domingo, 31 de janeiro de 2021

Um Governo que mata por asfixia Fora Bolsonaro!

 

            

           

O caso de Manaus representa o mais alto grau da irresponsabilidade do Governo Bolsonaro: um Governo que deixa faltar oxigênio e mata as pessoas por asfixia, morrendo sufocadas. Não dá para acreditar que, em pleno século XXI, possa acontecer tamanha barbárie! Trata-se de uma perversidade e iniquidade diabólicas! Se o Governo Bolsonaro fosse minimamente sério, humano e ético - numa situação dramática como a de Manaus (que seria muito difícil acontecer) - imediatamente tudo passaria em segundo plano, a fim de garantir com urgência o oxigênio necessário para as pessoas puderem respirar e continuar vivendo.

Diante da tragédia de Manaus - anunciada - e das que ainda poderão acontecer em outras regiões do Brasil - também anunciadas - o Governo mostra-se totalmente insensível e não toma nenhuma providência. É um descaso total!

“A rede pública de Saúde de Goiás - por exemplo - não entrou em colapso na primeira onda da pandemia de coronavírus em 2020 por conta da grande abertura de novos leitos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e enfermaria. No entanto - alerta a rede - essa quantidade alta de novas vagas para a internação de pacientes com Covid-19 pode não se repetir na segunda onda em 2021” (O Popular, 22/01/21, p. 14)

Mesmo sabendo dessa realidade tão desumana, o Judiciário e o Legislativo - Câmara Federal e Senado - tornam-se coniventes com a criminalidade do Executivo. O Judiciário, pela inércia: nem fede e nem cheira; o Legislativo, pela ação ou omissão publicamente declaradas. É deplorável!

Reparem: “Parlamentares não veem motivo para o impeachment” (O Popular, 23 e 24/01/21, p. 4 - manchete). Dos senadores e deputados “a grande maioria não concorda que Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade ou acredita que não seja o momento para a ação” (Ib.).

O deputado Francisco Junior (PSD), por exemplo - que se diz cristão católico - afirma que o impeachment neste momento “não colabora em nada para o País” (Ib.). Pergunto: o que é que colabora para o País? Será que é a covardia e a conivência com a imoralidade pública dos deputados federais? Que absurdo!

O Brasil tem mais de 215 mil mortes por Covid-19 (Goiás, mais de 7 mil). Isso não diz nada aos nossos parlamentares e aos nossos juízes?

Bolsonaro - só no que diz respeito à pandemia - cometeu, e continua cometendo; três grandes crimes:

  1. O crime de deboche. Desde o início da pandemia da Covid-19, Bolsonaro debochou - e continua debochando - com uma frieza incrível e um cinismo sádico - da gravidade da pandemia, contrariando o parecer dos cientistas e da Organização Mundial de Saúde (OMS).
  2. O crime de falta de planejamento. Bolsonaro não fez - e continua não fazendo - nenhum planejamento sério, com a assessoria de cientistas, de combate à pandemia e de distribuição da vacina. Tudo foi feito - e continua sendo feito - na base do “toma-lá-dá-cá”.
  3.  O crime de responsabilidade. Bolsonaro é responsável por milhares de mortes - todas as mortes por asfixia (falta de oxigênio) e muitas outras - que poderiam ter sido evitadas com um planejamento de enfrentamento da pandemia que seguisse as orientações dos cientistas e da OMS. Ora, Bolsonaro fez - e continua fazendo - “corpo mole”, demostrando total indiferença e matando pessoas humanas por asfixia

O próprio reitor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Sylvio Puga Ferreira - diante da trágica situação de Manaus - enviou um ofício à Justiça Federal pedindo que a União seja obrigada - por decisão judicial - a fornecer com urgência o oxigênio.

Felizmente, no Brasil inteiro e até fora do Brasil - mesmo diante da surdez dos deputados e senadores e da inércia dos juízes - nas manifestações e carreatas do povo ecoa cada dia mais forte o grito: Fora Bolsonaro! Impeachment já! Vacinação já!

“Atrevo-me a dizer - declara o papa Francisco aos Movimentos Populares - que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas mãos de vocês, na capacidade de vocês se organizarem e promoverem alternativas criativas na busca diária dos ‘3 T’ (trabalho, teto, terra), e também na participação de vocês como protagonistas nos grandes processos de mudança, regionais, nacionais e mundiais” (2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15).

Que as palavras do nosso irmão Francisco nos animem, renovem a nossa esperança e nos fortaleçam na luta! Unidos e organizados, já somos vencedores!

 



         


Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 25 de janeiro de 2021

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Uma fala irresponsável!

 


Depois de refletir muito sobre o assunto, senti a necessidade de manifestar publicamente a minha indignação - profundamente doída - de cidadão e de cristão católico diante da fala do padre Elenildo Pereira (da Canção Nova, na homilia da Missa do último dia 1º) contra o uso da vacina para combater a pandemia da Covid-19. 


Diz o padre: "Tá vindo aí revestido de coisa boa, chamada de vacina contra o coronavírus. Vindo revestido de uma coisa belíssima: proteção, saúde, salvar vidas. Cuidado que é só a capa, só a capa". Depois, percebendo (talvez) que poderia ser criminalizado - para amenizar sua fala - acrescenta: "Não tô dizendo que sou contra a vacina, não sou, sendo bem claro. Desde que passe por todos os testes possíveis e imagináveis. Todas as fases necessárias. Uma comprovação científica. Aí eu tomarei. Enquanto não houver comprovação científica, padre Elenildo não tomará vacina".


Pede, pois, uma resposta sobre o uso do medicamento ao Governo Federal. “Ministério da Saúde, que já comprou essa vacina me responda. Como eu compro um produto, sem comprovação científica, sem passar por todas as fases científicas e depois eu corro atrás da legalização? Dê um jeito. Mande um e-mail ou ligue para mim. Como se coloca em risco a vida das pessoas?”.


A fala de padre Elenildo é de uma irresponsabilidade inacreditável e inaceitável. Objetivamente falando (a consciência das pessoas só Deus julga), o padre cometeu duas faltas gravíssimas:


  1. Do ponto de vista social, a fala é criminosa por contribuir - e muito - com o aumento diário do número de doentes e de mortes por causa da pandemia do coronavírus.
  2. Do ponto de vista eclesial, é uma fala contra a comunhão, por “confrontar direta e desrespeitosamente” toda a Igreja, Povo de Deus (não: “toda a hierarquia”, como foi dito). Cidadãos e cidadãs, irmãos e irmãs, estamos pleiteando - e o mais rápido possível - a vacina contra a Covid - 19 como um direito de todos e de todas, a partir dos mais vulneráveis.

“Eu acredito que eticamente todo mundo deveria tomar a vacina. É uma opção ética  porque você aposta na saúde, na sua vida, mas também na vida dos outros” (Papa Francisco, 09/01/21). O papa foi vacinado contra a Covid-19 no dia 13 desse mês.


“Agora cabe a nós garantir que a vacina esteja disponível para todos, especialmente os mais vulneráveis. É uma questão de justiça. Devemos mostrar, de uma vez por todas, que somos uma única família humana” (Cardeal Peter Turkson, prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano, 04/01/21).


“Não podemos nos render à indiferença de alguns, negacionismos de outros ou à tentação de nos aglomerarmos, permitindo que nos contaminemos e nos tornemos instrumentos de contaminação, sofrimento e morte de outras pessoas. Não deixemos que o cansaço e a desinformação nos levem a atitudes irresponsáveis. Sejamos fortes! Permaneçamos firmes” e que "a vacina seja para todos" (CNBB. 1º de janeiro/21).


“Prezado Povo de Deus, essa (a do padre Renildo) não é a posição da igreja no Brasil, dada pela CNBB. Procurem ler o pronunciamento da igreja, com as devidas orientações. Essas posições pessoais dividem, é um desserviço. Paz e vacina autorizada pelas autoridades sanitárias para todos” (Dom Joaquim Mol, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte - MG, e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação da CNBB). 


Cristãos católicos e cristãs católicas sejamos uma Igreja em comunhão entre nós, em comunhão ecumênica com todos e todas que creem em Cristo e em comunhão macro ecumênica com todos os seres humanos e a Irmã Mãe Terra, nossa Casa Comum.


Meditemos! Unidos e unidas como família humana de irmãos e irmãs, exijamos nossos direitos! A vacina contra a Covid-19, pública e gratuita, é nosso direito!



Médico dando vacina a criança usando luvas Foto gratuita



Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br


Goiânia, 17 de janeiro de 2021


segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Ser Igreja pobre


“O Vaticano II faz-nos passar de uma Igreja-poder para uma Igreja pobre, despojada, peregrina” (Dom Aloísio Lorscheider).       

Igreja pobre: é Igreja para os pobres, com os pobres e dos pobres; é Igreja que está do e ao lado dos pobres, caminhando juntos em busca da libertação e da vida; é Igreja simples, misericordiosa e solidária - a simplicidade, a misericórdia (a compaixão) e a solidariedade (a partilha) são o amor acontecendo; é Igreja de irmãos e irmãs, em comunhão entre si, com a Irmã Mãe Terra - nossa Casa Comum - e com Deus; é Igreja sinal visível (sacramento) da presença de Jesus de Nazaré no mundo; é Igreja que vive a pobreza-virtude e combate a pobreza-falta de condições por uma vida digna para todos e todas, que é uma violência institucionalizada, um mal social (sócio-econômico-político-ecológico-cultural e religioso): pecado estrutural, anti-Reino de Deus.

Todos e todas somos chamados e chamadas a fazer parte dessa Igreja pobre. “Para servir de apoio aos pobres, é fundamental viver pessoalmente a pobreza evangélica” (Papa Francisco. Mensagem para o IV Dia Mundial dos Pobres, 2020, 4).

“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres” (Lc 4,18). “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). A Opção pelos Pobres não é “preferencial” (uma alternativa entre duas ou mais alternativas), mas exclusiva. É a Opção de Jesus de Nazaré, é o caminho que Ele fez e é o único caminho para quem quer segui-lo. 

Sobre a Igreja pobre, meditemos os textos do Pacto das Catacumbas (16 de novembro de 1965) e do Pacto das Catacumbas pela Casa Comum (20 de outubro de 1919), em: http://www.ihu.unisinos.br/.

Igreja despojada: é Igreja pobre que, em sua caminhada de renovação - com avanços e recuos - se despojou de muitas influências negativas da sociedade imperial, feudal e capitalista, mas que tem ainda uma longa estrada a percorrer para voltar a ser hoje Igreja realmente evangélica. Vejamos! A Igreja precisa se despojar e libertar: 

- do poder temporal (do Estado do Vaticano: Jesus de Nazaré nunca quis uma Igreja-Estado); do poder clerical hierárquico (por exemplo, das cátedras: Jesus e São Pedro nunca sentaram em cátedras, a não ser na “cátedra” da cruz); dos comportamentos diplomáticos (“diga apenas ‘sim’, quando é ‘sim’ e ‘não’, quando é ‘não’” - Mt 5,37); 

- da construção de Santuários, Catedrais e Igrejas suntuosas (um exemplo histórico: a Igreja de S. Francisco de Assis - logo S. Francisco! - em Salvador - BA, com todo o interior coberto em ouro; um exemplo atual: o mirabolante e absurdo projeto do segundo Santuário novo do Divino Pai Eterno - o primeiro terminou há poucos anos - com o maior sino do mundo, em Trindade - GO; observação: a respeito das denúncias do Ministério Público de Goiás sobre o caso, veja o meu artigo: “A exploração dos pobres em nome da fé”, em: http://freimarcos.blogspot.com/);

- dos títulos honoríficos (‘Monsenhor’, ‘Sua Excelência ou Eminência Reverendíssima’, ‘Sua Santidade’ e outros); do barrete e das vestes cardinalícias de cor vermelho-púrpura (a farisaicamente chamada “sagrada púrpura”, um verdadeiro aparato imperial; hoje, os “cardeais” são os trabalhadores e trabalhadoras que representam legitimamente os “mártires da caminhada” e que - com fita vermelha no pescoço e boné vermelho na cabeça - organizam romarias e/ou celebrações em sua memória); das mitras e dos brasões dos bispos (outro aparato imperial, que não tem nada a ver com o Evangelho); das celebrações triunfalistas e cheias de pompa; dos paramentos e objetos litúrgicos luxuosos (por exemplo, um ostensório de ouro transportado em procissão, com Jesus - presente na pessoa dos pobres e descartados - assistindo deitado na calçada ao lado).

Igreja peregrina (romeira): é Igreja pobre e despojada “em saída” permanente, fazendo acontecer o Reino de Deus na história do ser humano e do mundo (retomaremos o assunto no último artigo da série: “Ser Igreja-missão”).

Um feliz tempo de Natal e um 2021 de muita luta e esperança. Lembremos: “O Natal de Jesus tem lado”  (veja em: http://www.ihu.unisinos.br/ ou http://freimarcos.blogspot.com/). 


C:\Users\usuario\Desktop\Nova pasta - 14-11-20\IMG-20201115-WA0012.jpg

Reparem: dois irmãos em Cristo




Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 23 de dezembro de 2020


 


O artigo foi publicado originalmente em:

https://portaldascebs.org.br/2020/12/23/ser-igreja-pobre/ 

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Ser Igreja-comunidade

 


“O Vaticano II faz-nos passar de uma Igreja-instituição ou de uma Igreja-sociedade perfeita para uma Igreja-comunidade, inserida no mundo, a serviço do Reino de Deus” (Dom Aloísio Lorscheider). 

Na Igreja sempre houve, há e haverá pessoas - cristãos e cristãs - que viveram, vivem e viverão a radicalidade evangélica, anunciando, testemunhando e fazendo acontecer o Reino de Deus na sociedade e no mundo. 

Como instituição ou sociedade perfeita, porém, a Igreja em sua história de mais de dois mil anos - ao contrário de Jesus de Nazaré que resistiu, superou e venceu as tentações do prestígio, do poder e da riqueza (cf. Mt 4,1-11) - deixou-se muitas vezes seduzir por essas tentações, que - além de desfigurar seu rosto - desacreditaram sua missão no mundo. 

Por iniciativa do Papa São João XXIII, o Concílio Vaticano II abriu as janelas da Igreja para que os ventos da renovação - que já estavam no ar - entrassem com toda força, sacudissem a Igreja e a libertassem de uma estrutura de poder hierárquico esclerosada, adquirida ao longo dos anos. 

O Concílio abriu novos caminhos para que a Igreja voltasse a ser - mesmo com suas limitações humanas - uma Igreja realmente evangélica. Os Padres Conciliares retornaram às origens da Igreja e às suas fontes bíblicas e patrísticas. A Constituição dogmática “A Igreja” (LG) e a Constituição pastoral “A Igreja no Mundo de Hoje” (GS) são documentos-chave para a compreensão do Concílio e da posterior caminhada de renovação da Igreja. 

Depois do Vaticano II, a Igreja passa a ser uma Comunidade de cristãos e cristãs espalhados e espalhadas por todo o mundo. Muitos de nós vivemos - e ainda estamos vivendo - essa passagem: uma verdadeira Páscoa, acontecendo sob a ação do Espírito.

Construímos uma nova igreja que - no Brasil e na América Latina - chamamos com o expressivo nome “Igreja da Caminhada” ou “Igreja das Comunidades de Base”, comprometida com a luta pelos Direitos Humanos, pelos Direitos da Irmã Mãe Terra (Nossa Casa Comum), pela Justiça e Paz e por uma sociedade de irmãos e irmãs: o Reino de Deus acontecendo na história do ser humano e do mundo.

Infelizmente, há mais de duas décadas, surgiram movimentos eclesiais - marcados por uma espiritualidade fundamentalista, individualista e conservadora -  que começaram um processo de retorno ao modelo de Igreja pré-conciliar, com o apoio e incentivo de padres e bispos (muitos dos quais nem viveram esse modelo).

Animados pelo testemunho profético do nosso irmão o Papa Francisco e pelos seus escritos ou pronunciamentos, não podemos permitir que esse retrocesso aconteça. Vamos nos unir, resistir e avançar. Muito já se fez, mas ainda tem muito a ser feito para que a Igreja seja realmente - e cada dia mais - a de Jesus de Nazaré. 

A imagem que - mundial-nacional-regional e localmente - representa a Igreja-comunidade é o círculo e não a pirâmide. Na Igreja-comunidade todos e todas - embora diferentes - são iguais em dignidade e valor, todos e todas são irmãos e irmãs em comunhão, filhos e filhas do mesmo Deus: a Santíssima Trindade (Pai-Mãe. Filho, Espírito Santo), Comunidade de Amor, a melhor Comunidade. 

"Deve-se reconhecer cada vez mais a igualdade fundamental entre todos os seres humanos (homens e mulheres)" (A Igreja no mundo de hoje - GS 29). Na Igreja “reina verdadeira igualdade quanto à dignidade e ação comum a todos os fiéis na edificação do Corpo de Cristo" (A Igreja - LG 32). 

A Igreja-comunidade é Igreja encarnada e inserida no mundo - Igreja na Base e de Base, Igreja Popular - a serviço do Reino de Deus, que é um mundo novo, a sociedade do bem viver e bem conviver (como nos ensinam os nossos irmãos/ãs indígenas). "Como Cristo, por sua Encarnação ligou-se às condições sociais e culturais dos seres humanos com quem conviveu; assim também deve (reparem: deve!) a Igreja inserir-se nas sociedades, para que a todos/as possa oferecer o mistério da salvação e a vida trazida por Deus” (A atividade missionária da Igreja - AG 10). 

É essa a Igreja de Jesus de Nazaré! É essa a Igreja que queremos ser! Lutemos por ela!

Círculo, Comunidade, Mãos, Exploração, Pessoas 


Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 20 de novembro de 2020



O artigo foi publicado originalmente em:

https://portaldascebs.org.br/2020/11/24/ser-igreja-comunidade/ 



domingo, 8 de novembro de 2020

Ser Igreja hoje

 


Na história do ser humano, no mundo com o mundo (a Irmã Mãe Terra, Nossa Casa Comum), ser Igreja significa ser - nessa mesma história - a continuidade da presença visível de Jesus de Nazaré.

Nós cristãos e cristãs não queremos “imitar” Jesus de Nazaré de maneira formal e a-histórica, de maneira individualista e subjetivista, de maneira mecanicista e fundamentalista, mas queremos viver hoje como Jesus de Nazaré viveu no tempo dele; lutar hoje como Jesus de Nazaré lutou no tempo dele; morrer hoje como Jesus de Nazaré morreu no tempo dele e ressuscitar hoje como Jesus de Nazaré ressuscitou no tempo dele. Queremos, pois, segui-lo. 

Meditamos - profunda e permanentemente - a vida de Jesus de Nazaré para perguntarmo-nos sempre: nessa situação concreta social (sócio-econômico-político-ecológico-cultural-religiosa) e individual na qual nos encontramos - como Jesus de Nazaré agiria? 

Hoje, “contemplamos a Jesus Cristo tal como os Evangelhos nos transmitem para conhecermos o que Ele fez e para discernirmos o que nós devemos fazer nas atuais circunstâncias” (Documento de Aparecida - DA 139). 

A Igreja, “a todo momento (reparem: a todo momento!), deve escutar os sinais dos tempos (ou seja, ouvir a voz de Deus nos acontecimentos) e interpretá-los à luz do Evangelho (ou seja, na ótica dos Pobres, desde os Pobres, a partir dos Pobres), de tal modo que possa responder, de maneira adaptada a cada geração, às interrogações eternas sobre os significados da vida presente e futura e de suas relações mútuas. É necessário, por conseguinte, conhecer e entender (reparem novamente: conhecer e entender!) o mundo no qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações e sua índole frequentemente dramática" (Concílio Vaticano II. A Igreja no mundo de hoje - GS 4. Cf. também: DA 33).

O método (“caminho”) - “ver, julgar, agir” (“analisar, interpretar, libertar”) - vivido pela chamada “Igreja da Caminhada” - nos coloca em atitude de escuta permanente. Ele "nos permite articular, de modo sistemático, a perspectiva cristã de ver a realidade (que é a perspectiva “desde os Pobres”); a assunção de critérios que provêm da fé e da razão (ou seja, da razão iluminada pela fé) para seu discernimento e valorização com sentido crítico; e, em consequência, a projeção do agir como discípulos missionários de Jesus Cristo” (DA 19).

Para viver isso, a Igreja - que somos todos e todas nós seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré - precisa voltar ao Evangelho, ser uma Igreja realmente “evangélica”, se despojar e libertar de todas as insígnias imperiais, feudais e capitalistas que - no decurso da história - incorporou em sua estrutura e que desfiguraram totalmente o seu rosto. 

O Concílio Vaticano II (1962-1965) e a II Conferência Episcopal Latino-Americana e Caribenha de Medellín (1968) abriram caminhos para que possamos fazer isso. Cabe a nós percorrer, com amor e perseverança esses caminhos! Até o momento o processo de renovação e de libertação da Igreja depois do Concílio Vaticano II foi longo, com muitos altos e baixos, avanços e recuos, mas a esperança nunca morre. A luta continua!

Nessa primeira série de artigos - a começar do presente texto, que é a introdução - pretendo fazer algumas reflexões teológico-pastorais sobre a Igreja, na perspectiva da Eclesiologia da Libertação, tendo como pano de fundo e fonte inspiradora a “Fotografia da Igreja que o Concílio Vaticano II sonhou” de Dom Aloísio Lorscheider.

 “O Vaticano II faz-nos passar:

  • de uma Igreja-instituição ou de uma Igreja-sociedade perfeita para uma Igreja- comunidade, inserida no mundo, a serviço do Reino de Deus; 

  • de uma Igreja-poder para uma Igreja pobre, despojada, peregrina

  • de uma Igreja-autoridade para uma Igreja serva, servidora, ministerial

  • de uma Igreja piramidal para uma Igreja-povo

  • de uma Igreja pura e sem mancha para uma Igreja santa e pecadora, sempre 

 necessitada de conversão, de reforma;  

  • de uma Igreja-cristandade para uma Igreja-missão, uma Igreja toda ela missionária” (os grifos são meus).  

Mãos à obra!



https://www.paroquiaclaret.com.br/wp-content/uploads/2017/11/4ptkt5-1040x586.jpg

 


Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 20 de outubro de 2020




O artigo foi publicado originalmente em:

http://portaldascebs.org.br/2020/10/31/ser-igreja-hoje/  


segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Eleições municipais e Projeto Popular

 


Em teoria, concordo com o psicanalista Contardo Calligaris quando, de maneira clara e contundente, afirma que julgar, escolher, decidir e agir ou (no nosso caso) votar para respeitar valores estabelecidos, sejam eles quais forem, é um comportamento imoral; e que julgar, escolher, decidir e agir ou votar de maneira autônoma e segundo a consciência é um comportamento moral (cf. Votem segundo a consciência. Folha de S. Paulo, 08/10/20, p. B13; Quem é imoral? Ib., 15/10/20, p. B13).

O raciocínio é perfeito, irrefutável. Só tem uma coisa que Contardo não considera e que é fundamental: a historicidade (espacialidade e temporalidade) do ser humano, constitutiva de sua condição no mundo com o mundo. 

O ser humano em si (a-histórico) não existe. O que existe é o ser humano histórico, situado (num lugar) e datado (num tempo). Portanto, a autonomia, a consciência e a liberdade do ser humano nunca são absolutas, mas condicionadas, ou seja, históricas, situadas e datadas.

Ora, considerando sua historicidade, o comportamento moral do ser humano, mesmo no caso do voto, é o comportamento mais humano - mais autônomo, mais consciente e mais livre - possível na situação histórica concreta na qual ele se encontra.

Dirijo-me aqui aos companheiros e companheiras que - por decisão autônoma, consciente e livre, mas histórica - fizeram a Opção pelos Pobres (empobrecidos, marginalizados, oprimidos, excluídos e descartados) e que, portanto, têm lado definido: o dos Pobres. Caminham com eles/as e lutam com eles/as por um Projeto Social (sócio-econômico-político-ecológico-cultural) alternativo ao Projeto Social Capitalista neoliberal dominante. Para os e as que somos cristãos e cristãs, essa é também a Opção de Jesus de Nazaré.

O Projeto Social Capitalista dominante (muitas vezes legitimado por uma prática religiosa hipócrita, oportunista e interesseira) baseia-se na desigualdade social, acaba com os poucos direitos que os trabalhadores/as conquistaram à duras penas e com muita luta, oprime, marginaliza, explora e descarta os pobres. Para esse Projeto, o importante não é a vida do povo, mas o deus-mercado e os interesses dos seus servidores e adoradores. 

É um Projeto estruturalmente desumano, antiético e - à luz da fé - anticristão: uma concretização histórica do Anti-Reino de Deus. Por considerar "o lucro como o motivo essencial do progresso econômico, a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos bens de produção como um direito absoluto, sem limites nem obrigações correspondentes”, é um “sistema nefasto” (Paulo VI. O Desenvolvimento dos Povos - PP 26), ou, em outras palavras, um "sistema econômico iníquo” (Documento de Aparecida - DA 385).

Como disse o Papa Francisco aos Movimentos Populares (Bolívia, julho de 2015), “este sistema é insuportável: exclui, degrada, mata!”. É preciso mudá-lo.

O Projeto Social alternativo ao Projeto Capitalista é o Projeto Popular (ou, Projeto Socialista Democrático). 

O Concílio Vaticano II reconhece - com alguns reparos - que a humanidade caminha para uma socialização sempre maior. “Multiplicam-se sem cessar as relações do ser humano com os seus semelhantes (e - podemos acrescentar - com a Irmã Mãe Terra, Nossa Casa Comum), ao mesmo tempo que a própria socialização introduz novas ligações, sem no entanto favorecer em todos os casos uma conveniente maturação das pessoas e relações verdadeiramente pessoais - ‘personalização’ -” (A Igreja no mundo de hoje - GS 6).

As Forças Sociais Populares (Movimentos Populares e Centrais ou Frentes de Movimentos Populares, Sindicatos e Centrais Sindicais de Trabalhadores/as, Partidos Políticos Populares, Fóruns ou Comitês de Direitos Humanos, Conselhos de Direitos e outras Organizações Populares ou de Base, precisam - reconhecendo e valorizando suas diferenças - se unir cada vez mais numa grande Frente Popular Nacional para derrubar o Projeto Capitalista e construir (ou, fazer acontecer) o Projeto Popular.

As Forças Sociais Populares que - para ganhar um pequeno espaço de poder - fazem aliança com as Forças Sociais Capitalistas - traem o povo. Por motivos estratégicos (não, oportunistas) - em determinadas circunstâncias (por exemplo, para amenizar situações de extrema pobreza) as Forças Sociais Populares poderão fazer acordos pontuais com as Forças Sociais Capitalistas, mas nunca aliança, que significa comunhão de Projetos.

As eleições municipais - por estarem em contato mais direto com o povo e o trabalho de base nas Comunidades - têm um papel fundamental na construção do Projeto Popular. Infelizmente, todas as eleições têm ainda - em grande parte - um caráter personalista e, muitas vezes, os partidos são usados como meras siglas de aluguel para viabilizar projetos pessoais. Precisamos acabar com essa visão e maneira de fazer política partidária.

Nesse tempo da propaganda eleitoral para as próximas eleições municipais (como também, para todas as eleições) não perguntemos (ao menos primeiramente) aos candidatos/as a vereadores/as e a prefeitos/as o que eles e elas pretendem fazer se eleitos/as e qual é o seu programa de trabalho. Perguntemos, antes, se o partido político, ao qual são filiados/as, está ou não comprometido com a construção do Projeto Popular e - se está - de que maneira. Em seguida, perguntemos o que eles ou elas - se eleitos/as vereadores/as ou prefeitos/as - pretendem fazer, e de que maneira, para dar sua contribuição na construção do Projeto Popular, a partir do seu município. 

Por fim, testemunhando claramente de que lado estamos, no nosso jeito de fazer política busquemos sempre - com coerência partidária e pessoal - a unidade (reconhecendo e valorizando as diferenças) em torno do Projeto Popular. Só assim teremos a força necessária para construir um novo Brasil. Vamos à luta! Vote consciente! Vote no Projeto Popular! Vote nos candidatos/as a vereadores/as e a prefeitos/as que estão realmente comprometidos/as com esse Projeto!

Em tempo: Comunico aos prezados leitores e leitoras que nos meses de novembro, dezembro/20 e janeiro/21, o meu artigo será mensal. Em fevereiro/21, voltará a ser - espero - semanal.


Plano de fundo do download 2020

https://jmonline.com.br/userfiles/image/2020/08/30/interna_0000_3-20.jpg



Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 20 de outubro de 2020


segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Demônios exaltando demônios


Na Nota pública “Em repúdio à manifestação de Mourão exaltando Ustra”, do dia 9 deste mês de outubro, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns) “manifesta seu mais veemente repúdio à declaração do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, em entrevista para a rede alemã Deutsche Welle, de que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (reparem o descaramento e o cinismo!) foi ‘um homem de honra, que respeitou os Direitos Humanos dos seus subordinados’. As palavras do vice-presidente, que é um general reformado do Exército, não apenas desonram as Forças Armadas, como agridem a dignidade dos que padeceram nas mãos desse torturador já condenado pela Justiça”. 

Trata-se de uma declaração que, para qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade humana, dá nojo. Hamilton Mourão deve estar pensando que os brasileiros e brasileiras são todos e todas idiotas.

A tortura é o pior crime contra os Direitos Humanos. Os torturadores são perversos, sádicos e revelam um grau de maldade inimaginável. São monstros, verdadeiros demônios. Ora, quando pensamos ter chegado no limite máximo possível dessa maldade humana, deparamos com aqueles que - como Jair Bolsonaro, Hamilton Mourão e outros - enaltecem e exaltam, com arrogância e sarcasmo, os torturadores. Com certeza esses seres humanos (se é que merecem serem chamados de seres humanos) são duplamente demônios. São demônios exaltando demônios.

“Não é de hoje - diz a Nota - que autoridades do atual governo exaltam a figura macabra do ex-chefe do DOI-Codi do 2º Exército, em São Paulo, de cujos porões emergiram inesquecíveis relatos de terror e sadismo contra cidadãos brasileiros. Para se ter ideia da barbárie autorizada como política de Estado, entre 1970 e 1974, a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, liderada por Dom Paulo Evaristo Arns, patrono da Comissão Arns, reuniu mais de 500 denúncias de tortura no DOI-Codi comandado por Ustra”. 

 E relata: “Passaram-se mais de 30 anos para que, finalmente em 2008, Ustra fosse reconhecido como autor de sequestro e tortura, em ação declaratória movida pela família Telles, cujos membros puderam sobreviver para testemunhar as crueldades perpetradas por esse militar e seus ‘subordinados’, nos porões da ditadura”: verdadeiras sucursais do inferno.

Por fim, declara: “Hoje e sempre, serão inaceitáveis homenagens a esse violador da Carta Constitucional de 1967/9, do Código Penal Militar de 1969 e das Convenções de Genebra de 1949, como documentado no Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV)”.  

Termina, pois, com uma denúncia profética: “Ao proferir tais elogios, Hamilton Mourão conspurca, de saída, a honra dos militares brasileiros. Ao fazê-lo na condição de vice-presidente, constrange a Nação e desrespeita a memória dos que tombaram sob Ustra. E, ao insistir em reverenciar o carrasco, fere mais uma vez o decoro do cargo em que foi investido sob juramento de respeitar a Constituição. É ela que nos ensina: ‘Tortura é crime inafiançável, insuscetível de graça ou anistia’”. 

Seguem as assinaturas dos membros da Comissão Arns.

Muitas Entidades - como a “Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil - manifestaram total apoio à Comissão Arns e irrestrita solidariedade às famílias das vítimas dos horrores da ditadura.

Jair Bolsonaro - que já tinha feito a apologia da ditadura militar - “chamou de ‘herói nacional’ o coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, apontado pela Comissão da Verdade como responsável por 47 sequestros e homicídios, além de ter atuado pessoalmente (com choques elétricos e rindo) em sessões de tortura durante o regime. "Um herói nacional que evitou que o Brasil caísse naquilo que a esquerda hoje em dia quer", disse Bolsonaro (cf. https://www.brasil247.com/brasil/bolsonaro-diz-que-o-torturador-ustra-e-heroi-nacional). Que sadismo!

Perguntamo-nos: Como é possível que - em pleno século 21 - o Brasil seja governado por políticos dessa laia? Façamos uma análise e interpretação crítica da situação. Que Deus nos livre dessa “pandemia política” e nos dê a força para lutar por um novo Brasil. 

Aproveitemos as eleições municipais para iniciar um verdadeiro processo de mudanças! Chega de tanta barbárie! Chega de demônios na política! 


https://publisher-publish.s3.eu-central-1.amazonaws.com/pb-brasil247/swp/jtjeq9/media/2020060819068_2a7f0706-e092-47a7-864f-b40017168dff.jpeg



https://publisher-publish.s3.eu-central-1.amazonaws.com/pb-brasil247/swp/jtjeq9/media/20190808110828_b505834c-aba7-4889-a993-90c831d21907.jpeg

https://www.brasil247.com 




Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 13 de outubro de 2020


A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos