sexta-feira, 21 de junho de 2013

Saúde pública ou vergonha pública?

          Sabemos que em teoria o SUS é um dos melhores planos de saúde pública. Tem todas as condições para oferecer um atendimento de primeira qualidade. Cito, como exemplo, o SUS da Região Noroeste de Goiânia. O Distrito Sanitário da Região, situado na Vila Mutirão, tem três Centros de Apoio Integral à Saúde - CAIS (J. Curitiba, Finsocial e Setor Cândida de Morais), um Núcleo de Apoio à Saúde da Família - NASF (Bairro S. Carlos), um Centro de Atenção Psicossocial - CAPS Noroeste (Jardim Liberdade), a Maternidade Nascer Cidadão (Jardim Curitiba) e 15 Unidades de Atenção Básica à Saúde da Família - UABSF (em diversos Bairros da Região). Trata-se de uma organização, que é uma conquista do povo, através do Forum de Saúde Noroeste, e que, aparentemente, tem tudo para funcionar bem.
            Só a UABSF do Bairro Boa Vista, que foi inaugurada no dia 21 de janeiro deste ano, substituindo duas antigas Unidades da Região (Bairro Floresta e Bairro Boa Vista), possui em sua estrutura física serviços de odontologia, consultório médico, sala de observação, sala de vacina, sala de curativos, auditório e uma ampla farmácia. Tem - sempre em teoria - condições de atender 4 mil famílias do Bairro e também dos Bairros Floresta e São Domingos.
            Infelizmente, porém, a realidade é outra. Os fatos mostram que, na prática, a saúde não é, para o Poder Público, prioridade e, muito menos, prioridade absoluta (ou, prioridade das prioridades). O direito à saúde - que é o direito à vida - é o primeiro de todos os direitos. Podem, em tese, faltar recursos para outras prioridades, mas nunca podem faltar para a saúde. Pergunto: Por que para obras faraônicas, para propaganda governamental com gastos astronômicos, para viagens oficiais com mordomias mirabolantes e para sofisticadas reformas de estádios em preparação à Copa do Mundo sempre tem verbas? Na saúde, o Poder Público não deve aplicar 5 ou 10 %, mas tudo o que for necessário para o bem-estar do povo, sobretudo, dos pobres. A vida em primeiro lugar!
           
           Entre as muitas que poderiam ser lembradas, cito - como amostras - duas situações calamitosas, que naturalmente suscitam a pergunta: será que se trata de saúde pública ou vergonha pública? A primeira é a situação deprimente da saúde pública da própria Região Noroeste de Goiânia. Em todas as Unidades de Saúde há uma falta crônica de material hospitalar básico e de profissionais: médicos, enfermeiros, agentes de saúde da família, gestores, dentistas e outros funcionários. Na maioria das vezes, o povo ou não é atendido em tempo hábil ou é mal atendido. Ó descaso é tanto que clama por justiça diante de Deus. 
Um vídeo enviado à TV Anhanguera pelo telespectador João Paulo Araújo e postado nas redes sociais mostra uma mulher - cujo nome é Letícia Leite Machado, de 34 anos - que, sentada no banco, deu à luz uma criança na recepção da Maternidade Nascer Cidadão, em Goiânia. As imagens, gravadas na noite de terça-feira (dia 11 deste mês), mostram o momento em que o bebê cai no chão, batendo a cabeça e com muito sangue ao seu redor. Mostram também o momento em que, em seguida, o bebê é recolhido por um médico da Unidade de Saúde, a maior da Região Noroeste de Goiânia e que é considerada referência em parto humanizado. O caso, que chocou a todos /as, causou repercussão nacional e indignação geral.
Vejam - a respeito do caso - o depoimento de Thainy Prudência da Silva (esposa de João Paulo que, grávida de 10 semanas, aguardava atendimento). “Quando eu cheguei (por volta das 19h), (a mulher, que passou a tarde toda na Maternidade) estava gritando de dor na sala de uma médica residente, que a atendeu. Ela já saiu da sala sangrando e ficou aguardando no banco. Ela gritava 'gente, me ajuda, vai nascer', mas teve até uma enfermeira que riu dela".  Thainy, que classificou a cena como a mais desumana que já viu e ainda se emociona ao falar do episódio, afirmou: "Eu nunca pensei na minha vida que fosse presenciar uma coisa dessas. Todas as grávidas que estavam lá ficaram indignadas. Quando a criança nasceu (às 20h), comecei a chorar". (http://g1.globo.com/goias/noticia/2013/06/mulher-da-luz-em-saguao-de-maternidade-e-bebe-cai-veja-video.html).
É realmente uma vergonha pública! Graças a Deus, apesar de tanto sofrimento, mãe e bebê passam bem.
O secretário municipal de Saúde, Fernando Machado, depois de afastar temporariamente todo o corpo técnico para instaurar uma sindicância e apurar as responsabilidades, no dia 17 do mês corrente, constatou (não tinha como não constatar) a falha da gestão da Maternidade e substituiu o diretor técnico, Jony Rodrigues Barbosa e o diretor administrativo, Benômio Pereira Vaz. Sem querer negar a responsabilidade pessoal dos gestores da Unidade de Saúde, esperamos que a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) crie as condições necessárias para um atendimento respeitoso e nunca mais se repitam casos como esse.
A segunda situação - que cito como amostra - é da cidade de Anápolis. No início de maio deste ano, uma adolescente, de 12 anos, morreu porque os pais não encontraram vaga em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pediátrica na cidade. Depois do fechamento para reforma da Unidade do Hospital Evangélico Goiano (HEG), Anápolis passou a dispor de apenas sete leitos, oferecidos pela Santa Casa de Misericórdia”. Que absurdo! Que descaso!
Para a médica pediatra Gina Tronconi, “uma cidade com uma população próxima dos 400 mil habitantes e que abriga pacientes de pelo menos 30 outras cidades do Estado, não pode dispor de apenas 7 leitos de UTI pediátrica. O mínimo necessário para nossa cidade - diz ela - seriam 20 leitos”. Já o enfermeiro-chefe da Santa Casa de Misericórdia de Anápolis, Júlio César Gomes, “entende que 30 leitos só para Anápolis ainda seriam insuficientes, considerando a demanda que a Santa Casa tem para esse tipo de serviço”.
Deixar uma adolescente (ou qualquer outra pessoa) morrer por falta de leito na UTI, como se fosse uma coisa normal, é crime e o criminoso é o Poder Público, Estadual e Municipal. Se tivesse justiça, os responsáveis seriam processados, julgados e condenados.
Seguindo o exemplo de Irmã Katherine Popowich, que acreditou no SUS e trabalhou incansavelmente pela saúde pública (sobretudo na Região Noroeste de Goiânia), unidos e sem nunca perder a esperança, continuemos a luta pelo direito à saúde, que é de todos e de todas. Uma outra sociedade é possível e necessária! 


sexta-feira, 14 de junho de 2013

UNE: uma força jovem

De 29 de maio a 2 de junho deste ano, aconteceu em Goiânia - GO o 53º Congresso da União Nacional dos Estudantes (CONUNE). Na noite do dia 29, Daniel Iliescu, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), declarou aberto o 53º Congresso da entidade e chamou para compor a mesa, diretores da UNE, representantes do movimento estudantil, sindical, movimento dos trabalhadores sem-terra, de mulher e parlamentares.
Em seu discurso, ele salientou que o 53º Congresso era o maior encontro nos quase 76 anos de luta da UNE. “Esse Congresso - disse Daniel - tem números que deveriam nos orgulhar. Vivemos uma fase de conquistas dentro das universidades brasileiras, com importantes medidas de luta. Temos que enfrentar o analfabetismo. O Brasil precisa ser construído pelo povo brasileiro”.
O 53º Congresso teve recorde histórico, com delegados eleitos em 98% das instituições de ensino superior de todas as regiões do Brasil, envolvendo quase dois milhões de estudantes em todo processo eleitoral.
  “Tivemos - disse ainda o presidente da UNE - 1 milhão e 900 mil votantes, em 800 municípios. São números espetaculares para quem sonha em discutir política e se preparar para mais mudanças”.
“Esse Congresso - continua Daniel - expressa o momento muito positivo que o movimento estudantil vive, pois muitos tentam vender que a juventude não quer saber de política, que a juventude é alienada. Mas esse Congresso prova que não é assim. Nossa geração deve honrar as pessoas que resistiram aos governos ditatoriais. Nós temos o dever e o desafio de avançar, com disposição para vencer e conquistar nossas propostas. Nossa geração pauta o Brasil, influencia o governo. O desafio do Congresso é avançar e conquistar vitórias concretas”.
Daniel falou para uma plateia animada, que o tempo todo gritava palavras de ordem, como “a UNE somos nós, nossa força e nossa voz”. (http://ubescomunica.wordpress.com/2013/05/31/daniel-iliescu-esta-aberto-o-53o-congresso-da-une/).
Representantes de entidades, que foram parceiras na jornada de luta da juventude brasileira, fizeram sua saudação aos estudantes vindos de todos os estados brasileiros. Na abertura, falaram Valdir Misnerovicz, diretor do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST); Ailma Maria de Oliveira, representando a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB); Lúcia Ricon, representando a União Brasileira de Mulheres (UBM) e o Conselho Nacional da Mulher, Lucas Ribeiro, presidente da UEE-GO, além dos deputados Hugo Mota (PMDB/PB) e Rubens Ottoni (PT-GO) e o deputado estadual Mauro Rubem (PT). Todos reforçaram a necessidade de enfrentar os recentes retrocessos no Plano Nacional de Educação (PNE), como a decisão do Senado que retira a garantia de investir os 10% somente na educação pública.
            Durante o 53º CONUME - no qual muitos temas foram aprofundados e debatidos - os estudantes brasileiros convocaram a Jornada Nacional de Lutas 2013. As mobilizações acontecerão em agosto em todo o País, conforme calendário de eventos, previamente divulgado pela UNE.
No dia 2 de junho, na plenária final do 53º Congresso, foi eleita a nova presidenta da UNE, Virgínia Barros (ou, Vic Barros, como é conhecida), de 27 anos, por um mandato de 2 anos (2013-2015). Ela nasceu em Garanhuns (PE) - a mesma cidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - e é atualmente estudante de Letras da Universidade de São Paulo (USP).
            Desejamos à Virgínia e a toda a diretoria muita disposição e muita garra à frente da UNE, uma entidade que tem um histórico de lutas em favor dos excluídos/as de nossa sociedade.
Na mesma plenária, foram aprovadas também moções com o posicionamento da UNE a respeito de temas diversos, como a punição dos crimes da ditadura e como a criminalização do movimento estudantil, dos movimentos de trabalhadores e dos movimentos sociais populares.
“Assim, diante da Plenária Final do seu 53° Congresso Nacional, unidos e cheios de esperança, convocamos a juventude a tomar para si o seu futuro e o futuro do nosso país, e defender uma Jornada Nacional de Lutas, em agosto de 2013, onde levantaremos alto a luta pelas seguintes bandeiras consensualmente construídas:
1.   10% PIB para Educação Pública já!
2.   100% dos Royalties para Educação e 50% do Fundo Social dos pré-sal para Educação;
3.   Não aos leilões do petróleo;
4.   Democratização do acesso e da permanência na Universidade! R$2,5 bilhões para o PNAES;
5.   Cotas raciais e sociais nas Universidades Estaduais;
6.   Regulação do Ensino Privado. Fim do Capital Estrangeiro na Educação Brasileira;
7.   Mais qualidade nas Universidades Brasileiras;
8.   Curricularização da extensão universitária;
9.   Uma política macroeconomia que esteja a serviço do desenvolvimento do país! Não ao contingenciamento e cortes de verba para pagamento da divida publica;
10. Direito a Memória, Verdade e Justiça. Pela revisão da Lei de anistia e punição dos criminosos da ditadura militar;
11. Pela auditoria pública da dívida pública;
12. Democratização dos meios de comunicação;
13. Contra a criminalização do movimento estudantil e dos movimentos sociais;
14. Pelo incentivo à pesquisa de meios alternativos para captação de energia”
Como ficou evidenciado em seu 53º Congresso (sobretudo nas resoluções finais), hoje a UNE está maior do que nunca e tornou-se uma força jovem imprescindível na luta por um “outro Brasil e um outro mundo possíveis”. Mesmo com suas divergências políticas internas (o que é um valor), a UNE mostrou-se unida naquilo que é fundamental: a aliança com os movimentos populares, os sindicatos autênticos de trabalhadores e todas as organizações comprometidas com a transformação estrutural da sociedade.
Os pobres, os excluídos/as e os “descartados/as” de nossa sociedade capitalista neoliberal contam com vocês, jovens estudantes universitários, unidos e organizados. Parabéns, UNE!
  



   
            (Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano,
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 12 de junho de 2013

sexta-feira, 7 de junho de 2013

“Dia do meu corpo. Corpo que sente”

Em verdade eu declaro a vocês: todas as vezes que fizeram isso (deram de comer aos que tinham fome, deram de beber aos que tinham sede, receberam em casa os estrangeiros, vestiram os que estavam sem roupa, cuidaram dos doentes, visitaram os presos) a um desses meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizeram” (Mt 25, 40)

                No dia 30 de maio deste ano, nós cristãos católicos - em comunhão com a natureza e com toda a humanidade - celebramos a Solenidade do Corpo de Cristo. Por coincidência providencial, no mesmo dia, eu recebi, via e-mail, enviado pela coordenadora nacional da Pastoral do Povo de Rua, Cristina Bove, o poema de Roberval Freire sobre Corpus Christi, que reproduzo abaixo. Era de noite. Lendo o poema, fiquei chocado e, ao mesmo tempo, desafiado pela radicalidade humana e evangélica que ele transmite. Perdi o sono e mergulhei em profunda meditação.
De fato, trata-se de um poema que precisamos ler e meditar não com preocupação doutrinária e legalista, mas com coração aberto e livre, para que, à luz do Espírito Santo, sua mensagem revolucionária irradie por todo lado, penetre a totalidade do nosso ser e, num processo de conversão contínua, nos leve a viver de verdade a opção pelos Pobres, dando a vida por amor. “Jesus, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”. Em clima de recolhimento e fazendo a leitura silenciosa do poema, coloquemo-nos em estado de meditação.
                “Corpus Christi.
Hoje, dizem, é dia do meu corpo. Hoje é feriado. Quantos corpos cansados de trabalhadores e trabalhadoras esgotados que estão dando graças a mim por este descanso. Mas outros trabalham hoje: seus corpos não podem parar.
Hoje, meu dia, decidi deixar meu corpo gritar. Não vou estar nas paróquias, procissões, sacrários. Decidi hoje deixar de ser hóstia.
Não vá lá! Não estou nestas concentrações. Não me adore!
Vou te dizer onde estou hoje neste dia frio!
Estou lá nas praças, mal vestido, mal cheiroso - como você vai me adorar assim?
Estou fumando crack, furtando nos faróis, xingando.
Estou abrindo sacos de lixo, sujando calçadas.
Estou acendendo fogueira sobre o cimento da praça.
Estou entre as grades de uma prisão.
Estou no 15º programa mecânico de um sexo pago.
Estou do lado de fora do shopping.
Estou do lado de fora do mundo.
Sou a cruz e a dor - hoje é meu dia, dia do meu corpo.
Corpo que sente - por isso hoje não vou ser hóstia que não sente.
Hoje poderei ser tua missa, tua causa, tua inquietação.
Hoje eu sou teu pão e teu vinho!”
(Roberval  Freire, 30/05/2013).
A Eucaristia nos questiona visceralmente sobre a nossa fé de seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré. “A fé, sem as obras, está completamente morta” (Tg 2, 17). Pe. Arrupe afirma: “Se em alguma parte do mundo existe fome, nossa celebração eucarística está de alguma maneira incompleta. Na Eucaristia recebemos Cristo que tem fome no mundo. Ele vem ao nosso encontro junto com os pobres, os oprimidos, os famintos da terra, que através dele nos olham esperando ajuda, justiça, amor expresso em ações. Não podemos receber plenamente o pão da vida, se não damos ao mesmo tempo pão para a vida daqueles que se encontram em necessidade onde quer que estejam” (Citado por: Rádio Vaticano. Reflexão sobre “Por que a Pobreza?”, 29/11/12).
                Enfim, perguntamo-nos: O que significa para nós, hoje, celebrar a Eucaristia? Receber a Eucaristia (comungar)? Adorar a Eucaristia? E, sobretudo, viver a Eucaristia?
                Será que acreditamos realmente no verdadeiro sentido da Eucaristia? Será que estamos dispostos a cantar de coração: “É Jesus este Pão de igualdade, viemos pra comungar, com a luta sofrida de um povo que quer, ter voz, ter vez, lugar. Comungar é tornar-se um perigo, viemos pra incomodar, com a fé e a união nossos passos um dia vão chegar” (Canto de Comunhão: Se calarem a voz dos Profetas. Refrão). Que a Eucaristia seja, para todos e para todas nós, vida nova em Cristo, vida segundo o Espírito, o Amor de Deus.
  


            (Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano,
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 05 de junho de 2013

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Campanha “Salve Goiânia!”

Como foi amplamente divulgado na mídia, no dia 25 de abril deste ano, os vereadores de Goiânia, por 24 votos a 7, aprovaram o projeto de lei que altera o Plano Diretor. Posteriormente, o prefeito Paulo Garcia (PT) sancionou a lei aprovada. As alterações visam atualizar a Lei complementar 171, que determina as normas urbanísticas do município e sua regulamentação. Elas dizem respeito ao sistema viário, à ocupação de grandes áreas e à drenagem urbana
A votação das alterações, na Câmara Municipal, foi marcada por protestos e confusão. Contrários a algumas mudanças, cerca de 230 manifestantes, entre alunos dos cursos de arquitetura e geografia da UFG e integrantes de entidades de proteção ao meio ambiente, protestaram durante toda a sessão e tentaram invadir o plenário por uma porta lateral, gerando confronto entre os manifestantes e os seguranças da Câmara. 
O motivo de maior polêmica se refere a uma área próxima à Avenida Perimetral Norte. A alteração proposta autoriza a construção de galpões e grandes empresas no trecho de 350 metros às margens da via. A região é cortada por dois dos mais importantes mananciais da cidade: o Ribeirão João Leite e o Rio Meia Ponte. Os manifestantes afirmam que a execução dessas alterações prejudicará mananciais e nascentes.
O presidente do Sindicato dos Biólogos e da Associação dos Acadêmicos e Profissionais de Biologia do Estado de Goiás, Ygor Brandão, afirma: “Essa revisão do Plano Diretor interfere diretamente em toda a cidade. Falamos, para começar, de um breve futuro caótico para o trânsito em vias como a T-9, a T-7 e a T-63; isso, sem considerarmos as questões ambiental, logística e de qualidade de vida” (O Popular, 23/05/13, p. 4).
Em nome do chamado progresso, todas as emendas apresentadas ao projeto de alteração do Plano Diretor foram rejeitadas.
O relator do projeto, vereador Paulo Borges (PMDB), defendeu as mudanças enviadas pelo Executivo. "Esses pontos - diz ele - foram analisados pelo Poder Executivo. Eu tenho certeza que esses técnicos estão preparados e quando eles submetem à Câmara esses artigos, existe um estudo técnico para tal" (http://g1.globo.com/goias/noticia/2013/04/alteracao-no-plano-diretor-de-goiania-e-aprovada-em-meio-protestos.html).
O senhor, vereador Paulo Borges, deveria saber que a questão não é meramente técnica, mas é sobretudo humana. Pergunto: Que tipo de progresso nós queremos? A serviço de quem? Quais os interesses que estão por trás das alterações ao Plano Diretor? Quem vai ser beneficiado com isso? Por que a população não é consultada? Quem é que realmente tem poder de decisão em Goiânia? É a população ou são os “coronéis urbanos” (leia: os grandes empresários do setor imobiliário)?
A realidade (como exemplo, basta lembrar a barbárie do Parque Oeste Industrial, que até hoje clama por justiça) mostra que os “coronéis urbanos” agem como uma verdadeira “máfia”; elegem ou compram políticos que defendem seus interesses econômicos; desrespeitam os direitos humanos, sobretudo o direito à moradia; e não têm nenhuma preocupação com a preservação da natureza e do meio ambiente.
O objetivo do projeto de alteração do Plano Diretor não é certamente o “Bem Viver” e o “Bem Conviver” da população. “O conceito do ‘Bem Viver’ está                                                                                                                                                                                                                                                                       na contramão de um modelo de desenvolvimento que considera a terra e a natureza como produtos de consumo (...). O ‘Bem Viver’ é um sistema de vida que se contrapõe ao capitalismo, porque este último se constitui num modelo de morte e de exploração (...). Para praticarmos o ‘Bem Viver’ é necessário dar ouvido ao que dizem aqueles que lutam a cada dia por um mundo mais fraterno e justo” (Conselho Indigenista Missionário - CIMI. Agenda Latino-Américana Mundial 2012, p. 11). 
No dia 22 de maio deste ano, representantes da sociedade civil organizada lançaram no Câmpus 2 da Universidade Federal de Goiás (UFG) “um movimento para coletar pelo menos 50 mil assinaturas com o objetivo de anular, por meio de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, a lei de revisão do Plano Diretor de Goiânia (...). A campanha, batizada de Salve Goiânia!, será levada, até o dia 28 de junho - conforme cronograma prévio de ações -, a bairros de diferentes regiões da cidade, do Setor São Judas Tadeu ao Residencial Brisas da Mata” (O Popular, Ib.).
Entre estudantes, associações ambientais, sindicatos e igrejas, a iniciativa conta com a adesão de moradores de praticamente toda a região metropolitana. Como exemplos, citamos - além do Sindicato dos Biólogos e da Associação dos Acadêmicos e Profissionais de Biologia - a Associação Ecológica Verdivale, o Diretório Central da UFG, a Associação de Moradores do Conjunto Caiçara e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo.
O Projeto de Lei de Iniciativa Popular - previsto na Lei Orgânica do Município, na Constituição Federal e no Regimento Interno da Câmara Municipal de Goiânia - para ser apresentado, deverá conter pelo menos 5% de assinaturas do eleitorado da cidade. Depois de apresentado, o Projeto deverá ser aprovado em caráter de urgência, com prazo máximo de tramitação estimado em 45 dias. O Projeto conta também com o apoio de alguns vereadores (infelizmente, poucos) que continuam contrários à revisão do Plano Diretor (Cf. Ib.).
Vamos aderir à Campanha “Salve Goiânia!”. Sua participação é importante! E, nas próximas eleições municipais, vamos votar em candidatos, que estejam realmente do lado do povo e comprometidos com o “Bem Viver”.



Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano,
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 29 de maio de 2013

terça-feira, 28 de maio de 2013

Encontro Arquidiocesano de CEBs: um sinal de esperança


"A Igreja se apresenta e quer realmente ser a Igreja de todos, em particular, a Igreja dos pobres” (João XXIII, 11 de setembro de 1962)

"Como eu gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres!"
(Francisco, 16 de março de 2013)

Parafraseando João XXIII e Francisco, eu afirmo:
"A Igreja quer ser pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres”.

No dia 28 de abril deste ano de 2013, na Paróquia Sagrado Coração de Jesus, Setor Leste Vila Nova, em Goiânia, aconteceu o Encontro Arquidiocesano de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).
Participamos do Encontro cerca de 200 pessoas: a maioria cristãos/ãs leigos/as comprometidos/as em nossas Comunidades da capital (sobretudo da periferia de Goiânia e da Grande Goiânia) e do interior; diversas religiosas, inseridas na vida do povo e alguns Padres.
Tivemos a valiosa assessoria do Pe. Nelito Dornelas, da Comissão para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz da CNBB, que, a partir do texto bíblico do paralítico, carregado por quatro homens (Mc 2, 1-12), nos ajudou a refletir sobre a caminhada das CEBs nas Paróquias, Foranias e Vicariatos da Arquidiocese de Goiânia, hoje.
Partilhamos, num clima de muita irmandade, as nossas experiências de vida comunitária, as nossas dificuldades, os nossos desafios e os nossos anseios.
Aprofundamos, em grupos, os temas: CEBs e Jovens; CEBs e Economia solidária; CEBs e Valorização da Mulher e das Etnias sociais; CEBs no Campo e na Cidade; CEBs e sua Articulação no dias atuais.
Renovamos a nossa esperança e nos comprometemos a continuar, com fé e amor, a nossa "romaria” rumo ao 13º Intereclesial de CEBs, que acontecerá em Juazeiro do Norte (Diocese de Crato - CE), de 07 a 11 de janeiro de 2014, e tem como tema "Justiça e Profecia a Serviço da Vida” e como lema "CEBs, Romeiras do Reino no Campo e na Cidade”.
Percebemos claramente que o modelo de Igreja defendido e, sobretudo, vivido pelas CEBs, é profundamente evangélico; está de acordo com aquilo que Jesus quer e se espelha na vida das primeiras Comunidades cristãs.
Constatamos que as CEBs -com suas limitações humanas- são realmente "um jeito novo” (sempre atento aos sinais dos tempos) e, ao mesmo tempo, "um jeito antigo” (sempre fiel às exigências do Evangelho) de ser Igreja, hoje.
Vivenciamos as notas distintivas do modelo de Igreja das CEBs: uma Igreja igualitária, de irmãos e irmãs; uma Igreja comunitária (Igreja-comunidade, Igreja-comunhão); uma Igreja Povo de Deus e toda ministerial; uma Igreja que busca sempre o consenso, reconhecendo e valorizando o "senso da fé” do povo cristão; uma Igreja que, a todo momento, perscruta os sinais dos tempos, interpretando-os à luz do Evangelho; uma Igreja pobre, que faz a opção pelos pobres; uma Igreja que reconhece e valoriza o diferente (Igreja ecumênica, macroecumênica e aberta ao diálogo com todas as culturas e religiões); enfim, uma Igreja que -sem perder sua identidade e respeitando a autonomia das Organizações sociais- faz aliança com Movimentos Populares, Sindicatos autênticos de Trabalhadores, Partidos Políticos e com todos aqueles/as que lutam por um Mundo Novo, de justiça e irmandade, que -à luz da fé- é a utopia do Reino de Deus, acontecendo na história humana e cósmica.
Dom Aloísio Lorscheider oferece-nos uma fotografia nítida do modelo de Igreja do Concílio Vaticano II, que é o modelo das CEBs. "O Vaticano II -diz ele- faz-nos passar de uma Igreja-instituição ou de uma Igreja-sociedade perfeita para uma Igreja-comunidade, inserida no mundo, a serviço do Reino de Deus; de uma Igreja-poder para uma Igreja pobre, despojada, peregrina; de uma Igreja-autoridade para uma Igreja serva, servidora, ministerial; de uma Igreja piramidal para uma Igreja-povo; de uma Igreja pura e sem mancha para uma Igreja santa e pecadora, sempre necessitada de conversão, de reforma; de uma Igreja-cristandade para uma Igreja-missão, uma Igreja toda ela missionária” (Texto citado por Dom Geraldo Majella Agnelo na contra-capa da Liturgia Diária, novembro de 2012).
Vimos que o método (o caminho) das CEBs é "ver, julgar, agir” (analisar, interpretar, libertar). Ele "nos permite articular, de modo sistemático, a perspectiva cristã de ver a realidade; a assunção de critérios que provêm da fé e da razão para seu discernimento e valorização com sentido crítico; e, em consequência, a projeção do agir como discípulos missionários de Jesus Cristo" (Documento de Aparecida - DA, 19).
Enfim, voltamos para as nossas Comunidades mais conscientes do que significa seguir Jesus no mundo de hoje. "O seguimento de Jesus é fruto de uma fascinação, que responde ao desejo de realização humana, ao desejo de vida plena. O discípulo é alguém apaixonado por Cristo, a quem reconhece como mestre, que o conduz e acompanha" (DA, 277).





            (Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano,
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 22 de maio de 2013

Padre Marcelo Rossi


Lendo a “Entrevista Padre Marcelo Rossi” (Folha de S. Paulo, 29/04/13, p. A14), fiquei abismado com a superficialidade com a qual o entrevistado trata das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Demonstra claramente que não tem nenhuma experiência pessoal de CEBs e nenhum conhecimento teológico a respeito das mesmas.
Antes de tudo, Pe. Marcelo, comprometer-se socialmente e fazer “a opção pelos pobres” não é só - como você diz - “ter trabalhos com recuperação de drogados e arrecadação de alimentos”. Os pobres não são objetos da nossa ação assistencial e/ou caritativa, mas sujeitos e protagonistas de sua própria história.
As obras de misericórdia, principalmente em determinadas situações sociais de emergência, são necessárias, mas é preciso ter sempre presente sua ambiguidade. Vale o alerta: "A misericórdia sempre será necessária, mas não deve contribuir para criar círculos viciosos que sejam funcionais para um sistema econômico iníquo. Requer-se que as obras de misericórdia sejam acompanhadas pela busca de verdadeira justiça social (...)” (DA, 385).
Comprometer-se socialmente e fazer “a opção pelos pobres”, significa, sobretudo, ser uma Igreja pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres; uma Igreja despojada, sem poder, sem ostentação, sem luxo, sem triunfalismo  e sem clericalismo; uma Igreja solidária com os pobres e que assume a sua causa, que é a causa de um Mundo Novo, ou, à luz da fé, do Reino de Deus, acontecendo na história humana e cósmica. "Como eu gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres"! (Francisco, bispo de Roma,16 de março de 2013). .
É lamentável, Pe. Marcelo, que você critique o incentivo da CNBB às CEBs. Elas - apesar das limitações inerentes à condição humana - devem ser incentivadas não por uma questão de proselitismo, mas pela sua fidelidade ao Evangelho. As CEBs, Pe. Marcelo, não “esquecem a oração e não ficam só na política”. Reconhecem que tudo é político, mas que a política não é tudo.
O perigo, Pe. Marcelo, não é as CEBs “se tornarem mais políticas do que sociais”; não é as pessoas terem nas CEBs “a tentação à política” (a política não é uma tentação, mas uma vocação) ou “cairem na política” (se politizarem), “combinando princípios cristãos a uma visão social de esquerda”.
O perigo é os cristãos/ãs serem alienados e omissos diante das injustiças e violações dos direitos humanos; não denunciarem - muitas vezes por covardia e conivência - as “situações de pecado" (DA, 95) ou as “estruturas de pecado” (DA, 92), que são “estruturas de morte" (DA, 112).
O perigo é os cristãos/ãs serem irresponsáveis frente aos desafios do mundo, fechando-se num “egoísmo religioso”, que nada tem a ver com o Evangelho.
Ao contrário do que você, Pe. Marcelo, afirma, o povo hoje, mais do que de “grandes espaços”, precisa de “pequenos espaços”, para deixar de ser massa, viver a irmandade e ser comunidade.
As CEBs, Pe. Marcelo,  são sal, luz e fermento em todas as dimensões da vida humana, inclusive na dimensão política e político-partidária. Elas - a exemplo de Jesus - se encarnam no mundo e estão sempre presentes na vida do povo. Iluminadas pelo Espírito Santo, sabem discernir o que Deus quer.nas diversas situações humanas
As CEBs vivem a utopia de um Mundo Novo, que, à luz da fé, é a utopia do Reino de Deus, numa sociedade pluralista e, sem perder sua identidade, respeitam e valorizam o diferente.
É lamentável, também, Pe. Marcelo, que você - indo contra todos os ensinamentos da Igreja - tenha aconselhado várias vezes um cristão (não importa agora o nome) a não entrar na política, dizendo: “não faça isso”. Felizmente, o cristão aconselhado demonstrou mais consciência social do que você e não aceitou a sua orientação.
                No Brasil, as CEBs (à luz da Segunda Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano de Medellín - Colômbia - 1968) são, sem dúvida, a expressão mais significativa do modelo de Igreja do Vaticano II.
                Como irmão, Pe. Marcelo, permito-me dar uma sugestão: antes de falar das CEBs, faça nelas uma experiência de vida e estude um pouco de Eclesiologia cristâ pós-conciliar.

Fr. Marcos Sassatelli,
Frade dominicano,
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 02 de maio de 2013

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Verdadeiras heroínas e verdadeiros heróis


          Dia 6 de maio de 2013. Já é noite. Acabo de chegar de uma visita de algumas horas ao Acampamento Pedro Nascimento e Residencial JK I e II, na Região Noroeste de Goiânia. Ao todo, entre os que ocuparam os lotes vazios (366 famílias, vivendo no Acampamento) e os que adquiriram os lotes enganados (300 famílias, mas só 70 vivendo no Residencial), moram na região cerca de 450 famílias, numa situação subumana.
Irmãs e irmãos do Acampamento e do Residencial, a minha visita foi a de um irmão solidário, que quer, de coração, partilhar o sofrimento e a dor de vocês, pais e mães de famílias, crianças e jovens, adultos e idosos, vítimas de nossa sociedade hipócrita e de nosso “sistema econômico iníquo” (Documento de Aparecida - DA, 385).
Nessa visita, estavam presentes também a grande lutadora Eronilde da Silva Nascimento, uma verdadeira heroína, e seu companheiro Luís Milhome.
Fiquei feliz, irmãs e irmãos, porque - mesmo numa situação tão calamitosa, da qual os nossos governantes deveriam se envergonhar - encontrei tanta alegria, tanta bondade, tanta humanidade, tanta garra e tanto heroísmo que me edificaram.
Obrigado! Foi muito bom estar com vocês. Conversamos, convivemos, caminhamos juntos e tomamos dois cafezinhos muito gostosos, o primeiro, na barraca da dona Cotia e o segundo, na barraca da dona Meire, duas grandes companheiras de caminhada. Entre um cafezinho e outro, passamos também na barraca da Wánia, que, juntamente com dona Meire, andou conosco no Acampamento e anima a todos/as com seu sorriso.
A coragem e a vontade de lutar de vocês me fortalecem e me ajudam a ser mais humano. Na luta de vocês por moradia, que é um direito de toda pessoa humana, contem sempre com a minha solidariedade e com o meu apoio.
Fazendo a experiência da profunda sensibilidade humana de vocês, lembrei-me das palavras do teólogo Pe. José Comblin, de saudosa memória, que, em 1982, dizia: “O humano deveras humano não se deve procurar entre os opressores, mesmo inconscientes, mas nas vítimas da opressão (...). O humano mais puro se acha entre os homens e as mulheres que lutam desesperadamente para salvar o sentido do humano que a sociedade e a ‘civilização’ fazem de tudo para destruir”.
Dizia ainda Pe. Comblin: “Os verdadeiros heróis são os milhares e milhões de homens e mulheres anônimos que devem todo dia aceitar o desafio de uma luta sobre-humana contra forças imensas, que jamais escolheram pessoalmente e que lhes impõem um jugo acima de suas forças. Os verdadeiros heróis são os oprimidos da vida cotidiana, que conseguem salvar o essencial do humano” (José Comblin, Humanidade e Libertação dos Oprimidos. Revista “Concilium”, 175, 1982).
Vocês, irmãs e irmãos, são verdadeiras heroínas e verdadeiros heróis. Continuem firmes na luta que Deus está com vocês.
Confesso que - por ser entranhadamente solidário com vocês - voltei da visita ao Acampamento Pedro Nascimento e Residencial JK I e II profundamente indignado. Quero, nestas poucas linhas, denunciar publicamente o descaso e a omissão da Prefeitura de Goiânia. Mesmo que a solução definitiva do problema demore - como é compreensível - algum tempo, o Poder Público Municipal tem o dever de oferecer a vocês, em caráter de urgência, as condições mínimas necessárias para que possam viver dignamente.
Diante de uma situação de calamidade pública, uma multidão de gente acampada num lugar totalmente abandonado, o socorro tem que ser imediato. Em caso contrário, caracteriza-se a omissão de socorro, que é crime, e os responsáveis devem ser processados, julgados e condenados.
Num caso como esse, não importa a legalidade. O que importa é salvar vidas. A vida está acima da lei.
No Acampamento e no Residencial, a água está contaminada e amarela. As crianças estão em péssimas condições. Encontrei uma família com nove crianças pequenas. Outra família com cinco crianças pequenas. As crianças, em idade escolar, não tem escola. As pessoas estão doentes. Não tem transporte coletivo. Não tem nada.
Enquanto não se encontra uma solução definitiva para essas famílias, será que é tão difícil para a Prefeitura manter no lugar água potável, cestas básicas, equipe de saúde da família e outros serviços essenciais? Ou será que a lei só existe para defender os interesses dos grandes, dos poderosos, dos gananciosos e dos corruptos? Chega de tanta falta de humanidade! É só uma questão de vontade política.
Por uma estranha coincidência, indo para o Acampamento Pedro Nascimento e Residencial JK I e II, na traseira do carro que se encontrava na minha frente, estava escrito: “Tenha um ideal e que ele seja você mesmo. Esqueça os outros”. Essa frase revela muito bem a ideologia individualista e egoísta de nossa sociedade capitalista neoliberal. Nessa sociedade, não tem lugar para os pobres, que são descartados como lixo e morrem a míngua. A nossa sociedade é uma sociedade assassina, que mata silenciosamente os pobres.
Não podemos ficar calados e nos omitir. Precisamos denunciar essas “situações de pecado” ou “estruturas de pecado”, que são “estruturas de morte” (DA, 92, 95, 112). Um outro mundo é possível! Nós acreditamos nele e estamos comprometidos com ele.

(Leia o Artigo: Acampamento Pedro Nascimento, Residencial JK I e II, em: 





Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano,
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 08 de maio de 2013
A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos