quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Mais uma execução bárbara



         Thiago Santos Viana, um jovem de 24 anos, foi barbaramente executado  pela Polícia Militar. Ele sofria de transtorno bipolar e há dois anos usava crack. Era um jovem que tinha problemas mentais e, portanto, gravemente doente. Precisava de um tratamento especializado e era obrigação do Poder Público oferecer o tratamento. Num desabafo desesperado, Sandra, a mãe de Thiago, pediu ajuda, mas ninguém a ajudou. Infelizmente, não temos políticas públicas para atender estes casos e o sistema de saúde - apesar das promessas dos políticos em época de eleições - é, em geral, um caos. Na realidade, o direito à saúde, que é um dos direitos fundamentais de toda pessoa humana, não existe para os pobres. O caminho mais fácil é eliminar aqueles que perturbam a "ordem". Em pleno século XXI estamos ainda na era da barbárie.
            Desde o início do mês de outubro, Thiago queria se matar. Quando estava drogado falava em suicídio. Segundo José Carlos de Andrade, tio e padrinho de Thiago, "ele perdeu o pai há um ano em um acidente de moto no trevo de Itauçu. Desde então, toda vez que bebia, deixava um pouco de bebida cair e dizia que era para o pai dele. Quando estava drogado, dizia que iria se encontrar com o pai. Que morreria no mesmo local. Essa era a intenção dele" (O Popular, Cidades, 19/10/10, p. 4). Thiago estava totalmente perturbado e desorientado. No dia 18 deste mês de outubro, furtou um ônibus da empresa Reunidas no Terminal Padre Pelágio e, de maneira descontrolada, percorreu diversas Ruas e Avenidas de Trindade e de Goiânia, deixando um rastro de prejuízos por onde passou.
Começou então a perseguição policial, que só terminou por volta das 15 horas, na Marginal Botafogo. "A PM cercou o ônibus em movimento, atirou nos pneus e no tanque de combustível e, já com o ônibus parado, atirou várias vezes em Thiago, que segundo a perícia, estava desarmado. (…) Foram 16 tiros no ônibus e pelo menos 7 na vítima. (…) Era o terceiro ônibus que ele furtava na tentativa de se matar" (Ib.). A perseguição policial culminou "na execução sumária do rapaz, o entregador Thiago Santos Viana, de 24 anos" (Ib.). O tio e padrinho de Thiago, que o considerava como um filho, desabafa, dizendo: "O ônibus estava parado, com pneus estourados. Ele estava desarmado. Estava louco por causa das drogas. A Polícia podia ter agido de outra forma" (Ib.).
Aqui está o conselho do tio e padrinho de Thiago à Polícia Militar: "agir de outra forma". Quando será que a Polícia Militar irá agir de outra forma? Precisamos de uma Polícia Militar que defenda a vida e não de uma Polícia Militar que mata sem necessidade e às vezes - parece - pelo gosto de matar. Reparem: sete tiros para executar Thiago. Ele estava desarmado e, mesmo na hipótese que estivesse armado, a Polícia Militar tinha todas a condições de prender o jovem sem matá-lo.
Pedimos à Secretária de Segurança Pública Renata Cheim que a execução de Thiago seja investigada e que os responsáveis por este assassinato sejam punidos. É uma questão de justiça. Graças a Deus, no Brasil não temos a pena de morte. Não podemos mais aceitar tanta violência policial. Precisamos urgentemente de uma "outra Polícia Militar" com  uma "outra formação". É o que todos nós esperamos.     
Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 21 de outubro de 2010

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

"A serviço das grandes causas"


      A Agenda Latino-Americana Mundial completa, com a edição de 2011, vinte anos de caminhada. Ela está sempre "a serviço das grandes causas". Ela "vem abordando temas importantes, ano após ano. Assuntos de candente atualidade humana" (P. Casaldáliga. À maneira de introdução fraterna, p. 10). Enfim, ela é muito mais que uma Agenda.
            A Latino-Americana Mundial é "aconfessional, ecumênica e macro ecumênica, posicionada na perspectiva da educação popular libertadora latino-americana" (José Maria Vigil. Apresentação da "Latino-Americana" 2011, p. 8). A Latino-Americana Mundial 2011 é dedicada ao tema de Deus e da Religião, e pergunta: "Que Deus?", "Que Religião?"
O ser humano - lembra o Concílio Vaticano II - "por um lado, experimenta-se limitado de muitas maneiras, por outro lado, sente-se ilimitado (infinito) em seus desejos e chamado a uma vida superior" (A Igreja no mundo de hoje - GS, 10). E ainda: "A razão principal da dignidade humana consiste na vocação do ser humano para a comunhão com Deus" (GS, 19). A dimensão religiosa, a relação para com Deus (o Outro absoluto) é constitutiva do ser humano. O problema é saber de que Deus falamos e o que entendemos por Religião.
A Latino-Americana Mundial 2011 oferece um elenco bastante completo de aspectos importantes do tema: "A história das religiões e do ateísmo ou a descrença. A diferença e complementariedade entre espiritualidade e religião. A religião que fomenta e justifica guerras. O espiritualismo, o fundamentalismo, a alienação, denunciados tantas e persistentes vezes ontem e hoje. A necessidade do diálogo inter-religioso. O macro ecumenismo. Sacralização do poder, do consumismo. A queda, então, de velhos deuses substituídos por deuses novos. A necessidade, a sede vital, de resposta às interrogações maiores do coração humano. A busca de sentido para a vida pessoal e para a sociedade humana como um todo" (P. Casaldáliga. Ib., p.11).
Na Agenda, "procurou-se fazer um esquema dividido em três partes para classificar as características fundamentais da religião segundo culturas e épocas. As religiões afro-indígenas seriam religiões da Natureza. (…) As religiões orientais seriam as religiões da interioridade, contemplativas, gratuitas inclusive. E as religiões judeo-cristãs seriam as religiões da História, do Amor-Justiça, da profecia, da política. Logicamente, todas as religiões, seriam a busca por Deus, a acolhida de Deus, a espera por Deus" (Ib.)
A Latino-Americana Mundial "não quer ser proselitista e, sim, estimular todas as riquezas humanizadoras trazidas pelas religiões" (Ib).
Convidamos a todos e a todas para o lançamento da Agenda Latino-Americana Mundial 2011 em Goiânia: dia 20 de outubro de 2010, às 19,30 horas, no Salão de Festas da Igreja São Judas Tadeu, à Rua 242, N. 100 - Setor Coimbra. Animação: Zé Vicente; Promoção: Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil; Apoio: Scala Editora; Parcerias: Vicariato da Comunicação da Arquidiocese de Goiânia, Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia, CRB-GO, Cara Vídeo, Grupo de Vivência Ecumênica de Goiânia, Fórum do Grito dos Excluídos, CPT-GO, IFITEG, CAJU. Venham conhecer a Agenda Latino-Americana Mundial 2011. A presença de vocês nos alegrará muito.
Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 15 de outubro de 2010

domingo, 26 de setembro de 2010

Eleições: reforma ou mudança?


            Vivemos no sistema capitalista neoliberal, que é um “sistema econômico iníquo” (Documento de Aparecida - DA, 385) ou um “sistema nefasto”, porque considera “o lucro como o motivo essencial do progresso econômico, a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos bens de produção como um direito absoluto, sem limites nem obrigações correspondentes” (Populorum Progressio - PP, 26).
            Em outras palavras, o capitalismo é "o mal maior, o pecado acumulado, a raiz estragada, a árvore que produz esses frutos que nós conhecemos: a pobreza, a fome, a doença, a morte da grande maioria" (Bispos do Centro-Oeste. Marginalização de um Povo, 1973).
            Precisamos denunciar as "situações de pecado" (DA, 95), as "estruturas de pecado" (DA, 92, 532), as "estruturas de morte" (DA, 112) da nossa sociedade moderna e colaborar "com outros organismos ou instituições para organizar estruturas mais justas nos âmbitos nacionais e internacionais. É urgente criar novas estruturas que consolidem uma ordem social, econômica e política, na qual não haja iniquidade e onde haja possibilidades para todos. Igualmente, requerem-se novas estruturas que promovam uma autêntica convivência humana (…)" (DA, 384).
            "A esperança nunca morre" (D. Pedro Casaldáliga). O 16° Grito dos/as Excluídos/as deste ano de 2010 - um sinal concreto de esperança - tem como tema "Vida em primeiro lugar" e como lema "Onde estão nossos direitos? Vamos às ruas para construir um projeto popular".
            As eleições são um momento ímpar para o exercício da cidadania. Quais os critérios que devem orientar a escolha dos candidatos/as?
            A meu ver, temos que olhar não só a história de vida dos/as candidatos/as, mas também e sobretudo, o projeto político que eles/elas e seus partidos defendem atualmente. Digo "atualmente", porque existem partidos e candidatos/as, que se aliaram ao sistema econômico dominante e renegaram - se não com palavras, pelo menos de fato -  toda sua história de luta ao lado do povo pobre, oprimido e excluído.
            Temos também candidatos, que se dizem "cristãos" e fazem questão de defender alguns valores importantes no campo da bioética, mas que "encontram-se muitas vezes em contradição com as opções e compromissos que estes mesmos candidatos têm em relação aos direitos humanos, à economia, à vida social e política e, de modo especial, às necessidades dos pobres".
            "A defesa de alguns valores importantes pode ser feita por estes candidatos para iludir e esconder compromissos e práticas que estão, na verdade, a serviço da cultura da morte. A defesa da cultura da vida exige que os valores da bioética não sejam separados dos valores da ética social" (CNBB. Eleições 2010: o chão e o horizonte. Brasília-DF, maio/2010).
            Hoje, "na verdade, o governo procura quebrar a combatividade dos movimentos, dividi-los, desmobilizá-los e mantê-los apenas como massa de apoio quando necessário. Conseguiu, em boa parte, seu intento de colocar como limite máximo de utopia as mudanças dentro dos quadros do neoliberalismo. Muitos, nos movimentos, contentam-se com as pequenas conquistas obtidas.
            Há insatisfação, sem dúvida: uma outra parte dos movimentos tem uma posição crítica. Esta divisão, esta confusão, esta aparência de governo do povo, sendo preferencialmente governo dos banqueiros, dificulta o posicionamento dos movimentos sociais.
            (…) Existe uma mobilização autônoma, porém, em vários setores, e em vários movimentos: para dar um exemplo, na Assembleia Popular, que é uma articulação de diversos movimentos, pastorais e entidades da sociedade civil. Foi a única articulação que produziu um projeto de sociedade, distinto do vigente, crítico ao modelo neoliberal (“O Brasil que queremos”). Este tipo de articulação pode crescer, porque vem de encontro aos anseios de muitos que estão insatisfeitos" (Entrevista com o sociólogo Ivo Lesbaupin, concedida, por e-mail, à IHU On Line, abril 2010).
            Delfim Netto, homem forte da economia no regime militar e, atualmente (por incrível que pareça) um dos principais conselheiros do atual governo, afirma que o governo foi o primeiro a perceber "que o capitalismo deve aos programas de distribuição de renda sua sobrevivência no país" e que o governo "mudou o pais de forma importante, de forma a salvar o capitalismo" (Entrevista de Aguinaldo Novo. Em: O Globo, 20/09/09).
            Infelizmente, a maioria dos nossos candidatos/as (mesmo quando se dizem cristãos/ãs), seja da situação que da oposição, são reformistas. Não querem mudar as estruturas do "sistema econômico iníquo" vigente; querem simplesmente "maquiá-lo", colocando remendinhos novos numa roupa velha.
            As diferenças e as brigas entre eles e elas se referem unicamente à reformas e não à mudanças estruturais. Para esses políticos, os chamados "programas sociais de distribuição de renda" (que em situações emergenciais são necessários, mas que não resolvem o problema) são como balinhas que se costuma dar às crianças para que não chorem, e servem para legitimar o "sistema econômico iniquo" vigente (às vezes, até com argumentos religiosos, usando o nome de Deus em vão) e para manter o povo, pobre, oprimido e excluído em situação de dependência dos poderosos e do governo, evitando assim possíveis revoltas.
            "A misericórdia (leia-se: obras sociais, programas sociais de distribuição de renda e outros) sempre será necessária, mas não deve contribuir para criar círculos viciosos que sejam funcionais para um sistema econômico iníquo. Requer-se que as obras de misericórdia sejam acompanhadas pela busca da verdadeira justiça social, que vá elevando o nível de vida dos cidadãos, promovendo-os como sujeitos de seu próprio desenvolvimento" (DA, 385).
            Hoje - como falou o sociólogo Ivo Lesbaupin - a maioria dos movimentos populares são cooptados pelo governo, atrasando mais de trinta anos, talvez, a organização popular. Basta, por exemplo, lembrar a festa do primeiro de maio, reduzida a um show para os trabalhadores.
            Precisamos reverter essa situação iníqua e votar em políticos que estejam de acordo com o projeto "o Brasil que queremos", "projeto popular", alternativo, justo, humano, fraterno e estruturalmente diferente. Mesmo que muitos deles ou delas não ganhem agora as eleições, marcam presença, fazem avançar o processo democrático e abrem caminhos novos para que o "projeto popular" aconteça.
            Eleitores e eleitoras, vamos abrir os olhos, refletir e tomar nossas decisões. O seu voto é muito importante e faz a diferença. "Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância" (Jo, 10, 10).
Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 26 de setembro de 2010  


terça-feira, 21 de setembro de 2010

Um falso líder do povo


         Falando das alianças enganadoras, o Profeta Isaías diz: "Ai de vocês, (…) fazem planos que não nasceram de mim, fazem acordos sem minha inspiração, de maneira que amontoam erros e mais erros" (30, 1).
            Por ter vivido intensamente a história dos ex-Moradores "sem-teto" do Parque Oeste Industrial e partilhado o seu sofrimento, fiquei profundamente indignado ao tomar conhecimento que um líder ou, melhor dizendo, um falso líder desses ex-Moradores traiu o povo, se vendeu e se aliou politicamente ao governador da época na qual foi praticada - como já disse outras vezes - a pior barbárie da história de Goiânia e uma das piores da história do Brasil e do mundo (as chamadas Operações "Inquietação" e "Triunfo").
            Meu Deus! Quanto oportunismo político! Quanta covardia! Quanta bajulação! Um tal comportamento é realmente repugnante, para não dizer, nojento. Não dá para entender como um ser humano possa se rebaixar tanto por causa de interesses pessoais e egoístas.
             E tem mais (pasmem!): O então governador declarou recentemente, com toda altivez, que os ex-Moradores "sem-teto" do Parque Oeste Industrial reconheceram que estavam errados e que ele estava certo. Prova disso - segundo ele - seria o fato que um líder desses ex-Moradores e seus seguidores estão agora do seu lado, o apoiando na campanha política.
            O então governador subestima a inteligência do nosso povo, que não é idiota. Se um líder e seus seguidores (ou, seus capangas) traiçoeiramente se venderam, o povo, em sua grande maioria, não fez isso. Os ex-Moradores "sem-teto" do Parque Oeste Industrial sabem que estavam certos e agiram de maneira ética. O então governador - mesmo que fale agora o contrário - sabe também que eles estavam certos.
            Como ensina S. Tomás de Aquino e a própria Doutrina Social da Igreja, o direito de propriedade privada não é um direito absoluto, ao qual tudo deve ser sacrificado, inclusive a vida; ele é um direito secundário, subordinado ao direito primário, que é a destinação dos bens para uso de todos os seres humanos.
            Além disso, como o então governador sabe muito bem, a área ocupada do Parque Oeste Industrial era, desde 1957 (e continua até hoje) uma área sem nenhuma função social e, portanto, com todas as condições legais e constitucionais para ser desapropriada. O próprio então governador chegou a declarar, numa entrevista coletiva - na minha presença - que estava decidida a desapropriação. O povo fez até festa.
            Mas, infelizmente, o então governador voltou atrás, demonstrando ser um homem sem palavra e covardemente submisso às pressões dos donos das grandes imobiliárias, que são verdadeiros "coronéis urbanos".
            Esses "coronéis urbanos" não estavam preocupados com a vida do povo e nem com o dinheiro que o governo iria gastar no despejo de cerca 14.000 pessoas; só não queriam dar a vitória ao povo, para não criar - diziam eles - um precedente perigoso e prejudicar os interesses econômicos das imobiliárias.
            Num documento do Poder Público Estadual da época - eu vi com os meus próprios olhos - estava escrito que aquela área "era imprópria para habitação popular". Os pobres não podem morar perto das "pessoas de bem"; eles têm que viver  nos "cinturões periféricos" da cidade, longe das benfeitorias da vida urbana, para não subverter a "ordem" - que, na realidade, como diz o filósofo E. Mounier, é uma "desordem estabelecida" - da nossa sociedade classista e capitalista, estruturalmente hipócrita e injusta.
            Falando da maldição de Deus contra os poderosos e gananciosos, o Profeta Isaias diz: "Ai daqueles que juntam casa com casa e emendam campo à campo, até que não sobre mais espaço e sejam os únicos a habitarem no meio do país" (5, 8).
            Tenho certeza que os ex-Moradores "sem-teto" do Parque Oeste Industrial (uma parte deles mora atualmente no Residencial Real Conquista, que não é um presente do então governador, mas um direito e uma conquista do povo) não se deixarão enganar por um falso líder e seus seguidores oportunistas.
            Lembremos as palavras do Profeta Jeremias: "Não se deixem enganar pelos falsos profetas, que existem no meio de vocês, não escutem os adivinhos e nem os sonhos que dizem que têm, porque eles profetizam mentiras em meu nome. Eu não enviei nenhum deles" (29, 8-9).
            Antes de terminar - para que o meu artigo não seja instrumentalizado político partidariamente por ninguém, entrando, assim, na contrapropaganda política, quero afirmar alto e bom som: o que me motivou a escrever este artigo foi unicamente a indignação diante da traição de um líder do povo, e a defesa da justiça e da verdade.
            Por isso, lembro: o responsável direto de tudo o que aconteceu no Parque Oeste Industrial é o então Poder Público Estadual, que executou a liminar; os responsáveis indiretos são o então Judiciário, que pressionou para que a liminar fosse cumprida e o então Poder Público Municipal, que foi omisso e conivente com a barbárie praticada.
            "Ai daqueles que fazem decretos iníquos e daqueles que escrevem apressadamente sentenças de opressão, para negar a justiça ao fraco e fraudar o direito dos pobres" (Is. 10, 1-2).
            É esse o caso do Parque Oeste Industrial.



Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 21 de setembro de 2010

      

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Operação integração 5: uma violação dos Direitos Humanos


Conforme noticiou a imprensa, a Secretaria de Segurança Pública de Goiás - atendendo às demandas do empresariado goianiense - programou para o dia 23 do agosto deste ano, a partir da 18h, a chamada "Operação Integração 5" na Região Centro de Goiânia e adjacências para "retirar" as crianças, os adolescentes e os adultos em situação de rua e "limpar" assim a cidade.
Após muita polêmica, a Secretária de Segurança Pública, Renata Cheim, adiou o início da "Operação Integração 5", em função da necessidade de novos ajustes (cf. Diário da Manhã, 24/08/10, p. 1-2). A meu ver, a questão não está nos "novos ajustes", mas no fato que a "Operação Integração 5", enquanto tal, é uma violação dos Direitos Humanos.
Só para lembrar, o ex-Prefeito de Goiânia Iris Rezende, em reunião no Paço Municipal na manhã do dia 7 de janeiro deste ano com secretários, diretores e superintendentes do primeiro, segundo e terceiro escalões, afirmou: "Nós não temos crianças nas ruas. Mais de 7.500 crianças estão envolvidas com programas sociais da Prefeitura" (Diário da Manhã, 07/01/10, p. 12). Como se justifica então a "Operação Integração 5". Que contradição!
            Além disso, reparem os verbos usados: "retirar" como se se tratasse de entulho; "limpar" como se se tratasse de lixo. Realmente a nossa sociedade - que é estruturalmente violenta, hipócrita e injusta - trata os moradores de rua como entulho e lixo humano. Eles perturbam os empresários e todas as pessoas que, em nossa sociedade capitalista, são chamadas "pessoas de bem".
Lembremos que "a Constituição Federal de 1988, constituída em Estado Democrático de Direito, tem como fundamento, entre outros, conforme se verifica no inciso III do artigo 1º, a dignidade da pessoa humana. Nesse passo, não se admite o desrespeito à pessoa, quer seja moralmente ou fisicamente. O constituinte, com uma sapiência divina, vislumbrou uma sociedade livre, justa e solidária, nessa premissa inseriu um artigo voltado ao direito e garantias fundamentais do ser humano. E ainda, possibilitou o Brasil a aderir a Tratados Internacionais, que tenham princípios consolidados na prevalência dos Direitos Humanos, consoante o que prescreve o inciso II do artigo 4º da Carta Magna" (www2.forumseguranca.org.br - 22/08/10).
Lembremos também o direito de todo cidadão de ir e vir. "Todo cidadão indistintamente tem direito à sua liberdade, ao direito de ir e vir, só podendo ter a sua liberdade cerceada, em decorrência de prisão em flagrante delito ou por mandado judicial, devidamente fundamentada por autoridade judiciária competente, não devendo confundir autoridade judiciária, com administrativa ou cartorária, devendo estes representar à autoridade Judiciária, a fim de obter autorização no sentido de se promover à restrição da liberdade de alguém, o que deverá observar dispositivos legais que oportunizam tal cerceamento" (Ib.).
Ninguém, portanto, pode violar o direito humano de ir e vir, nem das crianças e adolescentes em situação de rua. O Direito à liberdade vem disposto no Capítulo II do Estatuto da Criança e Adolescente. Tanto a criança quanto o adolescente tem o direito de ir e vir.
Em Goiânia e no Estado de Goiás não precisamos da "Operação Integração 5" que, aliás, não integra nada e é - como já falei - uma violação dos Direitos Humanos. Precisamos, sim, de políticas públicas para as crianças, adolescentes e adultos em situação de rua. As políticas públicas deveriam suscitar nos moradores de rua a autoestima; ajudá-los a descobrir o sentido (o valor) da vida humana e o desejo de ser sujeitos da história. Quem conversa com os moradores de rua, como irmãos, descobre histórias de vida de muito sofrimento, mas também - na maioria das vezes - de uma sensibilidade humana tão profunda que edifica. Basta saber acolher e ouvir.
Para que isso  possa ser feito é necessária uma pedagogia, que  realmente liberte e humanize as pessoas. As políticas públicas para as crianças, adolescentes e adultos em situação de rua deveriam ser a prioridade das prioridades do Poder Publico, federal, estadual e municipal. Os moradores de rua são pessoas humanas como todos nós e devem ser tratados com respeito e, sobretudo, com amor
Ninguém, evidentemente, concorda com o fato de crianças, adolescentes e adultos viverem em situação de rua. Todos tem direito à moradia digna. O problema, porém, não se resolve com a "Operação Integração 5". Não é este o caminho.


Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 24 de agosto de 2010

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O cúmulo da iniquidade humana



            O sequestro e a execução do menino Lucas, de doze anos, é o cúmulo da iniquidade humana. Não dá para entender como possa existir, em pleno século XXI, tanta crueldade. Como pessoas humanas e, sobretudo, como cristãos não podemos ficar calados diante de tanta barbárie. Exigimos justiça.
            Lucas morava na Vila Brasília, em Aparecida de Goiânia. Era um menino franzino e nasceu com um defeito nos pés. Começou a andar depois de uma cirurgia, realizada no Hospital da Clínicas da UFG. Usava crack desde os oito anos e, para alimentar o vício, praticava pequenos furtos, passando várias vezes pela polícia.
            No dia 16 de julho deste ano, "Lucas foi retirado da porta de casa, na Rua Juçara, por volta das três horas, por homens que ocupavam um carro preto de vidro fumê. O garoto ainda gritou a mãe, mas ela não conseguiu abrir o portão a tempo. Meia hora depois a Polícia Militar de Senador Canedo foi acionada por um chacareiro que viu o corpo de Lucas estendido na estrada (próximo ao Goiás Carne) depois de ouvir o barulho de um carro e quatro disparos" (O Popular, Cidades, 17/07/10, p. 8). Meu Deus, em que sociedade nós vivemos! Além do mais, se tratava de uma criança! Que brutalidade!
            Eliete, a mãe de Lucas, é uma mulher sofrida e aparenta muito mais idade da que tem. Depois de separar do marido, cuidou sozinha dos seis filhos. Na madrugada do dia 16, "Eliete acordou  com  os gritos de Lucas, o filho que nasceu com problema nos pés. Por causa do problema congênito e do uso do crack, Lucas era o filho que mais preocupava Eliete. A mãe tentou de todo jeito abrir o portão. Eliete chora o tempo todo como se cobrasse de si mesma por não ter salvado a vida do filho. (…) Eliete se sente fracassada por não ter conseguido tirar Lucas do vício. Há mais de quatro anos buscou ajuda em órgãos públicos, em vão" (Ib.).
            É muito doído ouvir a Eliete dizer que "há mais de quatro anos buscou ajuda em órgãos públicos, em vão". Será que essa decepção da Eliete, manifestada em forma de desabafo, não diz nada à consciência dos responsáveis desses órgãos públicos? Quando será que o Poder Público cumprirá a Constituição Federal? Ela nos lembra que os direitos das crianças e dos adolescentes devem ser assegurados "com absoluta prioridade" e que as crianças e os adolescentes devem ser colocados a salvo "de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão" (Art. 227).
            A Eliete, não precisa se sentir fracassada por não ter conseguido tirar Lucas do vício. Ela é uma verdadeira heroína. Infelizmente, é a nossa sociedade que ainda é muito hipócrita, injusta e desumana. Tenho certeza na fé que Lucas, totalmente liberto, está agora junto de Deus na plenitude da vida e da felicidade. Está também - embora de maneira diferente - junto de sua mãe Eliete, dando-lhe paz e força para que possa continuar a caminhada.
            Exigimos da nova Secretária de Segurança Pública do Estado de Goiás, Renata Cheim, que o crime bárbaro da execução de Lucas, uma criança de doze anos, seja investigado e que os culpados sejam processados, julgados e punidos. É o mínimo que pode ser feito para que haja justiça. Tudo indica que se trata, mais uma vez, de um crime de violência policial, com requinte de crueldade, por ser a vítima uma criança. O advogado da Eliete - conforme noticiou a imprensa - "disse que foi a P2" (Ib.).
Lembrem-se os assassinos de Lucas que Deus é justo. Aguardem!

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 02 de agosto de 2010

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Mais de sete horas de tortura: uma verdadeira barbárie


            É realmente repugnante ler na imprensa do dia 26 de junho deste ano que o jovem trabalhador M., ajudante de pedreiro, foi barbaramente torturado, mais de sete horas, por policiais militares do Batalhão da PM em Trindade. Ele - por ter as características físicas parecidas com o retrato falado do acusado - foi confundido com o homem que, há poucos dias, estuprou duas irmãs e matou a mais velha. Posteriormente o jovem trabalhador foi levado à Delegacia da Mulher e não foi reconhecido pela vítima do estupro. Mas, mesmo que se tratasse do estuprador e assassino, não se justificaria o crime que os policiais militares cometeram. É um crime que clama a Deus por justiça. 
            Segundo o depoimento da própria mãe, dado no dia 29 de junho à TV Brasil Central, o jovem trabalhador está totalmente traumatizado, com medo de sair de casa e sem conseguir dormir. Que barbárie! Em que mundo estamos!
            Precisamos reafirmar com veemência o direito de todo ser humano à integridade física e condenar o castigo corporal ou a pena cruel e degradante. "Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante" (Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. V, 1948)
Constitui crime de tortura: "1- constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; 2- submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo" (Lei N° 9.455, Art. 1°, 7 de abril de 1997).
            O crime de tortura, além de ser um crime contra a Lei, é também e sobretudo um crime contra a Ética. É um crime que viola todos os Direitos Humanos e é  tão bárbaro que deixa qualquer pessoa, com um mínimo de sensibilidade humana, totalmente indignada. Não podemos mais aceitar tanta violência policial. Precisamos dizer:  Basta!
            Há poucos dias, no Artigo "Quem executou Walter e Jeferson?", publicado no Diário da Manhã do dia 31 de maio deste ano, cobrei do novo Secretário de Segurança Pública do Estado de Goiás, Sérgio Augusto Inácio de Oliveira, uma investigação séria e honesta sobre a execução dos dois jovens, moradores de rua, Walter e Jeferson. Até agora, por aquilo que me consta, não foi dada nenhuma satisfação à sociedade sobre o andamento ou o resultado da investigação. Os cidadãos, senhor Secretário, merecem mais respeito do Poder Público.
            Peço também que este caso do jovem trabalhador - torturado e espancado por mais de sete horas de maneira degradante e humilhante - seja investigado o mais rapidamente possível e os culpados sejam punidos. É um caso que nos envergonha a todos. Faço ainda um apelo aos Advogados, que lutam pelos Direitos Humanos, como os da RENAP (Rede Nacional de Advogados Populares) ou da ABRAPO (Associação Brasileira dos Advogados do Povo) para que se coloquem, voluntária e gratuitamente, à disposição do jovem trabalhador - barbaramente torturado, humilhado e desrespeitado em seus direitos fundamentais - para abrir um processo contra os responsáveis do crime, exigindo do Estado de Goiás uma reparação e uma indenização pelos danos físicos e morais sofridos. É o mínimo que pode ser feito. Trata-se de uma questão de justiça.  
            Além de investigar os casos, que são sempre mais frequentes, de violência policial, torna-se cada vez mais urgente uma "outra formação" para os policiais militares. Precisamos atingir o mal pela raiz. Os policiais militares necessitam de uma formação humana integral e libertadora, baseada na Ética e no respeito aos Direitos Humanos.
O educador Paulo Freire afirma: “Uma das tarefas mais importantes da prática educativo crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou com a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto” (Pedagogia da autonomia, São Paulo, Paz e Terra, 1997, p.46).
Como diz, porém, Valter Machado Fonseca: "Para se falar de Paulo Freire é preciso alguns requisitos fundamentais. É preciso amar a vida, acreditar nas utopias, na transformação, numa sociedade mais justa e igualitária. Do mesmo modo, é preciso ter dentro de si a esperança, a ousadia, a coragem de enfrentar as adversidades do dia a dia e as repentinas; é preciso, igualmente, acreditar na integridade, na beleza, e no poder de transformação dentro do ser humano, principalmente daqueles a quem a vida fecha as portas, dos 'demitidos da vida', dos 'esfarrapados do mundo'.
Portanto, não estão autorizados a falar sobre ele os opressores, aqueles que matam, que ceifam a vida de milhões de pessoas. Não estão autorizados os que reprimem, os sensores, os escravocratas, os ditadores, os fascistas. Não estão autorizados os que passam pela vida, simplesmente por passar, aqueles que esperam, acomodados, as coisas caírem do céu. Do mesmo modo, não estão autorizados todos os que, de uma forma ou de outra, são incapazes de amar. Para falar de Freire, antes de tudo, é preciso desarmar o coração para deixar falar a voz da emoção,  a voz da esperança e deixar a porta aberta para receber a utopia" (Paulo Freire e a Educação Libertadora: destaquein.sacrahome.net/, julho de 2010). 


Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 2 de julho de 2010
A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos