segunda-feira, 15 de maio de 2023

A CPI do MST - Uma CPI hipócrita e antiética

                 

O presidente da Câmara Federal, Arthur Lira (PP-AL), no dia 26 de abril deste ano, determinou “a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Casa para investigar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST)”. O requerimento “obteve 172 nomes, ultrapassando o número mínimo de 171 assinaturas exigidas. A CPI do MST terá 27 titulares e 27 suplentes, e prazo de até 120 dias para realizar o inquérito”.

O principal objetivo dessa CPI - segundo o presidente da Câmara - “é o aumento das invasões de terra no país neste ano. Apenas no mês de abril, o MST contabiliza ao menos 11 propriedades rurais, além de uma área de unidade de pesquisa da Embrapa em Petrolina (PE)”.

De acordo com o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), “é preciso descobrir de onde vem o dinheiro e as orientações para que os Movimentos ocorram de maneira sincronizada em todo o Brasil. Trata-se de uma CPI que vai investigar invasões de propriedades. Existem três, quatro Movimentos que se tem notícias de estarem praticando esses atos. Precisamos saber quem está pagando essa conta e se há participação do Estado brasileiro. São atitudes que - segundo ele - causam danos à cidade e passam insegurança no campo” (https://www.canalrural.com.br/noticias/criada-cpi-para-investigar-o-mst/ - 27/04/23).

Filosófica e teologicamente falando, “tudo o que é humano é ético e tudo o que é desumano é antiético”. À luz desse princípio, denuncio: a CPI do MST é desumana e antiética (injusta), além de hipócrita e mentirosa (farisaica). Os membros da Comissão sabem muito bem que o MST e os outros Movimentos de Trabalhadores Rurais nunca realizaram “invasões”, mas “ocupações”.

Trabalho, Teto, Terra são direitos sagrados de todos e de todas. As “ocupações” têm a finalidade de reivindicar esses direitos e, ao mesmo tempo, acelerar o processo da Reforma Agrária Popular para que todos e todas possam conquistá-los.

Do ponto de vista ético, a terra improdutiva no campo (sobretudo, latifúndios) e a terra destinada à especulação imobiliária na cidade, é de quem precisa dela para morar, trabalhar e viver com dignidade.

Os grandes proprietários de terra no campo - os “coronéis rurais” - e os grandes proprietários de terra na cidade - os “coronéis urbanos” - são, juntamente com os donos das grandes empresas multinacionais, os esteios do capitalismo neoliberal, que - lembra-nos o Papa Francisco - “exclui, degrada e mata”.

Santo Tomás de Aquino e o Pensamento Social Cristão nos ensinam que a destinação dos bens para uso de todos os seres humanos é de direito primário e a posse ou propriedade particular, de direito secundário. Quando o direito secundário impede o acesso de todos e de todas ao direito primário, é antiético (injusto).

Faço agora um pedido concreto à Câmara Federal e ao Senado: no lugar da CPI do MST, criem a CPI dos 1% da população mais rica do Brasil. Essa sim é uma CPI urgente, necessária e ética. Como pode 1% da população brasileira ter conseguido um patrimônio igual ao da metade dessa mesma população (50%)? Não são esses os verdadeiros “Invasores” e “assaltantes” do país? Não são esses os responsáveis pelos mais de 33 milhões de brasileiros e brasileiras - irmãos e irmãs nossos - passando fome? Deputados Federais e Senadores, é essa perversidade - institucionalizada e legalizada - que vocês devem investigar.

Os Movimentos Sociais Populares - como o MST - lutam por seus direitos e por um outro mundo possível. “Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas mãos de vocês (participantes dos Movimentos Populares), na capacidade de vocês se organizarem e promoverem alternativas criativas na busca diária dos três T (trabalho, teto, terra), e também na participação de vocês como protagonistas nos grandes processos de mudança, regionais, nacionais e mundiais” (Papa Francisco. 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15).

Deputados Federais e Senadores, é isso e somente isso que o MST e os outros Movimentos Sociais Populares do campo e da cidade estão fazendo, com muita garra, heroísmo e esperança.

Eles não precisam de uma CPI. Não sejam ridículos diante do mundo inteiro! Acabem com essa CPI hipócrita e antiética do MST!

MST - Muito além da ocupação

Gabriela Moncau - Brasil de Fato


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 14 de maio de 2023

 







segunda-feira, 8 de maio de 2023

O Ser humano com o Outro absoluto (1)

 

No artigo anterior “O Ser humano com o mundo material e vivente e com os outros” (da série de artigos sobre o Ser Humano, intercalados com outros) vimos que a vida do Ser humano "se encontra sempre em certas circunstâncias, uma disposição em torno das coisas e demais pessoas. Não se vive num mundo vago, já que o mundo vital é constitutivamente circunstância, é este mundo, aqui, agora. E circunstância é alguma coisa determinada, fechada, mas ao mesmo tempo aberta e com largueza interior, com vão ou concavidade onde mover-se, onde decidir-se: a circunstância é um álveo que a vida se vai fazendo dentro de um rio inexorável. Viver é viver aqui e agora - o aqui e o agora são rígidos, impermutáveis, mas amplos" (Ortega y Gasset, J. Que é Filosofia? (Lição XI). Livro Ibero-Americano, Rio de Janeiro, 19712, p. 184).

O Ser humano “é estruturalmente orientado para o futuro; ele é um ser estruturalmente aberto à esperança. O futuro esconde possibilidades que o Ser humano nunca pode conhecer inteiramente. Todas estas possibilidades se referem ao Ser humano: são suas possibilidades, embora não possa realizá-las e nem as realizará todas. Por isso, o Ser humano pode olhar para o futuro com esperança (...). O Ser humano tem o direito de projetar a própria esperança também além da morte" (Gevaert, J. Il problema dell'uomo. Introduzione all'Antropologia Filosofica. Elle Di Ci, Torino, 19814, p. 189).

Desse “olhar para o futuro com esperança” - uma exigência da razão e, mais ainda, da razão iluminada pela fé - nasce a relação do Ser humano (“ser-no-mundo”) “com-o-Outro absoluto”: Deus.

A respeito dessa relação, não podemos dizer a mesma coisa das outras duas relações: “com-o-mundo material e vivente” e “com-os-outros” (semelhantes). Ela não é um fato incontestável, indubitável e evidente por si mesmo; não só precisa ser mostrada e examinada, mas demonstrada e experiênciada. Mas como?

Na tentativa de encontrar uma resposta - limitada e incompleta evidentemente - a esta pergunta, sugerimos algumas "pistas" de encaminhamento de nossas reflexões, que nos parecem estar de acordo com as conquistas e exigências do mundo moderno e contemporâneo.

Em primeiro lugar, é necessário aceitar plenamente a consistência e a autonomia próprias do real, ou seja, de tudo o que existe. Ora, aceitar plenamente a consistência e autonomia próprias do real significa também aceitar a "ausência cósmica" de Deus.

"Poderia alguém continuar procurando obstinadamente um 'buraco' no funcionamento do universo e assim tentar restabelecer uma 'presença' de Deus. De um ponto de vista estritamente lógico esse 'buraco' não é, em si, impossível: a biologia, por exemplo, poderia, num caso extremo, ir de encontro a fenômenos inexplicáveis pelos recursos naturais do cosmos. Mas, na realidade, semelhante 'buraco' é pouco plausível. De um lado, a história mostra que a ciência veio reduzindo sucessivamente, desde o século dezesseis, os campos que pareciam depender do influxo divino. Além disso e sobretudo, a mentalidade da ciência, o seu horizonte, as suas pressuposições de base, se impuseram a nós mais do que os seus resultados: em particular, a convicção íntima de que o real físico se explica por si mesmo e de que um movimento na direção de Deus, que pretendesse fundar-se nos resultados ou questões propriamente científicas, seria um paralogismo (raciocínio que parece verdadeiro, mas não é). Hoje, as provas chamadas 'científicas' da existência de Deus são sempre menos usadas e menos aceitas" (Cf. Podeur, L. Imagem moderna do mundo e Fé cristã. Paulinas, São Paulo, 1977, p. 120).

A procura de "buracos" na causalidade material leva a questão de Deus para um terreno equivocado. "Suponhamos, por exemplo, que o aparecimento da vida sobre a terra exija uma causa extraterrestre; por que não poderia tratar-se de seres extraterrestres, gigantes galácticos (...), que teriam vindo 'inseminar' o globo? Não seria uma 'solução' mais econômica, do ponto de vista da lógica? (...). Em vez de nos preocuparmos com soluções de continuidade na trama da causalidade cósmica (que exigiriam a intervenção de um motor extramundano), coloquemo-nos na hipótese inversa e tentemos ver Deus neste contexto” (Ib., p. 121). Assim fazendo, encontraremos no real, ou seja, em tudo o que existe - previamente aceito em sua consistência e autonomia - o sentido da “presença ontológica” ou “presença criadora” de Deus. (Continuaremos no próximo artigo da série)






Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 05 de maio de 2023







quinta-feira, 27 de abril de 2023

Em solidariedade e apoio às lutas do MST

 


Indignado, denuncio e repudio publicamente a maneira desrespeitosa e injusta como o Governo Federal (Alexandre Padilha: Secretaria de Relações Institucionais; Paulo Teixeira: Desenvolvimento Agrário; Carlos Fávaro: Agricultura) tratou o Movimento dos Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) diante da ocupação de uma área da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Petrolina (PE).

Com este comportamento, o Governo Lula desrespeitou e foi injusto não só com o MST, mas com todos os Movimentos Sociais Populares e seus aliados/as, que lutam pela Reforma Agrária Popular e por um outro Brasil possível, mais humano e mais igualitário.

Além disso, ficou claro que - com a crítica ao MST - o Governo Lula quis agradar a bancada ruralista e o agronegócio. É lamentável!

Os políticos de um Governo Popular (Executivo e Legislativo) devem dialogar com todos e todas e - se seguirem Jesus - devem amar até os inimigos, mas devem sempre deixar claro que o lado deles e delas é o dos pobres, excluídos e descartados da nossa sociedade desigual, injusta e desumana.

É uma pena que o Governo Lula ainda não saiba fazer a distinção entre “invasão” e “ocupação”. A Nota “Invasão do MST à área da Embrapa Semiárido” usa a palavra “invasão” cinco vezes (cf. https://www.embrapa.br/). 

Caso tenha esquecido, lembro ao Governo Lula que o MST nunca promoveu “invasões”, mas “ocupações”, lutando pela Reforma Agrária Popular. Com a ocupação de uma área da Embrapa, tudo indica que o Governo está mais preocupado em “se dar bem” com o agronegócio do que com o MST e outros Movimentos de Trabalhadores/as.

Como todos/as sabemos, é o agronegócio que envenena a natureza, explora os trabalhadores/as - muitas vezes com trabalho escravo - e investe em monoculturas para exportar e obter lucros. O agronegócio pouco se importa com a vida do povo pobre e com as questões da fome, da desigualdade e da injustiça.

“Antes de embarcar para a Europa na quarta-feira, dia 19 deste mês de abril, Lula reuniu ministros para tratar do tema das “invasões” (ou seja, “ocupações”), que preocupa o Governo e, especialmente, o agronegócio” (O Popular, 22 e 23/04/23, p. 5). Infelizmente, estas últimas palavras de “O Popular” - se forem verdadeiras -  falam por si mesmas e não precisam de comentários.

Como já disse em outra ocasião, é um absurdo e uma imoralidade estrutural legalizada que 1% da população brasileira detenha um patrimônio equivalente ao da metade dessa mesma população. É esse 1% que não só invade, mas assalta o Brasil.

O MST no Estado de Pernambuco, em sua Nota “A Ocupação na Embrapa é ferramenta de denúncia por Reforma Agrária Popular”, de 18 deste mês de abril, “vem a público comunicar que a ocupação - por um grupo de 600 famílias - realizada na madrugada do dia 16/04, em uma área da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) é mais uma ferramenta de denúncia e pressão para realização da Reforma Agrária Popular. Em um país com 33 milhões passando fome, toda terra pública deve estar voltada à produção de alimentos. As famílias que realizaram a ocupação não danificaram nenhuma estrutura do órgão e nenhum animal foi ameaçado. A presença das famílias Sem Terra naquele território contribui para a preservação da própria caatinga, bioma local, através da produção de alimentos saudáveis, preservação das nascentes, dos territórios e de reconstrução do solo”.

Diz ainda a Nota: “Vale ressaltar que a preservação dos biomas e a prática sustentável no meio ambiente sempre esteve entrelaçada com a permanência dos povos do campo, das águas e das florestas em seus territórios. Quem bate recordes de destruição ambiental não são as famílias agricultoras, e sim o agronegócio.

A ocupação é uma forma de sinalizar que a Embrapa deveria estar desenvolvendo projetos de pesquisas para a Agricultura Familiar e Camponesa (...). É a Agricultura Familiar quem coloca a comida na mesa dos trabalhadores/as, e mesmo assim fica esquecida no parâmetro de pesquisa.

A Embrapa possui um papel estratégico para o desenvolvimento da Agricultura Familiar em nosso país; inclusive, quando o Governo Bolsonaro estava tentando privatizá-la, o MST se colocou na defesa da empresa. Defendemos a Embrapa e o cumprimento da função social da terra, inclusive daquelas públicas que estão sem destinação.

Em memória do Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 1996, na “Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária Popular” deste mês de abril - com o lema “Reforma Agrária, contra a fome e a escravidão: por Terra, Democracia e Meio Ambiente!” - o MST e outros Movimentos de Trabalhadores/as realizaram manifestações em 18 Estados, com 20 mil pessoas mobilizadas e um retorno positivo em relação à retomada de políticas ligadas à Reforma Agrária Popular. Isso é motivo de muita esperança!

Mais uma vez, minha total solidariedade e irrestrito apoio ao MST! Feliz 1º de Maio, Dia do Trabalhador/a!


Dia 15 de abril: 600 famílias Sem Terra ocupam área da Embrapa,
 em Petrolina/PE - Foto MST em PE




1º de Maio 2023: Dia do Trabalhador/a




Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 27 de abril de 2023


quarta-feira, 12 de abril de 2023

Mais uma imoralidade pública desavergonhada

 

Há pouco tempo denunciei a imoralidade pública dos fura-tetos do Governo de Goiás que - para burlar o teto salarial do funcionalismo público de R$ 39,2 mil (que os fura-tetos devem considerar um salário de fome) criou a lei estadual das “verbas indenizatórias”, por R$ 18,4 milhões anuais. O Governo não está preocupado com a moralidade, mas somente com a legalidade de seus atos para não ter problemas.

A lei estadual das “verbas indenizatórias” para os funcionários fura-tetos do Poder Executivo já foi estendida - com aprovação da Assembleia Legislativa - ao Tribunal de Justiça de Goiás (TJ - GO), ao Tribunal de Contas do Estado e dos Municípios (TCE e TCM - GO) e, por fim, à própria Assembleia Legislativa (ALEGO).

“O projeto de lei que permitirá à Assembleia Legislativa de Goiás (ALEGO) furar o teto de gastos para o funcionalismo, por meio da transformação dos valores excedentes em verba indenizatória, foi aprovado em primeira votação na Casa, no dia 22 de março. Assim - como os Tribunais goianos - o Legislativo pegou carona na minirreforma administrativa do Poder Executivo, que abriu essa brecha” (O Popular, 23/03/23, p. 5).

É impressionante ver a “esperteza” que esses políticos têm na busca de caminhos que permitam legalizar a “imoralidade” pública. É um descaramento que dá nojo! Como diz Jesus, muitas vezes “os filhos das trevas são mais astutos que os filhos da luz” (Lc 16,8).

(Léia o meu artigo: “Fura-tetos x 403.634 famílias na extrema pobreza”, em: http://freimarcos.blogspot.com/2023/03/fura-tetos-x-403634-familias-na-extrema.html; IHU, Correio da Cidadania e outros)

Nestes dias - ainda indignado com o caso dos “fura-tetos” - li mais uma notícia, que mostra até que ponto chegou a desfaçatez da maioria (graças a Deus, não todos/as) dos nossos deputados/as estaduais. Vejam só!

A “ALEGO vai comprar 41 caminhonetes 4x4 para uso dos deputados estaduais” (O Popular, 04/04/23, manchete, p. 2): uma para cada deputado/a, que são 41. “O custo estimado de cada veículo é de R$ 265,1 mil” (Ib.).

É demais! Não dá para tolerar tanta desfaçatez! É uma verdadeira farra com o dinheiro público, que é do Povo, sobretudo dos que estão passando fome. É muita crueldade! O Povo precisa tomar consciência dessa realidade perversa e derrubar os deputados que - sem nenhuma vergonha na cara - usam e abusam do dinheiro público.

Os trabalhadores que têm carro (na nossa sociedade já são trabalhadores privilegiados) para os gastos relacionados ao seu trabalho, usam o próprio carro. Ora, os deputados não têm carro? Será que o salário que ganham não é suficiente para arcar com os gastos relacionados ao seu trabalho de deputados?

Faço agora um pedido aos deputados/as que estão do lado do Povo e a serviço do Povo: renunciem juntos - num gesto público de denúncia - à caminhonete e exijam que o dinheiro correspondente seja utilizado para amenizar situações de fome e falta de moradia digna de irmãos/ãs nossos.

Aliás, pessoalmente acho que a militância político-partidária deveria ser voluntariado. Todo vereador/a e deputado/a deveriam exercer sua profissão e viver de seu trabalho.  

Termino fazendo minhas as palavras do Papa Francisco: ”Reconhecemos que este sistema (o sistema capitalista neoliberal) impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza? Se é assim - insisto - digamo-lo sem medo: queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos... E nem sequer o suporta a Terra, a Irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco”.

Este sistema insuportável “exclui, degrada e mata!”. “A globalização da esperança, que nasce dos povos e cresce entre os pobres, deve substituir esta globalização da exclusão e da indiferença” (2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15).

Que assim seja!


Portal Contexto - ALEGO empossa 41 deputados - 01/02/23


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 11 de abril de 2023



segunda-feira, 3 de abril de 2023

Feliz Páscoa! Feliz Passagem!

 


Páscoa é Passagem:

  • de condições de não-vida para condições de vida;
  • de condições de vida desumanas para condições de vida humanas;
  • de condições de vida menos humanas para condições de vida mais humanas;
  • da vida do ser humano velho para a vida do ser humano novo;
  • da vida desse mundo para a vida de outro mundo possível;
  • da vida do mundo velho para a vida do Mundo Novo;
  • da morte - e de tudo o que ela significa - para a vida nova em Cristo.

Para nós cristãos e cristas (com todo respeito e amor aos irmãos e irmãs de caminhada, com os/as quais lutamos juntos pela vida digna para todos e para todas, mas que têm uma visão diferente), a vida nova em Cristo é - ou deveria ser - vida plenamente ou radicalmente humana.

Ora, por ser o ser humano natureza, a parte pensante da natureza, a vida cristã é vida nova plenamente humana natural e plenamente natural humana. O ser humano é chamado a cuidar da natureza, sendo o jardineiro da Irmã Mãe Terra, Nossa Casa Comum e vivendo em comunhão com ela e com o universo inteiro.

“Sabemos que a criação toda geme e sofre dores de parto até agora. E não somente ela, mas também nós, que possuímos os primeiros frutos do Espírito, gemendo no íntimo, esperando a adoção, a libertação para o nosso corpo. Na esperança nós já somos salvos/as” (Rm 8,22-24), realizados/as, felizes.

Na última Ceia com os discípulos - antes de sua Morte e Ressurreição - “Jesus, que tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”; “começou a lavar os pés dos discípulos” e depois perguntou-lhes: “vocês compreenderam o que acabei de fazer?” (Jo 13,1.5.12). Perguntemo-nos: E nós, hoje? Será que amamos até o fim? Será que compreendemos o que Jesus fez?

Na Celebração da Páscoa (Semana Santa e, sobretudo, Tríduo Pascal) - centro de nossa vida cristã - fazemos a memória, ou seja, tornamos presente o grande acontecimento de nossa fé: o mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus.

“Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos/as” (Jo 15,13). O cristão e a cristã, a Comunidade, a Igreja - com seu testemunho de vida nova em Cristo - devem (ou deveriam) ser sal da terra, luz do mundo. “Vocês são o sal da terra” (Mt 5,13). “Vocês são a luz do mundo” (Mt 5,14).

Ora, pergunto: como podem um cristão e uma cristã ser sal e luz se esquecem do mundo e se preocupam somente com sua vida individual, seus problemas pessoais ou familiares, sua Comunidade e sua Igreja, num comportamento religioso meramente intimista e fundamentalista, praticando o que poderíamos chamar deegoísmo religioso”?

“Deus amou de tal forma o mundo, que entregou seu Filho único para que todo o que Nele crê não morra, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16), a vida nova em Cristo, a vida de ressuscitados e ressuscitadas no Batismo.

Para viver hoje a Páscoa, a Passagem e fazê-la acontecer em todas as dimensões da vida humana e da natureza - a partir da Opção pelos Pobres (marginalizados/as, oprimidos/as, excluídos/as e descartados/as) e do Cuidado com a Nossa Casa Comum - precisamos nos comprometer com a militância socioambiental, sindical e política popular. É este o caminho de todo cristão e cristã, e de todo ser humano que tem consciência de sua dignidade e de seu valor.

A Campanha da Fraternidade/23, que tem como tema “Fraternidade e Fome” e como lema “Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14,16), nos lembra que viver a Páscoa, viver a Passagem significa viver a Fraternidade, a Irmandade. Se vivêssemos como irmãos e irmãs de verdade, não haveria fome no Brasil e no mundo. “Eu vim para que todos tenham vida e vida em plenitude” (Jo 10,10).

“No Brasil (e no mundo) nem todos/as têm vida em plenitude! Ainda não somos verdadeiramente irmãos e irmãs! Nosso País não é ainda nossa Casa Comum! Não formamos uma só família, dos filhos e filhas de Deus! Se assim fosse, a ganância, o individualismo, o domínio dos interesses individuais e, sobretudo, a fome não existiriam entre nós, ceifando vidas. Mas, não podemos deixar de sonhar o sonho de Deus... em vista de um Mundo Novo” (CF23, Texto-Base, 112).

“Confiantes na ação do Espírito Santo, nós vos pedimos: Inspirai-nos o sonho de um Mundo Novo, de diálogo, justiça, igualdade e paz” (Oração CF23).

Meditemos! Unidos e unidas como irmãos e irmãs, vivamos a Páscoa! Vivamos a Passagem! Feliz Páscoa! Feliz Passagem!





Fotos do Centro Comunitário do Parque Amazônia
Goiânia - GO: da década de 1970

Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 02 de aril de 2023








quinta-feira, 30 de março de 2023

As heroínas da Reforma Agrária Popular

 


Na madrugada do dia 25 (sábado) deste mês de março, mais de 600 famílias ocuparam a Fazenda São Lucas no município de Hidrolândia, Região Metropolitana de Goiânia - GO. A ação - afirma o Movimento dos Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST- GO) - quer que a fazenda seja destinada à Reforma Agrária. Trata-se de uma fazenda que anteriormente pertencia a um grupo, condenado em 2009 por crimes de exploração sexual e era usada como cativeiro para tráfico internacional de mulheres, sobretudo adolescentes. Desde 2016, a área integra o patrimônio da União.

O objetivo da Ocupação é fazer com que a área seja utilizada para a Reforma Agrária e o assentamento dessas famílias.

O MST informou que “a ação foi realizada por mulheres ligadas ao Movimento e faz parte da Jornada Nacional de Luta das Mulheres Sem Terra, que ocorre em todo país durante o mês de março”.

“Denunciamos o crescimento da violência contra as mulheres do campo e esta área representa o grau de violência que sofremos". E ainda: "Exigimos que esta área, que antes era usada para violentar mulheres, seja destinada para o assentamento dessas famílias, para que possamos produzir alimentos saudáveis e combater as violências" (Patrícia Cristiane, da Coordenação Nacional do MST).

Na noite do mesmo dia 25, o MST divulgou uma Nota à imprensa informando que a saída das 600 famílias da área ocupada, ocorreu de forma pacífica e denunciando que - por se tratar de um terreno da União - a Polícia Militar do Estado de Goiás (PM-GO) promoveu o despejo fora de sua jurisdição e deverá ser processada.

Nos meios de comunicação e nas redes sociais fala-se muito de “invasões” ou “invasores” de terras. Na realidade, trata-se de “ocupações” (e não de “invasões”) de terras que não têm função social e que, portanto, são de quem delas precisa para morar e trabalhar. Trata-se, pois, de exigir os três direitos fundamentais de toda pessoa humana: terra, teto (moradia) e trabalho (os “três T” do Papa Francisco).

Além de tudo - como já afirmei outras vezes - todo despejo, mesmo legal, é injusto, desumano, antiético e anticristão.

Parabéns às heroínas da Ocupação S. Lucas, da Reforma Agrária Popular e de muitas outras lutas! Estamos com vocês. Contem com o nosso apoio e a nossa solidariedade.

Em Goiás, “Invasões de terras entram na pauta da Assembleia” (O Popular, 28/03/23, p. 2).  Infelizmente é essa a preocupação da maioria dos deputados estaduais.

A todos e todas que - como esses deputados - estão preocupados com as “invasões” de terras, lembro que no Brasil os verdadeiros “invasores” ou os verdadeiros assaltantes são aqueles que pertencem ao grupo dos 1 % da população, que se apropriaram de um patrimônio equivalente ao da metade da população brasileira.

Termino com uma boa notícia. “Neste ano, milhares de Mulheres Sem Terra se mobilizaram em 23 Estados, no Distrito Federal, além de Zâmbia, na África. Como parte da Jornada Nacional de Luta das Mulheres Sem Terra, elas realizaram acampamentos pedagógicos, ocupações de terras, ações de solidariedade com doação de alimentos e de sangue, feiras com produtos da Reforma Agrária, plantio de árvores, espaços de formação e debates, e ocuparam as ruas do país, com marchas em parceria com Movimentos e Organizações populares urbanas e rurais” (https://mst.org.br/2023/03/25/contra-exploracao-sexual-mulheres-sem-terra-ocupam-latifundio-em-goias/).

Unidos e unidas na caminhada; esperançar e preciso.


Foto: MST - GO

Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 29 de março de 2023





quinta-feira, 16 de março de 2023

O Ser humano com o mundo material e vivente e com os outros

 


No artigo anterior “O Ser humano com o mundo” (da série sobre o Ser humano), vimos que “o presente 'humano' é caracterizado pelo fato que ele é dinamicamente teso entre o passado e o futuro. Nunca é um presente absoluto, mas somente um presente temporal: presente que remonta ao passado, ao qual porém se subtrai, porque nunca coincide com o próprio passado e porque antecipa um novo futuro a ser realizado. É, portanto, um presente que existe na tensão dinâmica entre o passado e o futuro" (Gevaert, J. Il problema dell'uomo. Introduzione all'Antropologia Filosofica. Elle Di Ci, Torino, 19814, p. 188. Cf. Heidgger, M. Ser e Tempo - Parte II. Vozes, Petrópolis, 1989, § 68, p. 132-149).

O Ser humano pode ser considerado como "uma presença cujo passado é constitutivamente aberto ao futuro (...). O futuro é uma condição constitutiva do Ser humano. Poder-se-ia também dizer, em outras palavras, que o Ser humano é constitutivamente um ser de futuro, de perspectiva, de devir. Na medida em que este devir fica incerto, porque não se realiza deterministicamente (como nos outros animais), poder-se-ia também dizer que o Ser humano é um 'ser de esperança'" (Gevaert, J., o.c., p. 188-189).

O ponto gravitacional da "temporalidade" humana não se encontra no passado, mas no futuro. "Temporalidade" humana quer dizer ter um futuro. Justamente porque há um futuro cheio de novas possibilidades - que o Ser humano já encontra ou que ele mesmo cria - o passado pode aparecer na sua figura de passado, isto é, como aquilo que é somente uma realização parcial e provisória, que precisa ser constantemente recuperada e superada (Cf. Ib.).

Percebe-se claramente que o Ser humano ocupa no mundo - na Terra, no Universo -  e, portanto, no espaço e no tempo, uma posição diferente dos outros seres materiais e viventes, uma posição que lhe é peculiar e que dá um sentido novo a todas as coisas.

A "mundanidade" - "espacialidade" e "temporalidade" - torna-se "humana"; ela adquire um "sentido humano", um "valor humano"; ela torna-se "consciente" (pensante): uma realidade objetiva e subjetiva ao mesmo tempo.

"A consciência jamais pode ser outra coisa do que o ser consciente, e o ser dos Seres humanos é o seu processo de vida real" (Marx, K. e Engels, F. A Ideologia Alemã (I - Feuerbach). Hucitec, São Paulo, 19865, p. 37).

A mundanidade - espacialidade e temporalidade - consciente é a condição existencial própria do Ser humano.

A relação do Ser humano com-o-mundo material e vivente e com-os-outros (semelhantes) é um fato incontestável, indubitável e evidente por si mesmo; não precisa demonstrá-la, mas somente mostrá-la e examiná-la criticamente fazendo ver que é impossível negá-la, sem negar a própria existência do Ser humano. O mundo material e vivente e os outros (semelhantes) impõem-se por si mesmos, irrompem - por assim dizer - na existência de todo Ser humano. O mundo material e vivente e os outros não existem porque o Ser humano pensou e demonstrou sua existência. Antes de qualquer argumento, eles existem (são); sua existência-presença é uma exigência de relacionamento, um apelo dirigido ao Ser humano e à sua responsabilidade. "Eu sou eu e minha circunstância" (Ortega y Gasset, J. Que é Filosofia? (Lição XI). Livro Ibero-Americano, Rio de Janeiro, 19712, p. 184).

Em outras palavras, "as circunstâncias fazem os Seres humanos assim como os Seres humanos fazem as circunstâncias" (Marx, K. e Engels, F., o.c., p. 56). Portanto, a existência do Ser humano é inevitavelmente uma aceitação (afirmação) ou rejeição (negação) do mundo material e vivente e dos outros (semelhantes). O “ser-no-mundo” (inserção), “com-o-mundo material e vivente” e “com-os-outros” (semelhantes) precede toda escolha e toda realização humana. Na relação (comunhão) “com-o-mundo material e vivente” e “com-os-outros” (semelhantes), o Ser humano torna-se capaz de escolher, de aceitar ou rejeitar o mundo e os outros.

A certeza do mundo e dos outros, que se impõe por si mesma, diz respeito, em primeiro lugar, à sua existência como mundo material e vivente e como outros (semelhantes), que se revela e se faz conhecer ao Ser humano, independentemente do seu grau de inteligência e consciência. Em segundo lugar, diz respeito também ao caráter ético da existência do Ser humano, mediante o qual tudo aquilo que deve ser feito para realizar a existência é ligado ao reconhecimento do mundo material e vivente e, sobretudo, dos outros (Cf. Gevaert, J., o.c., p. 34-35).

No próximo artigo - ainda continuando o mesmo tema - refletiremos sobre o Ser humano (no mundo) como “ser-com-o-Outro absoluto” (Deus).



Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 13 de março de 2023


O artigo foi publicado originalmente em: 

https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-com-o-mundo-material-e-vivente-e-com-os-outros/



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