quinta-feira, 30 de março de 2023

As heroínas da Reforma Agrária Popular

 


Na madrugada do dia 25 (sábado) deste mês de março, mais de 600 famílias ocuparam a Fazenda São Lucas no município de Hidrolândia, Região Metropolitana de Goiânia - GO. A ação - afirma o Movimento dos Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST- GO) - quer que a fazenda seja destinada à Reforma Agrária. Trata-se de uma fazenda que anteriormente pertencia a um grupo, condenado em 2009 por crimes de exploração sexual e era usada como cativeiro para tráfico internacional de mulheres, sobretudo adolescentes. Desde 2016, a área integra o patrimônio da União.

O objetivo da Ocupação é fazer com que a área seja utilizada para a Reforma Agrária e o assentamento dessas famílias.

O MST informou que “a ação foi realizada por mulheres ligadas ao Movimento e faz parte da Jornada Nacional de Luta das Mulheres Sem Terra, que ocorre em todo país durante o mês de março”.

“Denunciamos o crescimento da violência contra as mulheres do campo e esta área representa o grau de violência que sofremos". E ainda: "Exigimos que esta área, que antes era usada para violentar mulheres, seja destinada para o assentamento dessas famílias, para que possamos produzir alimentos saudáveis e combater as violências" (Patrícia Cristiane, da Coordenação Nacional do MST).

Na noite do mesmo dia 25, o MST divulgou uma Nota à imprensa informando que a saída das 600 famílias da área ocupada, ocorreu de forma pacífica e denunciando que - por se tratar de um terreno da União - a Polícia Militar do Estado de Goiás (PM-GO) promoveu o despejo fora de sua jurisdição e deverá ser processada.

Nos meios de comunicação e nas redes sociais fala-se muito de “invasões” ou “invasores” de terras. Na realidade, trata-se de “ocupações” (e não de “invasões”) de terras que não têm função social e que, portanto, são de quem delas precisa para morar e trabalhar. Trata-se, pois, de exigir os três direitos fundamentais de toda pessoa humana: terra, teto (moradia) e trabalho (os “três T” do Papa Francisco).

Além de tudo - como já afirmei outras vezes - todo despejo, mesmo legal, é injusto, desumano, antiético e anticristão.

Parabéns às heroínas da Ocupação S. Lucas, da Reforma Agrária Popular e de muitas outras lutas! Estamos com vocês. Contem com o nosso apoio e a nossa solidariedade.

Em Goiás, “Invasões de terras entram na pauta da Assembleia” (O Popular, 28/03/23, p. 2).  Infelizmente é essa a preocupação da maioria dos deputados estaduais.

A todos e todas que - como esses deputados - estão preocupados com as “invasões” de terras, lembro que no Brasil os verdadeiros “invasores” ou os verdadeiros assaltantes são aqueles que pertencem ao grupo dos 1 % da população, que se apropriaram de um patrimônio equivalente ao da metade da população brasileira.

Termino com uma boa notícia. “Neste ano, milhares de Mulheres Sem Terra se mobilizaram em 23 Estados, no Distrito Federal, além de Zâmbia, na África. Como parte da Jornada Nacional de Luta das Mulheres Sem Terra, elas realizaram acampamentos pedagógicos, ocupações de terras, ações de solidariedade com doação de alimentos e de sangue, feiras com produtos da Reforma Agrária, plantio de árvores, espaços de formação e debates, e ocuparam as ruas do país, com marchas em parceria com Movimentos e Organizações populares urbanas e rurais” (https://mst.org.br/2023/03/25/contra-exploracao-sexual-mulheres-sem-terra-ocupam-latifundio-em-goias/).

Unidos e unidas na caminhada; esperançar e preciso.


Foto: MST - GO

Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 29 de março de 2023





quinta-feira, 16 de março de 2023

O Ser humano com o mundo material e vivente e com os outros

 


No artigo anterior “O Ser humano com o mundo” (da série sobre o Ser humano), vimos que “o presente 'humano' é caracterizado pelo fato que ele é dinamicamente teso entre o passado e o futuro. Nunca é um presente absoluto, mas somente um presente temporal: presente que remonta ao passado, ao qual porém se subtrai, porque nunca coincide com o próprio passado e porque antecipa um novo futuro a ser realizado. É, portanto, um presente que existe na tensão dinâmica entre o passado e o futuro" (Gevaert, J. Il problema dell'uomo. Introduzione all'Antropologia Filosofica. Elle Di Ci, Torino, 19814, p. 188. Cf. Heidgger, M. Ser e Tempo - Parte II. Vozes, Petrópolis, 1989, § 68, p. 132-149).

O Ser humano pode ser considerado como "uma presença cujo passado é constitutivamente aberto ao futuro (...). O futuro é uma condição constitutiva do Ser humano. Poder-se-ia também dizer, em outras palavras, que o Ser humano é constitutivamente um ser de futuro, de perspectiva, de devir. Na medida em que este devir fica incerto, porque não se realiza deterministicamente (como nos outros animais), poder-se-ia também dizer que o Ser humano é um 'ser de esperança'" (Gevaert, J., o.c., p. 188-189).

O ponto gravitacional da "temporalidade" humana não se encontra no passado, mas no futuro. "Temporalidade" humana quer dizer ter um futuro. Justamente porque há um futuro cheio de novas possibilidades - que o Ser humano já encontra ou que ele mesmo cria - o passado pode aparecer na sua figura de passado, isto é, como aquilo que é somente uma realização parcial e provisória, que precisa ser constantemente recuperada e superada (Cf. Ib.).

Percebe-se claramente que o Ser humano ocupa no mundo - na Terra, no Universo -  e, portanto, no espaço e no tempo, uma posição diferente dos outros seres materiais e viventes, uma posição que lhe é peculiar e que dá um sentido novo a todas as coisas.

A "mundanidade" - "espacialidade" e "temporalidade" - torna-se "humana"; ela adquire um "sentido humano", um "valor humano"; ela torna-se "consciente" (pensante): uma realidade objetiva e subjetiva ao mesmo tempo.

"A consciência jamais pode ser outra coisa do que o ser consciente, e o ser dos Seres humanos é o seu processo de vida real" (Marx, K. e Engels, F. A Ideologia Alemã (I - Feuerbach). Hucitec, São Paulo, 19865, p. 37).

A mundanidade - espacialidade e temporalidade - consciente é a condição existencial própria do Ser humano.

A relação do Ser humano com-o-mundo material e vivente e com-os-outros (semelhantes) é um fato incontestável, indubitável e evidente por si mesmo; não precisa demonstrá-la, mas somente mostrá-la e examiná-la criticamente fazendo ver que é impossível negá-la, sem negar a própria existência do Ser humano. O mundo material e vivente e os outros (semelhantes) impõem-se por si mesmos, irrompem - por assim dizer - na existência de todo Ser humano. O mundo material e vivente e os outros não existem porque o Ser humano pensou e demonstrou sua existência. Antes de qualquer argumento, eles existem (são); sua existência-presença é uma exigência de relacionamento, um apelo dirigido ao Ser humano e à sua responsabilidade. "Eu sou eu e minha circunstância" (Ortega y Gasset, J. Que é Filosofia? (Lição XI). Livro Ibero-Americano, Rio de Janeiro, 19712, p. 184).

Em outras palavras, "as circunstâncias fazem os Seres humanos assim como os Seres humanos fazem as circunstâncias" (Marx, K. e Engels, F., o.c., p. 56). Portanto, a existência do Ser humano é inevitavelmente uma aceitação (afirmação) ou rejeição (negação) do mundo material e vivente e dos outros (semelhantes). O “ser-no-mundo” (inserção), “com-o-mundo material e vivente” e “com-os-outros” (semelhantes) precede toda escolha e toda realização humana. Na relação (comunhão) “com-o-mundo material e vivente” e “com-os-outros” (semelhantes), o Ser humano torna-se capaz de escolher, de aceitar ou rejeitar o mundo e os outros.

A certeza do mundo e dos outros, que se impõe por si mesma, diz respeito, em primeiro lugar, à sua existência como mundo material e vivente e como outros (semelhantes), que se revela e se faz conhecer ao Ser humano, independentemente do seu grau de inteligência e consciência. Em segundo lugar, diz respeito também ao caráter ético da existência do Ser humano, mediante o qual tudo aquilo que deve ser feito para realizar a existência é ligado ao reconhecimento do mundo material e vivente e, sobretudo, dos outros (Cf. Gevaert, J., o.c., p. 34-35).

No próximo artigo - ainda continuando o mesmo tema - refletiremos sobre o Ser humano (no mundo) como “ser-com-o-Outro absoluto” (Deus).



Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 13 de março de 2023


O artigo foi publicado originalmente em: 

https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-com-o-mundo-material-e-vivente-e-com-os-outros/



quinta-feira, 9 de março de 2023

Fura-tetos x 403.634 famílias na extrema pobreza

 


No Estado de Goiás (nos outros Estados não deve ser muito diferente), com cerca de 7 milhões de habitantes:

1. De um lado, temos os “fura-tetos”, que usam todas as artimanhas possíveis para legalizar um salário acima do teto do funcionalismo público (R$ 39,2 mil): um verdadeiro roubo do dinheiro do Povo.

Na Assembleia Legislativa de Goiás - ALEGO - “começam a tramitar projetos para burlar teto salarial no TJ. As propostas estendem ao Judiciário a brecha aberta pelo Executivo, que criou verbas indenizatórias”, por lei estadual. Que Tribunal de Justiça é esse!?

Segundo Carlos França, presidente do TJ-GO, “o objetivo é adequar a natureza da retribuição por exercício de funções no âmbito do Poder Judiciário do Estado de Goiás”.

Na realidade, “o intuito é de entrar na esfera da lei estadual que criou verbas indenizatórias no Governo de Goiás, burlando o teto salarial do funcionalismo público ao custo de R$ 18,4 milhões anualmente”.

O TJ-GO, para legalizar a quantia de dinheiro dos salários que “furam o teto”, encontrou o caminho: essa quantia será considerada “verba indenizatória”. Pergunto: “Verba indenizatória” do que?

“Já estão na ALEGO também projetos do TCM e do TCE do mesmo teor” (O Popular, 28 de fevereiro de 2023, p. 7).

Hoje - dia 9 de março - com muita indignação, tomei conhecimento da notícia: “A Assembleia Legislativa de Goiás - ALEGO - aprovou nesta quinta-feira (dia 8), em primeira votação, os projetos de lei do Tribunal de Justiça de Goiás -TJ-GO, do Tribunal de Contas do Estado - TCE-GO e do Tribunal de Contas dos Municípios - TCM-GO, que aplicam aos seus servidores a brecha “fura-teto”, criada pelo Poder Executivo, por meio de lei aprovada na Casa em janeiro” (O Popular, 09/03/23, p. 6).

Os “fura-tetos” e os deputados estaduais que aprovaram, em primeira votação, esses projetos estão “fazendo farra” com o dinheiro, do Povo, sobretudo do Povo que passa fome. É vergonhoso! É uma crueldade que não tem limites!

Que descaramento! Que hipocrisia! Será que os “fura-tetos” e os deputados estaduais seus apoiadores, acham o salário de R$ 39,2 mil, um salário de fome? Ou - o que é pior - será que acham o Povo idiota!

Na realidade, trata-se da legalização de uma imoralidade, que é de uma iniquidade e perversidade diabólicas!

 2. De outro lado, temos “403.634 famílias em situação de extrema pobreza” (nas quais seus membros vivem com até 105 reais por mês) e “198.550 famílias em situação de pobreza”, num total de 602.184 famílias extremamente pobres ou pobres.

“Mesmo com os programas sociais vigentes, a fome grita em Goiás. Nos últimos dois anos a Central Única das Favelas - CUFA - atendeu cerca de 212 mil famílias”. “O que chega não é suficiente para atender a demanda” (O Popular, Ib., p. 11).

“A fome é um contratestemunho que não reconhece de forma prática a dignidade integral das pessoas, não considera a primazia do bem comum como o conjunto de todos os bens necessários para cada pessoa se realizar humanamente, além de gerar toda uma conjuntura que faz com que a pessoa em situação de fome esteja em menores condições de participação, como se fosse invisível, correndo o risco de reduzir a solidariedade ao assistencialismo que, embora ajude nos momentos mais agudos, não transforma efetivamente as estruturas de pecado” (CF 2023. Texto-Base, 7).

Por fim, lembremos as palavras do Papa Francisco: “Para a humanidade, a fome não é só uma tragédia, mas também uma vergonha” (Mensagem para os 75 anos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura - FAO).

Quem sabe os “fura-tetos” e seus apoiadores resolvem se converter, seguindo o exemplo de Zaqueu! Logo que Jesus entrou em sua casa, “Zaqueu ficou de pé, e disse ao Senhor: ‘A metade dos meus bens, Senhor, eu dou aos pobres; e, se roubei alguém, vou devolver quatro vezes mais’” (Lc 19,8).

Ah! Se os “ladrões de colarinho branco” de hoje devolvessem quatro vezes aquilo que roubam, com certeza ninguém passaria fome! Um dia chegaremos lá! Esperançar é preciso!

Quem sabe os “fura-tetos” e seus apoiadores resolvem se converter, seguindo o exemplo de Zaqueu! Logo que Jesus entrou em sua casa, “Zaqueu ficou de pé, e disse ao Senhor: ‘A metade dos meus bens, Senhor, eu dou aos pobres; e, se roubei alguém, vou devolver quatro vezes mais’” (Lc 19,8).

Ah! Se os “ladrões de colarinho branco” de hoje devolvessem quatro vezes aquilo que roubam, com certeza ninguém passaria fome! Um dia chegaremos lá! Esperançar é preciso!

 

ALEGO - Plenário


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 08 de março de 2023

Dia Internacional da Mulher



sexta-feira, 3 de março de 2023

A Campanha da Fraternidade na Quaresma indica o caminho da conversão


No dia 22 de fevereiro - quarta-feira de Cinzas - a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou a Campanha da Fraternidade 2023, com o tema “Fraternidade e Fome” e o lema “Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14,16).

De acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), em 2022 a insegurança alimentar grave atingia 33,1 milhões de brasileiros e brasileiras. Depois de 10 anos, o Brasil voltou a figurar no Mapa da Fome, da Organização das Nações Unidas (ONU). 

É nessa situação de emergência que a CNBB assume, pela terceira vez, a realização de uma Campanha da Fraternidade voltada para a questão da fome. Como podemos dizer que somos irmãos e irmãs se muitos e muitas entre nós vivem em situação permanente de fome?

“Somos convocados a considerar a fome como referência para nossa reflexão e nosso propósito de conversão”. Frente ao sofrimento humano e - de maneira toda especial - ao “vergonhoso flagelo” da fome, não podemos ceder à cultura da indiferença (Texto-Base. Apresentação). A CF nos indica o caminho da conversão.

Lamentavelmente, a respeito da CF 2023, temos dois tipos de críticas:

1.Críticas sectárias e totalmente falsas de pessoas - que se dizem católicos e católicas e que - como afirma o professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Romero Venâncio - “tem forte presença nas redes sociais e nas plataformas digitais. Organizam-se a partir de lives, cursos, palestras, divulgação e leituras de livros tradicionalistas internos ao catolicismo”.

Esses católicos e católicas “são radicalmente contra as resoluções pastorais do Concílio Vaticano II dos anos 60; são terminantemente contrários às resoluções das Conferências de Medellin (1968) e Puebla (1979) e sempre em oposição a CNBB no Brasil”.

Nas redes sociais assumiram “uma crítica virulenta e desonesta à Campanha da Fraternidade 2023” (https://www.viomundo.com.br/voce-escreve/romero-venancio-extrema-direita-catolica-faz-critica-desonesta-a-campanha-da-fraternidade.html). Cuidado! São os fariseus de hoje!

2.Críticas baseadas numa visão teológica - consciente ou inconscientemente equivocada - de outros católicos e católicas - entre os quais temos também religiosos e religiosas, padres e bispos - que não aceitam a realização da Campanha da Fraternidade na Quaresma.

Dizem que a Quaresma é “o Tempo favorável para a conversão” e que, nesse Tempo, não devemos abordar outros assuntos.

Pergunto: o que é a conversão? Não é um processo de mudança de vida e de crescimento na vivência pessoal, comunitária e social da fraternidade? Na Quaresma, o destaque dado à fraternidade, a partir de situações históricas específicas - desumanas e antifraternas, como o “vergonhoso flagelo” da fome - não mostra “o que o pecado pode fazer quando não o enfrentamos? Por isso, a cada ano, recebemos um convite para viver a Quaresma à luz da Campanha da Fraternidade e viver a Campanha da Fraternidade em espírito de conversão pessoal, comunitária e social” (Texto-Base. Apresentação).

Objetivos permanentes da Campanha da Fraternidade:

  • DESPERTAR o espírito comunitário e cristão na busca do bem comum;
  • EDUCAR para a vida em fraternidade;
  • RENOVAR a consciência da responsabilidade de todos e todas pela ação evangelizadora, em vista de uma sociedade justa e solidária” (Texto-Base, 2).

 Objetivos da Campanha da Fraternidade 2023:

 Objetivo geral:

SENSIBILIZAR a sociedade e a Igreja para enfrentarem o flagelo da fome, sofrido por uma multidão de Irmãos e Irmãs, por meio de compromissos que transformem esta realidade a partir do Evangelho de Jesus Cristo”.

Objetivos específicos - Do Texto-Base destaco três:

  • COMPREENDER a realidade da fome à luz da fé em Jesus Cristo;
  • DESVELAR as causas estruturais da fome no Brasil;
  • ESTIMULAR iniciativas de agricultura familiar (e comunitária) agroecológica
          Acrescento três:
  • DENUNCIAR a iniquidade e perversidade estrutural - legalizada e institucionalizada - do sistema capitalista neoliberal, que - diz o Papa Francisco - “exclui, degrada e mata”;
  • CONSTRUIR - no respeito e na valorização das diferenças - a unidade de todas as Forças Sociais Populares (Sindicatos de Trabalhadores/as, Movimentos Populares, Comitês e Fóruns de Direitos Humanos e da Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum, e outras Organizações Populares);
  • LUTAR unidos e unidas para dar os passos históricos possíveis na superação do Projeto Capitalista e na implantação do Projeto Popular (verdadeiramente socialista) de Sociedade.
Termino com o pedido da Oração da CF 2023: "Inspirai-nos o sonho de um MUNDO NOVO, de diálogo, justiça e paz".






Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 03 de março de 2023



sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Sinodalidade: sejamos verdadeiros e verdadeiras!

 


“A verdade vos libertará” (Jo 8,32)



Como Comunidade de Irmãos e Irmãs, todos e todas -  na diversidade dos carismas (dons) e ministérios (serviços) - somos corresponsáveis pela vida e missão da Igreja no mundo de hoje.

Com o apoio e o incentivo do nosso irmão, o Papa Francisco - começamos em outubro de 2021 o caminho sinodal da 16ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos com o tema “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. É um processo descentralizado de escuta e discernimento no âmbito de cada diocese, seguido de encontros regionais e continentais, que começou em outubro de 2021 com a previsão de terminar em outubro de 2023.

Posteriormente, por determinação do Papa Francisco - para dispor de um tempo maior dedicado à escuta e ao discernimento - o caminho sinodal foi prolongado por mais um ano, com a realização de duas sessões do Sínodo: a primeira de 4 a 29 de outubro de 2023 e a segunda em outubro de 2024.

Ora, para sermos verdadeiros e verdadeiras, precisamos reconhecer que essa experiência eclesial de sinodalidade, de “caminhar juntos”, é ainda parcial: diz respeito somente à apresentação e discussão de sugestões e propostas a serem enviadas à Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos.

Na Igreja que Jesus de Nazaré sonhou e quis, a sinodalidade deve ser vivida e praticada de maneira plena, participando também - com todos os direitos de membros da Igreja - da votação e aprovação das decisões finais a serem tomadas. A Igreja não é o Povo de Deus?

(Pedir que sejam dadas sugestões e apresentadas propostas sem poder participar - através da eleição de representantes do Povo de Deus - da votação e aprovação das decisões finais a serem tomadas, não deixa de ser - como se diz em italiano - uma “presa in giro” ou uma provocação).

Ora, para que a sinodalidade seja vivida de maneira plena em todos os níveis, precisamos: 

1. Voltar às fontes e acabar com a Igreja de classes

No Novo Testamento e nas primeiras Comunidades Cristãs, todos os discípulos e discípulas, seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré eram chamados de “santos e santas”, “eleitos e eleitas”, “irmãos e irmãs”. Não existia “leigo/a” e “clero”, não existia “laicato” e “hierarquia”, não existia “vida religiosa consagrada“.

(Aliás, o nome “vida religiosa consagrada” é impróprio. Todos e todas que praticam uma religião tem “vida religiosa”, e todos e todas que são batizados e batizadas têm - para nós cristãos e cristãs - “vida religiosa consagrada” (o Batismo é a maior consagração).

O nome da chamada “vida religiosa consagrada” deveria ser “vida cristã de particular consagração”, em resposta a um chamado pessoal de Deus para - na diversidade dos carismas - viver um “projeto de vida cristã radical”.

2. Repensar a Estrutura Social da Igreja e reelaborar a Teologia dos Ministérios a partir do binômio: Comunidade x Carismas e Ministérios

O Documento da CNBB “Missão e Ministérios dos Cristãos Leigos e Leigas” - 62/1999), afirma:  "Embora o Concílio Vaticano II tenha lançado as bases para uma compreensão da Estrutura Social da Igreja como Comunhão, essa estrutura continua ainda sendo pensada dentro do binômio clássico Hierarquia x Laicato”.

É, pois, a partir do binômio ‘Comunidade x Carismas e Ministérios’ que precisamos repensar toda a Estrutura Social da Igreja e reelaborar toda a Teologia dos Ministérios. É essa a perspectiva do Novo Testamento.

(Lamentavelmente, 17 anos depois, o Documento da CNBB “Cristãos Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade” - 105/2016, simplesmente “desconhece” e “desconsidera”, ao invés de retomá-la e aprofundá-la, essa parte do Documento anterior, que abre caminhos novos.  Reafirma e reforça o binômio “Hierarquia x Laicato” - uma Igreja de duas classes (na realidade, três: Hierarquia, Vida Religiosa Consagrada e Laicato) - que não tem nenhum fundamento bíblico.

3. Criar o Sínodo do Povo de Deus

A Assembleia Geral do Sínodo do Povo de Deus (e não do Sínodo dos Bispos) seria a última instância para a discussão, votação e aprovação das decisões finais. Mesmo que o Sínodo não seja um Parlamento, a democracia é uma mediação histórica necessária. Sem democracia não há verdadeira sinodalidade.

Ora, se a democracia é um valor humano e se ser cristão ou cristã é ser radicalmente ser humano, a Igreja também deveria ser uma Instituição radicalmente democrática e plenamente sinodal. Um dia, chegaremos lá! 

(Leia também: A questão da sinodalidade na Igreja, em:

http://freimarcos.blogspot.com/2022/02/a-questao-da-sinodalidade-na-igreja-1.html - 1ª parte
http://freimarcos.blogspot.com/2022/04/a-questao-da-sinodalidade-na-igreja-2.html - 2ª parte

ou também nos sites do IHU, Portal das CEBs, Caminheiro do Reino e outros)




Agora: Sínodo 2021 – 2024


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

                                                                                                                                                                            Goiânia, 23 de fevereiro de 2023


sábado, 18 de fevereiro de 2023

Violações de Direitos Humanos em Goiás 2022

 


O Comitê Goiano Dom Tomás Balduino (do qual sou membro) realizou - de 11 a 16 deste mês de fevereiro - a 6ª Jornada de Direitos Humanos no Estado de Goiás (atividade integrante do centenário de nascimento de Dom Tomás: semeador de esperança). Tema: Terra, Causa Indígena e Direitos Humanos.

Foram realizadas as seguintes atividades:

  • Encontro de Formação do Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras por Direitos (MTD/GO): Educação Popular e Direito à Cidade (na sede do Sindicato dos Trabalhadores/as dos Correios: SINTECT/GO);
  • Encontro de Defensores Populares: fortalecimento, segurança e proteção (em uma chácara no município de Hidrolândia/GO);
  • Visita a acampamentos ciganos para escuta e apoio (na cidade de Itumbiara/GO);
  • Solenidade de entrega do 4º Prêmio Dom Tomás Balduino de Direitos Humanos em Jornalismo com homenagem a defensores/as de Direitos Humanos (no auditório da ADUFG: Sindicato da UFG);
  • Análise de conjuntura brasileira e goiana: Democracia e Direitos Humanos - como ‘desbolsonarizar’ o Brasil (adiada para o dia 1º de março, por causa do falecimento do nosso companheiro e irmão Prof. Sílvio Costa);
  • Apresentação do Relatório de Violações de Direitos Humanos em 2022 no Estado de Goiás (na Assembleia Legislativa de Goiás);
  • Roda de conversa com lideranças indígenas do Estado de Goiás (no Núcleo Takinahaky de Formação Superior Indígena/NTFSI da UFG).

As violações dos Direitos Humanos que compõem o Relatório dizem respeito aos Povos Ciganos de Goiás, Povos Indígenas de Goiás, Conflitos de Terra, Violência policial, População em situação de rua, Despejos forçados, LGBTQIA+, Liberdade de imprensa e Sistema prisional.

Por exemplo:

A respeito dos Povos Ciganos (1.435 famílias ou cerca de 5.740 pessoas das etnias Rom e Calon, em 35 municípios), o Relatório afirma: “A história oficial de Goiás registra o apagamento dos Povos Ciganos e não reconhece sua história e composição cultural, excluindo-os das estruturas destinadas a quem é cidadão e pode ter acesso a Direitos. Essa perspectiva gera nessas Comunidades uma visão que as situa em uma condição de exclusão permanente, sem nenhuma possibilidade de mobilidade, à margem da estrutura social”.

A respeito dos Povos Indígenas (8.533, sendo 8.019 na zona urbana e 514 na área rural), o Relatório constata: “O ano de 2022 foi marcado pelo contínuo processo de invisibilidade e violação dos Direitos dos Povos Indígenas em Goiás” (como, aliás, no Brasil inteiro). “A destruição dos biomas, a invasão de terras indígenas, a contaminação do solo e de rios são implementadas ou permitidas como um projeto de eliminação dos Povos Indígenas. Trata-se de uma visão excludente e homogênea sobre quem deve ser considerado ‘povo brasileiro’. Essa lógica perversa reproduz-se também no Estado de Goiás, onde predominantemente três Povos Indígenas - Iny Carajá, Avá Canoeiro e Tapuia - lutam para sobreviver e defender aquilo que lhes é mais sagrado: seus territórios e sua cultura”.

A respeito dos Conflitos de Terra, o Relatório declara que (entre outros) “em 2022, foram intensificados os ataques ao Acampamento Dom Tomás Balduino (MST), que possui 280 famílias vivendo em três áreas há seis anos nas fazendas Cangalha, Maltizaria e Porteirinha, no município de Formosa/GO”.

“As famílias produzem uma grande diversidade de alimentos orgânicos (...). Boa parte da produção é doada para populações urbanas em situação de pobreza, mas também é consumida pelas próprias famílias e comercializada no entorno do Acampamento”. Que testemunho bonito de solidariedade de irmãos e irmãs!

Em breve, o Relatório de Violações de Direitos Humanos em Goiás 2022 será disponibilizado nas redes sociais. Leia-o! É uma meditação!

Unidos e unidas na luta pelo Direitos Humanos, que é a luta por um Brasil Novo e um Mundo Novo! A vitória é e será nossa!







Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 17 de fevereiro de 2023





sábado, 11 de fevereiro de 2023

“Verba indenizatória”: estratégia hipócrita e imoral

 


Na primeira página de “O Popular”, do dia 7 deste mês de fevereiro, deparamos com a manchete: “Tribunais pegam carona em lei que extrapola teto salarial”. O Jornal, comentando a manchete, afirma: “Proposta enviada à Assembleia permite que membros e servidores do TJ, TCE e TCM superem limite de R$ 39,2 mil, já que a lei transforma em “verba indenizatória” o que ultrapassar o teto. A estratégia foi utilizada pelo Executivo e é replicada em outros órgãos”.


Na página 4 - na reportagem de Marcos Carneiro - deparamos com outra manchete: “Brecha ‘fura teto’ deve ser ampliada a Tribunais”. Comentando, pois, a manchete, o Jornal declara: “Tribunal de Justiça e Tribunais de Contas do Estado e dos Municípios apresentam projetos para pegar carona em lei aprovada pelo Executivo a fim de permitir salários acima do teto”.


No “O Popular” do dia seguinte (dia 8), na página 6 - numa nova reportagem do mesmo jornalista - deparamos com uma terceira manchete: “Órgãos extrapolam teto do funcionalismo em R$ 27,2 mi”. Comentando a manchete, o Jornal diz: “Vencimentos: Folhas de pagamento dos Tribunais de Justiça e de Contas, e do Ministério Público, mostram valores acima de R$ 100 mil em janeiro”.


Vejam só o “descaramento” do Tribunal de Justiça e Tribunais de Contas do Estado de Goiás e dos Municípios: “O Poder Judiciário goiano sempre cumpre com a legislação vigente em relação à remuneração de magistrados e servidores” (TJ-GO).


“Quanto aos pagamentos questionados, referem-se a um reduzido número de servidores e estão rigorosamente dentro da legalidade, referindo-se a parcelas de caráter indenizatório” (TCE-GO).


“Nenhum servidor ou membro recebe remuneração acima do teto constitucional”. “As verbas de natureza indenizatória não integram a remuneração” (TCM-GO).


Que verbas “de natureza indenizatória” são essas? Será que os Tribunais estão sendo indenizados por favorecer sorrateiramente a “legalização” e “institucionalização” do roubo que os poderosos praticam permanentemente na relação com os trabalhadores e trabalhadoras?


Que vergonha! Que cinismo! Que farisaísmo! Esses Tribunais estão dando um pontapé - perverso e cruel - no rosto dos trabalhadores e trabalhadoras que ganham o salário mínimo (e muitas vezes, nem isso) ou estão desempregados e desempregadas, passando fome.


O Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, em outubro de 2022, apontou - somente no Brasil -  33,1 milhões de pessoas em situação de fome.


Pouco importa saber se há alguma brecha que possa justificar legalmente o crime desses Tribunais e Ministério Público. Independentemente de sua “legalidade” ou não, trata-se de uma imoralidade pública hipócrita e repugnante.


Como podemos acreditar na justiça de juízes e desembargadores, que fazem de tudo para legalizar e institucionalizar tamanha imoralidade? Com certeza, eles não estão preocupados com a questão dos Direitos Humanos e do Cuidado para com a Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum.

 

Deixo uma advertência: com a chamada “verba indenizatória” - legalizada e institucionalizada - juízes, desembargadores e promotores poderão ludibriar da justiça humana, mas não conseguirão ludibriar da justiça divina.


Termino com uma pergunta para a nossa reflexão: no mundo de hoje e, de modo particular, no Brasil - onde existem tantos trabalhadores e trabalhadoras, irmãos e irmãs nossos, passando fome - é justo, é ético (ou, moral), é humano, é cristão ganhar um salário mensal de mais de 100 mil reais?


S. Tomás de Aquino - no seu tempo - já dizia que “ninguém tem direito ao supérfluo, enquanto o outro (ou a outra) não tem o necessário”.


Graças a Deus, a Esperança nunca morre e o Amor nunca poderá se apagado. “As águas da torrente jamais poderão apagar o Amor, nem os rios afogá-lo. Quisesse alguém dar tudo o que tem para comprar o Amor... seria tratado com desprezo” (Ct 8,7).


“Amemo-nos uns aos outros, pois o Amor vem de Deus. E todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. Quem não ama, não conhece a Deus, porque Deus é Amor” (1Jo 4,7-8).



O Popular, 08/02/23, p. 6




Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

                                                                                                                                                                  Goiânia, 10 de fevereiro de 2023


A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos