Lendo
a “Entrevista Padre Marcelo Rossi”
(Folha de S. Paulo, 29/04/13, p. A14), fiquei abismado com a superficialidade
com a qual o entrevistado trata das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).
Demonstra claramente que não tem nenhuma experiência pessoal de CEBs e nenhum
conhecimento teológico a respeito das mesmas.
Antes
de tudo, Pe. Marcelo, comprometer-se socialmente e fazer “a opção pelos pobres”
não é só - como você diz - “ter trabalhos com recuperação de drogados e
arrecadação de alimentos”. Os pobres não são objetos da nossa ação assistencial
e/ou caritativa, mas sujeitos e protagonistas de sua própria história.
As obras de misericórdia, principalmente em
determinadas situações sociais de emergência, são necessárias, mas é preciso
ter sempre presente sua ambiguidade. Vale o alerta: "A misericórdia sempre
será necessária, mas não deve contribuir para criar círculos viciosos que sejam
funcionais para um sistema econômico iníquo. Requer-se que as obras de
misericórdia sejam acompanhadas pela busca de verdadeira justiça social (...)”
(DA, 385).
Comprometer-se
socialmente e fazer “a opção pelos pobres”, significa, sobretudo, ser uma
Igreja pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres; uma Igreja despojada,
sem poder, sem ostentação, sem luxo, sem triunfalismo e sem clericalismo; uma Igreja solidária com
os pobres e que assume a sua causa, que é a causa de um Mundo Novo, ou, à luz
da fé, do Reino de Deus, acontecendo na história humana e cósmica. "Como eu gostaria de uma Igreja pobre e
para os pobres"! (Francisco, bispo de Roma,16 de março de 2013). .
É lamentável, Pe. Marcelo, que você critique o
incentivo da CNBB às CEBs. Elas - apesar das limitações inerentes à condição
humana - devem ser incentivadas não por uma questão de proselitismo, mas pela
sua fidelidade ao Evangelho. As CEBs, Pe. Marcelo, não “esquecem a oração e não
ficam só na política”. Reconhecem que tudo é político, mas que a política não é
tudo.
O perigo, Pe. Marcelo, não é as CEBs “se tornarem
mais políticas do que sociais”; não é as pessoas terem nas CEBs “a tentação à
política” (a política não é uma tentação, mas uma vocação) ou “cairem na
política” (se politizarem), “combinando princípios cristãos a uma visão social
de esquerda”.
O perigo é os cristãos/ãs serem alienados e omissos
diante das injustiças e violações dos direitos humanos; não denunciarem -
muitas vezes por covardia e conivência - as “situações de pecado" (DA, 95)
ou as “estruturas de pecado” (DA, 92), que são “estruturas de morte" (DA,
112).
O perigo é os cristãos/ãs serem irresponsáveis
frente aos desafios do mundo, fechando-se num “egoísmo religioso”, que nada tem
a ver com o Evangelho.
Ao contrário do que você, Pe. Marcelo, afirma, o
povo hoje, mais do que de “grandes espaços”, precisa de “pequenos espaços”,
para deixar de ser massa, viver a irmandade e ser comunidade.
As CEBs, Pe. Marcelo, são sal, luz e fermento em todas as dimensões
da vida humana, inclusive na dimensão política e político-partidária. Elas - a
exemplo de Jesus - se encarnam no mundo e estão sempre presentes na vida do
povo. Iluminadas pelo Espírito Santo, sabem discernir o que Deus quer.nas
diversas situações humanas
As CEBs vivem a utopia de um Mundo Novo, que, à luz
da fé, é a utopia do Reino de Deus, numa sociedade pluralista e, sem perder sua
identidade, respeitam e valorizam o diferente.
É lamentável, também, Pe. Marcelo, que você - indo
contra todos os ensinamentos da Igreja - tenha aconselhado várias vezes um
cristão (não importa agora o nome) a não entrar na política, dizendo: “não faça
isso”. Felizmente, o cristão aconselhado demonstrou mais consciência social do
que você e não aceitou a sua orientação.
No
Brasil, as CEBs (à luz da Segunda Conferência Geral do Episcopado
Latinoamericano de Medellín - Colômbia
- 1968) são, sem dúvida, a expressão mais significativa do modelo de
Igreja do Vaticano II.
Como irmão, Pe. Marcelo,
permito-me dar uma sugestão: antes de falar das CEBs, faça nelas uma
experiência de vida e estude um pouco de Eclesiologia cristâ pós-conciliar.
Fr. Marcos Sassatelli,
Frade dominicano,
Doutor em Filosofia (USP) e em
Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de
Filosofia da UFG
Goiânia, 02 de maio de 2013
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário