domingo, 26 de janeiro de 2025

Imoralidades públicas “desavergonhadas”

 



No final do mês de dezembro passado - tendo presente que 60% dos trabalhadores brasileiros/as vivem com até um salário mínimo mensal (R$ 1.518,00) e que 70% ganham no máximo dois salários mínimos mensais (R$ 3.000,36) - denunciei, como imoralidade pública “desavergonhada”, a aprovação (26/12/24) pelos Vereadores da Câmara Municipal de Goiânia de um auxílio-representação de R$ 6.900,95, um terço do salário de R$ 20.702,85, que já recebiam, num total de R$ 27.603,80. Só um Vereador, Fabrício Rosa (PT), renunciou publicamente ao auxílio e merece a nossa solidariedade.

A lista das imoralidades públicas “desavergonhadas” - legalizadas e institucionalizadas - continua e tudo indica que não vai terminar tão cedo. Faz parte da lógica perversa e cruel da sociedade capitalista neoliberal. Em nome do deus dinheiro tudo é permitido.

Denuncio mais dois casos estaduais de imoralidade pública “desavergonhada”, que são de um cinismo inacreditável: um roubo legalizado e institucionalizado do dinheiro dos Pobres.

Primeiro caso: na Folha de pagamento de dezembro de 2024 da Companhia de Urbanização de Goiânia (COMURG), 25 funcionários receberam um salário bruto maior que o do Prefeito (R$ 35 mil). O valor dos 10 maiores salários vai de R$ 47,7 mil até R$ 97,1 mil (cf. O Popular, 16 de janeiro de 2025, p. 11. Fonte: Portal da Transparência da Prefeitura de Goiânia).

Segundo caso: “ALEGO paga novo auxílio de R$ 11 mil a todos os deputados” (O Popular, 22 de janeiro de 2025, pág. 4. Manchete).

“A Assembleia Legislativa de Goiás (ALEGO) pagou a todos os Deputados Estaduais, sem exceção, a gratificação de R$ 11,5 mil criada no apagar das luzes dos trabalhos em 2024, de maneira retroativa ao dia 1º do mês passado. O valor aumentado pelo auxílio-representação consta da Folha de pagamento referente aos salários de dezembro, de acordo com o Portal de transparência da Casa” (Ib.). Com a nova gratificação, o salário bruto dos Deputados passou de R$ 39,496,77 para 50,498, 90 em dezembro passado.

Pergunto: O fim da Política - e também da Política partidária - não é o Bem Comum, ou seja, o bem de todos e de todas? (Política vem de “polis”: cidade; seu fim é o bem da cidade). Onde está a preocupação da grande maioria dos nossos Vereadores e Deputados com o bem comum?

As injustiças estruturais - legalizadas e institucionalizadas - são gritantes. Por exemplo: “População em situação de rua no Brasil cresce 25% em um ano” (O Popular, 03 de janeiro de 2025, pág. 11. Manchete): “de 261.653 pessoas em dezembro de 2023 para 327.925 no final do ano passado” (Ib.). São dados do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Será que a maioria dos nossos Vereadores e Deputados está preocupada com essa realidade? Não parece!

No dia 16 de fevereiro completam 20 anos do maior e mais perverso despejo de toda a história do Brasil: o da Ocupação Sonho Real do Parque Oeste Industrial, em Goiânia. O despejo foi uma verdadeira operação de guerra de uma iniquidade e crueldade inimagináveis: duas mortes reconhecidas, muitos feridos, inúmeras crianças traumatizadas e quase mil pessoas detidas. Numa hora e meia cerca de 14.000 pessoas foram jogadas na rua da forma mais brutal possível. Eu vivi isso de perto! Não dá para acreditar que o Ser humano seja capaz de tanta maldade! 20 anos de impunidade!

Os nossos Vereadores e Deputados estão preocupados em fazer a memória de um fato como esse, para que nunca mais aconteça? E a respeito do direito à moradia digna para todos e para todas, o que os nossos Vereadores e Deputados dizem e fazem?

Por que esses Vereadores e Depudados não votam “auxílios” para os Movimentos Populares que lutam pelos Direitos à Terra, Teto (Moradia) e Trabalho? (os três T do Papa Francisco).

E, em nível nacional, o que dizer?

“Os salários dos Ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) chegaram a R$ 419 mil líquidos em dezembro de 2024. Treze vezes mais que o teto do funcionalismo público - hoje em R$ 32 mil deduzidos impostos e contribuição social. Ao todo foram pagos aproximadamente R$ 10 milhões em salários” (https://www.cnnbrasil.com.br/politica/supersalarios-ministros-do-tst-receberam-ate-r-419-mil-em dezembro/).

“Os salários dos Ministros do Superior Tribunal Militar (STM) foram turbinados no mês de dezembro. De R$ 41.808,09 de remuneração básica, houve integrante da corte que recebeu R$ 318.580,38 líquidos. É o caso do ministro general Odilson Sampaio Benzi, que recebeu o maior montante” (https://www.cnnbrasil.com.br/politica/supersalarios-ministros-do-stm-recebem-mais-de-r-300-mil-em-penduricalhos/).

“No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a remuneração de maior valor de um Ministro no período foi de R$ 119 mil líquidos. De acordo com dados do painel, a média de dezembro entre os magistrados da corte ficou em R$ 88 mil” (https://www.google.com/search?q=Sperior+Tribunal+de+Justi%C3%A7a+-+STJ+-+Sal%C3%A1rio+de+88mil%3F&rlz=1C1CHZN_pt-). Sem palavras!

A luta continua! A esperança nunca morre!



ALEGO - Foto: Sérgio Rocha


Marcos Sassatelli Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282
https://freimarcos.blogspot.com/ 

Goiânia, 24 de janeiro de 2025


sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Ocupação “Sonho Real”: um despejo diabólico

 


20 anos de impunidade

Todo ano, no dia de 16 de fevereiro, não podemos deixar de fazer a memória do despejo diabólico dos Moradores - cerca 14 mil pessoas (4 mil famílias) - da Ocupação “Sonho Real”, no Parque Oeste Industrial, em Goiânia - GO, para que tamanha iniquidade humana nunca mais aconteça.

À época, o Governador Marconi Perillo tinha prometido publicamente - numa entrevista coletiva, na qual eu estava presente - que não iria mandar retirar as famílias da Ocupação “Sonho Real” e que estava decidida a desapropriação da área. Inclusive, tratava-se de uma área com todas as condições legais para que acontecesse a desapropriação.

Apesar de ter publicamente empenhado sua palavra (os Moradores fizeram até festa), Marconi Perillo, pressionado pelos donos das grandes Imobiliárias de Goiânia - os que realmente mandam na capital - foi covarde, não manteve a palavra dada e voltou atrás. Por ser bastante valorizada, a área da Ocupação “Sonho Real” tinha se tornado objeto de “especulação imobiliária” dos adoradores do deus dinheiro.

De 6 a 15 de fevereiro de 2005, de 0 às 6h (reparem o horário!), a Polícia Militar do Estado de Goiás começou a ação violenta da chamada “reintegração de posse”. Cínica e maldosamente, recebeu o nome de "Operação Inquietação". Foram dez dias de tortura física e psicológica coletiva. Cercou a área com viaturas, impediu a entrada e a saída de pessoas e cortou o fornecimento de energia elétrica. Com as sirenes ligadas, com o barulho de disparos de armas de fogo, com a explosão de bombas de efeito moral (ou melhor: de “efeito imoral”!), gás de pimenta e lacrimogêneo, a Polícia Militar promoveu o terror entre os Moradores da Ocupação e provocou traumas psicológicos nas crianças. Que perversidade! Que crueldade! Nenhuma lei permite uma Operação noturna criminosa como essa.

Depois da “Operação Inquietação”, no dia 16 de fevereiro de 2005, a Polícia Militar do Estado de Goiás realizou uma verdadeira Operação Militar de Guerra, que também - cinica e maldosamente - foi chamada "Operação Triunfo". Em uma hora e quarenta e cinco minutos, cerca de 14 mil pessoas (4 mil famílias) foram despejadas de suas moradias de maneira violenta, truculenta e sem nenhum respeito pela dignidade da pessoa humana. A Operação Militar produziu duas vítimas fatais (Pedro e Vagner), 16 feridos à bala, tornando-se um desses paraplégico (Marcelo Henrique) e 800 pessoas detidas (suspeita-se com razão que o número de mortos e feridos seja bem maior).

Já disse e reafirmo: nessas Operações Militares criminosas e imorais - mesmo que hipocritamente legalizadas - todos os Direitos Humanos fundamentais foram gravemente violados: o Direito à Vida, o Direito à Moradia, o Direito ao Trabalho, o Direito à Saúde, o Direito à Alimentação e à Água, os Direitos das Crianças e dos Adolescentes, os Direitos das Mulheres, os Direitos dos Idosos e os Direitos das Pessoas com Necessidades Especiais.

Depois do despejo forçado e violento, e depois de passar uma noite acampadas na Catedral de Goiânia - onde aconteceu também o velório de Pedro e Vagner num clima de muita indignação e sofrimento - cerca de mil famílias (aproximadamente 2.500 pessoas), que não tinham para onde ir, ficaram alojadas nos Ginásios de Esportes dos Bairros Novo Horizonte e Capuava (por mais de três meses) e, em seguida, no Acampamento do Grajaú (por mais de três anos) como verdadeiros refugiados de guerra.

 Nesse período, diversas pessoas - sobretudo crianças e idosos - morreram em consequência das condições subumanas de vida, vítimas do descaso do Poder Público do Estado de Goiás e da Prefeitura de Goiânia. Foi o maior despejo (14 mil pessoas), o mais iniquo, o mais perverso e o mais cruel de toda a história de Goiânia, de Goiás e do Brasil cometido pelo Poder Público.

Em 16 de fevereiro deste ano de 2025, a “Operação Triunfo” - apesar de muitos esforços no sentido de exigir a “federalização do caso” e a justiça - completa 20 anos de impunidade. Que vergonha para a Justiça de Goiània, de Goiás e do Brasil! Quem pode acreditar nessa Justiça!

Os responsáveis por tamanha iniquidade, praticada contra os Pobres, aguardem a justiça de Deus!  Ela pode tardar, mas nunca falha!

“Vivemos - diz o Papa Francisco - em cidades que constroem torres, centros comerciais, fazem negócios imobiliários..., mas abandonam uma parte de si nas margens, nas periferias. Como dói escutar que as Ocupações pobres são marginalizadas ou, pior, quer-se erradicá-las! São cruéis as imagens dos despejos forçados, dos tratores derrubando barracos, imagens tão parecidas às da guerra. E isso se vê hoje” (Discurso de Francisco aos Movimentos Populares, outubro de 2014). Os Direitos à Terra, ao Teto (Moradia) e ao Trabalho (os três T) - diz ainda o Papa Francisco - são Direitos sagrados de todos e de todas.

Infelizmente, em nossa sociedae capitalista neoliberal, os Moradores das Ocupações são tratados como se fossem lixo degradável. O lixo reciclável é muito melhor tratado. Meditemos!

Como já disse outras vezes, mas nunca é demais repetí-lo, todo despejo é injusto e - se tiver liminar de juiz - é mais injusto ainda, porque torna-se uma injustiça legalizada e institutiainda.

Os adoradores do deus dinheiro lembrem que - do ponto de vista humano e ético - todo terreno urbano “largado” para futura especulação imobiliária e todo terreno ou latifúndio rural improdutivo e sem função social são de quem precisa deles para morar e/ou trabalhar.

Só existem três casos nos quais os Moradores das Ocupações podem ser removidos (digo, removidos, não despejados) com toda dignidade e respeito. Primeiro, se a área ocupada representa perigo de vida para os Moradores. O Poder público é obrigado a remover os Moradores imediatamente, mesmo que precise pagar o aluguel social para as famílas. Segundo, se a área ocupada for de utilidade pública, mas - nesse caso - somente depois que outras moradias dignas estiverem prontas para serem ocupadas pelas famólias a serem removidas. Terceiro, se a área ocupada for de preservaçao ambiental, mas nas mesmas condições do segundo caso.

Por fim, que a memória dos principais fatos, ocorridos antes, durante e depois do despejo dos Moradores da Ocupação “Sonho Real”, fortaleça o nosso compromisso com a construção de uma Nova Sociedade: a Sociedade do “bem-viver” e do “bem-conviver”, que é um “Mundo Novo” e, à luz da Fé, o Reino de Deus acontecendo na história do Ser humano e da Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum. O “Sonho Real” está vivo! Ele continua! É o nosso sonho!

(Veja no Facebook o Documentário: “Sonho Real: uma história de luta por moradia” do Coletivo da Mídia Independente - Goiânia - GO)                                                                                                             


Marcos Sassatelli - Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282

https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 10 de janeiro  de 2025




Foto: Arquivo/Jornal A Verdade      











O Ser humano meta-histórico

 


(Dando continuidade aos anteriores, neste artigo começamos a refletir sobre o Ser humano meta- histórico)

Vimos que o Ser humano - por “ser-no-mundo-com-o-mundo”, ou seja, por ter consciência de ser-no-mundo - é um ser histórico, situado (no espaço) e datado (no tempo). A historicidade marca o Ser humano todo, mas não é (não constitui) a totalidade do Ser humano.

O Ser humano histórico, "por um lado, experimenta-se limitado de muitas maneiras, por outro lado, sente-se ilimitado (infinito) em seus desejos e chamado a uma vida superior" (Conc. Vat. II. A Igreja no mundo de hoje - GS, 10).

O Ser humano, portanto, percebe-se a si mesmo como um ser meta-histórico. A dimensão da meta-historicidade, é constitutiva do Ser humano.

Por sua condição existencial, o Ser humano histórico é - “já e ainda não” - um Ser humano meta-histórico. Pela “presença ontológica” ou “presença criadora” de Deus, o Ser humano histórico é essencialmente voltado (tende, anseia, aspira, orienta-se, projeta-se) para o meta-histórico. Ele meta-historiciza-se (supera-se, transcende-se) dialética e permanentemente, passando de um momento histórico para outro - melhor ou pior - até à meta-historicização absoluta (total) para “além da Morte” (além do tempo e do espaço): “Vida plena” ou “Morte plena”.

A meta-historicização absoluta do Ser humano histórico - como “Vida plena” - é a afirmação do "humano" em sua plenitude, é a humanização plena (Vida eterna, Páscoa definitiva, Plenitude da Ressurreição, Plenitude do Reino de Deus, Plenitude da Felicidade, Salvação eterna, Céu, Paraíso).

Em outras palavras, é a realização plena do Ser humano histórico em todas as suas dimensões e relações; é a convergência - cabal, final e máxima - de todas as suas possibilidades, de todos os seus anseios (desejos), de todas as suas aspirações e buscas concretas (reais); é o seu amadurecimento pleno no bem, sua abertura radical no amor, seu mergulho definitivo no mistério de Deus (que é Amor, Comunidade de Amor, Santíssima Trindade); é a satisfação absoluta de sua sede de Infinito.

É o Ser humano histórico que - de tão humano - se torna plenamente divino e - de tão divino - se torna plenamente humano.

Quando o Ser humano histórico se estabiliza (se fixa) no bem (no amor) e morre (passa do tempo para a eternidade) nesta condição, entra num estado definitivo de realização plena (total) de sua existência humana, que se torna uma existência carregada (cheia) de sentido (Vida eterna, Plenitude do Reino de Deus, Plenitude da Felicidade, Salvação eterna, Ceu, Paraiso).

A meta-historicização absoluta (total) do Ser humano histórico - como “Morte plena” - é a negação do "humano" em sua plenitude, é a desumanização plena (Morte eterna, Plenitude do Anti-Reino de Deus, Plenitude da Infelicidade, Perdição eterna, Inferno).

É a frustração (não-realização) total do Ser humano histórico em todas as suas dimensões e relações; é a não-convergência - cabal, final e máxima - de todas as suas possibilidades, anseios (desejos), aspirações e buscas concretas (reais); é o seu endurecimento pleno no mal, seu fechamento radical no egoísmo (desamor) e na auto-suficiência, sua rejeição definitiva do mistério de Deus.

É a falta de satisfação absoluta da sede de Infinito do Ser humano histórico. Quando o Ser humano histórico se estabiliza (se fixa) no mal e morre nesta condição, entra num estado definitivo de frustração absoluta (total) de sua existência, que se torna uma existência absurda, sem sentido.

(Cf. BOFF, L. Vida para além da Morte. Vozes, Petrópolis, 1973, p. 67-97. Para uma visão mais aprofundada da "questão da morte" do ponto de vista teológico (cristão), ver também: LIBÂNIO, J. B. e BINGEMER, M. C. L. Escatologia cristã. Vozes, Petrópolis, 1985).

São estas as duas "possibilidades" do Ser humano meta-histórico, mas sua "vocação ontológica" (a vocação que recebeu do Criador) é a meta-historicização como “Vida”, até à meta-historicização total (absoluta) como “Vida plena” ("ser mais" até "ser plenamente"). A meta-historicização como “Morte”, até à meta-historicização total (absoluta) como “Morte plena” é uma distorção dessa vocação.

Por fim, antes de terminar, sinto a necessidade de fazer, desde já, um esclarecimento: por Deus ser Amor - embora a “Morte Plena” seja para o Ser humano meta-histórico uma possibilidade ontológica - não acredito que ela aconteça de fato. Ao contrário, acredito que Deus dá a todos e todas - mesmo que seja no último momento de sua existência histórica - a possibilidade de fazer um ato de amor tão grande que muda totalmente sua vida.

Por experiência, ninguem de nós - criados à imagem e semelança de Deus por amor e para amar - ficaria feliz sabendo que um irmão (ou uma irmã), mesmo que tenha sido o maior criminoso do mundo, vive num estado de frustração e sofrimento por toda a eternidade.

(No final de nossas reflexões sobre o Ser humano meta-histórico, voltaremos sobre o assunto)

            

                

 

Marcos Sassatelli - Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282

https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 10 de janeiro  de 2025



               


                                                                                                                                                 

O artigo foi publicado originalmente em:

https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-meta-historico/ (28/12/24)


terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Vereadores de Goiânia: R$ 27.603,80 - Salário mínimo do Brasil: R$ 1.518,00

 


O título fala por si só! É uma afronta! É um pontapé na cara dos Pobres! É uma violência legalizada e institucionalizada que - nas pessoas com um mínimo de sensibilidade humana - suscita uma profunda indignação.

Uma realidade como essa monstra que o Sistema Capitalista Neoliberal - estruturalmente desumano e antiético - é de uma iniquidade e perversidade diabólicas. Sua hipocrisia é de fazer inveja aos fariseus!

60% dos trabalhadores brasileiros/as vivem com até um salário mínimo mensal: R$ 1.518,00; 70% ganham no máximo dois salários mínimos mensais: R$ 3.000,36.

Em total contraste com essa reaidade, os Vereadores de Goiânia, que já têm um salário mensal de R$ 20.702,85, no dia 26 deste mês de dezembro/24, aprovaram - um bônus de um terço do salário, ou seja, R$ 6.900,95, que - somado ao salário - dá a quantia de R$ 27.603,80.

Por incrível que pareça, só dois Vereadores do PT se posicionaram contra o bônus: Kátia Maria e Fabrício Rosa. Esse último criticou a manobra durante a sessão dizendo: "Se as vossas excelências (e que “excelências”!) não estão conseguindo trabalhar com todos os privilégios, com todas as benesses, tem alguma coisa errada na política". Parabéns Kátia e Fabrício!

No dia 27 deste mesmo mês, o bônus teve a aprovação da Comissão de Constituição e Justiça (e que “justiça”!) da Câmara Municipal.

Por fim, no dia 30 deste mesmo mês ainda, o bônus foi aprovado de forma definitiva no plenário da Câmara Municipal em sessão extraordinária, com os votos contrários dos dois  Vereadores acima citados e mais dois: Aava Santiago (PSDB) e Sargento Novandir (MDB).

Que vergonha! Não dá mais para aguentar! Precisamos dar um “basta” a essa podridão política! Um dia - acredito eu - chegaremos a um “basta radical”, transformando a “prática político-partidária” em prática de voluntariado como a “prática sindical” e a “prática popular”. Isso acontecendo, os Políticos - que certamente serão bem diferentes - viverão de seu trabalho profissional. Só serão pagos - com salário mensal - os trabalhadores e trabalhadoras que, na Política Partidária, prestarão serviços de secretária e de administração. Um dia chegaremos lá!

Atualmente, até a maioria dos Partidos Políticos - que se dizem de esquerda - são Reformistas. Seus Governos não têm a preocupação de abrir caminhos novos, dando os passos históricos possíveis, para mudar o Sistema Capitalista Neoliberal Dominante, mas querem simplesmente oferecer algumas “balinhas” aos Pobres - sempre com promessas de mais “balinhas” - para que fiquem contentes com sua “doçura”, não façam greves e não se revoltem contra o Sistema, que os mata aos poucos e - o que é pior - legalmente.

Com essa política, que visa “adoçar” a vida sofrida da grande maioria do nosso Povo, os Governos dos Partidos Políticos Reformistas acabam reproduzindo - com alguns retoques - o Sistema Capitalista Neoliberal dominante. Suas estruturas não ficam minimamente abaladas, mas - ao contrário - fortalecidas.

Os Governos dos Partidos Políticos Populares - para serem coerentes - não podem e não devem fazer “Aliança” - que é “Comunhão de Projetos” - com os Governos Capitalistas Neoliberais, cada dia mais crueis. Do ponto de vista ético, só podem e devem fazer - em casos especiais - “acordos pontuais” para aliviar e, se possível, resolver situações de degradação humana e de sofrimento, que não podem esperar a mudança do Sistema.

Apesar de todas as ambiguidades e traições políticas, temos consciência que - mesmo com suas diferenças - são somente as Forças Sociais Populares (Partidos Políticos Populares, Síndicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras, Movimentos Populares, Comitês ou Fóruns de Defesa dos Direitos Humanos e de Cuidado para com a Irmã Mãe Terra, Nossa Casa Comum e Outras) que, unidas e organizadas, têm condições de dar passos históricos concretos rumo ao Projeto Político Popular, igualitário, comunitário, justo, sem classes: um Projeto político de Irmãos e Irmãs, que é o verdadeiro Socialismo. É o Projeto pelo qual nós lutamos. É o Projeto de Jesus de Nazaré, que - infelizmente - a maioria dos que se dizem seus seguidores e seguidoras não vivem e, muitas vezes, deturpam para legitimar “hipócrita e religiosamente” um Projeto Político totalmente desumano.

Hoje - como diz o Papa Francisco - os Pobres não são somente “excluídos”, mas “descartados”, ou seja, não são nem “lixo reciclável”, mas “lixo descartável”.

A caminhada é longa, mas a luta continua!  Esperançar é preciso! Um Ano Novo muito Feliz e de muitas vitórias!

 

Marcos Sassatelli - Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282

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Câmara Municipal de Goiânia - Setor Central - Goiânia - GO

                                    Foto: Vanessa Chaves/G1



sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Viver o Natal de Jesus hoje

 


“Eu vim para que todos e todas tenham vida e a tenham em abundância” (Jo10,10).  Essas poucas palavras nos dizem, de maneira muito clara, porque Jesus veio ao mundo e qual foi a sua missão. Fica a pergunta: que caminho Jesus escolheu para fazer isso?

Como já disse outras vezes - e não me canso de repetir - no Natal e em toda sua vida - Jesus teve lado, o lado dos Pobres: os oprimidos, os excluídos, os descartados e todos aqueles e aquelas que - na sociedade - não tinham voz e não tinham vez. Desde o nascimento até a morte na cruz, Jesus sempre se identificou e solidarizou com os Pobres, incluindo a Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum. Vejamos!

Tudo indica que - ainda no seio de sua mãe Maria e com seu pai José - Jesu foi “morador de rua”. Para cumprir o decreto de recenseamento, ordenado pelo imperador Augusto, “José, que era da família e descendência de Davi, subiu da cidade de Nazaré, na Galileia, até à cidade de Davi, chamada Belém, na Judeia, para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida” (Lc 2,4-5). Antes que alguém - vendo a situação - abrisse um estábulo para Maria dar à luz - ela deve ter perambulado e dormido, com seu esposo José, nas ruas de Belém.                                                                                                                   

Com certeza, Jesus nasceu como “sem-teto”. Enquanto Maria e José estavam em Belém, “completaram-se os dias para o parto. Ela deu à luz seu filho primogênito. Envolveu-o em panos e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles dentro da casa” (Ib. 2,6-7).

Os primeiros que receberam a Boa Notícia do nascimento de Jesus foram os pastores - que eram os “sem-terra” da época - malvistos e desprezados pelos poderosos, porque ocupavam os campos com seus rebanhos de ovelhas. Segundo uma Lei daquele tempo, um pastor não podia ser testemunha em Tribunal. Não era considerado pessoa idônea.

O mensageiro de Deus disse aos pastores: “Não tenhais medo! Porque eis que lhes anuncio a Boa Notícia, uma grande alegria para todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vocês um Salvador, que é o Messias e Senhor” (Ib. 2,10-11).

Jesus recebeu a visita dos magos, sábios e estudiosos da natureza, que representavam todos os povos de todas as culturas. “Quando entraram na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Ajoelharam-se diante dele e lhe prestaram homenagem” (Mt 2,11).

Ainda criança, Jesus foi “migrante e refugiado” no Egito por causa da ganância de Herodes que queria matá-lo. O mensageiro de Deus falou em sonho a José: “Levante-se, pegue o menino e a mãe dele, e fuja para o Egito. Fique aí até que eu lhe avise, porque Herodes vai procurar o menino para matá-lo. Ele se levantou, e de noite pegou o menino e a mãe dele, e foi para o Egito. E aí ficou até a morte de Herodes” (Mt. 2,13-15).

Em sua vida anônima, Jesus foi carpinteiro com seu pai José. A respeito de Jesus, as pessoas diziam: “De onde vêm essa sabedoria e esses milagres? Esse homem não é o filho do carpinteiro?” (Ib. 13,54-55). “Esse homem não é o carpinteiro?” (Mc 6,3).

Em sua vida pública - anunciando a Boa Notícia do Reino de Deus - Jesus foi sempre próximo e entranhadamente solidário com os Pobres. Como exemplo, cito o caso do homem com a mão direita seca. “Jesus disse ao homem: ‘Levante-se e fique no meio’. ‘Estenda a mão’. O homem assim o fez e sua mão ficou boa” (Lc 6,8.10).

Jesus denunciou, com profunda indignação, a hipocrisia dos doutores da Lei e dos fariseus. “Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e podridão! Assim também vocês: por fora parecem justos diante dos outros, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e injustiça” (Mt 23,27-28).

Na última Ceia, Jesus lavou os pés dos discípulos. “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim (Jo 13,1). “Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos” (Jo 15,13).

Jesus foi preso e acusado de “subverter” o povo. “Achamos este homem fazendo subversão entre o nosso povo” (Lc 23,2). Foi morto na cruz como criminoso. “Jesus deu um forte grito: ‘Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito’. Dizendo isso, espirou” (Ib. 23,46).

Jesus - o Libertador, o Salvador, o Filho de Deus - ressuscitou dos mortos. Às mulheres, angustiadas por não ter encontrado o corpo de Jesus no túmulo, os mensageiros de Deus disseram: “Por que vocês estão procurando entre os mortos aquele que está vivo? Ele não está aqui! Ressuscitou!’” (Ib. 24,5-6).

Jesus enviou o Espírito Santo aos discípulos e discípulas. “Ele lhes disse: ‘A paz esteja com vocês. Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês’. Tendo falado isso, soprou sobre eles e elas, dizendo: ‘Recebam o Espírito Santo’” (Jo 20,21-22).

Jesus Ressuscitado continua vivo na Comunidade dos seus seguidores e seguidoras. “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei aí no meio deles” (Mt 18,20). E ainda: “Eu estarei com vocês todos os dias, até o fim dos tempos” (Ib. 28,20).

Por fim, pergunto: O que significa viver o Natal de Jesus no mundo de hoje, tão desigual e tão injusto? Se somos seguidores e seguidoras de Jesus, não devemos fazer hoje o mesmo caminho que Jesus fez em sua época? Não devemos “ter o lado dos Pobres” para que - a partir deles e delas e junto com eles e elas - todos e todas “tenham vida e vida em abundância”?

Para a Igreja, a “Opção pelos Pobres” não é “preferencial” (uma alternativa entre duas ou mais alternativas), mas é única; é o caminho “desde a manjedoura”, o caminho de Jesus, o caminho que leva à Vida, à verdadeira Vida. “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6)). Todos e todas - inclusive os ricos - são convidados e convidadas a mudar de vida, praticar a partilha e entrar nesse caminho.

Que o Natal de Jesus seja hoje o nosso Natal! São estes os meus sinceros votos a todos os Irmãos e Irmãs, Companheiros e Companheiras de caminhada. Um Ano 2025 de muitas lutas e vitórias.

 

Marcos Sassatelli - Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282

https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 20 de dezembro de 2024


Paróquia Nossa Senhora da Terra - Jardim Curitiba 3 - Goiânia - GO - 2021


segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Ditadura nunca mais!



 O dia 10 de dezembro deste ano de 2024 - Dia Internacional dos Direitos Humanos - foi um Dia de Mobilização Nacional.

Milhares de pessoas foram às ruas “em mais de 40 cidades do norte ao sul do país para participarem dos Atos ‘Sem Anistia’. Os manifestantes pediram a punição para os que tentaram dar um Golpe de Estado, além de planejarem os assassinatos do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes” (https://www.cut.org.br/noticias/sem-anistia-nas-ruas-do-pais-manifestantes-pedem-prisao-para-os-golpistas-da65)

Os principais objetivos da Mobilização Nacional foram: combater o golpismo e a violência policial (que aumenta a cada dia que passa); defender a democracia; prender os golpistas e lutar contra a carestia da vida

Sem anistia para os golpistas! Prisão para Bolsonaro e seus cúmplices, já! Pela vida, pela justiça, pela democracia e pela soberania popular!

Em Goiânia, o evento foi convocado pelo Fórum Goiano em Defesa dos Direitos, da Democracia e da Soberania, e pelas Centrais Sindicais Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo. Aconteceu às 16h, em frente ao prédio do Ministério Público Federal (MPF), com boa participação.

Além de outros, os temas destacados pelos que se manifestaram foram: o respeito às instituições democráticas e à soberania do voto popular. Um carro de som foi estacionado na frente do MPF, chamando a atenção das pessoas que passavam pela avenida Olinda, ao lado da Assembléia Legislativa do Estado de Goiás (ALEGO).

A Central Única dos Trabalhadores e das Trabalhadoras de Goiás (CUT-GO) marcou presença. Foi representada por seu vice-presidente, Ademar Rodrigues, e por seu secretário de administração e finanças, Napoleão Batista, com falas contundentes em defesa do Estado democrático de direito e da ordem constitucional democrática, contra a ação criminosa dos golpistas: Bolsonaro e companhia limitada.

Devido ao espaço de um artigo, entre as muitas cidades onde aconteceu o Ato, cito - além de Goiânia - somente São Paulo. No Ato organizado pela CUT, as Frentes Brasil Popular e Povo sem Medo e outros Movimentos Sociais Populares, o secretário de Relações do Trabalho, da CUT Brasil, Sérgio Antiqueira declarou que a sociedade não tolera mais nenhum tipo de anistia.

“O Brasil já é refém disso, Golpe após Golpe. Então, a gente não pode permitir que esse criminoso, que é o Bolsonaro, a quadrilha dele, os militares envolvidos, de todo o staff dele promovam um Golpe no Brasil, e para que isso não aconteça de novo a gente precisa deixar um recado: sem anistia!”. 

Concluiu dizendo: “O mercado financeiro está fazendo pressão contra o governo Lula, e a gente não pode deixar o governo Lula refém do mercado, dos banqueiros, e do agronegócio. Nós temos que fazer esse enfrentamento, e é assim na rua que a gente consegue” (Maria Dias, CUT-SP). 

Por fim, uma reflexão que considero fundamental. No Sistema Capitalista Neoliberal - estruturalmente irracional, desumano e antiético - o chamado “Estado Democrático de Direito” é meramente formal

Na realidade - apesar dos Movimentos Sociais Populares e Sindicatos de Trabalhadores/as conscientes e organizados - a grande maioria do nosso Povo continua ainda ideologicamente oprimida e dominada. O opressor está hospedado agradavelmente na cabeça do oprimido.

Diversas vezes eu ouvi trabalhadores e trabalhadoras, que - bem intencionados e por falta de consciência crítica - diziam: “eu não voto em pobre porque - por ser pobre - se ganhar, vai roubar mais; eu voto em rico, porque - por ser rico - se ganhar, vai roubar menos”. Exemplo: o resultado das últimas Eleições municipais.

Mesmo com todas essas limitações ideológicas, na Democracia Formal do Sistema Capitalista Neoliberal (o que não acontece num Sistema Ditatorial imposto com violências, mortes e Golpe de Estado), temos a possiblidade de realizar um Trabalho de Base de conscientização e libertação: nos Partidos Políticos Populares, nos Sindicatos de Trabalhadores/as, nos Movimentos Sociais Populares e outras Organizações Populares, e também na Igreja, sobretudo nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e nas Pastorais Sociais. 

Com esse trabalho - mesmo nas contradições históricas existentes - podemos abrir caminhos novos que - a médio e longo prazo - levam à Democracia Popular (a verdadeira Democracia) e, consequentemente, ao Sistema Político Popular.

É a nossa meta, é o nosso ideal! A luta continua! Um dia chegaremos lá!


Marcos Sassatelli  Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282

https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 15 de dezembro de 2024


                                                                                
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sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Um Poder Público Municipal criminoso

 


Nestes últimos dias, os Jornais de Goiás e as Redes Sociais nos trazem continuamente notícias chocantes a respeito da morte de pessoas por falta de vagas na UTI, apesar da luta sofrida e desesperada dos familiares para conseguir a internação. É muito doído ver irmãos e irmãs nossos serem tratados dessa forma! A indignação é sem limites! Não dá para ficarmos calados. 

Bastam poucos exemplos para perceber o grau de perversidade humana e ética da questão da Saúde Pública, em Goiânia - GO. “Duas mulheres já morreram à espera da UTI”. “Crise na Saúde Municipal, que enfrenta escassez de leitos de Unidade de Terapia Intensiva, interrompe a vida de mulheres que eram mães de crianças e tinham menos de 40 anos”. “Problema existe há pelo menos 7 meses” (O Popular, 23 e 24/11/24, p. 12).

“Idosa aguarda leito há 15 dias”. “Angústia. Ao mesmo tempo em que vê outros pacientes morrendo pela demora no encaminhamento à UTI, família de Maria Querubina, de 88 anos, luta para conseguir vaga”. “Quatro pacientes morreram durante a espera”. “Mesmo eu fazendo de tudo não saiu o leito de UTI. É um sentimento de impotência”: desabafo da esposa de um falecido (O Popular, 26/11/24, p.13).

Trata-se de cenas que são de uma maldade, iniquidade e crueldade inacreditáveis! Quem tem um mínimo de sensibilidade só pode ficar totalmente indignado: uma indignação que é humana, ética e cristã.

São crimes contra os Pobres que clamam por justiça diante de Deus. Os responsáveis diretos desses crimes são o Poder Público e - no nosso caso - o Poder Público Municipal de Goiânia nas pessoas do Prefeito e de seus Colaboradores na área da Saúde. São eles os verdadeiros criminosos.

O desrespeito, acintoso e cruel, do Poder Público aos doentes é uma das faces mais perversas da imoralidade institucionalizada (pecado social ou estrutural) de um sistema sócio-econômico-político-ecológico-cultural totalmente irracional, desumano e antiético: o sistema capitalista neoliberal. 

Mais um caso inimaginável: “Maria Ayla Pereira Silva, de um ano, tinha síndrome rara e morreu após paralização do serviço por falta de pagamento da Prefeitura” (O Popular, 28/11/24, p. 11).

Nesta maracutaia de imoralidades públicas, tivemos finalmente um ato positivo. “Cúpula da Saúde é presa após agravamento da crise. Ministério Público diz que grupo atrasava pagamentos para investidas criminosas” (Ib., 1ª página), além - é claro - de ser responsável pelas mortes acima relatadas e muitas outras. Nessa operação do Ministério Público - GO, foram presos o Secretário Municipal da Saúde, o Secretário Executivo e o Diretor Financeiro (cf. Ib. p. 13). E o Prefeito? Não é ele o responsável principal?

Neste texto, não vou discutir as causas imediatas da crise na Saúde Pública, mas lembrar que o Direito à Saúde Pública é de todos os Seres Humanos, desde os Pobres e que a responsabilidade ética para que esse Direito seja respeitado é do Poder Público. Infelizmente, no nosso caso, é o próprio Poder Público o maior violador desse Direito.

“Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários (Declaração Universal de Direitos Humanos - 1948, n. 25).

“A saúde é direito de todos/as e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (Constituição do Brasil de 1988. Art. 196).

Para os cristãos e cristãs, é sempre bom lembrar também as palavras de Jesus: “Eu vim para que todos e todas tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

Nos casos de pessoas com doença grave ou gravíssima, que exigem a internação na UTI, o Poder Público é obrigado, do ponto de vista humano e ético, a internar as pessoas, mesmo que seja a pagamento na UTI de um Hospital Particular. Se não o fizer, os governantes devem ser presos, processados e julgados.

Onde está o Tribunal de Justiça (ou melhor, de Injustiça!) de Goiás? Por que tanta omissão? Que “Justiça“ é essa? O Tribunal - com sua omissão - não está sendo conivente com essa imoralidade pública? O Prefeito e o Secretário de Saúde do Município de Goiânia não são jurídica e eticamente responsáveis pelas pessoas que morreram por falta de vaga na UTI?

Por fim, como cristão, digo mais: doe-me muito e fico profundamente indignado com o silêncio da Igreja, a minha Igreja. Ela não deveria oficialmente fazer uma denúncia profética pública contra essa situação de pecado social: uma situação de morte pela omissão do Poder Público Municipal?

Com certeza, Jesus de Nazaré - que sempre se posicionou ao lado e do lado dos excluídos e excluídas - diante de uma situação desumana e antiética como essa, não ficaria omisso. Tenho certeza que - como aos Fariseus de sua época - Ele diria: “Raça de cobras venenosas! Se vocês são maus, como podem dizer coisas boas? Pois a boca fala aquilo de que o coração está cheio. O Ser humano bom tira coisas boas do seu bom tesouro e o Ser humano mau tira coisas más do seu mau tesouro” (Mt 12, 34-35).

Justiça já! Que as famílias, com membros falecidos por causa da falta de vagas na UTI pública, sejam ao menos - embora nada repare a dor - indenizadas pelo Poder Público! Que o Prefeito de Goiânia seja preso - como seus Colaboradores na Saúde já foram - e todos sejam jurídica e eticamente responsabilizados pelas mortes, processados e julgados.

“Deus faz justiça e defende todos os oprimidos/as” (Salmo 106, 3).


Marcos Sassatelli  Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282

https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 28 de novembro de 2024



A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos