“O Vaticano II
faz-nos passar de uma Igreja pura e sem
mancha para uma Igreja santa e
pecadora, sempre necessitada de conversão e de reforma” (Dom Aloísio
Lorscheider).
Dizer que a Igreja é
somente “pura e sem mancha” ou somente “santa” e que pecadores são os cristãos
e cristãs individualmente considerados, significa negar a condição humana da
Igreja Instituição no mundo, que a torna também pecadora.
Mesmo sendo
pecadora, nela - Instituição e pessoas - existe muita santidade. Quanta
compaixão, doação e amor encontramos em organizações e movimentos da Igreja
Instituição! Quanta profundidade humana, sabedoria e testemunho encontramos nas
pessoas, não só nas que foram canonizadas, mas sobretudo nas pessoas anônimas, simples
e pobres!
A santidade - o
amor acontecendo na história do ser humano no mundo - é a graça (o bem moral). A
Igreja no mundo deve ser sinal visível (sacramento) da graça: dom de Deus e, ao
mesmo tempo, conquista do ser humano. A graça torna o ser humano mais humano e,
portanto, mais realizado e mais feliz. Por isso, os cristãos e cristãs são chamados a
ser radicalmente humanos e humanas, testemunhando no mundo essa radicalidade.
A não-santidade - o
desamor (o egoísmo) acontecendo na história do ser humano no mundo - é o pecado
(o mal moral). “O pecado diminui o ser humano, impedindo-o de atingir sua plena
realização” (A Igreja no mundo de hoje - GS, 13). A Igreja no mundo - em vez de
ser sinal da graça - torna-se, muitas vezes, sinal do pecado.
A graça é, pois, graça
social (sócio-econômico-político-ecológico-cultural) e graça individual
(corpórea-bio-psíquica-espiritual ou pessoal). Por graça social (ou estrutural)
entende-se a estrutura da sociedade (da qual a Igreja é parte integrante) na
medida em que é - e se torna cada vez mais - humana, ética, justa, igualitária,
fraterna e cristã. Por graça individual entende-se o projeto de vida dos indivíduos
ou pessoas (opção fundamental), seus comportamentos habituais (atitudes) e suas
ações (atos) na medida em que são - e se tornam cada vez mais - humanos,
éticos, justos, igualitários, fraternos e cristãos.
O pecado é, pois,
pecado social e pecado individual (com as mesmas dimensões da graça). Por
pecado social (ou estrutural) entende-se a estrutura da sociedade (da qual a Igreja
é parte integrante), na medida em que é - e se torna cada vez mais - desumana,
antiética, injusta, desigual, antifraterna e anticristã. Por pecado individual
entende-se o projeto de vida (que, na realidade, é projeto de morte) dos
indivíduos ou pessoas (opção fundamental), seus comportamentos habituais
(atitudes) e suas ações (atos), na medida em que são - e se tornam cada vez
mais - desumanos, antiéticos, injustos, antifraternos e anticristãos.
A pior face do pecado
social (estrutural) da Igreja e o pior pecado individual dos cristãos e cristãs
é a hipocrisia (o farisaísmo): o uso deturpado e falsificado do nome de Deus,
de sua Palavra (sobretudo do Evangelho), da própria Igreja - Instituição e
pessoas - para legitimar e abençoar projetos sociais (estruturais) e projetos
individuais totalmente desumanos, injustos, antiéticos, antifraternos e
anticristãos. Basta lembrar a posição da Igreja em relação ao regime imperial,
escravista, feudal e capitalista. Jesus chamou os fariseus de “hipócritas”,
“sepulcros caiados”, “serpentes”, “raça de cobras venenosas” (cf. Mt 23,13-36).
Ora, a face mais
bonita da graça social (estrutural) da Igreja e a mais bonita graça individual
dos cristãos e cristãs é a profecia. Quantas organizações eclesiais marcadas
pelo profetismo e quantos cristãos e cristas, verdadeiros profetas e
profetisas, que deram a vida por amor na luta pela Justiça e pelo Reino de
Deus: os mártires da caminhada!
Por fim, reconhecendo
que a Igreja no mundo é “santa e pecadora, sempre necessitada de conversão e de
reforma”, lutemos para que ela cresça - cada dia mais - na graça (a santidade)
e se liberte - cada dia mais - do pecado (a não-santidade).
Marcos
Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
E-mail:
mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 14 de março de 2021
https://portaldascebs.org.br/2021/03/15/ser-igreja-santa-e-pecadora/
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