terça-feira, 21 de setembro de 2010

Um falso líder do povo


         Falando das alianças enganadoras, o Profeta Isaías diz: "Ai de vocês, (…) fazem planos que não nasceram de mim, fazem acordos sem minha inspiração, de maneira que amontoam erros e mais erros" (30, 1).
            Por ter vivido intensamente a história dos ex-Moradores "sem-teto" do Parque Oeste Industrial e partilhado o seu sofrimento, fiquei profundamente indignado ao tomar conhecimento que um líder ou, melhor dizendo, um falso líder desses ex-Moradores traiu o povo, se vendeu e se aliou politicamente ao governador da época na qual foi praticada - como já disse outras vezes - a pior barbárie da história de Goiânia e uma das piores da história do Brasil e do mundo (as chamadas Operações "Inquietação" e "Triunfo").
            Meu Deus! Quanto oportunismo político! Quanta covardia! Quanta bajulação! Um tal comportamento é realmente repugnante, para não dizer, nojento. Não dá para entender como um ser humano possa se rebaixar tanto por causa de interesses pessoais e egoístas.
             E tem mais (pasmem!): O então governador declarou recentemente, com toda altivez, que os ex-Moradores "sem-teto" do Parque Oeste Industrial reconheceram que estavam errados e que ele estava certo. Prova disso - segundo ele - seria o fato que um líder desses ex-Moradores e seus seguidores estão agora do seu lado, o apoiando na campanha política.
            O então governador subestima a inteligência do nosso povo, que não é idiota. Se um líder e seus seguidores (ou, seus capangas) traiçoeiramente se venderam, o povo, em sua grande maioria, não fez isso. Os ex-Moradores "sem-teto" do Parque Oeste Industrial sabem que estavam certos e agiram de maneira ética. O então governador - mesmo que fale agora o contrário - sabe também que eles estavam certos.
            Como ensina S. Tomás de Aquino e a própria Doutrina Social da Igreja, o direito de propriedade privada não é um direito absoluto, ao qual tudo deve ser sacrificado, inclusive a vida; ele é um direito secundário, subordinado ao direito primário, que é a destinação dos bens para uso de todos os seres humanos.
            Além disso, como o então governador sabe muito bem, a área ocupada do Parque Oeste Industrial era, desde 1957 (e continua até hoje) uma área sem nenhuma função social e, portanto, com todas as condições legais e constitucionais para ser desapropriada. O próprio então governador chegou a declarar, numa entrevista coletiva - na minha presença - que estava decidida a desapropriação. O povo fez até festa.
            Mas, infelizmente, o então governador voltou atrás, demonstrando ser um homem sem palavra e covardemente submisso às pressões dos donos das grandes imobiliárias, que são verdadeiros "coronéis urbanos".
            Esses "coronéis urbanos" não estavam preocupados com a vida do povo e nem com o dinheiro que o governo iria gastar no despejo de cerca 14.000 pessoas; só não queriam dar a vitória ao povo, para não criar - diziam eles - um precedente perigoso e prejudicar os interesses econômicos das imobiliárias.
            Num documento do Poder Público Estadual da época - eu vi com os meus próprios olhos - estava escrito que aquela área "era imprópria para habitação popular". Os pobres não podem morar perto das "pessoas de bem"; eles têm que viver  nos "cinturões periféricos" da cidade, longe das benfeitorias da vida urbana, para não subverter a "ordem" - que, na realidade, como diz o filósofo E. Mounier, é uma "desordem estabelecida" - da nossa sociedade classista e capitalista, estruturalmente hipócrita e injusta.
            Falando da maldição de Deus contra os poderosos e gananciosos, o Profeta Isaias diz: "Ai daqueles que juntam casa com casa e emendam campo à campo, até que não sobre mais espaço e sejam os únicos a habitarem no meio do país" (5, 8).
            Tenho certeza que os ex-Moradores "sem-teto" do Parque Oeste Industrial (uma parte deles mora atualmente no Residencial Real Conquista, que não é um presente do então governador, mas um direito e uma conquista do povo) não se deixarão enganar por um falso líder e seus seguidores oportunistas.
            Lembremos as palavras do Profeta Jeremias: "Não se deixem enganar pelos falsos profetas, que existem no meio de vocês, não escutem os adivinhos e nem os sonhos que dizem que têm, porque eles profetizam mentiras em meu nome. Eu não enviei nenhum deles" (29, 8-9).
            Antes de terminar - para que o meu artigo não seja instrumentalizado político partidariamente por ninguém, entrando, assim, na contrapropaganda política, quero afirmar alto e bom som: o que me motivou a escrever este artigo foi unicamente a indignação diante da traição de um líder do povo, e a defesa da justiça e da verdade.
            Por isso, lembro: o responsável direto de tudo o que aconteceu no Parque Oeste Industrial é o então Poder Público Estadual, que executou a liminar; os responsáveis indiretos são o então Judiciário, que pressionou para que a liminar fosse cumprida e o então Poder Público Municipal, que foi omisso e conivente com a barbárie praticada.
            "Ai daqueles que fazem decretos iníquos e daqueles que escrevem apressadamente sentenças de opressão, para negar a justiça ao fraco e fraudar o direito dos pobres" (Is. 10, 1-2).
            É esse o caso do Parque Oeste Industrial.



Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 21 de setembro de 2010

      

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