quarta-feira, 30 de junho de 2021

Presidente: “o tirano que mata nossa gente”

 

“Senhor, tu que fugiste de jegue para o Egito, mostra-nos um meio de nos livrar desse fascista brasileiro. Tu que entraste em Jerusalém montado num jumento, dá-nos a coragem de enfrentar o tirano que mata nossa gente. Livra-nos, Senhor, do desgoverno da morte. Está pesado demais” (Dom Vicente Ferreira, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, 13/06/21).

Com Leonardo Boff e fazendo minhas suas palavras, “uno-me nesta oração para que Deus e a Mãe Terra tenham piedade de sua gente e nos livrem de quem está produzindo um holocausto”.

No dia 19 deste mês de junho, o Brasil - com uma população de 214 milhões - registrou 500 mil mortes pela Covid-19. “É a maior tragédia brasileira. Nunca houve um evento tão mortífero quanto a pandemia do novo coronavirus (mesmo com subnotificações). Foram 195 mil vidas perdidas em 2020 e já são mais de 300 mil em 2021... Das 500 mil mortes, 150 mil foram de pessoas abaixo de 60 anos e 350 mil de idosos (60 anos e mais), sendo 280 mil homens e 220 mil mulheres” (https://www.ecodebate.com.br/2021/06/21/). Um verdadeiro massacre!

Segundo estudo do professor e epidemiologista Pedro Hallal, das 500 mil mortes, 375 mil (ou seja, 3 em cada 4) poderiam ter sido evitadas caso o Brasil tivesse adotado uma política de saúde - cientifica e tecnicamente planejada, com medidas de controle da pandemia (como vacinação eficiente, isolamento social e uso de máscaras) - que colocasse a vida em primeiro lugar. O principal responsável por essas mortes é Jair Bolsonaro, que - a toda hora - fala o nome de Deus em vão para, hipócrita e oportunisticamente, acobertar e legitimar seu comportamento político criminoso.

Infelizmente, estamos diante do desgoverno de um presidente frio e insensível, cínico e assassino, para o qual a vida dos seres humanos - sobretudo dos pobres - e da Mãe Terra não vale nada. Além de tudo, com suas palavras e seus atos, debocha da gravidade da pandemia e demostra ser uma pessoa totalmente desiquilibrada.

Comparemos as 500 mil mortes pela Covid-19 do Brasil com as de outros países que têm uma população similar. Conforme foi divulgado nas redes sociais, na Indonésia - com uma população de 276 milhões - as mortes foram 54 mil; no Paquistão - com uma população de 225 milhões - as mortes foram 22 mil; na Nigéria - com uma população de 211 milhões (quase igual à do Brasil: 214 milhões), as mortes (reparem!) foram 2 mil; no Bangladesh - com uma população de 166 milhões - as mortes foram 13 mil. Esse quadro não precisa de comentários, fala por si mesmo.

Em 19 deste mês de junho - dia no qual o país atingiu 500 mil mortes - a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com o lema “toda vida importa”, realizou um tempo de sensibilização em memória dos mortos pela Covid-19 - manifestando conforto, solidariedade e esperança - e fez a seguinte Oração (que é nossa também):


Pai de bondade!
Há mais de um ano, temos chorado por tantos irmãos e irmãs

que a triste e violenta pandemia arrancou de junto de nós.
Chegamos agora a quinhentos mil mortos.
Não são apenas números! São pessoas!

São nossos filhos e filhas, irmãos, irmãs, amigos, parentes, conterrâneos.
Sabemos que uma única morte já é suficiente para entristecer nossos corações.
Quanto mais todas essas mortes,

muitas vezes sem o mínimo necessário

para o tratamento digno como ser humano.
Por isso, vos pedimos:
acolhei cada um desses filhos e filhas e concedei-lhes a paz eterna!
E a nós dai a graça de trabalhar por um mundo onde se respire

solidariedade, acolhimento, partilha, compreensão e resiliência.
Que nossas lágrimas nos lavem da indiferença, do egoísmo e da omissão!
Que a saudade seja estímulo à fraternidade!
E que a fé seja o sustento de nossa esperança!
Pela intercessão da Virgem Mãe Aparecida,

olhai pelo Brasil, olhai pelo povo brasileiro.
Amém.




Ato inter-religioso - Goiânia - GO - 21/06/21







Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 28 de junho de 2021


sexta-feira, 25 de junho de 2021

CEBs: uma Igreja que atualiza o jeito de ser de Jesus de Nazaré

 


Como as primeiras Comunidades Cristãs, as CEBs - movidas pelo Espírito Santo - atualizam o jeito de ser de Jesus de Nazaré. Elas fazem hoje o caminho que Jesus fez em sua época. Mas, qual foi esse caminho? Vejamos!

Maria grávida e José seu esposo tinham ido a Belém para o recenseamento. Enquanto estavam perambulando na cidade à procura de um abrigo, chegou a hora de Maria dar à luz. Tudo indica que - ainda no seio de sua mãe Maria e junto com seu pai José - Jesus foi “morador de rua”, pousando debaixo das marquises de Belém. Finalmente, alguém que estava passando - vendo a situação - ficou com pena e abriu um estábulo para que Maria pudesse dar à luz. Jesus nasceu numa manjedoura como “sem-teto”. “Não havia lugar para eles dentro de casa” (Lc 2,7).

Os que, em primeira mão, receberam a Boa Notícia do nascimento de Jesus foram os pastores, os “sem-terra” da época. “Eu anuncio a vocês a Boa-Notícia, que será uma grande alegria para todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vocês um Salvador, que é o Messias, o Senhor” (Lc 2,10-11). Os pastores eram pessoas de má fama, mal vistos pelos poderosos e “pessoas de bem”, porque ocupavam as grandes propriedades de terra com seus rebanhos e - por necessidade de sobrevivência - vendiam seus produtos a preços exorbitantes. Segundo uma antiga lei, um pastor não podia ser juiz ou testemunha no tribunal. Não era considerado uma pessoa idônea.

Por que será que Jesus foi “morador de rua” ainda no seio de sua mãe, nasceu como “sem-teto” e anunciou a Boa-Notícia de seu nascimento aos “sem-terra”? Aos olhos dos poderosos e das “pessoas de bem”, de ontem e de hoje, não foi um comportamento absurdo e de muito mau gosto? Os critérios de Jesus não são radicalmente diferentes dos nossos? O que Ele quis nos dizer com isso? Pensemos!

Jesus manifestou-se aos reis magos - pessoas sábias que representavam todos os povos de todas as culturas - enfrentando a ganância e a obsessão pelo poder de Herodes. Jesus - juntamente com sua mãe Maria e seu pai José - fugiu para o Egito e se fez “migrante” para escapar à vingança assassina de Herodes.

Jesus cresceu, em sabedoria e graça, numa família pobre e - vivendo uma vida simples e anônima - trabalhou por muitos anos como operário, como carpinteiro com seu pai José. “Não é este o carpinteiro?” (Mc 6,3). “Não é este o filho do carpinteiro?” (Mt 13,55).

Em sua vida pública - anunciando a Boa-Notícia do Reino de Deus a todos e a todas, mas “a partir da manjedoura” - Jesus, como o Profeta e o Enviado do Pai, sempre foi próximo, compassivo e solidário para com o povo: os doentes, os leprosos, os sofredores, os descartados, os pobres e todos aqueles e aquelas que não tinham voz e não tinham vez na sociedade. Jesus nunca morou numa mansão, num palácio “episcopal” ou qualquer outro palácio. “As raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça” (Mt 8,20).

Pela sua proximidade, compaixão e solidariedade tornou-se defensor intransigente do povo; denunciou, com indignação e firmeza, a hipocrisia dos fariseus e doutores da Lei. “Serpentes! Raça de cobras venenosas!” (Mt 23,33). Pela sua pregação, foi considerado subversivo. “Achamos este homem fazendo subversão entre o nosso povo” (Lc 23,2).

Jesus celebrou a última Ceia com os discípulos e - depois de lavar seus pés - disse: “Eu vos dei o exemplo para que vocês façam o que eu fiz” (Jo 13,16). Jesus morreu na Cruz por amor. “Ele, que tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). “O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês. Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos. Vocês são meus amigos, se fizerem o que eu estou mandando” (Jo 15,12-14).

Jesus ressuscitou, venceu a morte e todos os males. Ele está vivo em nosso meio. “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles” (Mt 18,20). “Eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20).

É esse o caminho que Jesus de Nazaré fez em sua vida terrena e é esse o caminho que as CEBs - com seu “trenzinho” - fazem hoje. Na imensa variedade de experiências, bonitas e profundamente humanas, as CEBs são o jeito de ser Igreja “a partir da manjedoura” de Belém e de tudo o que ela significa para nós hoje.

Enfim - pelo caminho que fez, a verdade que anunciou e a vida que viveu - Jesus é para as CEBs “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). 





Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 14 de junho de 2021

 

 

 

 

 

 

 


quarta-feira, 9 de junho de 2021

O genocida Jair Bolsonaro e seus apoiadores genocidas

 

Para tentar desqualificar - com deboche e cinismo - as manifestações de protesto contra o genocida Bolsonaro, “os aliados do governo trabalham para distorcer o foco dos atos. Em vez de reconhecer que as manifestações são pela falta de vacina e em desacordo com a condução do governo no enfrentamento da pandemia, levantam o discurso de que as passeatas tiveram viés eleitoral... Em contrapartida, argumentam que os bolsonaristas - que vão às ruas em apoio ao presidente - são cristãos e patriotas” (O Popular, 01/06/21, p. 5).

Meu Deus, quanta hipocrisia! Que cristãos e patriotas são esses? Na verdade, eles são demônios que - fria e maldosamente - usam o nome de “cristãos” e de “patriotas” para legitimar - como sendo natural e normal - o genocídio de milhares de pessoas, sobretudo pobres.

No dia 3 deste mês de junho, o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) atualizou os números sobre a pandemia da Covid-19 no Brasil. Até esse dia, os casos confirmados foram: 16.803.472 (83.391 somente nas últimas 24 horas); as mortes confirmadas foram: 469.388 (1.682 somente nas últimas 24 horas).

Se desde o início da pandemia tivéssemos tido um Governo sério e com uma política de Saúde cientificamente planejada que colocasse a vida em primeiro lugar, certamente a maioria das mortes poderia ter sido evitada.

Um fato concreto mostra como isso é possível, havendo vontade e deliberação política. De 21 de fevereiro a 26 de maio deste ano “a vacinação já salvou entre 4 e 6 mil goianos” (O Popular, 5 e 6 de junho, Manchete, 1ª página).

Jair Bolsonaro é responsável por milhares de mortes, que deveriam pesar na sua consciência (se é que ainda tem consciência!). Ele tornou-se um dos maiores genocidas de toda a história do Brasil e seus apoiadores (entre os quais - lamentavelmente - temos líderes de Igrejas ou Organizações religiosas que, de maneira hipócrita e diabólica, usam o nome de Deus para enganar o povo) tornam-se também genocidas.  Fala-se, inclusive, de um “gabinete paralelo” da Saúde, que vazou e virou foco da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

Pelos crimes contra a humanidade que cometeu, Bolsonaro já devia estar na cadeia. Não dá para aguardar as próximas eleições! Fora Bolsonaro, já!

Na Mensagem da 58ª Assembleia Geral da CNBB (12-16 de abril de 2021), os bispos - depois de expressarem sua solidariedade às famílias que perderam entes queridos e sua gratidão aos profissionais de saúde que têm doado sua vida em favor das pessoas doentes - denunciam: “O Brasil experimenta o aprofundamento de uma grave crise sanitária, econômica, ética, social e política, intensificada pela pandemia, que nos desafia, expondo a desigualdade estrutural enraizada na sociedade brasileira. Embora todos sofram com a pandemia, suas consequências são mais devastadoras na vida dos pobres e fragilizados. Essa realidade de sofrimento deve encontrar eco no coração dos discípulos de Cristo. Tudo o que promove ou ameaça a vida diz respeito à nossa missão de cristãos. Sempre que assumimos posicionamentos em questões sociais, econômicas e políticas, nós o fazemos por exigência do Evangelho. Não podemos nos calar quando a vida é ameaçada, os direitos desrespeitados, a justiça corrompida e a violência instaurada”.

Os bispos louvam, pois, o testemunho das Comunidades cristãs pelas mais diversas formas de solidariedade e partilha, que amenizam as consequências da pandemia e continuam denunciando: “São inaceitáveis discursos e atitudes que negam a realidade da pandemia, desprezam as medidas sanitárias e ameaçam o Estado Democrático de Direito. É necessária atenção à ciência, incentivar o uso de máscara, o distanciamento social e garantir a vacinação para todos, o mais breve possível. O auxílio emergencial, digno e pelo tempo que for necessário, é imprescindível para salvar vidas e dinamizar a economia, com especial atenção aos pobres e desempregados. É preciso assegurar maiores investimentos em saúde pública e a devida assistência aos enfermos, preservando e fortalecendo o Sistema Único de Saúde - SUS”.

E finalizam: “São inadmissíveis as tentativas sistemáticas de desmonte da estrutura de proteção social no país. Rejeitamos energicamente qualquer iniciativa que intente desobrigar os governantes da aplicação do mínimo constitucional do orçamento na saúde e na educação”.

Unidos e unidas na luta por um outro Brasil possível e necessário, já somos vitoriosos e vitoriosas”. Que Deus fortaleça a nossa esperança!



Crédito: Reprodução / Redes Sociais



Foto: Jorge Hely/Framephoto/Estadão Conteúdo



Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br


Goiânia, 07 de junho de 2021


segunda-feira, 24 de maio de 2021

CEBs: uma Igreja que nasce do Povo pelo Espírito de Deus


O sonho do Concílio Vaticano II (1962-1965) de uma Igreja-Comunidade, Pobre, Ministerial, Povo, Santa e Pecadora, e toda ela Missionária (Dom Aloísio Lorscheider) foi retomado e aprofundado pela II Conferência Episcopal Latino-Americana e Caribenha de Medellín (1968), a partir da Opção pelos Pobres: empobrecidos, marginalizados, oprimidos, explorados e descartados.

Medellín aponta - como caminho para fazer acontecer a Igreja sonhada pelo Vaticano II - as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), inicialmente chamadas Comunidades Cristãs de Base ou, simplesmente, Comunidades de Base. As CEBs são, pois, Comunidades Eclesiais Populares e - sempre segundo Medellín - a Pastoral Popular é a Evangelização a partir da Base, a partir dos Pobres.

As CEBs têm também o apoio do Documento de Puebla (1979) e de outros Documentos da Igreja em geral, latino-americana e caribenha, regional e local. Infelizmente, porém - sobretudo nestes últimos anos - o apoio teórico dos Documentos às CEBs não é sempre acompanhado do apoio prático das Igrejas locais. Ao contrário, atualmente muitas dessas Igrejas fazem questão de não falar mais de CEBs e de voltar ao modelo de Igreja pré-conciliar.

Continuando as reflexões teológico-pastorais sobre a Igreja, na perspectiva da Eclesiologia da Libertação, inicio - com este texto -  uma segunda série de artigos (ou colunas), que tratam de temas fundamentais para compreendermos as CEBs.

Elas são Comunidades que voltam às fontes bíblico-patrísticas e, ao mesmo tempo, estão sempre atentas aos sinais dos tempos, seguindo o método (caminho) “ver-julgar-agir” (“analisar-interpretar-libertar”) e “celebrar”, adotado pelo Concílio Vaticano II, sobretudo na Constituição Pastoral “A Igreja no mundo de hoje” (GS).

Na Igreja Católica - e também em outras Igrejas Cristãs - do Brasil e da América Latina e Caribe, as CEBs - no campo e na cidade - nascem no final da década de 1950 e início da década de 1960. “Surgem na conjuntura da sociedade contemporânea que produziu uma atomização da existência, um anonimato geral das pessoas e uma fragmentação em praticamente todos os níveis da convivência humana, devido aos desafios vindos de uma sociedade globalizada e urbanizada onde a vivência comunitária parecia não ter mais espaço para existir. Como reação a este fenômeno, há uma tendência de se retomar as relações primárias entre as pessoas e buscar relacionamentos de reciprocidade. As CEBs representam esta reação no interior da/s Igreja/s”.

Entre os elementos que - por um longo período - ajudaram na preparação do terreno para o surgimento das CEBs, “destacamos a experiência da Catequese Popular (Movimento catequético), a contribuição da Ação Católica Brasileira, que assume o modelo belga, francês e canadense da Ação Católica especializada (JAC - Juventude Agrária Católica; JEC - Juventude Estudantil Católica; JIC - Juventude Independente Católica; JOC - Juventude Operária Católica; JUC - Juventude Universitária Católica), o Movimento de Educação de Base (MEB), o Movimento por um Mundo Melhor (MMM), os diferentes Planos de Pastoral da CNBB (Plano de Emergência - 1962, Plano de Pastoral de Conjunto - 1966), contando ainda com o Movimento Bíblico que busca novas formas de interpretação da Palavra de Deus, e o Movimento Litúrgico na Europa e também no Brasil” (https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/2017/06/12/).  

As CEBs têm consciência de ser “uma Igreja que nasce do Povo pelo Espírito de Deus” (1º Encontro Intereclesial de CEBs. Vitória - ES, 6-8 de janeiro de 1975). Por isso, elas são ao mesmo tempo: “um novo e antigo jeito (modo) de ser Igreja” e - como ideal a ser perseguido - “um novo e antigo jeito de toda a Igreja ser”.

Nessa segunda série de artigos - além do apresentado neste texto - abordarei os temas: CEBs: uma Igreja que atualiza o jeito de ser de Jesus de Nazaré; uma Igreja que é constituída de irmãos e irmãs em Comunhão; uma Igreja que é sinal visível do Reino de Deus no Mundo; uma Igreja que é militante de um Mundo Novo; e - por fim -  uma Igreja que vive a Espiritualidade da Libertação. 

 






Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 14 de maio de 2021

 

 

 

O artigo foi publicado originalmente em:

https://portaldascebs.org.br/2021/05/20/cebs-uma-igreja-que-nasce-do-povo-pelo-espirito-de-deus/















segunda-feira, 26 de abril de 2021

Ser Igreja-missão


 “O Vaticano II faz-nos passar de uma Igreja-cristandade para uma Igreja-missão, uma Igreja toda ela missionária” (Dom Aloísio Lorscheider). 

A Igreja - como qualquer outra realidade - é no mundo, é mundo e - ser no mundo, ser mundo - significa ser na totalidade das coisas existentes, ser parte integrante dessa totalidade. Como Instituição humana, porém, a Igreja não só é no mundo, é mundo, mas sabe - tem consciência - de ser no mundo, de ser mundo. Por isso, a Igreja é com o mundo, se relaciona com o mundo. 

A relação da Igreja com o mundo acontece de quatro maneiras.

Na 1ª, a Igreja é fermento no mundo. É a Igreja sal da terra e luz do mundo. É a Igreja encarnada na vida do povo. É a Igreja na Base e de Base, que anuncia - com o testemunho e com a palavra - a Boa Notícia de Jesus de Nazaré: o Reino de Deus. É a Igreja Comunhão: Comunidade de irmãos e irmãs em Cristo, filhos e filhas do mesmo Pai-Mãe (Deus), iguais em dignidade e valor, que - na diversidade de ministérios (serviços) e carismas (dons) - transforma o mundo por dentro.

Na 2ª, a Igreja absorve o mundo. É a Igreja poder espiritual e temporal. É a Igreja que - com seu poder religioso imperial - quer dominar o mundo em nome de Deus. É a Igreja-cristandade, triunfalista, cheia de luxo e de pompa. Basta lembrar a tiara que era usada pelo Papa.

Na 3ª, a Igreja se opõe ao mundo. É a Igreja que combate o mundo.  O mundo é mau, não presta e está perdido. É a Igreja que -  por se opor a tudo o que é do mundo - prega a fuga do mundo e a salvação das almas.

Na 4ª, a Igreja é paralela ao mundo. É a Igreja que - mesmo sem se opor - não se interessa pelo mundo. Afirma que tudo o que é do mundo não tem nada a ver com a Igreja. É a Igreja voltada para dentro de si mesma: fundamentalista, individualista e intimista. Sua história é paralela à história do mundo.

Essas quatro maneiras de a Igreja se relacionar com o mundo não são cronológicas. De alguma forma - por ser a Igreja (Instituição e pessoas) santa e pecadora - estão sempre presentes, mas uma delas predomina. A primeira - o jeito de ser Igreja que Jesus quis e quer - predominou na Idade Antiga; a segunda, na Idade Média; a terceira, na Idade Moderna; e a quarta, na Idade Contemporânea (em parte).

Nos últimos 55 anos - depois do Concílio Vaticano II - a primeira maneira de a Igreja se relacionar com o mundo - a de Jesus de Nazaré - irrompeu novamente com toda força do Espírito Santo.

O Concílio Vaticano II fez e ainda faz nos passar de uma Igreja que absorve o mundo - “Igreja-cristandade” - e também, de uma Igreja que se opõe ao mundo ou que não se interessa pelo mundo (2ª, 3ª e 4ª maneiras) para uma Igreja que é fermento no mundo - “Igreja-missão, Igreja toda ela missionária” - (1ª maneira).

Há algum tempo, porém, num processo de retorno ao modelo de Igreja pré-conciliar - articulado pelas forças conservadoras e reacionárias da Igreja (refiro-me à Igreja Católica) - há um embate entre a primeira e a quarta maneira de a Igreja se relacionar com o mundo. Com certeza, a primeira será vitoriosa, porque Jesus quer.

"Como Cristo, por sua encarnação ligou-se às condições sociais e culturais dos seres humanos com quem conviveu; assim também deve a Igreja inserir-se nas sociedades, para que a todas possa oferecer o mistério da salvação e a vida trazida por Deus” (A atividade missionária da Igreja - AG, 10).

É urgente! Ouçamos as palavras do nosso irmão o Papa Francisco e seu premente apelo: “Soube que são muitos na Igreja aqueles/as que se sentem mais próximos dos Movimentos Populares. Muito me alegro por isso! Ver a Igreja com as portas abertas a todos vocês, que se envolve, acompanha e consegue sistematizar em cada Diocese, em cada Comissão ‘Justiça e Paz’, uma colaboração real, permanente e comprometida com os Movimentos Populares. Convido-vos a todos, bispos, sacerdotes e leigos (todos os cristãos/as), juntamente com as organizações sociais das periferias urbanas e rurais, a aprofundar este encontro” (2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15). É esse o caminho para sermos - hoje - Igreja-missão (Igreja “em saída”)!

Com este texto, termino a primeira série de artigos sobre a Igreja que o Vaticano II sonhou.







Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 14 de abril de 2021

 

 

 

O artigo foi publicado originalmente em:
https://portaldascebs.org.br/2021/04/23/ser-igreja-missao/

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Na pandemia ou não, despejos nunca mais!

 

O advogado Leandro Gaspar Scalabrin, representante do Observatório de Direitos Humanos (ODH) do Poder Judiciário, apresentou aos ministros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) alguns dados do relatório sobre o Direito à Moradia, produzido pela Entidade em junho de 2020.

Scalabrin explicou: “Durante a pandemia (somente até junho de 2020) já ocorreram 79 despejos. Nesses, 9 mil famílias foram colocadas em situação de desabrigo. Atualmente (sempre em junho de 2020), 64 mil famílias estão ameaçadas de despejo no Brasil”.

Diante de novas liminares de despejo coletivo - “reintegração de posse” - nas Ocupações urbanas e nos Acampamentos rurais, a CNBB propôs que o Conselho Nacional de Justiça, “no âmbito de suas competências, recomende providências aos órgãos do Poder Judiciário no sentido de suspender o cumprimento de mandados coletivos de desocupações de imóveis urbanos e/ou rurais até a ocorrência efetiva de imunização social, por meio de vacina e/ou remédio, da população brasileira, especialmente daquelas pessoas mais vulneráveis e atingidas pelas ordens de despejos coletivos”.

Atendendo a proposta da CNBB - apresentada ao Poder Judiciário através do Observatório dos Direitos Humanos (ODH) - o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no dia 23 de fevereiro passado, em sua 325ª Sessão Ordinária, aprovou uma resolução recomendando ao Judiciário que não autorize ações de despejo coletivo durante a pandemia da Covid-19.

(Fonte:  https://www.cnbb.org.br/proposta-da-cnbb-para-que-o-judiciario-nao-autorize-despejos-na-pandemia-e-aprovada-no-conselho-nacional-de-justica/ e https://www.cnbb.org.br/observatorio-dos-direitos-humanos-cnbb-proposta-contra-despejo-de-familias/)

Neste contexto de pandemia - por serem os despejos coletivos de uma perversidade e crueldade diabólicas - a resolução do CNJ representa, sem dúvida, uma grande vitória para todos e todas que lutam pelo direito à terra de trabalho e à moradia digna.

Esperamos que - terminada, se Deus quiser, a pandemia - a CNBB dê mais um passo à frente e declare profeticamente, de maneira clara e inequívoca, que todo despejo coletivo (o que comumente acontece, mas vale também para o despejo de uma só família ou pessoa) é sempre - em qualquer situação - injusto: desumano, antiético e anticristão.

O Evangelho de Jesus de Nazaré não deixa margem para meias verdades, comportamentos diplomáticos e acordos parciais. “Que o sim de vocês seja sim, e o não seja não. O que passa disso vem do Maligno” (Mt 5,37).

“Despejo” - chamado hipócrita e legalmente de “desocupação” ou “reintegração de posse” - é uma palavra que se usa somente para falar de “lixo”. Até quando se fala de objetos - melhor tratados que as pessoas - usa-se sempre a palavra “remoção” ou “descarga” (dependendo do caso) e não “despejo”.

Do ponto de vista da justiça - o ponto de vista humano, ético e cristão - só é permitida a remoção com dignidade de famílias de suas moradias em Ocupações urbanas ou Acampamentos rurais em dois casos: quando a terra ocupada é de utilidade pública ou de preservação ambiental e - mesmo nesses casos -  só depois que estiverem prontas outras moradias para receberem as famílias.

A propriedade particular não é um direito absoluto, mas deve ter uma função social e, por motivo de utilidade pública, o Governo (Municipal, Estadual e Federal) - se necessário -  pode sempre recorrer à desapropriação.

As terras abandonadas para fins de especulação imobiliária (como é comum acontecer nas grandes cidades), as terras de latifúndios improdutivos, as terras com monoculturas que destroem a natureza e visam unicamente a exportação e o lucro e as terras com trabalho escravo, devem ser destinadas pelo Governo (Municipal, Estadual e Federal) - avaliando a necessidade ou não da desapropriação - à implantação de projetos de moradia popular (na cidade) ou de reforma agrária popular (no campo).

Terra, Teto (Moradia) e Trabalho (os três T) - lembra-nos o Papa Francisco - são Direitos Humanos fundamentais de todos e de todas.

Na pandemia ou não, despejos nunca mais!

(Leia o artigo "Todo despejo é injusto!", em: http://www.ihu.unisinos.br/602803-todo-despejo-e-injusto ou em: http://freimarcos.blogspot.com/2020/09/todo-despejo-e-injusto.html ).








Grito dos Excluídos/as 2020 (Goiás)



Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 29 de março de 2021

 

 



quinta-feira, 25 de março de 2021

Ser Igreja santa e pecadora

 

“O Vaticano II faz-nos passar de uma Igreja pura e sem mancha para uma Igreja santa e pecadora, sempre necessitada de conversão e de reforma” (Dom Aloísio Lorscheider).

Dizer que a Igreja é somente “pura e sem mancha” ou somente “santa” e que pecadores são os cristãos e cristãs individualmente considerados, significa negar a condição humana da Igreja Instituição no mundo, que a torna também pecadora.

Mesmo sendo pecadora, nela - Instituição e pessoas - existe muita santidade. Quanta compaixão, doação e amor encontramos em organizações e movimentos da Igreja Instituição! Quanta profundidade humana, sabedoria e testemunho encontramos nas pessoas, não só nas que foram canonizadas, mas sobretudo nas pessoas anônimas, simples e pobres!

A santidade - o amor acontecendo na história do ser humano no mundo - é a graça (o bem moral). A Igreja no mundo deve ser sinal visível (sacramento) da graça: dom de Deus e, ao mesmo tempo, conquista do ser humano. A graça torna o ser humano mais humano e, portanto, mais realizado e mais feliz.  Por isso, os cristãos e cristãs são chamados a ser radicalmente humanos e humanas, testemunhando no mundo essa radicalidade.

A não-santidade - o desamor (o egoísmo) acontecendo na história do ser humano no mundo - é o pecado (o mal moral). “O pecado diminui o ser humano, impedindo-o de atingir sua plena realização” (A Igreja no mundo de hoje - GS, 13). A Igreja no mundo - em vez de ser sinal da graça - torna-se, muitas vezes, sinal do pecado.

A graça é, pois, graça social (sócio-econômico-político-ecológico-cultural) e graça individual (corpórea-bio-psíquica-espiritual ou pessoal). Por graça social (ou estrutural) entende-se a estrutura da sociedade (da qual a Igreja é parte integrante) na medida em que é - e se torna cada vez mais - humana, ética, justa, igualitária, fraterna e cristã. Por graça individual entende-se o projeto de vida dos indivíduos ou pessoas (opção fundamental), seus comportamentos habituais (atitudes) e suas ações (atos) na medida em que são - e se tornam cada vez mais - humanos, éticos, justos, igualitários, fraternos e cristãos.

O pecado é, pois, pecado social e pecado individual (com as mesmas dimensões da graça). Por pecado social (ou estrutural) entende-se a estrutura da sociedade (da qual a Igreja é parte integrante), na medida em que é - e se torna cada vez mais - desumana, antiética, injusta, desigual, antifraterna e anticristã. Por pecado individual entende-se o projeto de vida (que, na realidade, é projeto de morte) dos indivíduos ou pessoas (opção fundamental), seus comportamentos habituais (atitudes) e suas ações (atos), na medida em que são - e se tornam cada vez mais - desumanos, antiéticos, injustos, antifraternos e anticristãos.

A pior face do pecado social (estrutural) da Igreja e o pior pecado individual dos cristãos e cristãs é a hipocrisia (o farisaísmo): o uso deturpado e falsificado do nome de Deus, de sua Palavra (sobretudo do Evangelho), da própria Igreja - Instituição e pessoas - para legitimar e abençoar projetos sociais (estruturais) e projetos individuais totalmente desumanos, injustos, antiéticos, antifraternos e anticristãos. Basta lembrar a posição da Igreja em relação ao regime imperial, escravista, feudal e capitalista. Jesus chamou os fariseus de “hipócritas”, “sepulcros caiados”, “serpentes”, “raça de cobras venenosas” (cf. Mt 23,13-36).

Ora, a face mais bonita da graça social (estrutural) da Igreja e a mais bonita graça individual dos cristãos e cristãs é a profecia. Quantas organizações eclesiais marcadas pelo profetismo e quantos cristãos e cristas, verdadeiros profetas e profetisas, que deram a vida por amor na luta pela Justiça e pelo Reino de Deus: os mártires da caminhada!

Por fim, reconhecendo que a Igreja no mundo é “santa e pecadora, sempre necessitada de conversão e de reforma”, lutemos para que ela cresça - cada dia mais - na graça (a santidade) e se liberte - cada dia mais - do pecado (a não-santidade).






Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 14 de março de 2021

  

 

 

 

 

A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos