terça-feira, 29 de abril de 2025

O Ser humano meta-histórico-social



    (Continua o tema dos artigos anterioriores sobre o Ser humano)


Na vida do Ser humano histórico - “já e ainda não” meta-histórico - a liberdade é uma exigência e, ao mesmo tempo, uma consequência da racionalidade. Ela "é um risco e um mistério que envolvem a absoluta frustração no ódio (morte plena) ou a radical realização no amor (vida plena)” (BOFF, L., Vida para além da Morte. Vozes, Petrópolis, 1973, p. 94). Esse risco e esse mistério devem ser assumidos e vividos permanentemente.


A realidade que chamamos de "morte" - como todos e todas sabemos por experiência - é constitutiva da condição existencial do Ser humano histórico. Sabemos que temos de morrer e - vendo a morte dos outros e das outras ou antecipando a nossa pela imaginação - podemos adquirir a experiência vital e a convicção real de nossa própria morte.


"Vejo claramente diante de mim minha morte. No constante incremento da eficácia vivida do meu passado, que ata cada vez mais fortemente cada um dos meus passos, sob cuja determinação nos sentimos cada vez mais claramente, e que atua como um todo sobre a vida; no progressivo estreitamento da esfera do futuro que me está dada na expectação imediata; na pressão, cada vez mais forte, do âmbito do presente, inserido entre o passado e o futuro; em todas as vivências, me está dado o acercamento da morte, que se aproxima por segundos; independente do lugar em que me encontre, dentro do ritmo vital de minha espécie humana, esteja enfermo ou são, observe-o ou não o observe, chegue ou não a formulá-lo claramente num juízo. Porque esta experiência está jacente na vida, na essência da vida, não no acaso de minha organização humana e no especial ritmo de sua existência: infância, juventude, velhice e duração da vida" (SCHELER, M. Murte y Supervivencia. Revista de Occidente, Madrid, s.d., p. 75-76. Citado por: DEL VALLE, A. Basave. Filosofia do homem - Fundamentos de Antropologia metafísica. Convívio, São Paulo, 1975, p. 247).


Neste sentido, o Ser humano, desde os primeiros momentos de sua vida,  caminha para  a "morte".


Ele é um "ser-para-a-morte", ou seja, um "ser-para-a-passagem” - última e definitiva - do "modo de ser histórico" (em processo permanente de meta-historicização: meta-histórico “já e ainda não”) para o "modo de ser meta-histórico" (em estado pleno: meta-histórico “além da morte”). Como, porém, o Ser humano histórico é "ontologicamente" voltado para a vida e a vida plena, ele é, sobretudo, um "ser-para-a-vida”.  


Em síntese, podemos dizer que o Ser humano histórico como "corpo" biopsíquico e espiritual ou pessoal, "morre" (a ênfase é colocada no corpo); o Ser humano histórico como "espírito" (ou "pessoa") biopsíquico e corpóreo, "ressuscita" ou "vive para além da morte" (a ênfase é colocada no espírito ou pessoa). O sujeito, porém, da Morte e Ressurreição é sempre o Ser humano histórico todo.


Na "morte" (cisão total do tempo para a eternidade) o Ser humano "acaba de nascer totalmente" (BOFF, L., o.c., p. 55) para a vida plena ou morte plena.


O Ser humano meta-histórico é, antes de tudo, Ser humano meta-social (meta-sociedade), mas a “meta-socialidade” não é a totalidade do Ser humano meta-histórico. A "meta-socialidade" é - podemos dizer - "meta-socialidade individual", porque a sociedade influencia e condiciona dialeticamente o indivíduo.


O Ser humano social, ou seja, o Ser humano histórico em suas relações sociais ou estruturais, é "ontologicamente" voltado para o meta-social; é, "já e ainda não", meta-social. A dimensão da meta-socialidade é constitutiva da meta-historicidade do Ser humano.


O Ser humano histórico meta-socializa-se dialética e permanentemente como “Vida social” ou “Morte social”, até à meta-socialização plena (total, absoluta) como “Vida social plena” ou “Morte social plena”.


A meta-socialização plena (total, absoluta) como “Vida social plena” é a afirmação da dimensão social do Ser humano em sua plenitude, ou seja, da humanização plena (da Vida eterna, da Páscoa definitiva, da Plenitude da Ressurreição, da Plenitude do Reino de Deus, da Salvação eterna, do Céu, do Paraíso).


A meta-socialização plena (total, absoluta) como “Morte social plena” é a negação de tudo o que foi dito no parágrafo anterior.


Contrariamente a uma interpretação "individualista", afirmar a meta-socialidade do Ser humano meta-histórico, significa "afirmar uma Comunidade humana 'além da morte’ (temporal), no sentido que a Comunidade humana - tendo já uma dimensão meta-histórica - náo é destruida por esta mesma morte" (GEVAERT, J., o.c., p. 268).


Para o Ser humano meta-social, “estrutural e constitutivamente” ligado aos outros (semelhantes), o processo dialético permanente (o caminho) da meta-socialização - até à meta-socialização plena (total, absoluta) como Vida meta-social plena ou Morte meta-social plena - passa pelo reconhecimento ou não dos outros como outros e pela experiência do amor meta-social (meta-estrutural) ou não (desamor meta-social, egoísmo meta-social), em todas as suas manifestações.


Essa experiência é ainda a condição necessária para encontrar (conhecer e vivenciar) o significado fundamental - último e definitivo - da existência humana meta-social.


A experiência do amor meta-social se dá (acontece) na e pela Práxis meta-sócial (voltaremos sobre   o assunto, falando da Práxis meta-social).


     (Continua nos próximos artigos sobre o Ser humano)

    O artigo foi publicado originalmente em:

                  https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-meta-historico-social/ (27/03/25)





Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282 


https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 28 de abril de 2025



segunda-feira, 21 de abril de 2025

Irrestrita solidariedade às Ocupações - Veemente repúdio às ameaças de despejo

 


“Mabel quer ceder áreas públicas para a construção civil” (O Popular, 02/04/25, p. 4 - Manchete). “A Prefeitura tem uma lista preliminar de 125 terrenos que poderiam entrar nas parcerias” (ib.).

Na realidade, o que o prefeito quer mesmo com as parcerias é: colaborar com o crescimento da especulação imobiliária na cidade de Goiânia, tornando os ricos cada vez mais ricos. Em contrapartida, ele quer receber “uma determinada quantia de dinheiro” para legalizar as parcerias e inibir as Ocupações, ameaçando-as de despejo.

De acordo com a SEPLAN, segundo o Sistema de cadastro de áreas da Prefeitura, “há atualmente 875 áreas públicas vagas e 305 ‘invadidas’ no município de Goiânia. O Órgão admite, no entanto, que os dados precisam ser checados” (ib.).

“Mabel diz que a gestão adotará medidas para a retirada de Ocupações irregulares. Na lista prévia de 125 terrenos, há 8 processos judiciais, que tratam de Ocupação”. O prefeito declara: “Vamos buscar estas áreas que estão invadidas (...). Será assim: ou a pessoa paga para que a gente possa pagar outras áreas, ou nós vamos tirar a invasão. O fato é que nós vamos recuperar essas áreas públicas que estão invadidas. São muitas” (ib.).

Antes de tudo, um esclarecimento: senhor prefeito, não se trata de “Invasões irregulares”, mas de Ocupações legítimas de terrenos sem função social por trabalhadores e trabalhadoras que querem e necessitam ter uma moradia digna: um direito fundamental de todo ser humano. Os verdadeiros invasores são os capitalistas, que se apropriam de terrenos - que são de todos e todas - para a especulação imobiliária.

Que vergonha, senhor prefeito! Infelizmente, suas atitudes mostram claramente de que lado o senhor está: do lado dos poderosos. Se o senhor estivesse do lado dos pobres, sua primeira preocupação - depois de eleito - teria sido: criar - com as áreas públicas e com a desapropriação de outras áreas sem função social - as condições necessárias para que todos e todas tivessem seu direito à moradia digna respeitado.

São Tomás de Aquino - em sua época - já dizia que, do ponto de vista ético, nenhum ser humano tem direito ao supérfluo, enquanto o outro (ser humano) não tem o necessário. E dizia ainda que a destinação dos bens para uso de todos os seres humanos é de direito natural primário e a posse (ou propriedade), de direito natural secundário. Quando o direito natural secundário impede o acesso de todos os seres humanos ao direito natural primário, é injusto e antiético (seja do ponto de vista filosófico ou teológico). Trata-se de verdades fundamentais que integram o Pensamento Social Cristão.

Papa Francisco pergunta: “Reconhecemos que este Sistema impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza? Se é assim - insisto - digamo-lo sem medo: queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este Sistema é insuportável: não o suportam os Camponeses, não o suportam os Trabalhadores, não o suportam as Comunidades, não o suportam os Povos. E nem sequer o suporta a Terra, a Irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco”. O Papa diz ainda que este Sistema insuportável exclui, degrada e mata”; e que os “3 T” - terra, teto (moradia) e trabalho - são direitos fundamentais de todo ser humano (2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15).

Do ponto de vista da ética humana e cristã (radicalmente humana), declaro e advirto:

1.    Declaro:

·         Na cidade, os terrenos “largados” para futura especulação imobiliária são de quem precisa deles para morar e trabalhar dignamente. São terrenos que não só podem, mas que devem ser ocupados por essas pessoas.

·         No campo, os latifúndios improdutivos e sem nenhuma função social são de quem precisa deles para morar e trabalhar dignamente na agricultura familiar e comunitária, produzindo alimentos sadios (sem venenos) para a alimentação do povo. São latifúndios que não só podem, mas que devem ser ocupados por essas pessoas.

·    Todo despejo é injusto (como já disse outras vezes). Ora, se o despejo tiver liminar de juiz, é mais injusto ainda, porque se trata de uma injustiça legalizada e institucionalizada. Pessoa humana nunca se despeja.


Observação: só existem três casos nos quais as pessoas podem ser removidas (não despejadas) com dignidade e respeito de uma Ocupação. Primeiro caso: quando a área é de utilidade pública; segundo caso: quando a área é de preservação ambiental. Nestes dois casos, a remoção pode acontecer somente depois que outras moradias estiverem prontas para serem ocupadas. Terceiro caso: quando a área é de risco para a vida dos moradores. Neste terceiro caso, a remoção deve ser imediata e o Poder Público tem a obrigação de pagar o aluguel social até que outras moradias estejam prontas para serem ocupadas.


2.    Advirto:

·         Os que foram eleitos para algum cargo público devem estar sempre a serviço do Povo, a partir dos mais pobres.

·         Lembrem-se que Deus é justo e “seus caminhos são justos e verdadeiros” (Ap 15,3). A justiça de Deus pode tardar, mas não falha.

     Por fim, a denúncia e o pedido de solidariedade do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Diteitos (MTD), do Comitê de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino e da Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil são meus também.

300 famílias em Situação de Ocupação no setor Solar Ville (Goiânia), distribuídas em quatro Ocupações diferentes: Paulo Freire, Marielle Franco, Terra Prometida e Manaim, recebem periodicamente novas ameaças de despejo. Nesse contexto, dezenas de crianças, mães, pessoas idosas, com deficiência e doentes - que foram acolhidos e acolhidas nas Comunidades - continuam vivendo em estado de aflição e surpresa. Quanta maldade! (cf. @mtd.goias, @comitedomtomas, @justpazop).



 


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282

Goiânia, 17 de abril de 2025

domingo, 13 de abril de 2025

A anistia como “um ato humanitário”! Que deboche!



Em São Paulo, “um dia após participar da manifestação na Avenida Paulista, promovida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em favor da anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, o governador Ronaldo Caiado (UB) classificou nesta segunda-feira (7), a medida como um ato humanitário, de significado maior, em decorrência das penas, que extrapolam aquilo que a população também entende como parâmetro em outros casos” (O Popular, 8 de abril de 2025). O governador Ronaldo Caiado é muito cara-de-pau!

21 anos de ditadura civil - militar (1964-1985) marcados:

  • pela suspensão dos direitos democráticos;
  • pela violação sistemática de todos os direitos humanos e
  • pela repressão mais cruel, perversa e diabólica possível (massacres, torturas, mortes).

Declarar publicamente - como fez Ronaldo Caiado - que a anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro/23 é “um ato humanitário”, significa debochar de todos e todas nós. È um absurdo! É inadmissível!

Somente três breves relatos - entre muitos, feitos à Comissão Nacional da Verdade por brasileiros e brasileiras que caíram nas garras da ditadura - são suficientes para nos mostrar o que ela foi:

  • Dirce Machado da Silva, agricultora do Norte de Goiás filiada ao Partido Comunista Brasileiro, conta o que os militares fizeram com seu marido para obrigá-la a delatar seus companheiros:

“Quebraram o nariz do Ribeiro com soco, arrastaram pelos pés e penduraram em uma árvore de cabeça para baixo, o sangue pelo nariz escorrendo. Se eu não falasse o que eles queriam ouvir, iriam matar o Ribeiro enforcado".

  • Izabel Fávero, professora e militante da organização Vanguarda Armada Revolucionária (VAR), conta que foi torturada em casa, na cidade de Nova Aurora, no Paraná, junto com seu marido:

"Batiam na gente com toalhas molhadas, tinham um alicate e beliscavam a gente no corpo, eles levaram meu marido e o jogaram no córrego que tinha ao lado de casa, deram choques elétricos, dentro do córrego. Ele ficou com traumas o resto da vida, ele teve problemas urinários e teve que tratar a vida toda".

  • Robeni Baptista da Costa, que era estudante secundarista e militante da União Nacional dos Estudantes (UNE):

"Eu fui para a cadeira do dragão (aparelho de tortura) em que os caras jogaram água e me deram um choque na vagina, no seio, o pior foi na orelha, porque a impressão que dá é que jogaram o cérebro da gente no liquidificador, sabe?".

Depoimentos como esses revelam uma perversidade diabólica e desmentem também o trecho do texto, assinado (no dia 01 de abril/22) pelos então Ministro da Defesa Braga Neto e Comandantes das Forças Armadas, segundo o qual "nos anos seguintes ao dia 31 de março de 1964, a sociedade brasileira conduziu um período de estabilização, de segurança, de crescimento econômico e de amadurecimento político, que resultou no restabelecimento da paz no País".

Rebatem ainda as palavras do então vice-presidente Hamilton Mourão, para quem em 1964 "a nação salvou a si mesma". Que salvação é essa, que prende, tortura e mata os que discordam do regime!

Para completar, o então presidente Jair Bolsonaro, entre outras idiotices, disse que sem a ditadura o Brasil seria "uma republiqueta". Que mentira! Para Bolsonaro “uma mentira a mais ou a menos não faz a menor diferença” (https://noticias.uol.com.br/colunas/chico-alves/2022/04/01/elogios-a-ditadura-anteciparam-o-dia-da-mentira.htm).

Governador Ronaldo Caiado, como o senhor - em sã consciência - pode afirmar que a anistia dada aos que tramaram a volta à ditadura é “um ato humanitário”? É muita hipocrisia! O senhor deve achar que o povo é idiota!

Como podem existir pessoas que ainda querem a volta da ditadura! Anistia nunca!

Respeitando seus direitos de pessoas humanas (o que a ditadura não fez), os responsáveis pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro/23 e tentativa de golpe devem ser presos e punidos. Terão, assim, tempo para refletir e - quem sabe - mudar de vida! Esperançar é preciso. Feliz Páscoa!


 
             Militares cercam o Campus Saúde da UFMG em Belo Horizonte.                                           Senado, 08/01/23                                 
                                      Foto: Projeto República/UFMG                                                                               Marcelo Camargo - Agência Brasil
   




Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282

Goiânia, 11 de abril de 2025

 


segunda-feira, 31 de março de 2025

A verdadeira “Vox Patris”

 


     No Brasil, as desigualdades e as injustiças são gritantes. Segundo alguns dados amplamente divulgados na imprensa e nas redes sociais:

·         1% da população detém 63% da riqueza nacional.

·         50% dos mais pobres detêm apenas 2% dessa riqueza.

·         Mais de 45 milhões de pessoas vivem em condições precárias e indignas de moradia.

·         Cerca de 330 mil pessoas vivem em situação de rua.

·         Cerca de 1,05 milhão de pessoas vivem em condições análogas à escravidão. 

·         Cerca de 7,5 milhões de trabalhadores e trabalhadoras são desempregados.

·   60% dos trabalhadores e das trabalhadoras recebem até um salário-mínimo por mês (atualmente: R$ 1.518,00).                                                                                                     

34 pessoas em condições análogas à escravidão resgatadas                               Condições precárias e indignas de moradia             
 Imagem: Sérgio Carvalho/Inspeção do Trabalho                                                       www.brasildefato.com.br                  


Nessa realidade de desigualdades e injustiças, na cidade de Trindade (GO – Brasil) foi iniciado em 2012º complexo religioso do (segundo) Santuário Novo (cujas obras estão atrasadas), que foi orçado em R$ 100 milhões e deve ter o custo final de R$ 1,4 bilhão (cf. Folhas de S. Paulo, 04 de setembro de 2020).

A Nova Basílica do Divino Pai Eterno, cuja previsão inicial de conclusão era 2022, ainda está em construção. Será a segunda maior do país e a terceira maior do mundo, com uma área construída de 145 mil metros quadrados. O templo terá capacidade para 8 mil pessoas sentadas.

Em maio próximo - antes da Festa deste ano de 2025 (27/06 - 06/07) será instalado, na Basílica do Divino Pai Eterno, um sino que pesa 55 toneladas; tem 4 metros de altura e 4,5 metros de diâmetro. Foi fabricado por uma empresa polonesa; é o maior sino do mundo que badala e custa R$ 17 milhões (alguns dizem R$ 18 milhões), sem contar os gastos com o transporte e outros. O sino irá compor um carrilhão de 37 sinos no total, também vindos da Polônia.

Como cristão que sou e que - apesar de minhas limitações - procuro ser sempre mais, fiquei profundamente indignado com toda essa história do complexo “religioso” do (segundo) Santuário Novo e do maior sino do mundo. Por isso, denúncio:

·         Trata-se de um complexo “religioso” antievangélico que, ao mesmo tempo, é um pontapé na cara dos pobres.

·         A voz do maior sino do mundo não é a “Vox Patris” (Voz do Pai), mas uma amostra concreta do “pecado estrutural” da Igreja.

A verdadeira “Vox Patris” (Voz do Pai) é a voz dos nossos irmãos e irmãs que vivem nas situações desumanas e injustas acima descritas e em muitas outras semelhantes.

A Igreja Católica no Brasil (e não só no Brasil) - com o apoio dos membros de alguns Movimentos Eclesiais e, sobretudo, de ministros ordenados (diáconos, padres e bispos) -desconsiderou todo trabalho pastoral de renovação do pós-Concílio Vaticano II e da pós-Conferência de Medellín. Voltou a ser uma Igreja conservadora e triunfalista, que quer se impor pela ostentação, pelo prestígio e pelo poder, inclusive financeiro. O complexo do (segundo) Santuário Novo de Trindade - GO, com o maior sino do mundo, é uma prova disso.

A Igreja - como estrutura de poder - não tem nada a ver com o Evangelho de Jesus de Nazaré e com a vida de irmãos e irmãs das Primeiras Comunidades Cristãs..

Ora, apesar do pecado estrutural da Igreja e dos nossos pecados pessoais de cristãos e cristãs, temos - nessa mesma Igreja - muitas pessoas santas. Digo isso baseado na minhã longa experiência pastoral: nas CEBs, nas Paróquias da periferia de Goiânia, nas Pastorais Socioambientais, no trabalho de Coordenador  (Vigário Geral e Vigário Episcopal) da Pastoral da Arquidiocese de Goiânia. E também, na minha longa experiência junto aos Movimentos Socioambientais Populares e no ensino universitário (UFG  e outros Institutos).

A Igreja, como Instituição, precisa viver em processo de conversão permanente e ter sempre presente que Jesus é o Caminho a Verdade e a Vida. Enquanto Caminho, Jesus nasceu como “sem-teto” na manjedoura de um estábulo; esteve sempre do e ao lado dos Pobres e morreu na Cruz por amor, acusado de “subverter” o Povo. Enquanto Verdade, Jesus nos ensinou que - Nele - todos e todas somos irmãos e irmãs, filhos e filhas do mesmo Pai-Mãe, que é Deus, no Amor (Espírito Santo). Enquanto Vida, Jesus se entregou totalmente aos Pobres, morrendo na Cruz por amor, para que - a partir dos Pobres - todos e todas tenham vida e vida em plenitude. Ninguém tem maior amor do que aquele ou aquela que dá a vida pelas pessoas amadas.

Jesus ressuscitou, está vivo, presente no meio de nós e continua sua missão, caminhando com todos e todas que queremos ser de verdade seus seguidores e seguidoras.

Uma outra Igreja Cristã Católica é possivel e necessária! Lutemos por ela! A esperança nunca morre! Ouçamos a verdadeira Voz do Pai. Feliz Páscoa a todos e todas!

(Vejam também o meu artigo: “Trindade: um Santuário faraônivo” de 17 de dezembro de 2021, em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/615350-trindade-um-santuario-faraonico ou no Blog do Frei Marcos).

(No final, um esclarecimento: o meu juízo ético - humano e cristão - é sobre fatos e situações concretas. A consciência das pessoas envolvidas nesses fatos e situações só Deus conhece e só Deus pode julgar).


 https://www.paieterno.com.br/2025/01/03/                          Foto: picture-alliance/PAP/J. Graczynski            

                 novo-santuario-sendo-organizado-para-romaria-2025/   

       



Marcos Sassatelli, Frade Dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
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Goiânia, 29 de março de 2025

domingo, 23 de março de 2025

Fraternidade-Sororidade e Ecologia Integral (2ª parte)

 

“Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31)


O Texto-Base da Campanha da Fraternidade-Sororidade 2025 - na Introdução - depois de lembrar que a palavra Ecologia deriva do grego “oikos” (casa), afirma: “O desafio para nossa conversão nesta Quaresma é cuidar da casa: da casa interior de cada um de nós (espiritualidade), da casa em que habitamos (família), da  casa em que passamos grande parte do nosso tempo (trabalho), da casa em que nos relacionamos (cidade) etc. e da nossa Casa Comum (o Planeta Terra), pois nela, tudo está interligado” (16).

 

Embora o texto apresente de maneira clara as diversas casas das quais o ser humano - homem e mulher - deve cuidar, o texto menciona a “espiritualidade” somente quando fala da “casa interior de cada um de nós”.

 

Como irmão, faço uma crítica construtiva: o texto revela uma visão teológica de espiritualidade intimista, que não está de acordo com o Evangelho de Jesus de Nazaré e nem com a vida das Primeiras Comunidades Cristãs. Essa visão leva - mesmo que seja (ou, possa ser) em boa fé - a um comportamento, que costumo chamar de “egoísmo religioso”, muito presente na Igreja hoje. “Eu, eu, eu te louvo; eu, eu, eu te agradeço; eu, eu, eu te peço...”. Jesus - ensinando aos discípulos a orar - não falou “Pai meu”, mas “Pai Nosso”.

 

A espiritualidade humana, a espiritualidade cristã (radicalmente humana) e toda verdadeira espiritualidade abrange o ser humano - homem e mulher - todo, em todas suas dimensões e relações: no mundo com o mundo, no mundo com os outros e as outras, e no mundo com o Outro Absoluto (Deus).

 

Sempre como irmão, faço agora alguns questionamentos, que causam muita dor no coração de quem como eu (um “jovem” de quase 86 anos) viveu intensamente e com muito entusiasmo o tempo da renovação da Igreja do pós-Concílio Vat. II e da pós-Conferência de Medellín.

  • Por que a Igreja Católica no Brasil - quando diz que o modelo econômico brasileiro (às vezes chamado modelo de desenvolvimento capitalista) produz muitas desigualdades e injustiças socioambientais gritantes, juntamente com o envenenamento e a profanação da Irmã Mãe Terra, Nossa Casa Comum - não diz também, de maneira clara e profética, que esse modelo se chama hoje sistema econômico capitalista neoliberal ou ultraneoliberal, estruturalmente perverso, cruel, irracional, desumano, antiético e anticristão ?
  • Por que a Igreja Católica no Brasil - nestes últimos tempos - não cita mais, em seus Documentos e nem na Bibliografia ou Lista das Siglas (a não ser muito raramente um ou outro Texto) o Concílio Vaticano II e a Conferência de Medellín?
  • Por que a Igreja Católica no Brasil não fala mais (ou fala muito pouco) da Igreja Povo de Deus e do que isso significa para nós hoje? Na Igreja Povo de Deus, todos e todas somos filhos e filhas do mesmo Pai-Mãe que é Deus, irmãos e irmãs em Cristo e temos o mesmo valor. Pergunto: existe uma dignidade maior do que essa? Na visão de Igreja, Povo de Deus, que se baseia no Evangelho e na vida das Primeiras Comunidades Cristãs, não existem classes. Não existem superiores e inferiores ou subordinados, mas somente coordenadores e coordenadoras. A Igreja que Jesus quis e quer não é uma pirâmide, mas um círculo.
  • Só “existem dons diferentes, mas o Espírito é o mesmo; serviços diferentes, mas o Senhor é o mesmo; modos diferentes de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos e em todas. Cada um e cada uma recebe o dom de manifestar o Espírito para o bem de todos e de todas” (1Cor 4-7).
  • Como estamos longe de uma Igreja realmente de acordo com o Evangelho e a vida das Primeiras Comunidades Cristãs!
  • Por que hoje, na Igreja Católica no Brasil, quase ninguém conhece e fala da visão de Paróquia e de Comunidade de Base da Conferência de Medellín, que é uma releitura do Concílio Vaticano II para a América Latina e o Caribe?
  • Para a Conferência de Medellín, a Paróquia é “um conjunto pastoral unificador de Comunidades de Base” (Med. XV, 13) e a Comunidade de Base é “o primeiro e fundamental núcleo eclesial” ou “a célula inicial da estrutura eclesial” (Ib. 10).
  • A visão de Igreja hoje não é ou não voltou a ser uma visão clerical, que não tem nada a ver com o Evangelho e o jeito de ser das Primeiras Comunidades Cristãs? Meditemos!
  • “Aprouve a Deus salvar e santificar os seres humanos (homens e mulheres), não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles e elas, mas constituindo­-os em Povo que O conhecesse na verdade e O servisse santamente” (LG, 9)
  • Por fim, o conceito de Ecologia Integral, presente na Encíclica Laudato Si’, destaca que a responsabilidade do ser humano - homem e mulher - de cuidar da Casa Comum, promovendo justiça social e ambiental, é parte integrante da ética e espiritualidade cristã (ética e espiritualidade radicalmente humanas).

      Parabéns a todos os companheiros e a todas as companheiras, que - como irmãos e irmãs -                 lutam por um Mundo Novo. Feliz Páscoa!


 




https://cnbbsul.org.br/cebs-igreja-em-saida-na-busca-de-vida-plena-para-todos-e-todas-       

regional-sul-i-presente-no-15o-intereclesial-das-cebs/




 

Marcos Sassatelli, Frade Dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor posentado de Filosofia da UFG
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Goiânia, 21 de março de 2025


Fraternidade-Sororidade e Ecologia Integral (1ª parte)

 

“Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31)


·         A palavra “homem” (em latim: “homo”) designa o ser humano “macho” (em latim: “vir”) e o ser humano “fémea” (em latim: “mulier”) está subentendido (não expressado, presente de modo implícito).

·         A palavra “fraternidade” designa a comunhão de amor entre os “irmãos” (em latim: “fratres”) e as irmãs (em latim: “sorores”) estão subentendidas.

A Igreja - em sua linguagem e em sua prática - incorporou a cultura machista da sociedade e a aceita como sendo “normal”.

A Campanha da Fraternidade visa aprofundar a comunhão de amor entre irmãos (fratres), refletindo sobre um tema da atualidade (neste ano de 2025, sobre a Ecologia Integral), mas as irmãs (sorores) estão subentendidas.  

Pergunto: não é hora de abrir caminhos novos que levem à mudança dessa mentalidade cultural machista?

Para que os Irmãos e as Irmãs sejam tratados com igualdade - a começar pelo uso da linguagem - a Campanha da Fraternidade não deveria ser chamada “Campanha da Fraternidade-Sororidade” (Fratres e Sorores) ou, simplesmente, “Campanha da Irmandade” (Irmãos e Irmãs)?

(As palavras "soror" e "sorores" são palavras latinas, que são usadas também na língua portuguesa; as palavras “frater” e “fratres” são palavras latinas, que na língua portuguesa se traduzem com as palavras “Frade” e “Frades”). 

Após essas considerações, apresento o texto bíblico sobre a criação do ser humano, homem e mulher: “Deus disse: ‘Façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança. Que ele cuide dos peixes do mar, das aves do céu, dos animais domésticos, de todas as feras e de todos os répteis que rastejam sobre a terra’. E Deus criou o ser humano à sua imagem; à imagem de Deus ele o criou; e os criou macho e fémea. E Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sejam fecundos, multipliquem-se, encham e cuidem da terra; cuidem dos peixes do mar, das aves do céu e de todos os seres vivos que rastejam sobre a terra’. E Deus disse: ‘Vejam! Eu entrego a vocês todas as ervas que produzem semente e estão sobre toda a terra, e todas as árvores em que há frutos que dão semente: tudo isso será alimento para vocês. E para todas as feras, para todas as aves do céu e para todos os seres que rastejam sobre a terra e nos quais há respiração de vida, eu dou a relva como alimento’. E assim se fez. Deus viu tudo o que havia feito, e tudo era muito bom” (Gn 1, 26-31).

Tendo por base o texto - acima citado - faço agora algumas reflexões críticas a respeito da Campanha da Fraternidade (pessoalmente, já acrescentei: Sororidade) e Ecologia Integral (CFS-2025).

No Projeto de Deus, a irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum é como um Jardim. O ser humano, homem e mulher - criado à imagem e semelhança de Deus - integra esse Jardim e - por ser sua parte pensante - é chamado a ser também seu jardineiro e sua jardineira.

A desobediência do ser humano, homem e mulher, ao Projeto de Deus - desrespeitando, envenenando e destruindo a Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum (em nome, sobretudo hoje, do deus capital ou deus dinheiro) - é o pecado socioambiental (socioeconômico, sociopolítico, socioecológico, sociocultural e sociorreligioso) estrutural do ser humano, que inclui também seus pecados pessoais.

No Projeto de Deus - que é o Seu Reino - os seres humanos, homens e mulheres, são chamados e chamadas a viver sempre mais profundamente o sentido de sua vida, na vida e com a vida da Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum. 

Como ideal, os cristãos e cristãs devem ser radicalmente (plenamente) seres humanos, mas sempre na Terra e com a Terra Nossa Casa Comum.

“O mistério do ser humano só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo Encarnado”. Cristo “revela o ser humano ao próprio ser humano e lhe descobre a sua sublime vocação” (Conc. Vat. II. GS 22).

“A fé ilumina todas as coisas com uma luz nova, manifesta o Plano de Deus sobre a vocação integral do ser humano e orienta a mente (o espírito) para soluções plenamente humanas” (Ib. 11).

Que a Campanha da Fraternidade-Sororidade 2025 e Ecologia Integral nos ajude a viver o tempo da Quaresma como um tempo forte de graça de Deus e de conversão, em preparação à Páscoa, que é Vida Nova, que é Mundo Novo.

(Continua na 2ª parte)


        Campanha da Fraternidade-Sororidade 2024




Marcos Sassatelli, Frade Dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor posentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282
https://freimarcos.blogspot.com

Goiânia, 21 de março de 2025



A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos