domingo, 26 de setembro de 2010

Eleições: reforma ou mudança?


            Vivemos no sistema capitalista neoliberal, que é um “sistema econômico iníquo” (Documento de Aparecida - DA, 385) ou um “sistema nefasto”, porque considera “o lucro como o motivo essencial do progresso econômico, a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos bens de produção como um direito absoluto, sem limites nem obrigações correspondentes” (Populorum Progressio - PP, 26).
            Em outras palavras, o capitalismo é "o mal maior, o pecado acumulado, a raiz estragada, a árvore que produz esses frutos que nós conhecemos: a pobreza, a fome, a doença, a morte da grande maioria" (Bispos do Centro-Oeste. Marginalização de um Povo, 1973).
            Precisamos denunciar as "situações de pecado" (DA, 95), as "estruturas de pecado" (DA, 92, 532), as "estruturas de morte" (DA, 112) da nossa sociedade moderna e colaborar "com outros organismos ou instituições para organizar estruturas mais justas nos âmbitos nacionais e internacionais. É urgente criar novas estruturas que consolidem uma ordem social, econômica e política, na qual não haja iniquidade e onde haja possibilidades para todos. Igualmente, requerem-se novas estruturas que promovam uma autêntica convivência humana (…)" (DA, 384).
            "A esperança nunca morre" (D. Pedro Casaldáliga). O 16° Grito dos/as Excluídos/as deste ano de 2010 - um sinal concreto de esperança - tem como tema "Vida em primeiro lugar" e como lema "Onde estão nossos direitos? Vamos às ruas para construir um projeto popular".
            As eleições são um momento ímpar para o exercício da cidadania. Quais os critérios que devem orientar a escolha dos candidatos/as?
            A meu ver, temos que olhar não só a história de vida dos/as candidatos/as, mas também e sobretudo, o projeto político que eles/elas e seus partidos defendem atualmente. Digo "atualmente", porque existem partidos e candidatos/as, que se aliaram ao sistema econômico dominante e renegaram - se não com palavras, pelo menos de fato -  toda sua história de luta ao lado do povo pobre, oprimido e excluído.
            Temos também candidatos, que se dizem "cristãos" e fazem questão de defender alguns valores importantes no campo da bioética, mas que "encontram-se muitas vezes em contradição com as opções e compromissos que estes mesmos candidatos têm em relação aos direitos humanos, à economia, à vida social e política e, de modo especial, às necessidades dos pobres".
            "A defesa de alguns valores importantes pode ser feita por estes candidatos para iludir e esconder compromissos e práticas que estão, na verdade, a serviço da cultura da morte. A defesa da cultura da vida exige que os valores da bioética não sejam separados dos valores da ética social" (CNBB. Eleições 2010: o chão e o horizonte. Brasília-DF, maio/2010).
            Hoje, "na verdade, o governo procura quebrar a combatividade dos movimentos, dividi-los, desmobilizá-los e mantê-los apenas como massa de apoio quando necessário. Conseguiu, em boa parte, seu intento de colocar como limite máximo de utopia as mudanças dentro dos quadros do neoliberalismo. Muitos, nos movimentos, contentam-se com as pequenas conquistas obtidas.
            Há insatisfação, sem dúvida: uma outra parte dos movimentos tem uma posição crítica. Esta divisão, esta confusão, esta aparência de governo do povo, sendo preferencialmente governo dos banqueiros, dificulta o posicionamento dos movimentos sociais.
            (…) Existe uma mobilização autônoma, porém, em vários setores, e em vários movimentos: para dar um exemplo, na Assembleia Popular, que é uma articulação de diversos movimentos, pastorais e entidades da sociedade civil. Foi a única articulação que produziu um projeto de sociedade, distinto do vigente, crítico ao modelo neoliberal (“O Brasil que queremos”). Este tipo de articulação pode crescer, porque vem de encontro aos anseios de muitos que estão insatisfeitos" (Entrevista com o sociólogo Ivo Lesbaupin, concedida, por e-mail, à IHU On Line, abril 2010).
            Delfim Netto, homem forte da economia no regime militar e, atualmente (por incrível que pareça) um dos principais conselheiros do atual governo, afirma que o governo foi o primeiro a perceber "que o capitalismo deve aos programas de distribuição de renda sua sobrevivência no país" e que o governo "mudou o pais de forma importante, de forma a salvar o capitalismo" (Entrevista de Aguinaldo Novo. Em: O Globo, 20/09/09).
            Infelizmente, a maioria dos nossos candidatos/as (mesmo quando se dizem cristãos/ãs), seja da situação que da oposição, são reformistas. Não querem mudar as estruturas do "sistema econômico iníquo" vigente; querem simplesmente "maquiá-lo", colocando remendinhos novos numa roupa velha.
            As diferenças e as brigas entre eles e elas se referem unicamente à reformas e não à mudanças estruturais. Para esses políticos, os chamados "programas sociais de distribuição de renda" (que em situações emergenciais são necessários, mas que não resolvem o problema) são como balinhas que se costuma dar às crianças para que não chorem, e servem para legitimar o "sistema econômico iniquo" vigente (às vezes, até com argumentos religiosos, usando o nome de Deus em vão) e para manter o povo, pobre, oprimido e excluído em situação de dependência dos poderosos e do governo, evitando assim possíveis revoltas.
            "A misericórdia (leia-se: obras sociais, programas sociais de distribuição de renda e outros) sempre será necessária, mas não deve contribuir para criar círculos viciosos que sejam funcionais para um sistema econômico iníquo. Requer-se que as obras de misericórdia sejam acompanhadas pela busca da verdadeira justiça social, que vá elevando o nível de vida dos cidadãos, promovendo-os como sujeitos de seu próprio desenvolvimento" (DA, 385).
            Hoje - como falou o sociólogo Ivo Lesbaupin - a maioria dos movimentos populares são cooptados pelo governo, atrasando mais de trinta anos, talvez, a organização popular. Basta, por exemplo, lembrar a festa do primeiro de maio, reduzida a um show para os trabalhadores.
            Precisamos reverter essa situação iníqua e votar em políticos que estejam de acordo com o projeto "o Brasil que queremos", "projeto popular", alternativo, justo, humano, fraterno e estruturalmente diferente. Mesmo que muitos deles ou delas não ganhem agora as eleições, marcam presença, fazem avançar o processo democrático e abrem caminhos novos para que o "projeto popular" aconteça.
            Eleitores e eleitoras, vamos abrir os olhos, refletir e tomar nossas decisões. O seu voto é muito importante e faz a diferença. "Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância" (Jo, 10, 10).
Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 26 de setembro de 2010  


terça-feira, 21 de setembro de 2010

Um falso líder do povo


         Falando das alianças enganadoras, o Profeta Isaías diz: "Ai de vocês, (…) fazem planos que não nasceram de mim, fazem acordos sem minha inspiração, de maneira que amontoam erros e mais erros" (30, 1).
            Por ter vivido intensamente a história dos ex-Moradores "sem-teto" do Parque Oeste Industrial e partilhado o seu sofrimento, fiquei profundamente indignado ao tomar conhecimento que um líder ou, melhor dizendo, um falso líder desses ex-Moradores traiu o povo, se vendeu e se aliou politicamente ao governador da época na qual foi praticada - como já disse outras vezes - a pior barbárie da história de Goiânia e uma das piores da história do Brasil e do mundo (as chamadas Operações "Inquietação" e "Triunfo").
            Meu Deus! Quanto oportunismo político! Quanta covardia! Quanta bajulação! Um tal comportamento é realmente repugnante, para não dizer, nojento. Não dá para entender como um ser humano possa se rebaixar tanto por causa de interesses pessoais e egoístas.
             E tem mais (pasmem!): O então governador declarou recentemente, com toda altivez, que os ex-Moradores "sem-teto" do Parque Oeste Industrial reconheceram que estavam errados e que ele estava certo. Prova disso - segundo ele - seria o fato que um líder desses ex-Moradores e seus seguidores estão agora do seu lado, o apoiando na campanha política.
            O então governador subestima a inteligência do nosso povo, que não é idiota. Se um líder e seus seguidores (ou, seus capangas) traiçoeiramente se venderam, o povo, em sua grande maioria, não fez isso. Os ex-Moradores "sem-teto" do Parque Oeste Industrial sabem que estavam certos e agiram de maneira ética. O então governador - mesmo que fale agora o contrário - sabe também que eles estavam certos.
            Como ensina S. Tomás de Aquino e a própria Doutrina Social da Igreja, o direito de propriedade privada não é um direito absoluto, ao qual tudo deve ser sacrificado, inclusive a vida; ele é um direito secundário, subordinado ao direito primário, que é a destinação dos bens para uso de todos os seres humanos.
            Além disso, como o então governador sabe muito bem, a área ocupada do Parque Oeste Industrial era, desde 1957 (e continua até hoje) uma área sem nenhuma função social e, portanto, com todas as condições legais e constitucionais para ser desapropriada. O próprio então governador chegou a declarar, numa entrevista coletiva - na minha presença - que estava decidida a desapropriação. O povo fez até festa.
            Mas, infelizmente, o então governador voltou atrás, demonstrando ser um homem sem palavra e covardemente submisso às pressões dos donos das grandes imobiliárias, que são verdadeiros "coronéis urbanos".
            Esses "coronéis urbanos" não estavam preocupados com a vida do povo e nem com o dinheiro que o governo iria gastar no despejo de cerca 14.000 pessoas; só não queriam dar a vitória ao povo, para não criar - diziam eles - um precedente perigoso e prejudicar os interesses econômicos das imobiliárias.
            Num documento do Poder Público Estadual da época - eu vi com os meus próprios olhos - estava escrito que aquela área "era imprópria para habitação popular". Os pobres não podem morar perto das "pessoas de bem"; eles têm que viver  nos "cinturões periféricos" da cidade, longe das benfeitorias da vida urbana, para não subverter a "ordem" - que, na realidade, como diz o filósofo E. Mounier, é uma "desordem estabelecida" - da nossa sociedade classista e capitalista, estruturalmente hipócrita e injusta.
            Falando da maldição de Deus contra os poderosos e gananciosos, o Profeta Isaias diz: "Ai daqueles que juntam casa com casa e emendam campo à campo, até que não sobre mais espaço e sejam os únicos a habitarem no meio do país" (5, 8).
            Tenho certeza que os ex-Moradores "sem-teto" do Parque Oeste Industrial (uma parte deles mora atualmente no Residencial Real Conquista, que não é um presente do então governador, mas um direito e uma conquista do povo) não se deixarão enganar por um falso líder e seus seguidores oportunistas.
            Lembremos as palavras do Profeta Jeremias: "Não se deixem enganar pelos falsos profetas, que existem no meio de vocês, não escutem os adivinhos e nem os sonhos que dizem que têm, porque eles profetizam mentiras em meu nome. Eu não enviei nenhum deles" (29, 8-9).
            Antes de terminar - para que o meu artigo não seja instrumentalizado político partidariamente por ninguém, entrando, assim, na contrapropaganda política, quero afirmar alto e bom som: o que me motivou a escrever este artigo foi unicamente a indignação diante da traição de um líder do povo, e a defesa da justiça e da verdade.
            Por isso, lembro: o responsável direto de tudo o que aconteceu no Parque Oeste Industrial é o então Poder Público Estadual, que executou a liminar; os responsáveis indiretos são o então Judiciário, que pressionou para que a liminar fosse cumprida e o então Poder Público Municipal, que foi omisso e conivente com a barbárie praticada.
            "Ai daqueles que fazem decretos iníquos e daqueles que escrevem apressadamente sentenças de opressão, para negar a justiça ao fraco e fraudar o direito dos pobres" (Is. 10, 1-2).
            É esse o caso do Parque Oeste Industrial.



Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 21 de setembro de 2010

      

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Operação integração 5: uma violação dos Direitos Humanos


Conforme noticiou a imprensa, a Secretaria de Segurança Pública de Goiás - atendendo às demandas do empresariado goianiense - programou para o dia 23 do agosto deste ano, a partir da 18h, a chamada "Operação Integração 5" na Região Centro de Goiânia e adjacências para "retirar" as crianças, os adolescentes e os adultos em situação de rua e "limpar" assim a cidade.
Após muita polêmica, a Secretária de Segurança Pública, Renata Cheim, adiou o início da "Operação Integração 5", em função da necessidade de novos ajustes (cf. Diário da Manhã, 24/08/10, p. 1-2). A meu ver, a questão não está nos "novos ajustes", mas no fato que a "Operação Integração 5", enquanto tal, é uma violação dos Direitos Humanos.
Só para lembrar, o ex-Prefeito de Goiânia Iris Rezende, em reunião no Paço Municipal na manhã do dia 7 de janeiro deste ano com secretários, diretores e superintendentes do primeiro, segundo e terceiro escalões, afirmou: "Nós não temos crianças nas ruas. Mais de 7.500 crianças estão envolvidas com programas sociais da Prefeitura" (Diário da Manhã, 07/01/10, p. 12). Como se justifica então a "Operação Integração 5". Que contradição!
            Além disso, reparem os verbos usados: "retirar" como se se tratasse de entulho; "limpar" como se se tratasse de lixo. Realmente a nossa sociedade - que é estruturalmente violenta, hipócrita e injusta - trata os moradores de rua como entulho e lixo humano. Eles perturbam os empresários e todas as pessoas que, em nossa sociedade capitalista, são chamadas "pessoas de bem".
Lembremos que "a Constituição Federal de 1988, constituída em Estado Democrático de Direito, tem como fundamento, entre outros, conforme se verifica no inciso III do artigo 1º, a dignidade da pessoa humana. Nesse passo, não se admite o desrespeito à pessoa, quer seja moralmente ou fisicamente. O constituinte, com uma sapiência divina, vislumbrou uma sociedade livre, justa e solidária, nessa premissa inseriu um artigo voltado ao direito e garantias fundamentais do ser humano. E ainda, possibilitou o Brasil a aderir a Tratados Internacionais, que tenham princípios consolidados na prevalência dos Direitos Humanos, consoante o que prescreve o inciso II do artigo 4º da Carta Magna" (www2.forumseguranca.org.br - 22/08/10).
Lembremos também o direito de todo cidadão de ir e vir. "Todo cidadão indistintamente tem direito à sua liberdade, ao direito de ir e vir, só podendo ter a sua liberdade cerceada, em decorrência de prisão em flagrante delito ou por mandado judicial, devidamente fundamentada por autoridade judiciária competente, não devendo confundir autoridade judiciária, com administrativa ou cartorária, devendo estes representar à autoridade Judiciária, a fim de obter autorização no sentido de se promover à restrição da liberdade de alguém, o que deverá observar dispositivos legais que oportunizam tal cerceamento" (Ib.).
Ninguém, portanto, pode violar o direito humano de ir e vir, nem das crianças e adolescentes em situação de rua. O Direito à liberdade vem disposto no Capítulo II do Estatuto da Criança e Adolescente. Tanto a criança quanto o adolescente tem o direito de ir e vir.
Em Goiânia e no Estado de Goiás não precisamos da "Operação Integração 5" que, aliás, não integra nada e é - como já falei - uma violação dos Direitos Humanos. Precisamos, sim, de políticas públicas para as crianças, adolescentes e adultos em situação de rua. As políticas públicas deveriam suscitar nos moradores de rua a autoestima; ajudá-los a descobrir o sentido (o valor) da vida humana e o desejo de ser sujeitos da história. Quem conversa com os moradores de rua, como irmãos, descobre histórias de vida de muito sofrimento, mas também - na maioria das vezes - de uma sensibilidade humana tão profunda que edifica. Basta saber acolher e ouvir.
Para que isso  possa ser feito é necessária uma pedagogia, que  realmente liberte e humanize as pessoas. As políticas públicas para as crianças, adolescentes e adultos em situação de rua deveriam ser a prioridade das prioridades do Poder Publico, federal, estadual e municipal. Os moradores de rua são pessoas humanas como todos nós e devem ser tratados com respeito e, sobretudo, com amor
Ninguém, evidentemente, concorda com o fato de crianças, adolescentes e adultos viverem em situação de rua. Todos tem direito à moradia digna. O problema, porém, não se resolve com a "Operação Integração 5". Não é este o caminho.


Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 24 de agosto de 2010

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O cúmulo da iniquidade humana



            O sequestro e a execução do menino Lucas, de doze anos, é o cúmulo da iniquidade humana. Não dá para entender como possa existir, em pleno século XXI, tanta crueldade. Como pessoas humanas e, sobretudo, como cristãos não podemos ficar calados diante de tanta barbárie. Exigimos justiça.
            Lucas morava na Vila Brasília, em Aparecida de Goiânia. Era um menino franzino e nasceu com um defeito nos pés. Começou a andar depois de uma cirurgia, realizada no Hospital da Clínicas da UFG. Usava crack desde os oito anos e, para alimentar o vício, praticava pequenos furtos, passando várias vezes pela polícia.
            No dia 16 de julho deste ano, "Lucas foi retirado da porta de casa, na Rua Juçara, por volta das três horas, por homens que ocupavam um carro preto de vidro fumê. O garoto ainda gritou a mãe, mas ela não conseguiu abrir o portão a tempo. Meia hora depois a Polícia Militar de Senador Canedo foi acionada por um chacareiro que viu o corpo de Lucas estendido na estrada (próximo ao Goiás Carne) depois de ouvir o barulho de um carro e quatro disparos" (O Popular, Cidades, 17/07/10, p. 8). Meu Deus, em que sociedade nós vivemos! Além do mais, se tratava de uma criança! Que brutalidade!
            Eliete, a mãe de Lucas, é uma mulher sofrida e aparenta muito mais idade da que tem. Depois de separar do marido, cuidou sozinha dos seis filhos. Na madrugada do dia 16, "Eliete acordou  com  os gritos de Lucas, o filho que nasceu com problema nos pés. Por causa do problema congênito e do uso do crack, Lucas era o filho que mais preocupava Eliete. A mãe tentou de todo jeito abrir o portão. Eliete chora o tempo todo como se cobrasse de si mesma por não ter salvado a vida do filho. (…) Eliete se sente fracassada por não ter conseguido tirar Lucas do vício. Há mais de quatro anos buscou ajuda em órgãos públicos, em vão" (Ib.).
            É muito doído ouvir a Eliete dizer que "há mais de quatro anos buscou ajuda em órgãos públicos, em vão". Será que essa decepção da Eliete, manifestada em forma de desabafo, não diz nada à consciência dos responsáveis desses órgãos públicos? Quando será que o Poder Público cumprirá a Constituição Federal? Ela nos lembra que os direitos das crianças e dos adolescentes devem ser assegurados "com absoluta prioridade" e que as crianças e os adolescentes devem ser colocados a salvo "de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão" (Art. 227).
            A Eliete, não precisa se sentir fracassada por não ter conseguido tirar Lucas do vício. Ela é uma verdadeira heroína. Infelizmente, é a nossa sociedade que ainda é muito hipócrita, injusta e desumana. Tenho certeza na fé que Lucas, totalmente liberto, está agora junto de Deus na plenitude da vida e da felicidade. Está também - embora de maneira diferente - junto de sua mãe Eliete, dando-lhe paz e força para que possa continuar a caminhada.
            Exigimos da nova Secretária de Segurança Pública do Estado de Goiás, Renata Cheim, que o crime bárbaro da execução de Lucas, uma criança de doze anos, seja investigado e que os culpados sejam processados, julgados e punidos. É o mínimo que pode ser feito para que haja justiça. Tudo indica que se trata, mais uma vez, de um crime de violência policial, com requinte de crueldade, por ser a vítima uma criança. O advogado da Eliete - conforme noticiou a imprensa - "disse que foi a P2" (Ib.).
Lembrem-se os assassinos de Lucas que Deus é justo. Aguardem!

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 02 de agosto de 2010

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Mais de sete horas de tortura: uma verdadeira barbárie


            É realmente repugnante ler na imprensa do dia 26 de junho deste ano que o jovem trabalhador M., ajudante de pedreiro, foi barbaramente torturado, mais de sete horas, por policiais militares do Batalhão da PM em Trindade. Ele - por ter as características físicas parecidas com o retrato falado do acusado - foi confundido com o homem que, há poucos dias, estuprou duas irmãs e matou a mais velha. Posteriormente o jovem trabalhador foi levado à Delegacia da Mulher e não foi reconhecido pela vítima do estupro. Mas, mesmo que se tratasse do estuprador e assassino, não se justificaria o crime que os policiais militares cometeram. É um crime que clama a Deus por justiça. 
            Segundo o depoimento da própria mãe, dado no dia 29 de junho à TV Brasil Central, o jovem trabalhador está totalmente traumatizado, com medo de sair de casa e sem conseguir dormir. Que barbárie! Em que mundo estamos!
            Precisamos reafirmar com veemência o direito de todo ser humano à integridade física e condenar o castigo corporal ou a pena cruel e degradante. "Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante" (Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. V, 1948)
Constitui crime de tortura: "1- constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; 2- submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo" (Lei N° 9.455, Art. 1°, 7 de abril de 1997).
            O crime de tortura, além de ser um crime contra a Lei, é também e sobretudo um crime contra a Ética. É um crime que viola todos os Direitos Humanos e é  tão bárbaro que deixa qualquer pessoa, com um mínimo de sensibilidade humana, totalmente indignada. Não podemos mais aceitar tanta violência policial. Precisamos dizer:  Basta!
            Há poucos dias, no Artigo "Quem executou Walter e Jeferson?", publicado no Diário da Manhã do dia 31 de maio deste ano, cobrei do novo Secretário de Segurança Pública do Estado de Goiás, Sérgio Augusto Inácio de Oliveira, uma investigação séria e honesta sobre a execução dos dois jovens, moradores de rua, Walter e Jeferson. Até agora, por aquilo que me consta, não foi dada nenhuma satisfação à sociedade sobre o andamento ou o resultado da investigação. Os cidadãos, senhor Secretário, merecem mais respeito do Poder Público.
            Peço também que este caso do jovem trabalhador - torturado e espancado por mais de sete horas de maneira degradante e humilhante - seja investigado o mais rapidamente possível e os culpados sejam punidos. É um caso que nos envergonha a todos. Faço ainda um apelo aos Advogados, que lutam pelos Direitos Humanos, como os da RENAP (Rede Nacional de Advogados Populares) ou da ABRAPO (Associação Brasileira dos Advogados do Povo) para que se coloquem, voluntária e gratuitamente, à disposição do jovem trabalhador - barbaramente torturado, humilhado e desrespeitado em seus direitos fundamentais - para abrir um processo contra os responsáveis do crime, exigindo do Estado de Goiás uma reparação e uma indenização pelos danos físicos e morais sofridos. É o mínimo que pode ser feito. Trata-se de uma questão de justiça.  
            Além de investigar os casos, que são sempre mais frequentes, de violência policial, torna-se cada vez mais urgente uma "outra formação" para os policiais militares. Precisamos atingir o mal pela raiz. Os policiais militares necessitam de uma formação humana integral e libertadora, baseada na Ética e no respeito aos Direitos Humanos.
O educador Paulo Freire afirma: “Uma das tarefas mais importantes da prática educativo crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou com a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto” (Pedagogia da autonomia, São Paulo, Paz e Terra, 1997, p.46).
Como diz, porém, Valter Machado Fonseca: "Para se falar de Paulo Freire é preciso alguns requisitos fundamentais. É preciso amar a vida, acreditar nas utopias, na transformação, numa sociedade mais justa e igualitária. Do mesmo modo, é preciso ter dentro de si a esperança, a ousadia, a coragem de enfrentar as adversidades do dia a dia e as repentinas; é preciso, igualmente, acreditar na integridade, na beleza, e no poder de transformação dentro do ser humano, principalmente daqueles a quem a vida fecha as portas, dos 'demitidos da vida', dos 'esfarrapados do mundo'.
Portanto, não estão autorizados a falar sobre ele os opressores, aqueles que matam, que ceifam a vida de milhões de pessoas. Não estão autorizados os que reprimem, os sensores, os escravocratas, os ditadores, os fascistas. Não estão autorizados os que passam pela vida, simplesmente por passar, aqueles que esperam, acomodados, as coisas caírem do céu. Do mesmo modo, não estão autorizados todos os que, de uma forma ou de outra, são incapazes de amar. Para falar de Freire, antes de tudo, é preciso desarmar o coração para deixar falar a voz da emoção,  a voz da esperança e deixar a porta aberta para receber a utopia" (Paulo Freire e a Educação Libertadora: destaquein.sacrahome.net/, julho de 2010). 


Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 2 de julho de 2010

terça-feira, 22 de junho de 2010

A criminalização da luta dos Trabalhadores em Educação de Goiânia


Fiquei profundamente indignado com as agressões da Guarda Municipal de Goiânia aos professores. Não dá para entender uma atitude como essa em pleno século XXI. Trata-se de uma atitude desrespeitosa, arrogante e ditatorial, que, mais uma vez, criminaliza os Movimentos Populares. Faço minha - e tenho certeza que todas as pessoas, que defendem os Direitos Humanos e a Ética, farão a mesma coisa - a Nota da Abrapo (Associação Brasileira dos Advogados do Povo) do dia 18 de junho/10, que tem como título "Abrapo repudia agressões da Guarda Municipal de Goiânia". É uma Nota que, de maneira clara e corajosa, se posiciona al lado dos professores. Eis, na íntegra, o texto da Nota:
"A Abrapo (Associação Brasileira dos Advogados do Povo), organização de advogados comprometidos com as lutas populares no Brasil e associada à Associação Internacional dos Advogados do Povo (IAPL), condena as agressões e prisões praticadas pela Guarda Municipal de Goiânia, Estado de Goiás, a mando do Prefeito Paulo Garcia (PT).
Conforme apontaram as testemunhas, neste sábado, 18 de junho, os professores da rede pública municipal, em greve desde o dia 20 de maio, compareceram a um comício do Prefeito Paulo Garcia (PT), no bairro Novo Horizonte, em manifestação pacífica, com a intenção de entregar panfletos e sensibilizar a população. Assim que chegaram ao local, os professores levaram cotoveladas e socos de agentes à paisana, a serviço da Prefeitura, para que fossem embora, e logo em seguida os guardas municipais, em número absolutamente superior ao de professores, os golpearam e derrubaram vários no chão, passando a desferir chutes e pisadas em suas cabeças, e agredir com ainda mais força as mulheres professoras que tentavam impedir as agressões.
Depois de agredir e arrastar os professores pela rua, 4 deles (incluindo uma professora que foi gravemente ofendida pelos guardas) foram brutalmente algemados e lançados em minúsculos porta-malas de carros Uno, com lesões em várias partes do corpo.
O Prefeito Paulo Garcia (PT) estava a cerca de 10 metros de distância e assistiu a todas as agressões sem tomar qualquer atitude, o que significa na prática que incentivou a atuação dos guardas municipais, que lhe são subordinados.
Outro fato gravíssimo foi a atuação criminosa do auxiliar do prefeito, André Macalé, diretor de fiscalização da Agência Municipal de Meio Ambiente (AMMA), que, além de incentivar as agressões dos guardas municipais, tomou e destruiu a câmera filmadora de um professor, fato amplamente testemunhado.
Após chegarem à delegacia, os professores “detidos” ainda ficaram cerca de uma hora com algemas brutalmente apertadas e braços torcidos, o que lhes aumentou as lesões, chegando a causar a perda de sensibilidade prolongada em partes de suas mãos. Os professores em greve se dirigiram massivamente à delegacia e protestaram a todo momento, o que dificultou que os professores “detidos” sofressem novas agressões e expôs a toda a população o absurdo praticado pelos guardas municipais a mando da Prefeitura.
A Abrapo está especialmente surpresa pelo fato de que tenha sido registrada queixa contra as próprias vítimas, o que expõe a natureza do velho Estado que, além de agredir e prender, trata as vítimas como agressores, criminalizando as lutas populares.
A Abrapo não medirá esforços para que os responsáveis pela agressão aos professores, em todos os níveis, sejam punidos, e exigirá a reparação dos danos sofridos.
A Abrapo sustenta a justeza das reivindicações do movimento grevista e exige seu cumprimento, destacando: cumprimento da data base; piso de R$1312,84 para professores com magistério; plano de carreira de administrativos e agentes educativos; reposição salarial para todas as categorias".
Parabéns aos advogados da Abrapo. É realmente animador ver que existem ainda muitos advogados que lutam, de maneira desinteressada e por amor à Justiça, em defesa dos Direitos Humanos e da Ética.
Com o apoio à Nota da Abrapo, quero manifestar o meu total repúdio à atitude bárbara da Guarda Municipal de Goiânia e a minha total solidariedade aos Trabalhadores em Educação.
Infelizmente, nestes dias aconteceram mais dois fatos que mostram a insensibilidade do Poder Legislativo e do Poder Judiciário em relação às justas reivindicações dos Trabalhadores em Educação: a aprovação do projeto de lei 200/10 (rejeitado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás - Sintego) e a decretação da ilegalidade da greve.
A Câmara Municipal e Goiânia, por 20 votos a 14, aprovou em segunda votação, na manhã do dia  1º deste mês, o projeto de lei 200/10, que institui o piso salarial de R$ 824,35 para professores com magistério (nível PE I), em início de carreira, com jornada de trabalho de 30 horas semanais. O projeto prevê também o reajuste de 5,02%, parcelado em duas vezes, para os funcionários administrativos e a mudança da data-base dos professores de maio para janeiro. Os vereadores aprovaram ainda a emenda proposta por Iram Saraiva (PMDB), que derruba o parágrafo 3º do artigo 13 da Lei 8.173/03, revogando uma conquista antiga dos Trabalhadores: a progressão salarial na carreira (Cf. www.sintego.org.br - 01/07/10).
No dia 30 de junho/10 a Justiça decretou a ilegalidade da greve, mas - como diz a Secretária-Geral do Sintego, Ana Valéria Lemes - "a ilegalidade da greve é uma questão de interpretação". Para nós - afirma a Secretária-Geral - "a ilegalidade é do Poder Executivo que não tem cumprido a lei" (www.portal730.com.br - 01/07/10).
Mesmo tendo sido decretada ilegal, a greve dos Trabalhadores em Educação continua. Suas reivindicações são justas. Esperamos que o Poder Executivo se sensibilize e volte a dialogar com os grevistas. A Educação em primeiro lugar! A Justiça sempre!

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 22 de junho de 2010

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Em defesa dos Trabalhadores em Educação da Rede Municipal de Ensino de Goiânia


No "Manifesto em defesa da Educação pública de qualidade e valorização dos profissionais da Educação do Município de Goiânia" do SINTEGO, os Trabalhadores em Educação da Rede Municipal de Ensino de Goiânia, em greve, além da implantação do piso salarial, fazem as seguintes reivindicações:
"Reformulação dos Planos de Carreira dos Administrativos e dos Professores. Concurso Público para suprir o déficit de professores e funcionários administrativos nas unidades escolares municipais. Cumprimento da data-base em primeiro de maio e em parcela única. Ampliação do número de vagas para o curso de formação Profuncionário. Participação dos servidores no gerenciamento do Instituto de Assistência à Saúde e Social dos Servidores Municipais de Goiânia (IMAS) e no Instituto Previdência dos Servidores Municipais de Goiânia (IPSM). Planejamento Semanal. Extensão do difícil acesso a todos os trabalhadores da SME. Ampliação das licenças para aprimoramento profissional. Inclusão da disciplina Educação Física nos CMEIs. Garantir substituição para administrativos e professores. Garantir condições adequadas à Educação em Tempo Integral. Ampliação do percentual das liberações de Licença Prêmio. Garantir a segurança nas instituições educacionais. Paz na Educação. Respeitar a organização dos trabalhadores em seu local de trabalho. Implantar informática em todas as instituições educacionais. Implantar programa de saúde vocal a todos os professores do magistério. Implantar programa de vacinação, inclusive contra Influenza A H1N1, para todos os trabalhadores da Educação. Resposta à reformulação da Lei 174, que dispõe sobre o 13º salário. Garantir formação específica para os readaptados de função. Democratização do processo de elaboração das Diretrizes. Assegurar espanhol e artes para os ciclos II e III. Respeitar a legislação que estabelece o número de alunos por sala de aula. Não à meritocracia. Não à terceirização. Retorno do investimento de 30% na Educação" (www.sintego.org.br - 14/05/10).
            Os Trabalhadores em Educação (Professores e Funcionários administrativos) afirmam ainda: "Negar as reivindicações dos trabalhadores da Educação é negar aos estudantes, especialmente aos oriundos das classes populares, o direito à Educação de qualidade para o qual concorre o profissionalismo dos educadores; é inverter as prioridades das políticas públicas e as responsabilidades do Governo em promovê-las; é também caminhar na contramão do percurso civilizatório baseado no acesso igualitário aos bens materiais e culturais produzidos pela humanidade" (Ib.).
A respeito do piso salarial dos Professores, existe - do ponto de vista legal - uma polêmica. "A Lei federal 11.738/08 estipulou piso salarial em R$ 950. Este valor deve ser reajustado de acordo com o custo aluno, conforme prevê o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Mas a lei é contestada no Supremo Tribunal Federal (STF). Até que o mérito seja julgado, governantes não são obrigados a cumpri-la. Enquanto isso há dois entendimentos sobre o reajuste do piso salarial. A Prefeitura de Goiânia se baseia em parecer da Advocacia Geral da União (AGU) e oferece 11,07%, igual à média do custo aluno desde a criação da lei. Já o Sintego quer 19%, equivalente ao valor real do custo aluno no período. Dessa forma, o sindicato alega que o valor oferecido pela Prefeitura, de R$ 1024, não chega ao piso salarial da categoria, que seria de R$ 1312,85, caso o reajuste obedecesse a lei federal" (www.ohoje.com.br - 01/0610)
Mesmo, porém, que existam questões legais a serem resolvidas, podemos dizer que -  do ponto de vista ético - as reivindicações dos professores são justas, continuam justas mesmo que a greve seja decretada ilegal e, por isso, merecem o apoio de todos nós. O atendimento às reivindicações representa melhoria na qualidade de ensino, que é muito precário, e mais dignidade para o exercício do magistério.
Infelizmente, sai governo, entra governo, mas é sempre a mesma coisa. Como desculpa para não atender às reivindicações dos Trabalhadores em Educação, o Poder Público usa sempre o mesmo argumento. Diz que reconhece a defasagem nos salários dos professores e funcionários administrativos, mas afirma que esta defasagem é histórica e que não há como corrigir da noite para o dia. Se bem me lembro, fala-se isso há mais de quarenta anos.
Acho que está na ora de resolver todos os entraves legais e cumprir a Constituição Federal. Ela nos lembra que os direitos das crianças e dos adolescentes devem ser assegurados “com absoluta prioridade” e que as crianças e os adolescentes devem ser colocados a salvo “de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (Art. 227).
E, justamente por isso, podem faltar verbas para realizar obras de infraestrutura, mas não podem faltar verbas para uma educação pública de qualidade, e para outras políticas públicas em defesa dos direitos das crianças e adolescentes.


Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 11 de junho de 2010
A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos