na história humana - pela atuação dos verdadeiros Seguidores(as) de Cristo, dos Movimentos Populares e de todas as Pessoas comprometidas com a prática da justiça. É só uma questão de tempo.

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Goiânia, 01 de maio de 2009

terça-feira, 31 de março de 2009

A “federalização” do caso do Parque Oeste


O Caso do Parque Oeste Industrial não pode ser esquecido e nem pode ficar impune. Trata-se de uma das maiores violações dos Direitos Humanos, em áreas urbanas, do Brasil e do mundo.
Conversando com um advogado de muita experiência profissional, ele me disse que se esse Fato tivesse acontecido no sul do Brasil, provavelmente o juiz teria tomado uma atitude diferente, negando a Liminar. Teria julgado o Fato a partir da ótica da função social da propriedade privada. Em Goiás, o juiz deu a Liminar porque julgou o Fato a partir da ótica do valor absoluto da propriedade privada.
A respeito desse Caso, podemos analisar duas questões. A primeira é a constitucionalidade da Liminar de despejo. A meu ver, a Liminar é inconstitucional, porque a área da Ocupação "Sonho Real" é um loteamento de 1957, sem nenhuma função social e, portanto, com todas as condições legais para ser desapropriada.
Seria desejável que um Advogado, perito na Constituição brasileira, fizesse um estudo para mostrar, com argumentos jurídicos, a inconstitucionalidade da referida Liminar, a fim de que fatos como esses não se repitam nunca mais.
As Autoridades e os Militares, que cumpriram a Liminar, poderiam, em nome da "objeção de consciência", ter praticado a "desobediência civil", mas não o fizeram. De qualquer modo, esse é outro assunto, que não queremos tratar agora.
A segunda questão - sobre a qual queremos chamar a atenção - é a maneira como foi cumprida a Liminar de despejo. Mesmo admitindo a constitucionalidade da Liminar  e prescindindo de argumentos baseados na Ética e na Justiça (que não são somente argumentos legais), a maneira como foi realizado o despejo - as duas Operações "Inquietação" e "Triunfo" - é totalmente ilegal, até para um leigo em assuntos jurídicos. Basta o bom senso.
Nessas Operações, todos os Direitos Humanos foram desrespeitados e violados da maneira mais bárbara possível. Não foi, propriamente falando, um despejo, mas uma verdadeira Operação Militar de guerra da pior espécie: 14.000 pessoas despejadas - com requintes de violência, crueldade e cinismo - em menos de 2 horas, 2 vítimas fatais, 16 feridos à bala, tornando-se um desses paraplégico, 800 pessoas detidas (suspeita-se que o número dos mortos e feridos seja bem maior) e 934 famílias desabrigadas. Esses crimes, ao que tudo indica, continuam impunes.
O que nós - que lutamos ao lado dos Injustiçados, Empobrecidos e Excluídos - queremos é que seja investigada e julgada a maneira como foi cumprida a Liminar, ou seja, as chamadas Operações "Inquietação" e "Triunfo".
O Procurador da República, Procurador Regional dos Direitos do Cidadão, Ailton Benedito de Souza, no Jornal "O Popular" do dia 21 de março/09, Caderno Opinião, pág. 7, no Artigo "O Parque Oeste e a lei" escreveu:
 "Ambos os Ministérios Públicos (MPF e MPE) terminaram integrando uma Comissão especial cujos trabalhos encerraram-se, no ano de 2006, na conclusão de que não havia necessidade de "federalizar" a persecução dos culpados pelos fatos criminosos relativos ao Caso Parque Oeste Industrial. Concluiu-se que estava ausente um pressuposto objetivo do IDC (Íncidente de Deslocamento de Competência para a Justiça Federal), ou seja, não havia omissão, leniência, excessiva demora, conluio ou conivência dos órgãos do Estado de Goiás para inviabilizar persecução criminal dos responsáveis".
Infelizmente, nem passa pela cabeça do Procurador da República que o crime, nesse Caso, possa ter sido praticado pelo Poder Executivo do Estado de Goiás, com a conivência do Poder Judiciário e a omissão da Prefeitura de Goiânia.
Por isso, ele termina dizendo: "Nenhum fato ou circunstância sobreveio que possa justificar, atualmente, o deslocamento da competência do Caso Parque Oeste Industrial para a Justiça Federal".
Questionamos as premissas, que logicamente levaram os Ministérios Públicos (MPF e MPE) e o Procurador da República citado às conclusões acima referidas. As premissas não correspondem, a não ser parcialmente, à verdade dos fatos.
Sabemos que os Militares - que tinham a obrigação legal de cumprir a Liminar de despejo - têm sua parcela de responsabilidade pessoal. Não se trata, porém, de investigar e julgar - como parece esteja acontecendo - só os possíveis abusos ou excessos de alguns Militares, praticados na execução das Operações "Inquietação" e "Triunfo". Trata-se, sobretudo, de investigar e julgar a ilegalidade das próprias Operações enquanto tais, em sua totalidade, cujo responsável - como já dissemos -  foi o Poder Executivo do Estado de Goiás (Governador, Secretário de Segurança Pública e Comandante da Polícia Militar), com a conivência do Poder Judiciário e a omissão da Prefeitura de Goiânia.
Além de ser um dos piores crimes já praticados contra os Direitos Humanos e a Ética no Brasil e no mundo, as Operações "Inquietação" e "Triunfo", foram também um crime que fere a Constituição e as Leis brasileiras, como também as Leis internacionais.
É justamente esse crime que queremos "federalizar" e não só os excessos cometidos por alguns Militares. Ficar só na investigação e julgamento dos excessos de alguns Militares significa fugir do verdadeiro problema, significa escamotear a verdade e procurar um bode expiatório. Como quem praticou esse crime foi o Poder Executivo do Estado de Goiás com a conivência do Poder Judiciário, pela lógica, esses dois Poderes não têm as mínimas condições de investigar e julgar a si próprios. E é por isso que se justifica a "federalização" do Caso.
Infelizmente, os crimes praticados pelo Poder Público e por aqueles que detêm o Poder Econômico nunca são seriamente investigados e julgados, a não ser nas Instâncias internacionais da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da OEA. Nós, os que queremos defender e promover os Direitos Humanos e a Ética, não desistimos. A esperança de um mundo novo, onde haja igualdade e justiça para todos, nunca morre. Jesus Cristo, cuja prática os verdadeiros Cristãos seguem, sempre esteve ao lado dos Injustiçados, dos Empobrecidos e dos Excluídos.

                                 Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 31 de março de 2009

                             

domingo, 1 de março de 2009

A Ocupação “Sonho Real: o "triunfo" da barbárie e da impunidade

No dia 16 de fevereiro de 2009 completou 4 anos do despejo dos Moradores da Ocupação "Sonho Real" no Parque Oeste Industrial, na Região sudoeste de Goiânia.
De 6 a 15 de fevereiro de 2005, de 0 às 6h, a Polícia Militar do Estado de Goiás começou a ação de reintegração de posse, realizando a chamada "Operação Inquietação". Cercou a área com viaturas, impediu a entrada e a saída de pessoas e cortou o fornecimento de energia elétrica. Com as sirenes ligadas, com o barulho  de disparos de armas de fogo, com a explosão de bombas de efeito moral, gás de pimenta e lacrimogêneo, a Polícia Militar promoveu o terror entre os Moradores da Ocupação.
No dia 16 de fevereiro de 2005, a Polícia Militar do Estado de Goiás realizou  uma verdadeira Operação Militar de guerra, cinicamente chamada "Operação Triunfo". Numa hora e quarenta e cinco minutos, cerca de 14.000 pessoas foram despejadas de suas moradias de maneira violenta, truculenta e sem nenhum respeito pela dignidade da pessoa humana.
A Operação Militar produziu 2 vítimas fatais, 16 feridos à bala, tornando-se um desses paraplégico e 800 pessoas detidas (suspeita-se que o número dos mortos e feridos seja bem maior). Esses crimes continuam impunes.
Todos os Direitos Humanos fundamentais foram violados: o Direito à Vida, o Direito à Moradia, o Direito ao Trabalho, o Direito à Saúde, o Direito à Alimentação e à Água, os Direitos da Criança e do Adolescente, os Direitos da Mulher, os Direitos dos(as) Idosos(as) e os Direitos das Pessoas com necessidades especiais. 
            Os atuais Moradores do "Residencial Real Conquista" - onde, depois de tanto sofrimento, uma parte das famílias da Ocupação "Sonho Real" foi assentada, embora em condições ainda muito precárias - programaram, para o dia 16  de fevereiro de 2009, um Ato Público em "memória" da pior barbárie praticada em toda a história de Goiânia, que foi "Operação Triunfo". Infelizmente o Ato Público não aconteceu nesse dia. Existem suspeitas fundadas que tenha sido "boicotado" por algumas falsas lideranças que têm uma prática coronelista e usam o  Povo  para seus próprios interesses.
O Povo não desistiu e o Ato Público foi realizado no dia 28 de fevereiro de 2009, às 9h, na rótula em frente à Rua Magnólia, na entrada do Parque Oeste Industrial.
 Estavam presentes cerca de 40 pessoas, vindas num ônibus fretado pelo próprio Povo, e representantes de algumas Entidades defensoras dos Direitos Humanos. Foi um Ato comovente e significativo. Entre os  presentes estavam Dona Dalva, mãe do Vagner, Eronildes, viúva do Pedro e Marcelo Henrique. Os jovens Vagner e Pedro foram assassinados pela Polícia Militar durante a "Operação Triunfo", e o jovem Marcelo Henrique foi baleado durante a mesma "Operação", ficando paraplégico.
O Ato Público teve a cobertura jornalística da TV Anhanguera e da TV Record. O Jornal "O Popular", no dia 14 de fevereiro de 2009, na coluna "Direito & Justiça", já tinha dado notícia sobre as novas providências que, a respeito do caso, estão sendo tomadas pelo Defensor Público Federal Adriano Cristian Souza Carneiro, a pedido dos Alunos do Curso de Pós-Graduação (Especialização) em Direitos Humanos do Instituto Dominicano de Justiça e Paz "Frei Antônio Montesino" - UCG.
Os presentes ao Ato Público, depois de um Momento celebrativo, plantaram diversas Cruzes em "memória" dos mortos da "Operação Triunfo" e das pessoas que morreram depois nos Ginásios de Esportes da Capuava e do Novo Horizonte (onde uma parte das famílias despejadas ficou mais de três meses), e no Acampamento do Grajaú (onde as mesmas famílias ficaram mais de três anos), em consequência das condições de vida subumanas e, sobretudo, das péssimas condições de higiene e saúde.
Para que tamanha barbárie não caia no esquecimento e para que se faça justiça, foram anunciadas, durante o Ato, as seguintes ações concretas:

A luta pela  federalização dos crimes ocorridos e pela indenização das vítimas.
     Trata-se de um dos piores crimes contra os Direitos Humanos já praticados no País, em área urbana. A liminar de despejo é inconstitucional, porque considera a propriedade privada como um direito absoluto, quando a Constituição brasileira diz claramente que a propriedade privada só tem sentido se tiver uma função social. O loteamento do Parque Oeste Industrial é um loteamento abandonado desde 1957, para fim de especulação imobiliária e sem nenhuma  função social.
     A maneira violenta como foram realizadas as "Operações Inquietação e Triunfo" foi não só injusta, mas também totalmente ilegal. O maior responsável por esse crime contra os Direitos Humanos foi o Estado (Governador, Secretário de Segurança Pública e Comandante da Polícia Militar), com a omissão da Prefeitura, e a conivência do Judiciário e do Setor imobiliário.
O recurso à Corte  Internacional dos Direitos Humanos da OEA.
A realização de um Tribunal Popular para julgar e condenar, no banco dos réus, o Poder Público, Estadual  e  Municipal.
Uma campanha para que ninguém compre lotes na área da ex-Ocupação "Sonho Real" do Parque Oeste Industrial, e para que a área seja desapropriada e declarada de utilidade pública.
É uma área impregnada de sangue inocente; uma área que, no sentimento religioso do Povo, é "amaldiçoada" por Deus e só será "libertada" da maldição divina se for utilizada para o bem comum, e em benefício dos Pobres e Excluídos da sociedade.
            Como diz o Profeta Isaias, no capítulo. 5, versículos 8-9, "ai daqueles que juntam casa com casa e emendam campo a campo. Até que não sobre mais espaço e sejam os únicos a habitarem no meio do País. Javé dos exércitos jura no meu ouvido: suas muitas casas serão arrasadas, seus palácios luxuosos ficarão desabitados".

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 01 de março de 2009
A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos