domingo, 28 de janeiro de 2024

O Ser humano histórico-social (2)



  (Continua o tema do artigo anterior, da série de artigos sobre o Ser humano)

Para entender o funcionamento de uma sociedade histórica concreta, é sempre necessário fazer uma análise estrutural e conjuntural ao mesmo tempo.


Uma estrutura social (sócio-econômico-político-ecológico-cultural-religiosa) é entendida, por sua vez, como modo de produção. "O modo de produção é uma estrutura global, é uma combinação específica de três estruturas regionais, que aparecem como instâncias ou níveis: a estrutura econômica, a estrutura jurídico-política e a estrutura ideológica. A estrutura econômica forma a infraestrutura, enquanto a jurídico-política e a ideológica formam a superestrutura" (MENDONÇA, N. Domingues, O uso dos conceitos. Uma questão de interdisciplinariedade. Vozes, Petrópolis, 19852, p. 62).


Em sentido dialético (não mecanicista), o econômico (infraestrutura, base, modo de produção material: de bens materiais, de vida material) é - em última instância - sempre determinante (não o único determinante). Nem sempre, porém, detém (exerce) o papel dominante.


Às vezes, o jurídico-político ou o ideológico assumem a função de dominação. "Isso se dá pela interação dialética existente entre as várias estruturas, permitindo que umas ou outras se sobressaiam mais em determinados momentos históricos, e possam ser detectadas como as que dominam todo um período (...). Mas (...) a estrutura determinante, em última instância, continua sendo a infraestrutura econômica, e a ela cabe determinar os limites da superestrutura, pois, ao mesmo tempo que produz os bens materiais, reproduz as relações de produção específicas de cada modo de produção" (GEBRAN, P. Conceito de modo de produção. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1978, p. 14-15. Citado por: MENDONÇA, N. Domingues, o. c., p. 62).


Por exemplo, no modo de produção antigo, o político detém o papel dominante, que, por sua vez, é determinado pelo funcionamento da estrutura econômica própria deste modo de produção. No modo de produção feudal é o ideológico (sob forma de religioso - catolicismo) que domina, mas determinado também pelo funcionamento da estrutura econômica da época.


"O que está claro é que nem a Idade Média podia viver do catolicismo, nem o Mundo Antigo da política. Ao contrário, é a maneira como ganhavam a vida (como asseguravam a subsistência) que explica porque, numa época, desempenhava o papel principal a política e, na outra, o catolicismo" (MARX, K. O Capital. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 19805, L. I, Vol. I, Cap. I, p. 91, Nota 32).


No modo de produção capitalista (e no próprio modo de produção do chamado socialismo real, que, na prática, é um capitalismo de Estado), o econômico detém não só um papel determinante, mas também dominante. O mundo moderno é, por assim dizer, dominado pelos interesses materiais.


A "determinação em última instância" ou a "supremacia última" do econômico em relação ao jurídico-político e ao ideológico não deve ser entendida de maneira reducionista, mecanicista e linear (visão economicista, determinismo econômico), mas dialética.


Elimina-se, assim, "a ideia de uma causalidade mecânica pela qual um nível, a economia, seria a causa e os outros níveis, as superestruturas, seus efeitos. A noção de 'determinação em última instância' permite substituir essa concepção por uma ideia dialética de causalidade, pela qual o fator em última instância determinante não exclui a determinação pelas superestruturas que, como causas secundárias, podem produzir efeitos e 'reagir' sobre a base" (LARRAIN, J. Base e Superestrutura. Em: Dicionário do Pensamento Marxista. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 19882, p. 28).

Numa leitura - análise e interpretação - crítica e objetiva, é essa a nossa realidade.

(Continua no próximo artigo)


Compartilhando:

para uma visão mais aprofundada e abrangente

dos temas tratados, leia:

Editora Lutas Anticapital: Marília - SP, 2023 (p. 384)



Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 15 de janeiro de 2024

 

 

O artigo foi publicado originalmente em:

https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-historico-social-2/

(no dia 02/01/24)


terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Projetos Políticos do Governo Federal - 2ª parte

 


Dirijo-me agora - como companheiro e irmão de caminhada, na luta e na militância - aos Movimentos Populares Socioambientais (socioeconômicos, sociopolíticos, socioecológicos, socioculturais e sociorreligiosos), aos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras, aos Partidos Políticos Populares, aos Coletivos de mulheres, às Entidades de Jovens Estudantes, aos Comitês ou Fóruns de Defesa dos Direitos Humanos e da Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum, às Comissões de Justiça e Paz e a todas as Organizações Populares. E ainda, às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e às Pastorais Socioambientais (Pastoral da Terra, Pastoral Operária, Pastoral do Migrante, Pastoral dos Moradores e Moradoras em situação de Rua e outras).

Com a única intenção de dar a minha pequena contribuição na leitura crítica - análise e interpretação - de nossa práxis (prática e teoria dialeticamente unidas) popular, apresento agora - com toda sinceridade - alguns questionamentos e três propostas na ótica dos pobres.

Questionamentos:

  • Por que, depois de quase quatro Governos Federais do PT e Partidos Políticos aliados, chegamos a ter o Governo Bolsonaro?
  • Por que abandonamos o Trabalho de Base: nos Partidos Políticos Populares, nos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras e nas Comunidades?
  • Por que fazemos “aliança” com Partidos Capitalistas de direita e extrema direita? Não é contraditório? “Aliança” não é “comunhão de projetos”?
  • Será que os nossos Partidos Políticos Populares - ditos de esquerda - não são na realidade Partidos Capitalistas Neoliberais com retoques?
  • Por que nos sentimos tão à vontade no uso da linguagem tipicamente capitalista, como - por exemplo - chamando a Confederação Nacional da Indústria de “setor produtivo”? Para nós e os nossos Partidos, o “setor produtivo” não são os trabalhadores e as trabalhadoras diretamente ligados à produção?
  • Por que falamos tanto de “Democracia”, quando sabemos que no Projeto Político Capitalista - Neoliberal e Ultraneoliberal - a “Democracia” não existe? Se existisse “Democracia”, será que 1% da população brasileira concentraria 50% dos bens do Brasil? E será que os 33 milhões de brasileiros e brasileiras que passam fome não teriam o direito de pegar os alimentos onde eles se encontram?
  • O que existe de fato não é uma “oligarquia” ou - permitam-me um neologismo - uma “elitocracia”?
  • Os Projetos Políticos Capitalistas Neoliberal e Ultraneoliberal - mesmo não sendo uma “Ditadura fascista” - não são uma “Ditadura civil” legalizada e institucionalizada? Por que não falamos a verdade?

Propostas:

1. Trabalho de Base

  • Voltemos, com garra e fé, ao Trabalho de Base, nas Comunidades (CEBs), nos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras e nos Partidos Políticos Populares.
  • É o único caminho que nos faz esperançar e, ao mesmo tempo, experienciar a vida de igualdade, justiça e irmandade. E também é o único caminho que nos leva a dar passos históricos concretos, fazendo acontecer um Novo Projeto Político para o Brasil: um Projeto Popular, Comunitário, Socialista e - porque não dizer - verdadeiramente Comunista. Para quem entendeu o autêntico sentido do Evangelho, Jesus de Nazaré foi o único 100% comunista. 

2. Acordos políticos pontuais

  • Em nossa luta política de trabalhadores e trabalhadoras, vamos ser vivencialmente coerentes na prática e ideologicamente claros na teoria, para que todos e todas saibam qual é o nosso Projeto Político.
  • Por ser uma ideologia política uma teoria situada (no espaço) e datada (no tempo), fazer “aliança” com Projetos Políticos ideologicamente opostos ao nosso, é impossível.
  • Ora, tendo presente o princípio marxista “não fazemos aquilo que queremos, mas aquilo que as condições objetivas permitem que façamos” e também o princípio ético “o comportamento ético é o comportamento mais humano possível numa situação histórica concreta, socioambiental e/ou individual”, podemos e devemos - em situações especiais - fazer “acordos pontuais”, mas nunca “aliança”, que - mesmo se for só formal - é uma traição do povo pobre: marginalizado, oprimido, explorado e descartado

3. Unidade nas diferenças

  • Na nossa militância política - em todas as lutas populares de curto, médio e longo prazo - vamos valorizar a unidade na defesa do Projeto Político Popular e as diferenças no processo de sua realização, que nos abrem sempre novos horizontes com novas estratégias a serem utilizadas e que nos levam a dar passos concretos na realização histórica do nosso Projeto Político.
  • Unidos e unidas, continuemos a luta! A vitória já é nossa!

 

 

O Popular: Ato público em defesa da Democracia, 08/01/24 (Goiânia-GO)

“Democracia Popular já!”



Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 13 de janeiro de 2024


Projetos Políticos do Governo Federal - 1ª parte

 


Há tempo, no Governo Federal do Brasil (e também em outros países da América Latina e do mundo) alternam-se dois Projetos Políticos Capitalistas: o Projeto Político Capitalista Neoliberal (como o Projeto Político dos Governos Federais de Fernando Henrique Cardoso - PSDB, de Lula e Dilma Rousseff - PT, com os Partidos aliados) e o Projeto Político Capitalista Ultraneoliberal (como o Projeto Político do Governo Federal de Bolsonaro - PL).
O Projeto Político Capitalista Neoliberal - dito de esquerda ou centro-esquerda - é na realidade o Projeto Político de uma “frente ampla” de partidos que vai da esquerda à direita. Apesar disso - sem mudanças estruturais e dentro do possível - esse Projeto investe nas Políticas socioambientais e na defesa dos Direitos Humanos. É um Projeto Político que se fundamenta e se sustenta nas ambiguidades e contradições do Sistema Capitalista.
De um lado, ele “ameniza” (não acaba) os efeitos da estrutura injusta, desumana e antiética do Sistema Capitalista com programas de assistência social e promoção humana, que - em situações de extrema vulnerabilidade como situações de fome, falta de moradia, falta de trabalho ou situações de trabalho superexplorado e trabalho escravo - são práticas políticas positivas, necessárias e urgentes. Os trabalhadores e as trabalhadoras que se encontram nessas situações não podem esperar que mudem as estruturas e o Sistema Capitalista.

De outro lado, essa “amenização” acaba reformando e fortalecendo o sistema capitalista, diminuindo ou acabando com as greves dos trabalhadores e das trabalhadoras por melhores salários e melhores condições de vida. Isso é negativo e enfraquece a organização desses mesmos trabalhadores e trabalhadoras, na luta por um Novo Brasil.

No Projeto Político Capitalista Neoliberal há ainda, sobretudo em determinadas situações, o perigo que grupos políticos organizados tramem um Golpe de Estado, transformando - com o uso da violência policial e de todo tipo de violência - o Projeto Político Capitalista Neoliberal num Projeto Ditatorial “Fascista”, como no Golpe civil-militar de 1964 e na tentativa de Golpe de 08/01/23, invadindo e vandalizando as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Ora, no Projeto Político Capitalista Ultraneoliberal - que representa um retrocesso em relação ao Neoliberal - assistimos à erosão dos Direitos Humanos e ao desmonte das Políticas Socioambientais.
Por fim, seja o Projeto Político Capitalista Neoliberal - como o Ultraneoliberal - são baseados em “uma Escola de pensamento e uma doutrina de economia voltadas para a defesa da ausência do Estado na esfera economicista das sociedades”. Os Projetos defendem a autorregulamentação do mercado. As características do Liberalismo são “a propriedade privada e a livre concorrência. Historicamente, essa corrente econômica surgiu com o advento do Capitalismo, em oposição ao Mercantilismo”. No Brasil, “a adoção de práticas neoliberalistas (ou ultraneoliberalistas) é muito forte, como por meio de privatizações de Estatais” (https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/liberalismoeconomico.htm).

O Capitalismo, em todos os seus desdobramentos (Liberal e Ultraliberal, Neoliberal e Ultraneoliberal) é - em maior ou menor grau - um “Sistema econômico iniquo” (Documento de Aparecida, 385), que “exclui, degrada e mata”. Os trabalhadores e as trabalhadoras - e os pobres em geral - “não são somente excluídos e excluídas, mas descartados e descartadas” (Papa Francisco). Por isso, ele é estruturalmente injusto, desumano e antiético: a face mais perversa e iniqua do Pecado Social ou Pecado Estrutural.
 


 

Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 13 de janeiro de 2024


quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Em homenagem aos 63 anos da UFG

 


Como professor de Filosofia aposentado da Universidade Federal de Goiás (UFG) - com muita honra - uno-me aos estudantes, funcionários e funcionárias, professores e professoras, pesquisadores e pesquisadoras da UFG nas homenagens prestadas à Universidade pelos seus 63 anos de existência.

Não pude estar fisicamente presente na sessão solene da Assembleia Legislativa de Goiás (ALEGO), proposta pela deputada Bia de Lima (06/12/23) e da Câmara Municipal de Goiânia (14/12/23: dia do aniversário à noite), mas estou unido a todos e todas vocês. A UFG merece!

Na sessão solene da Câmara Municipal de Goiânia, a reitora Angelita Pereira de Lima, em seu discurso, lembra-nos que a Instituição “mesmo sendo uma Universidade jovem, figura entre as mil melhores do mundo em todos os rankings”. E conclui: “Temos muito que comemorar e celebrar e, principalmente, muito a agradecer à Comunidade externa” (O Popular, 15/12/23, p. 20). No artigo “A UFG nasceu para ser de Goiás”, a reitora escreve: “Em 2023, a UFG posicionou-se nos principais rankings internacionais entre as 5% maiores e melhores do mundo” e “está entre as 20 melhores do país” (Ib., 20/12/23, p. 3).

Como eterno aprendiz de filósofo - em homenagem à UFG pelos seus 63 anos de existência - coloco para nossa reflexão (no breve espaço de um artigo) uma questão que considero de fundamental importância, sobretudo hoje, na vida das Universidades: a questão da “não-neutralidade” ou da “não possibilidade da indiferença política” da ciência.

Embora essa questão refira-se a todos os momentos do processo do Conhecimento - comum (a maioria dos nossos conhecimentos, mesmo dos cientistas, são do Conhecimento comum), científico, filosófico e teológico - devido ao extraordinário desenvolvimento das Ciências - ela é particularmente sentida e debatida quando se trata do Conhecimento científico.

Em sentido amplo, Conhecimento científico é todo Conhecimento metódico e sistemático; em sentido estrito, é o Conhecimento metódico e sistemático que se fundamenta na observação rigorosa e na verificação experimental dos fatos ou fenômenos. O objeto do Conhecimento científico pode ser a realidade natural (o mundo material e vivente) e/ou a realidade humana (o mundo especificamente humano). O sujeito do Conhecimento científico é sempre o Ser humano.

Portanto, do ponto de vista do objeto do Conhecimento, podemos distinguir as Ciências em "Ciências naturais" e "Ciências humanas"; do ponto de vista do sujeito do Conhecimento, todas as Ciências são "Ciências humanas".

À postura da chamada “neutralidade científica” podemos fazer uma "crítica externalista" e uma "crítica internalista".

A "crítica externalista" procura revelar os mecanismos que condicionam externamente a prática científica. "Esse tipo de crítica, que investiu contra a concepção ingênua, segundo a qual a ciência seria um produto do espírito desligado das situações socialmente determinadas, tem mostrado que as ideias científicas partem necessariamente de um contexto social, são favorecidas ou entravadas por ele, mas, de qualquer forma, dependem dele como contexto de gênese, como o solo do qual brotam. Com mais ênfase, esse tipo de crítica tem mostrado que a atividade científica não se esgota em puro Conhecimento, pura ideia, mas retorna ao meio social na forma concreta de utilização prática de seus resultados. Dessa maneira, a crítica à neutralidade científica situa a atividade científica no contexto social mais amplo mostrando que ele é, ao mesmo tempo, o contexto de gênese e de utilização do Conhecimento científico" (MENDONÇA, W. Sobre a Neutralidade Científica, em "Encontros com a Civilização Brasileira", 12 (1979) 226. Cf. também: JAPIASSU, H. O mito da neutralidade científica. Imago, Rio de Janeiro, 1975).).

A "crítica externalista" à “neutralidade científica” é "muito sensível aos aspectos institucionais da prática científica, frequentemente deixados de lado pelo discurso da Filosofia da Ciência". Ela contribui "para orientar uma ação política a respeito da ciência" e representa "um verdadeiro progresso para a compreensão das implicações sociais do Conhecimento científico" (Ib.). Não consegue, porém, vincular definitivamente Conhecimento científico e sociedade, negando, assim, a possibilidade da neutralidade científica.

A "crítica internalista" à neutralidade científica - mesmo reconhecendo a importância da crítica ideológica ao contexto social de gênese e de utilização do Conhecimento científico - estende esta mesma crítica ao contexto específico da prática científica, isto é, ao espaço interno da ciência.

Ela mostra que "antes de qualquer aplicação específica do Conhecimento, há uma ligação profunda entre o projeto científico e o projeto social. Uma tentativa neste sentido exige que o universo do discurso científico, por um lado, e o universo da palavra e da ação correntes, por outro lado, sejam postos em correspondência como regidos pela mesma lógica. Segundo este modo de ver as coisas, as regras que definem as práticas sociais operam também nas abstrações do Conhecimento científico, isto é, operam internamente no discurso da Ciência. Somente assim resulta eliminada a separação entre conhecer e valorar, ou entre saber e agir; numa palavra, somente assim mostra-se que o Conhecimento científico é fato político" (Ib., p. 229).

Falamos aqui do Conhecimento científico como atividade humana e não dos produtos materiais obtidos através dele (exemplo: o computador). Estes, enquanto formulações acabadas das teorias científicas, são os resultados finais da pesquisa científica, ou seja, de todo o processo do Conhecimento científico e não têm conotação político-ideológica (Cf. Ib., p. 227-228).

Por fim, podemos dizer que - na Filosofia da Ciência - todas as ciências ganham um sentido mais profundo e mais humano.

Feliz Natal e um Ano Novo de muitas lutas e vitórias a todos/as da UFG e aos prezados/as leitores/as.

Sugestão: leiam ou releiam - nesses dias - os artigos “No Natal, Jesus tem lado” (2021) e “Natal 2022: que o lado de Jesus seja nosso lado” (2022): no IHU, no BLOG do Frei Marcos ou em outros sites)



Câmara de Goiânia entrega Comenda Colemar Natal e Silva - Foto: Antônio Silva
(14/12/23: 63 anos da UFG)



Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 20 de dezembro de 2023


quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Mais uma Lei que criminaliza Trabalhadores e Trabalhadoras

 



No dia 27 de novembro passado, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado sancionou a Lei Estadual Nº 22.419/2023, aprovada pela Assembleia Legislativa de Goiás (ALEGO) no dia 21 do mesmo mês.

A Lei “estabelece a política estadual de segurança pública nas faixas de domínio e nas lindeiras das rodovias estaduais, bem como das rodovias federais delegadas ao Estado de Goiás” (Art. 1º).

Segundo a Lei, “compete ao Poder Público, para viabilizar a política instituída por esta Lei, observada a legislação aplicável a cada medida, entre outras ações:

  • adotar medidas de desforço imediato para garantir a dominialidade do bem público;
  • lavrar autuação administrativa (...);
  • realizar autuação por infração ambiental (...);
  • identificar os invasores e cruzar os dados para verificar quais deles são beneficiários de programas sociais do Governo Estadual;
  • promover medidas judiciais para a responsabilização civil dos invasores;
  • conduzir coercitivamente os invasores para a oitiva deles pelas autoridades policiais;
  • realizar busca e apreensão de materiais usados para invadir as faixas de domínio;
  • requerer o afastamento de sigilos, nos termos da lei, bem como busca domiciliar, quando forem necessários para a efetivação da política pública;
  • e promover o indiciamento dos invasores por crimes porventura cometidos na ocorrência do ilícito” (Art. 3º, I-IX. Leia o texto da Lei na íntegra).
  • Lembrar também que os moradores e moradoras dos Acampamentos ou Ocupações não são “invasores” e “criminosos”, mas pessoas que lutam pela Reforma Agrária Popular e ocupam terrenos - que por direito já são delas - para morar e trabalhar.

A questão específica dos Acampamentos “nas faixas de domínio e nas lindeiras das rodovias”, da qual trata a Lei, denuncia a urgência da Reforma Agrária Popular.

Segundo a CPT, “mais de 3 mil famílias que vivem nos 51 Acampamentos localizados às margens de rodovias em Goiás ficam agora sob risco de despejo, sem garantia de seu direito de defesa e de seus direitos fundamentais” (cptnacional.org.br). Que descaramento! Que crueldade!

O “Goiás Social” - do qual o governo faz tanta propaganda - deveria se preocupar não só em dar assistência em situações de vulnerabilidade ou de extrema necessidade (o que é necessário), mas - também e sobretudo - enfrentando as injustiças sociais estruturais, como:

  • Apoiando os trabalhadores e trabalhadoras, que lutam pelos três T (como diz o Papa Francisco): Terra, Teto (ou Moradia) e Trabalho, direitos fundamentais de toda pessoa humana.
  • Combatendo a concentração de terra nas mãos de poucos, o latifúndio improdutivo e o trabalho escravo. “Goiás retoma liderança de trabalho escravo” (O Popular, 13/12/23, p. 11. Manchete). Em 2023 número parcial do Ministério do Trabalho aponta 729 resgates (Cf. Ib.). Que vergonha, senhor governador Ronaldo Caiado!
  • Humanizando o sistema prisional de Goiás para que os nossos irmãos e irmãs presos sejam tratados como pessoas humanas e não como rejeitos da sociedade (Cf. https://www.cnj.jus.br/link-cnj-retrata-situacao-dos-presidios-em-goias/). Feliz Natal e um  2024 de muitas lutas e vitórias!

 

“Direitos Humanos não se pede de joelhos,

exige-se de pé” (Dom Tomás Balduino).


Acampamento Garça Branca, às margens da GO 173, em Jaupaci (GO)
Foto: Tiago de Melo - cptgoias.org.br



Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 16 de dezembro de 2023


sábado, 9 de dezembro de 2023

O Ser humano histórico-social (1)

 


 

(Continua a série de artigos sobre o Ser humano)

Para o Ser humano, “ser-no-mundo" historicamente, significa, antes de tudo, “ser-no-mundo" socialmente (sócio-econômico-político-ecológico-cultural-religiosamente). O Ser humano histórico “é-na-sociedade", “é-sociedade". Trata-se de uma sociedade que influencia e condiciona dialeticamente o indivíduo. O Ser humano histórico é socialidade na individualidade e - como veremos - individualidade na socialidade. A dimensão da socialidade é constitutiva do Ser humano histórico.

Mais especificamente, o Ser humano histórico é numa sociedade historicamente determinada, ou seja, numa formação social (sócio-econômico-político-ecológico-cultural-religiosa): uma totalidade social estruturada num dado momento histórico, uma realidade concreta, empírica (Cf. MENDONÇA, N. Domingues, O uso dos conceitos. Uma questão de interdisciplinariedade.  Vozes, Petrópolis, 19852, p. 63).

Uma sociedade historicamente determinada torna-se um sistema social (sócio-econômico-político-ecológico-cultural-religioso), isto é, um conjunto de estruturas sociais (sócio-econômico-político-ecológico-culturais-religiosas) diversas, dialeticamente interligadas, interrelacionadas, interdependentes e interatuantes, como partes que se mantêm articuladas entre si. Modificar uma das partes significa modificar o conjunto (Cf. Ib., p. 40).

Um sistema social não se reduz à soma de suas partes; não é uma simples justaposição de indivíduos humanos. É um sistema de interação humana estrutural, é algo de objetivo, que independe da consciência e da vontade dos indivíduos.

Por sua vez, todo sistema se constitui de subsistemas. Por exemplo, o sistema social (em sentido estrito), o sistema econômico, o sistema político, o sistema ecológico e o sistema cultural-religioso, são subsistemas do sistema social (em sentido amplo); o sistema capitalista é um subsistema do sistema econômico; o sistema legislativo e um subsistema do sistema político (que é chamado também de regime político), e assim por diante. Um subsistema pode às vezes, ser subsistema de dois ou mais sistemas, que se sobrepõem apenas parcialmente. O sistema mercantilista, por exemplo, é subsistema tanto do sistema econômico, quanto do sistema político. Um sistema pode ainda ser considerado, numa outra situação, um subsistema (Cf. Ib., p. 40-41).

Embora com diferentes enfoques, na análise do conceito de sistema, "as ideias de conjunto, organicidade, e funcionamento se apresentam como constantes e permitem a dialética entre o que é diverso, mas simultaneamente interdependente entre si, contudo formando um todo complexo ou unitário" (Ib., p. 41).

Ver, pois, uma formação social como sistema é um instrumento de análise, ou seja, uma forma analítica de perceber uma realidade concreta.

O sistema social (sócio-econômico-político-ecológico-cultural-religioso) é entendido, por sua vez, como uma estrutura de relações humanas objetivas. De fato, o significado de estrutura vincula-se à ideia de sistema. A estrutura é "a forma pela qual se articulam as partes de um sistema, como o tipo de relação e combinação que estas partes mantêm entre si e com o todo, como também o tipo de relação e de combinação do todo com as partes" (Ib., p. 47).

O conceito de estrutura, portanto, se inter-relaciona com o de sistema. Em certo sentido, o sistema é uma estrutura e a estrutura é um sistema.

A noção de estrutura é ligada à de conjuntura. A conjuntura é a maneira como a estrutura se manifesta (se concretiza) em determinado momento histórico. "A conjuntura é entendida como o estado momentâneo da estrutura, a maneira como num determinado momento os fatores se combinam para influenciar os acontecimentos. O termo conjuntura é empregado para designar o conjunto de elementos que mudam com mais frequência, quando comparados ao conjunto de elementos que são mais estáveis dentro do sistema" (Ib., p. 52).

            (Continua no próximo artigo)


Compartilhando:

Editora Lutas Anticapital: Marília - SP, 2023 (p. 384)



Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 04 de dezembro de 2023

 


terça-feira, 14 de novembro de 2023

A Comunidade mãe de todas as Comunidades

 


Neste ano, a Festa litúrgica da “Dedicação da Basílica de São João do Latrão” (09/11) e os comentários sobre ela, suscitaram em mim o premente desejo de esclarecer pontos que são fundamentais, fazendo algumas reflexões teológico-pastorais a respeito da Igreja.

À luz do Evangelho, a “mãe e cabeça de todas as Igrejas” não é (como se costuma dizer) a Basílica de São João do Latrão, mas a primeira Comunidade cristã dos Atos dos Apóstolos, que devia ter sido - e que ainda deve ser - o referencial das Comunidades cristãs em todos os tempos e em todos os lugares.

A Basílica de S. João do Latrão, a primeira Igreja construída pelo imperador Constantino no século 4º em Roma (certamente não foi de graça e houve uma contrapartida), “representa” a mãe e a cabeça de todas as Igrejas que, no decorrer da história, esqueceram o Evangelho - sobretudo sua dimensão profética - e aderiram ao Poder dominante e opressor do Povo, fazendo aliança com o Imperialismo e, posteriormente, com o Feudalismo, com o Escravismo e com o Capitalismo.

A palavra “cátedra” - que não existe no Novo Testamento - é outro sinal de poder copiado do Imperialismo. Pedro nunca teve cátedra e nunca sentou em cátedra, a não ser na “cátedra da Cruz”, na qual - segundo a tradição - pediu para ser crucificado de cabeça para baixo, porque não se achava digno de ser crucificado do mesmo modo de Jesus.

O que realmente tem valor são as Comunidades cristãs dos seguidores e seguidoras de Jesus. Seus membros podem se encontrar, reunir e celebrar em diferentes lugares: nas casas (como as primeiras Comunidades Cristãs e, hoje, as Comunidades Eclesiais de Base - CEBs); em Centros Comunitários (também como as Comunidades Eclesiais de Base e os Grupos dos Movimentos Sociais Populares); e em Igrejas (templos) simples e pobres. Todos esses lugares convidam seus membros ao recolhimento, à meditação, à oração, à celebração do Mistério Pascal na Vida e da Vida no Mistério Pascal e à partilha de irmãos e irmãs.

No primeiro retrato da Comunidade cristã, os Atos dos Apóstolos afirmam: “Eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos Apóstolos (não diz: na submissão ao poder dos Apóstolos), na comunhão fraterna (de irmãos e irmãs), no partir do pão e nas orações”. “Todos e todas os e as que abraçaram a fé eram unidos e unidas e colocavam em comum todas as coisas” (At 2,42.44).

As Igrejas de luxo (cheias de cálices, ostensórios e outros objetos de ouro), que começaram a ser construídas a partir de Constantino, depois da aliança da Igreja com o Poder imperial; as Igrejas palanques teatrais e as Igrejas triunfalistas não têm nada a ver com Jesus de Nazaré e seu Evangelho.

A bem da verdade, a Basílica de São João do Latrão “representa” o começo da aliança da Igreja com o Poder Imperial e sua submissão aos interesses desse Poder.

Os sinais visíveis da presença de Cristo no mundo são, antes de tudo, as Comunidades cristãs. As Igrejas ou templos de pedra - desde que sejam simples e pobres - podem também se tornar sinais visíveis da presença de Cristo, por serem lugares - além de outros - de encontro das Comunidades Cristãs.

A Igreja que quer se impor pelo poder triunfalista não é a Igreja de Jesus de Nazaré. Basta lembrar a tiara do papa (três coroas, que representam três poderes: o real, o imperial e o eclesiástico: o maior), a farisaicamente chamada “sagrada púrpura” dos cardeais, as mitras dos bispos, as cátedras episcopais, as vestimentas luxuosas, os palácios episcopais (que tinham acabado, mas que - tudo demonstra - estão voltando). Esses sinais de poder vêm do Império e não do Evangelho.

A Igreja precisa se despojar de todas as formas de poder e voltar as fontes do Novo Testamento e dos Padres da Igreja.

Como caminhos para esse fim, apresento algumas propostas:

1- Que todos os ministros e todas as ministras da Igreja - inclusive papa, bispos e padres - vivam de maneira simples e pobre (a pobreza virtude e não a pobreza miséria) como irmãos e irmãs.

2- Que a Comunidade do Bispo da Igreja que está em Roma (o Papa) seja uma das Comunidades mais pobres da Igreja: sinal da unidade de todas as Comunidades da Igreja em Roma e no mundo inteiro

3- Que a Comunidade de todos os Bispos das Igrejas Particulares, que estão nos mais diferentes lugares do mundo, seja também uma das Comunidades mais pobres de suas Igrejas: sinal da unidade de todas as Comunidades dessas mesmas Igrejas.

4- Que na Igreja do mundo inteiro acabem todos os títulos honoríficos, inclusive os Cardeais e as Catedrais, que lembram o poder da Cátedra.

(Observação: Os títulos acadêmicos não devem ser considerados títulos honoríficos; eles indicam somente a área de conhecimento, na qual determinados cristãos e determinadas cristãs estão mais preparados e preparadas para servir os irmãos e as irmãs).

5- Que acabe o Estado do Vaticano. Jesus não veio fundar um Estado.

6- Que a Igreja dê testemunho de partilha e irmandade, e seja livre para advertir e denunciar todo tipo de abuso do poder social (sócio-econômico-político-ecológico-cultural-religioso) contra os Pobres.

7- Por fim, que a Igreja viva realmente as palavras de Jesus “Digam apenas ‘sim’, quando é ‘sim’; e ‘não’, quando é ‘não’. O que vocês disserem além disso, vem do Maligno” (Mt 5,37). À luz dessas palavras de Jesus, podemos dizer que toda diplomacia na Igreja - inclusive a diplomacia que envolve a nomeação dos bispos (que deveriam ser eleitos nas Igrejas Particulares) vem do maligno.

(Observação: Apesar de todos os “segredos”, devido a alguns serviços que prestei à Igreja, tomei conhecimento de fatos da diplomacia eclesiástica, que são de arrepiar os cabelos e que com certeza vem do Maligno. O pior é que, às vezes, a Igreja hipocritamente atribui esses fatos à ação do Espírito Santo).

Meditemos! Sejamos a Igreja de Jesus de Nazaré! 



Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 13 de novembro de 2023


A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos