O Caso do Parque Oeste Industrial não
pode ser esquecido e nem pode ficar impune. Trata-se de uma das maiores
violações dos Direitos Humanos, em áreas urbanas, do Brasil e do mundo.
Conversando com um advogado de muita experiência
profissional, ele me disse que se esse Fato tivesse acontecido no sul do
Brasil, provavelmente o juiz teria tomado uma atitude diferente, negando a
Liminar. Teria julgado o Fato a partir da ótica da função social da propriedade
privada. Em Goiás, o juiz deu a Liminar porque julgou o Fato a partir da ótica
do valor absoluto da propriedade privada.
A respeito desse Caso, podemos
analisar duas questões. A primeira é a constitucionalidade da Liminar de
despejo. A meu ver, a Liminar é inconstitucional, porque a área da Ocupação
"Sonho Real" é um loteamento de 1957, sem nenhuma função social e,
portanto, com todas as condições legais para ser desapropriada.
Seria desejável que um Advogado,
perito na Constituição brasileira, fizesse um estudo para mostrar, com
argumentos jurídicos, a inconstitucionalidade da referida Liminar, a fim de que
fatos como esses não se repitam nunca mais.
As Autoridades e os Militares, que
cumpriram a Liminar, poderiam, em nome da "objeção de consciência",
ter praticado a "desobediência civil", mas não o fizeram. De qualquer
modo, esse é outro assunto, que não queremos tratar agora.
A segunda questão - sobre a qual
queremos chamar a atenção - é a maneira como foi cumprida a Liminar de despejo.
Mesmo admitindo a constitucionalidade da Liminar e prescindindo de argumentos baseados na
Ética e na Justiça (que não são somente argumentos legais), a maneira como foi
realizado o despejo - as duas Operações "Inquietação" e "Triunfo"
- é totalmente ilegal, até para um leigo em assuntos jurídicos. Basta o bom
senso.
Nessas Operações, todos os Direitos
Humanos foram desrespeitados e violados da maneira mais bárbara possível. Não
foi, propriamente falando, um despejo, mas uma verdadeira Operação Militar de
guerra da pior espécie: 14.000 pessoas despejadas - com requintes de violência,
crueldade e cinismo - em menos de 2 horas, 2 vítimas fatais, 16 feridos à bala,
tornando-se um desses paraplégico, 800 pessoas detidas (suspeita-se que o
número dos mortos e feridos seja bem maior) e 934 famílias desabrigadas. Esses
crimes, ao que tudo indica, continuam impunes.
O que nós - que lutamos ao lado dos
Injustiçados, Empobrecidos e Excluídos - queremos é que seja investigada e
julgada a maneira como foi cumprida a Liminar, ou seja, as chamadas Operações
"Inquietação" e "Triunfo".
O Procurador da República, Procurador
Regional dos Direitos do Cidadão, Ailton Benedito de Souza, no Jornal "O
Popular" do dia 21 de março/09, Caderno Opinião, pág. 7, no Artigo "O
Parque Oeste e a lei" escreveu:
"Ambos os Ministérios Públicos (MPF e
MPE) terminaram integrando uma Comissão especial cujos trabalhos encerraram-se,
no ano de 2006, na conclusão de que não havia necessidade de
"federalizar" a persecução dos culpados pelos fatos criminosos relativos
ao Caso Parque Oeste Industrial. Concluiu-se que estava ausente um pressuposto
objetivo do IDC (Íncidente de Deslocamento de Competência para a Justiça
Federal), ou seja, não havia omissão, leniência, excessiva demora, conluio ou
conivência dos órgãos do Estado de Goiás para inviabilizar persecução criminal
dos responsáveis".
Infelizmente, nem passa pela cabeça do
Procurador da República que o crime, nesse Caso, possa ter sido praticado pelo
Poder Executivo do Estado de Goiás, com a conivência do Poder Judiciário e a
omissão da Prefeitura de Goiânia.
Por isso, ele termina dizendo:
"Nenhum fato ou circunstância sobreveio que possa justificar, atualmente,
o deslocamento da competência do Caso Parque Oeste Industrial para a Justiça
Federal".
Questionamos as premissas, que
logicamente levaram os Ministérios Públicos (MPF e MPE) e o Procurador da
República citado às conclusões acima referidas. As premissas não correspondem,
a não ser parcialmente, à verdade dos fatos.
Sabemos que os Militares - que tinham
a obrigação legal de cumprir a Liminar de despejo - têm sua parcela de
responsabilidade pessoal. Não se trata, porém, de investigar e julgar - como
parece esteja acontecendo - só os possíveis abusos ou excessos de alguns
Militares, praticados na execução das Operações "Inquietação" e
"Triunfo". Trata-se, sobretudo, de investigar e julgar a ilegalidade
das próprias Operações enquanto tais, em sua totalidade, cujo responsável -
como já dissemos - foi o Poder Executivo
do Estado de Goiás (Governador, Secretário de Segurança Pública e Comandante da
Polícia Militar), com a conivência do Poder Judiciário e a omissão da
Prefeitura de Goiânia.
Além de ser um dos piores crimes já
praticados contra os Direitos Humanos e a Ética no Brasil e no mundo, as
Operações "Inquietação" e "Triunfo", foram também um crime
que fere a Constituição e as Leis brasileiras, como também as Leis
internacionais.
É justamente esse crime que queremos
"federalizar" e não só os excessos cometidos por alguns Militares.
Ficar só na investigação e julgamento dos excessos de alguns Militares
significa fugir do verdadeiro problema, significa escamotear a verdade e
procurar um bode expiatório. Como quem praticou esse crime foi o Poder
Executivo do Estado de Goiás com a conivência do Poder Judiciário, pela lógica,
esses dois Poderes não têm as mínimas condições de investigar e julgar a si
próprios. E é por isso que se justifica a "federalização" do Caso.
Infelizmente, os crimes praticados
pelo Poder Público e por aqueles que detêm o Poder Econômico nunca são seriamente
investigados e julgados, a não ser nas Instâncias internacionais da Comissão
Interamericana dos Direitos Humanos da OEA. Nós, os que queremos defender e
promover os Direitos Humanos e a Ética, não desistimos. A esperança de um mundo
novo, onde haja igualdade e justiça para todos, nunca morre. Jesus Cristo, cuja
prática os verdadeiros Cristãos seguem, sempre esteve ao lado dos Injustiçados,
dos Empobrecidos e dos Excluídos.
Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da
UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos
Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do
Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do
Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial
da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 31 de março
de 2009
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